O governo chinês aprovou estratégia de política industrial para tornar seu país autossuficiente numa série de importantes setores, até 2025. Com esse fim abrirá linhas de financiamento de mais de 300 bilhões de yuans.
Embora o objetivo seja modernizar a indústria em geral, o plano indica dez setores prioritários: nova tecnologia avançada de informação; robótica e máquinas automatizadas; aeroespaço e equipamento aeronáutico; equipamento naval e navios de alta tecnologia; equipamento de transporte ferroviário moderno; veículos e equipamentos elétricos; equipamento de geração de energia; implementos agrícolas; novos materiais, biofármacos e produtos médicos avançados.
Um dos aspectos mais importantes dessa estratégia consiste na produção doméstica de partes e componentes de alto valor agregado, aumentando a porcentagem do conteúdo nacional utilizado nos produtos tecnológicos para 40% até o ano de 2020, chegando a 70% dos componentes produzidos em manufaturas chinesas em 2025, com critérios e indicadores específicos para medir os avanços nos diferentes setores industriais abordados. O plano governamental prevê que as empresas que se beneficiarem desse apoio deverão ter uma participação de pelo menos 80% do mercado doméstico em apenas oito anos.
O primeiro-ministro Li Keqiang, no início de março, apresentou na 6.ª sessão plenária do Comitê Central do Partido Comunista alguns desdobramentos do 13.º plano quinquenal para a economia chinesa. Uma das metas é estimular a ampliação das áreas de serviços e de alta tecnologia, que estão crescendo, mas não têm ainda peso suficiente para substituir os atuais (cada vez menos eficientes) motores do crescimento da economia chinesa: infraestrutura e construção civil. “Vamos acelerar a pesquisa e o desenvolvimento e a comercialização de novos materiais, inteligência artificial, biofarmacêutica, comunicação móvel e outras tecnologias, além de apoiar a criação de clusters industriais nessas áreas”, anunciou.
O governo oferecerá empréstimos de grande monta e a juros baixos, subsidiados, originários de fundos estatais e bancos de desenvolvimento; assistência financeira para a aquisição de concorrentes estrangeiros e incentivos para pesquisa. Além da política de subsídios domésticos, o programa prevê também apoio para a internacionalização de empresas chinesas a partir de compras de ativos no exterior.
O investimento chinês em alta tecnologia, que pretende transformar o país numa superpotência manufatureira, deve ser interpretado como apenas uma das etapa de um amplo programa de expansão econômica e política. A “inovação nativa” objetiva identificar, digerir, absorver e reinventar tecnologias estrangeiras nos domínios civil e militar. O “Made in China em 2025” representa uma política industrial sofisticada e estratégica, que rapidamente aumentará a competitividade global das companhias chinesas. Essas companhias vão escolher seletivamente os mais importantes setores industriais do futuro e passarão a representar um desafio para as principais economias de hoje.
Não é difícil imaginar as consequências para a produção e o intercâmbio comercial global, caso esse plano seja bem-sucedido. As companhias industriais do mundo inteiro começam a preocupar-se porque a política de autossuficiência em tecnologia de ponta dará às empresas chinesas uma vantagem no mercado doméstico e no resto do mundo. Segundo relatório da Câmara de Comércio da União Europeia na China, o “Made in China em 2025”, com fortes incentivos do governo de Pequim para as indústrias dos setores que forem privilegiados, deverá tornar inviáveis os concorrentes do exterior e fortalecerá as empresas chinesas subsidiadas no mercado global.
Trata-se da versão chinesa da nossa conhecida política de “campeões nacionais”, talvez com melhores perspectivas de êxito. Em vista dos ambiciosos objetivos e recursos financeiros envolvidos, o programa pode levar a um gasto extraordinário dos governos provinciais pelos investimentos ineficientes e duvidosos.
A divulgação dessa política é feita num momento delicado para a China no comércio internacional. Na campanha eleitoral, Donald Trump confrontou o gigante chinês em questões de comércio, ameaçando impor altas tarifas para reduzir o déficit dos EUA na balança comercial bilateral, atribuído em grande parte à manipulação cambial. Embora nada tenha sido anunciado até aqui, está sendo discutida nos EUA a redução de tributos sobre as empresas norte-americanas e a imposição de tarifa de 20% (border tax) sobre todas as importações, não apenas sobre o produtos chineses. Os EUA não reconhecem a China como economia de mercado para fins de medidas de defesa comercial, como antidumping, o que poderá fazer Pequim recorrer à Organização Mundial de Comércio (OMC), como já o fez contra a União Europeia (UE). Certamente, a estratégia “Made in China em 2025” de substituição tecnológica e de participação governamental no mercado interno poderá ser questionada por violação das regras da OMC sobre conteúdo local, tal como vem ocorrendo com a questão aberta pela UE e pelo Japão contra a política julgada discriminatória de subsídios na indústria automobilística e na de informática no Brasil.
Para o Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, o “Made in China em 2025” apresenta muitos desafios. Trata-se talvez do mais recente e dramático exemplo de como os limites entre política econômica e comercial interna e externa desapareceram, não sendo mais possível definir uma delas sem levar em conta a outra. Essa realidade torna urgente a discussão de políticas de médio e de longo prazos que redefinam o papel do Brasil num mundo em tão rápida transformação.
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP