Opinião|Mandato parlamentar é empreendimento individual?


Decisões de congressistas podem resultar em benefícios a localidades específicas, mas ponto de partida deve ser a realidade nacional

Por Marcelo de Azevedo Granato

“Se (...) sou obrigado a dar R$ 2 milhões para uma cidade que me deu só 2 mil votos e R$ 100 mil para uma cidade que me deu 20 mil votos, o que vou dizer para essa última cidade? (...) Prefeitos me procuram às vezes, e eu saco o mapa e vejo. Aí digo: ‘Só tive 80 votos lá?’. Na hora da eleição ele fechou com outro candidato, agora quer emenda? Não dá”.

Essas são declarações do deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) à reportagem do jornal Folha de S.Paulo. Ali, Passarinho trata do direcionamento de verbas do Orçamento a redutos eleitorais dos parlamentares através das emendas individuais ao dispor de cada um deles. Ele dá como exemplo a cidade de Brejo Grande do Araguaia (PA), onde disse ter tido boa votação no passado. Nas eleições de 2022, porém, o deputado teria recebido votação bem inferior, o que atribuiu à aliança do prefeito da cidade com outros candidatos a deputado federal: “Resultado: estão há dois anos sem emenda. Só R$ 100 mil que mandei para lá” (‘Edital de emendas parlamentares’ empaca em Congresso com fartura de verba gasta sem critério, 5/11/2023).

O caso suscita a pergunta: quem esse parlamentar está representando?

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Não se ignora aqui a importância das informações colhidas e das carências constatadas pelos parlamentares em suas bases eleitorais para o direcionamento de recursos do Orçamento. Mas é preciso lembrar também que ações como as descritas acima são realizadas pelos parlamentares na condição de representantes. Ou seja, cada um deles atua (para decidir sobre a alocação dos recursos) no lugar e em nome de todos os brasileiros.

Assim, suas decisões podem muito bem resultar em benefícios a localidades específicas (seus municípios de origem, por exemplo), mas o ponto de partida dessas decisões deve ser a realidade nacional. Afinal, os critérios para o direcionamento de recursos públicos interessam ao País como um todo, inclusive às localidades desfavorecidas na distribuição desses recursos.

A propósito, em artigo neste jornal, os especialistas Mariana Almeida e Pedro Marin apontam que “os parlamentares não têm sido capazes de direcionar suas emendas na área de saúde para os municípios onde esses recursos seriam mais necessários”. No exemplo dos autores, “as cidades com os índices mais baixos de mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis receberam em média 62% mais recursos per capita do que aquelas com maiores dificuldades nesse indicador. Ao privilegiar suas bases políticas, os parlamentares podem ignorar situações mais dramáticas nos municípios vizinhos” (Afinal, de quem deve ser o orçamento público?, 27/4/2024).

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Isso também aparece na reportagem citada no segundo parágrafo, em que se recordam, por exemplo, os locais com escassez de água no sertão nordestino que foram deixados de lado na entrega de caixas-d’água, enquanto centenas de reservatórios ficavam estocados em cidade de líder do Centrão. Casos de favorecimento familiar, como o envio das opacas “emendas Pix” a prefeituras de parentes de deputados, também foram encontrados.

Como se vê, parte dos recursos decorrentes de emendas parlamentares é usada de maneira ineficiente, com dezenas de milhões de reais sob controle de cada um dos congressistas, que não raro atuam sem coordenação (e, às vezes, contra a lei). Aumentam, assim, as chances de estradas parcialmente afastadas, tratores ociosos, kits de robótica para escolas em ruínas, em prejuízo da ação efetiva do Estado em áreas complexas e vitais, como a saúde. Nesse campo, é necessária “uma rede de assistência, com postos de saúde nas localidades menos populosas e hospitais de referência estrategicamente localizados (...) para atender a diversos municípios. Isso requer planejamento e coordenação (...). Com cada deputado e senador decidindo construir hospitais onde acharem melhor, o sistema perde funcionalidade e os custos totais disparam” (As emendas de relator e as narrativas falaciosas, de Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fabio Giambiagi).

Isso se torna mais preocupante ao considerarmos que metade do que o governo conseguiu de espaço extra para gastar na última década foi usada para pagar emendas dos parlamentares. E quanto mais dinheiro à disposição deles, maiores suas chances de reeleição. Como diz o colunista Roberto Macedo, “o candidato incumbente tem o privilégio das emendas relativamente a outros, com o que também faz propaganda fora do período eleitoral e no processo recebe indiretamente um financiamento de campanha por parte do governo” (Problema das emendas parlamentares se agravou, 4/1/2024).

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É natural que um político queira se reeleger, mas os meios pelos quais muitos parlamentares buscam viabilizar isso ultrapassam o aceitável, pois não só desperdiçam os poucos recursos ainda desvinculados de despesas obrigatórias (folha de salários, aposentadorias), como também alijam concorrentes e discriminam cidadãos necessitados. Ao que tudo indica, parte dos nossos parlamentares não tem qualquer interesse em distinguir-se como intérpretes ou líderes das mudanças de que o País necessita. O mandato parlamentar, para eles, é um empreendimento individual cujo sucesso chama-se reeleição.

*

DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO, INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FADI E FACAMP

“Se (...) sou obrigado a dar R$ 2 milhões para uma cidade que me deu só 2 mil votos e R$ 100 mil para uma cidade que me deu 20 mil votos, o que vou dizer para essa última cidade? (...) Prefeitos me procuram às vezes, e eu saco o mapa e vejo. Aí digo: ‘Só tive 80 votos lá?’. Na hora da eleição ele fechou com outro candidato, agora quer emenda? Não dá”.

Essas são declarações do deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) à reportagem do jornal Folha de S.Paulo. Ali, Passarinho trata do direcionamento de verbas do Orçamento a redutos eleitorais dos parlamentares através das emendas individuais ao dispor de cada um deles. Ele dá como exemplo a cidade de Brejo Grande do Araguaia (PA), onde disse ter tido boa votação no passado. Nas eleições de 2022, porém, o deputado teria recebido votação bem inferior, o que atribuiu à aliança do prefeito da cidade com outros candidatos a deputado federal: “Resultado: estão há dois anos sem emenda. Só R$ 100 mil que mandei para lá” (‘Edital de emendas parlamentares’ empaca em Congresso com fartura de verba gasta sem critério, 5/11/2023).

O caso suscita a pergunta: quem esse parlamentar está representando?

Não se ignora aqui a importância das informações colhidas e das carências constatadas pelos parlamentares em suas bases eleitorais para o direcionamento de recursos do Orçamento. Mas é preciso lembrar também que ações como as descritas acima são realizadas pelos parlamentares na condição de representantes. Ou seja, cada um deles atua (para decidir sobre a alocação dos recursos) no lugar e em nome de todos os brasileiros.

Assim, suas decisões podem muito bem resultar em benefícios a localidades específicas (seus municípios de origem, por exemplo), mas o ponto de partida dessas decisões deve ser a realidade nacional. Afinal, os critérios para o direcionamento de recursos públicos interessam ao País como um todo, inclusive às localidades desfavorecidas na distribuição desses recursos.

A propósito, em artigo neste jornal, os especialistas Mariana Almeida e Pedro Marin apontam que “os parlamentares não têm sido capazes de direcionar suas emendas na área de saúde para os municípios onde esses recursos seriam mais necessários”. No exemplo dos autores, “as cidades com os índices mais baixos de mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis receberam em média 62% mais recursos per capita do que aquelas com maiores dificuldades nesse indicador. Ao privilegiar suas bases políticas, os parlamentares podem ignorar situações mais dramáticas nos municípios vizinhos” (Afinal, de quem deve ser o orçamento público?, 27/4/2024).

Isso também aparece na reportagem citada no segundo parágrafo, em que se recordam, por exemplo, os locais com escassez de água no sertão nordestino que foram deixados de lado na entrega de caixas-d’água, enquanto centenas de reservatórios ficavam estocados em cidade de líder do Centrão. Casos de favorecimento familiar, como o envio das opacas “emendas Pix” a prefeituras de parentes de deputados, também foram encontrados.

Como se vê, parte dos recursos decorrentes de emendas parlamentares é usada de maneira ineficiente, com dezenas de milhões de reais sob controle de cada um dos congressistas, que não raro atuam sem coordenação (e, às vezes, contra a lei). Aumentam, assim, as chances de estradas parcialmente afastadas, tratores ociosos, kits de robótica para escolas em ruínas, em prejuízo da ação efetiva do Estado em áreas complexas e vitais, como a saúde. Nesse campo, é necessária “uma rede de assistência, com postos de saúde nas localidades menos populosas e hospitais de referência estrategicamente localizados (...) para atender a diversos municípios. Isso requer planejamento e coordenação (...). Com cada deputado e senador decidindo construir hospitais onde acharem melhor, o sistema perde funcionalidade e os custos totais disparam” (As emendas de relator e as narrativas falaciosas, de Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fabio Giambiagi).

Isso se torna mais preocupante ao considerarmos que metade do que o governo conseguiu de espaço extra para gastar na última década foi usada para pagar emendas dos parlamentares. E quanto mais dinheiro à disposição deles, maiores suas chances de reeleição. Como diz o colunista Roberto Macedo, “o candidato incumbente tem o privilégio das emendas relativamente a outros, com o que também faz propaganda fora do período eleitoral e no processo recebe indiretamente um financiamento de campanha por parte do governo” (Problema das emendas parlamentares se agravou, 4/1/2024).

É natural que um político queira se reeleger, mas os meios pelos quais muitos parlamentares buscam viabilizar isso ultrapassam o aceitável, pois não só desperdiçam os poucos recursos ainda desvinculados de despesas obrigatórias (folha de salários, aposentadorias), como também alijam concorrentes e discriminam cidadãos necessitados. Ao que tudo indica, parte dos nossos parlamentares não tem qualquer interesse em distinguir-se como intérpretes ou líderes das mudanças de que o País necessita. O mandato parlamentar, para eles, é um empreendimento individual cujo sucesso chama-se reeleição.

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DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO, INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FADI E FACAMP

“Se (...) sou obrigado a dar R$ 2 milhões para uma cidade que me deu só 2 mil votos e R$ 100 mil para uma cidade que me deu 20 mil votos, o que vou dizer para essa última cidade? (...) Prefeitos me procuram às vezes, e eu saco o mapa e vejo. Aí digo: ‘Só tive 80 votos lá?’. Na hora da eleição ele fechou com outro candidato, agora quer emenda? Não dá”.

Essas são declarações do deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) à reportagem do jornal Folha de S.Paulo. Ali, Passarinho trata do direcionamento de verbas do Orçamento a redutos eleitorais dos parlamentares através das emendas individuais ao dispor de cada um deles. Ele dá como exemplo a cidade de Brejo Grande do Araguaia (PA), onde disse ter tido boa votação no passado. Nas eleições de 2022, porém, o deputado teria recebido votação bem inferior, o que atribuiu à aliança do prefeito da cidade com outros candidatos a deputado federal: “Resultado: estão há dois anos sem emenda. Só R$ 100 mil que mandei para lá” (‘Edital de emendas parlamentares’ empaca em Congresso com fartura de verba gasta sem critério, 5/11/2023).

O caso suscita a pergunta: quem esse parlamentar está representando?

Não se ignora aqui a importância das informações colhidas e das carências constatadas pelos parlamentares em suas bases eleitorais para o direcionamento de recursos do Orçamento. Mas é preciso lembrar também que ações como as descritas acima são realizadas pelos parlamentares na condição de representantes. Ou seja, cada um deles atua (para decidir sobre a alocação dos recursos) no lugar e em nome de todos os brasileiros.

Assim, suas decisões podem muito bem resultar em benefícios a localidades específicas (seus municípios de origem, por exemplo), mas o ponto de partida dessas decisões deve ser a realidade nacional. Afinal, os critérios para o direcionamento de recursos públicos interessam ao País como um todo, inclusive às localidades desfavorecidas na distribuição desses recursos.

A propósito, em artigo neste jornal, os especialistas Mariana Almeida e Pedro Marin apontam que “os parlamentares não têm sido capazes de direcionar suas emendas na área de saúde para os municípios onde esses recursos seriam mais necessários”. No exemplo dos autores, “as cidades com os índices mais baixos de mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis receberam em média 62% mais recursos per capita do que aquelas com maiores dificuldades nesse indicador. Ao privilegiar suas bases políticas, os parlamentares podem ignorar situações mais dramáticas nos municípios vizinhos” (Afinal, de quem deve ser o orçamento público?, 27/4/2024).

Isso também aparece na reportagem citada no segundo parágrafo, em que se recordam, por exemplo, os locais com escassez de água no sertão nordestino que foram deixados de lado na entrega de caixas-d’água, enquanto centenas de reservatórios ficavam estocados em cidade de líder do Centrão. Casos de favorecimento familiar, como o envio das opacas “emendas Pix” a prefeituras de parentes de deputados, também foram encontrados.

Como se vê, parte dos recursos decorrentes de emendas parlamentares é usada de maneira ineficiente, com dezenas de milhões de reais sob controle de cada um dos congressistas, que não raro atuam sem coordenação (e, às vezes, contra a lei). Aumentam, assim, as chances de estradas parcialmente afastadas, tratores ociosos, kits de robótica para escolas em ruínas, em prejuízo da ação efetiva do Estado em áreas complexas e vitais, como a saúde. Nesse campo, é necessária “uma rede de assistência, com postos de saúde nas localidades menos populosas e hospitais de referência estrategicamente localizados (...) para atender a diversos municípios. Isso requer planejamento e coordenação (...). Com cada deputado e senador decidindo construir hospitais onde acharem melhor, o sistema perde funcionalidade e os custos totais disparam” (As emendas de relator e as narrativas falaciosas, de Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fabio Giambiagi).

Isso se torna mais preocupante ao considerarmos que metade do que o governo conseguiu de espaço extra para gastar na última década foi usada para pagar emendas dos parlamentares. E quanto mais dinheiro à disposição deles, maiores suas chances de reeleição. Como diz o colunista Roberto Macedo, “o candidato incumbente tem o privilégio das emendas relativamente a outros, com o que também faz propaganda fora do período eleitoral e no processo recebe indiretamente um financiamento de campanha por parte do governo” (Problema das emendas parlamentares se agravou, 4/1/2024).

É natural que um político queira se reeleger, mas os meios pelos quais muitos parlamentares buscam viabilizar isso ultrapassam o aceitável, pois não só desperdiçam os poucos recursos ainda desvinculados de despesas obrigatórias (folha de salários, aposentadorias), como também alijam concorrentes e discriminam cidadãos necessitados. Ao que tudo indica, parte dos nossos parlamentares não tem qualquer interesse em distinguir-se como intérpretes ou líderes das mudanças de que o País necessita. O mandato parlamentar, para eles, é um empreendimento individual cujo sucesso chama-se reeleição.

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DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO, INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FADI E FACAMP

“Se (...) sou obrigado a dar R$ 2 milhões para uma cidade que me deu só 2 mil votos e R$ 100 mil para uma cidade que me deu 20 mil votos, o que vou dizer para essa última cidade? (...) Prefeitos me procuram às vezes, e eu saco o mapa e vejo. Aí digo: ‘Só tive 80 votos lá?’. Na hora da eleição ele fechou com outro candidato, agora quer emenda? Não dá”.

Essas são declarações do deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) à reportagem do jornal Folha de S.Paulo. Ali, Passarinho trata do direcionamento de verbas do Orçamento a redutos eleitorais dos parlamentares através das emendas individuais ao dispor de cada um deles. Ele dá como exemplo a cidade de Brejo Grande do Araguaia (PA), onde disse ter tido boa votação no passado. Nas eleições de 2022, porém, o deputado teria recebido votação bem inferior, o que atribuiu à aliança do prefeito da cidade com outros candidatos a deputado federal: “Resultado: estão há dois anos sem emenda. Só R$ 100 mil que mandei para lá” (‘Edital de emendas parlamentares’ empaca em Congresso com fartura de verba gasta sem critério, 5/11/2023).

O caso suscita a pergunta: quem esse parlamentar está representando?

Não se ignora aqui a importância das informações colhidas e das carências constatadas pelos parlamentares em suas bases eleitorais para o direcionamento de recursos do Orçamento. Mas é preciso lembrar também que ações como as descritas acima são realizadas pelos parlamentares na condição de representantes. Ou seja, cada um deles atua (para decidir sobre a alocação dos recursos) no lugar e em nome de todos os brasileiros.

Assim, suas decisões podem muito bem resultar em benefícios a localidades específicas (seus municípios de origem, por exemplo), mas o ponto de partida dessas decisões deve ser a realidade nacional. Afinal, os critérios para o direcionamento de recursos públicos interessam ao País como um todo, inclusive às localidades desfavorecidas na distribuição desses recursos.

A propósito, em artigo neste jornal, os especialistas Mariana Almeida e Pedro Marin apontam que “os parlamentares não têm sido capazes de direcionar suas emendas na área de saúde para os municípios onde esses recursos seriam mais necessários”. No exemplo dos autores, “as cidades com os índices mais baixos de mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis receberam em média 62% mais recursos per capita do que aquelas com maiores dificuldades nesse indicador. Ao privilegiar suas bases políticas, os parlamentares podem ignorar situações mais dramáticas nos municípios vizinhos” (Afinal, de quem deve ser o orçamento público?, 27/4/2024).

Isso também aparece na reportagem citada no segundo parágrafo, em que se recordam, por exemplo, os locais com escassez de água no sertão nordestino que foram deixados de lado na entrega de caixas-d’água, enquanto centenas de reservatórios ficavam estocados em cidade de líder do Centrão. Casos de favorecimento familiar, como o envio das opacas “emendas Pix” a prefeituras de parentes de deputados, também foram encontrados.

Como se vê, parte dos recursos decorrentes de emendas parlamentares é usada de maneira ineficiente, com dezenas de milhões de reais sob controle de cada um dos congressistas, que não raro atuam sem coordenação (e, às vezes, contra a lei). Aumentam, assim, as chances de estradas parcialmente afastadas, tratores ociosos, kits de robótica para escolas em ruínas, em prejuízo da ação efetiva do Estado em áreas complexas e vitais, como a saúde. Nesse campo, é necessária “uma rede de assistência, com postos de saúde nas localidades menos populosas e hospitais de referência estrategicamente localizados (...) para atender a diversos municípios. Isso requer planejamento e coordenação (...). Com cada deputado e senador decidindo construir hospitais onde acharem melhor, o sistema perde funcionalidade e os custos totais disparam” (As emendas de relator e as narrativas falaciosas, de Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fabio Giambiagi).

Isso se torna mais preocupante ao considerarmos que metade do que o governo conseguiu de espaço extra para gastar na última década foi usada para pagar emendas dos parlamentares. E quanto mais dinheiro à disposição deles, maiores suas chances de reeleição. Como diz o colunista Roberto Macedo, “o candidato incumbente tem o privilégio das emendas relativamente a outros, com o que também faz propaganda fora do período eleitoral e no processo recebe indiretamente um financiamento de campanha por parte do governo” (Problema das emendas parlamentares se agravou, 4/1/2024).

É natural que um político queira se reeleger, mas os meios pelos quais muitos parlamentares buscam viabilizar isso ultrapassam o aceitável, pois não só desperdiçam os poucos recursos ainda desvinculados de despesas obrigatórias (folha de salários, aposentadorias), como também alijam concorrentes e discriminam cidadãos necessitados. Ao que tudo indica, parte dos nossos parlamentares não tem qualquer interesse em distinguir-se como intérpretes ou líderes das mudanças de que o País necessita. O mandato parlamentar, para eles, é um empreendimento individual cujo sucesso chama-se reeleição.

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DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO, INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FADI E FACAMP

Opinião por Marcelo de Azevedo Granato

Doutor em Direito pela USP e pela Università degli Studi di Torino, integrante do Instituto Norberto Bobbio, é professor da Fadi e Facamp

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