Opinião|Lei que cria cadastro de agressores sexuais é populista e não resolve o problema


A ideia de punir eternamente um criminoso sexual é bem aceita pela sociedade. A indignação é justa, mas ter o sentimento popular como norte de política pública nem sempre funciona

Por Anderson Almeida

É verdade que o populismo penal nunca esteve em baixa. Mas, em tempos de redes sociais e suas respectivas bolhas, tratar o processo penal como vacina para os males da nossa sociedade tem se tornado uma das mais eficazes e óbvias armas eleitorais.

Um exemplo disso é o projeto de lei que permite a consulta pública de dados sobre condenados por crimes contra a dignidade sexual, como estupro e pedofilia. A proposta é da senadora Margareth Buzetti (PSD-MT) e foi aprovada como substitutivo do Projeto de Lei 6.212/2023.

A iniciativa recebeu a sanção presidencial em novembro e se tornou a Lei 15.035/2024, que cria o Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais. Conforme o texto aprovado, o sistema de consulta a ser implementado deve permitir acesso público ao nome completo e ao número de CPF de réus condenados por crimes sexuais já na primeira instância.

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O cadastro irá reunir pessoas que cometeram crimes de estupro e estupro de vulnerável, registro não autorizado da intimidade sexual, manutenção de casa de prostituição, favorecimento da prostituição e cafetinagem.

Nos casos em que o réu for absolvido, o sigilo de suas informações volta a ser implementado. As vítimas sempre terão seus dados preservados.

A iniciativa é problemática por diversos aspectos e não resolve o problema. Para começar, o espírito da nova lei vai contra a reabilitação do preso prevista em nosso Código Penal no artigo 94.

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É como se o Estado brasileiro prometesse reabilitar o condenado por algum crime e, cumprida a pena, dissesse: não é bem assim... A inclusão do réu em um cadastro público de criminosos sexuais, na prática, inviabiliza qualquer chance de que ele se reintegre à sociedade.

E inviabilizar a reinserção desses indivíduos na sociedade, ao contrário do que os entusiastas do cadastro acreditam, pode aumentar a chance de que esses marginalizados cometam novos crimes.

A lei brasileira também ignora a ineficácia de regramento semelhante aprovado nos Estados Unidos. Trata-se da Lei de Megan, que foi criada em 1996, após o assassinato de Megan Kanka, uma menina de 7 anos.

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A lei norte-americana exige que as autoridades locais informem as comunidades sobre a presença de criminosos sexuais registrados em suas áreas. Os dados fornecidos incluem nome, endereço, fotografia e detalhes do crime.

Análise realizada pela Universidade Rutgers e pelo Departamento de Penas do Estado de Nova Jersey – local onde ocorreu o assassinato de Megan – demonstraram que a lei falhou ao reduzir crimes sexuais.

Se a experiência estrangeira mostra que o cadastro público não contribuiu para diminuir os crimes sexuais, por que, afinal, os parlamentares brasileiros que contam com um séquito de auxiliares demonstram tanto entusiasmo com a ideia?

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A resposta necessariamente passa por cálculo eleitoral. Execrar publicamente pessoas suspeitas de crimes sexuais, mesmo se condenadas em primeira instância, viola a garantia constitucional de que ninguém será culpado até o trânsito em julgado, mas é um belo tema para peças de marketing político nas redes sociais. A população certamente irá aplaudir, o post ou vídeo vai engajar e o Estado brasileiro irá desperdiçar recursos para fazer cumprir uma lei ineficaz.

A ideia de punir eternamente um criminoso sexual é bem aceita pela sociedade, afinal, esse tipo de crime desperta ojeriza na maioria da população. A indignação é justa, mas ter o sentimento popular como norte de política pública nem sempre funciona. A Lei Megan é um exemplo disso.

De 2011 até 2017 foram registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, 184.524 casos de violência sexual contra crianças (31,5%) e adolescentes (45%).

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O levantamento inclui os crimes de estupro, pornografia infantil e exploração sexual e demostrou que a maioria dos agressores é composta por pais, mães, padrastos, madrastas e irmãos.

A ideia de que todos os agressores sexuais são lobos solitários degenerados que estão sempre à espreita na rua é confortável para a maioria das pessoas. Infelizmente, a realidade é outra. Criar uma pena perpétua para agressores sexuais não é a resposta. Por sinal, o Direito Penal na maioria das vezes está longe de ser a solução ideal.

A conclusão óbvia que os números sugerem é que seria muito mais efetivo uma política pública ampla e bem estruturada de educação sexual nas escolas.

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Pena que fornecer educação sexual de qualidade para crianças, tratamento de saúde para potenciais criminosos com distúrbios como pedofilia e uma rede de apoio efetiva para vítimas são iniciativas que quase não dão votos. Mas é fato que iriam ajudar muito a combater crimes contra a dignidade sexual.

Cabe ao processo penal crimes cometidos quando todas as iniciativas do Estado no combate a um delito falharam. Quando essas políticas inexistem, o processo penal deixa de cumprir o que seria sua função primordial para ser apenas uma ferramenta útil para o populismo.

*

ADVOGADO CRIMINALISTA

É verdade que o populismo penal nunca esteve em baixa. Mas, em tempos de redes sociais e suas respectivas bolhas, tratar o processo penal como vacina para os males da nossa sociedade tem se tornado uma das mais eficazes e óbvias armas eleitorais.

Um exemplo disso é o projeto de lei que permite a consulta pública de dados sobre condenados por crimes contra a dignidade sexual, como estupro e pedofilia. A proposta é da senadora Margareth Buzetti (PSD-MT) e foi aprovada como substitutivo do Projeto de Lei 6.212/2023.

A iniciativa recebeu a sanção presidencial em novembro e se tornou a Lei 15.035/2024, que cria o Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais. Conforme o texto aprovado, o sistema de consulta a ser implementado deve permitir acesso público ao nome completo e ao número de CPF de réus condenados por crimes sexuais já na primeira instância.

O cadastro irá reunir pessoas que cometeram crimes de estupro e estupro de vulnerável, registro não autorizado da intimidade sexual, manutenção de casa de prostituição, favorecimento da prostituição e cafetinagem.

Nos casos em que o réu for absolvido, o sigilo de suas informações volta a ser implementado. As vítimas sempre terão seus dados preservados.

A iniciativa é problemática por diversos aspectos e não resolve o problema. Para começar, o espírito da nova lei vai contra a reabilitação do preso prevista em nosso Código Penal no artigo 94.

É como se o Estado brasileiro prometesse reabilitar o condenado por algum crime e, cumprida a pena, dissesse: não é bem assim... A inclusão do réu em um cadastro público de criminosos sexuais, na prática, inviabiliza qualquer chance de que ele se reintegre à sociedade.

E inviabilizar a reinserção desses indivíduos na sociedade, ao contrário do que os entusiastas do cadastro acreditam, pode aumentar a chance de que esses marginalizados cometam novos crimes.

A lei brasileira também ignora a ineficácia de regramento semelhante aprovado nos Estados Unidos. Trata-se da Lei de Megan, que foi criada em 1996, após o assassinato de Megan Kanka, uma menina de 7 anos.

A lei norte-americana exige que as autoridades locais informem as comunidades sobre a presença de criminosos sexuais registrados em suas áreas. Os dados fornecidos incluem nome, endereço, fotografia e detalhes do crime.

Análise realizada pela Universidade Rutgers e pelo Departamento de Penas do Estado de Nova Jersey – local onde ocorreu o assassinato de Megan – demonstraram que a lei falhou ao reduzir crimes sexuais.

Se a experiência estrangeira mostra que o cadastro público não contribuiu para diminuir os crimes sexuais, por que, afinal, os parlamentares brasileiros que contam com um séquito de auxiliares demonstram tanto entusiasmo com a ideia?

A resposta necessariamente passa por cálculo eleitoral. Execrar publicamente pessoas suspeitas de crimes sexuais, mesmo se condenadas em primeira instância, viola a garantia constitucional de que ninguém será culpado até o trânsito em julgado, mas é um belo tema para peças de marketing político nas redes sociais. A população certamente irá aplaudir, o post ou vídeo vai engajar e o Estado brasileiro irá desperdiçar recursos para fazer cumprir uma lei ineficaz.

A ideia de punir eternamente um criminoso sexual é bem aceita pela sociedade, afinal, esse tipo de crime desperta ojeriza na maioria da população. A indignação é justa, mas ter o sentimento popular como norte de política pública nem sempre funciona. A Lei Megan é um exemplo disso.

De 2011 até 2017 foram registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, 184.524 casos de violência sexual contra crianças (31,5%) e adolescentes (45%).

O levantamento inclui os crimes de estupro, pornografia infantil e exploração sexual e demostrou que a maioria dos agressores é composta por pais, mães, padrastos, madrastas e irmãos.

A ideia de que todos os agressores sexuais são lobos solitários degenerados que estão sempre à espreita na rua é confortável para a maioria das pessoas. Infelizmente, a realidade é outra. Criar uma pena perpétua para agressores sexuais não é a resposta. Por sinal, o Direito Penal na maioria das vezes está longe de ser a solução ideal.

A conclusão óbvia que os números sugerem é que seria muito mais efetivo uma política pública ampla e bem estruturada de educação sexual nas escolas.

Pena que fornecer educação sexual de qualidade para crianças, tratamento de saúde para potenciais criminosos com distúrbios como pedofilia e uma rede de apoio efetiva para vítimas são iniciativas que quase não dão votos. Mas é fato que iriam ajudar muito a combater crimes contra a dignidade sexual.

Cabe ao processo penal crimes cometidos quando todas as iniciativas do Estado no combate a um delito falharam. Quando essas políticas inexistem, o processo penal deixa de cumprir o que seria sua função primordial para ser apenas uma ferramenta útil para o populismo.

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ADVOGADO CRIMINALISTA

É verdade que o populismo penal nunca esteve em baixa. Mas, em tempos de redes sociais e suas respectivas bolhas, tratar o processo penal como vacina para os males da nossa sociedade tem se tornado uma das mais eficazes e óbvias armas eleitorais.

Um exemplo disso é o projeto de lei que permite a consulta pública de dados sobre condenados por crimes contra a dignidade sexual, como estupro e pedofilia. A proposta é da senadora Margareth Buzetti (PSD-MT) e foi aprovada como substitutivo do Projeto de Lei 6.212/2023.

A iniciativa recebeu a sanção presidencial em novembro e se tornou a Lei 15.035/2024, que cria o Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais. Conforme o texto aprovado, o sistema de consulta a ser implementado deve permitir acesso público ao nome completo e ao número de CPF de réus condenados por crimes sexuais já na primeira instância.

O cadastro irá reunir pessoas que cometeram crimes de estupro e estupro de vulnerável, registro não autorizado da intimidade sexual, manutenção de casa de prostituição, favorecimento da prostituição e cafetinagem.

Nos casos em que o réu for absolvido, o sigilo de suas informações volta a ser implementado. As vítimas sempre terão seus dados preservados.

A iniciativa é problemática por diversos aspectos e não resolve o problema. Para começar, o espírito da nova lei vai contra a reabilitação do preso prevista em nosso Código Penal no artigo 94.

É como se o Estado brasileiro prometesse reabilitar o condenado por algum crime e, cumprida a pena, dissesse: não é bem assim... A inclusão do réu em um cadastro público de criminosos sexuais, na prática, inviabiliza qualquer chance de que ele se reintegre à sociedade.

E inviabilizar a reinserção desses indivíduos na sociedade, ao contrário do que os entusiastas do cadastro acreditam, pode aumentar a chance de que esses marginalizados cometam novos crimes.

A lei brasileira também ignora a ineficácia de regramento semelhante aprovado nos Estados Unidos. Trata-se da Lei de Megan, que foi criada em 1996, após o assassinato de Megan Kanka, uma menina de 7 anos.

A lei norte-americana exige que as autoridades locais informem as comunidades sobre a presença de criminosos sexuais registrados em suas áreas. Os dados fornecidos incluem nome, endereço, fotografia e detalhes do crime.

Análise realizada pela Universidade Rutgers e pelo Departamento de Penas do Estado de Nova Jersey – local onde ocorreu o assassinato de Megan – demonstraram que a lei falhou ao reduzir crimes sexuais.

Se a experiência estrangeira mostra que o cadastro público não contribuiu para diminuir os crimes sexuais, por que, afinal, os parlamentares brasileiros que contam com um séquito de auxiliares demonstram tanto entusiasmo com a ideia?

A resposta necessariamente passa por cálculo eleitoral. Execrar publicamente pessoas suspeitas de crimes sexuais, mesmo se condenadas em primeira instância, viola a garantia constitucional de que ninguém será culpado até o trânsito em julgado, mas é um belo tema para peças de marketing político nas redes sociais. A população certamente irá aplaudir, o post ou vídeo vai engajar e o Estado brasileiro irá desperdiçar recursos para fazer cumprir uma lei ineficaz.

A ideia de punir eternamente um criminoso sexual é bem aceita pela sociedade, afinal, esse tipo de crime desperta ojeriza na maioria da população. A indignação é justa, mas ter o sentimento popular como norte de política pública nem sempre funciona. A Lei Megan é um exemplo disso.

De 2011 até 2017 foram registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, 184.524 casos de violência sexual contra crianças (31,5%) e adolescentes (45%).

O levantamento inclui os crimes de estupro, pornografia infantil e exploração sexual e demostrou que a maioria dos agressores é composta por pais, mães, padrastos, madrastas e irmãos.

A ideia de que todos os agressores sexuais são lobos solitários degenerados que estão sempre à espreita na rua é confortável para a maioria das pessoas. Infelizmente, a realidade é outra. Criar uma pena perpétua para agressores sexuais não é a resposta. Por sinal, o Direito Penal na maioria das vezes está longe de ser a solução ideal.

A conclusão óbvia que os números sugerem é que seria muito mais efetivo uma política pública ampla e bem estruturada de educação sexual nas escolas.

Pena que fornecer educação sexual de qualidade para crianças, tratamento de saúde para potenciais criminosos com distúrbios como pedofilia e uma rede de apoio efetiva para vítimas são iniciativas que quase não dão votos. Mas é fato que iriam ajudar muito a combater crimes contra a dignidade sexual.

Cabe ao processo penal crimes cometidos quando todas as iniciativas do Estado no combate a um delito falharam. Quando essas políticas inexistem, o processo penal deixa de cumprir o que seria sua função primordial para ser apenas uma ferramenta útil para o populismo.

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