Opinião|Mani Pulite – lições a serem aprendidas


Por MARIA CRISTINA PINOTTI

Amanhã, dia 9, o País terá muitos motivos para comemorar o Dia Internacional da Luta contra a Corrupção. Afinal, estamos presenciando o competente e valioso trabalho desenvolvido no âmbito da Operação Lava Jato, que conduz as investigações do maior caso de corrupção de que se tem notícia no Brasil. A corrupção, porém, é uma doença insidiosa e exige que a sociedade esteja permanentemente alerta e preparada para combatê-la.

Muitos se surpreendem com o fato de que, mesmo depois de uma investigação do porte da realizada na Itália nos anos 1990, conhecida como Mani Pulite, ou Mãos Limpas, a corrupção lá não tenha sido erradicada, e talvez hoje esteja ainda mais capilarizada e sofisticada. O que deu errado e que lições podemos tirar desse episódio?

A Operação Mãos Limpas investigou aproximadamente 5 mil pessoas por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e financiamento ilícito de partidos políticos. Destas, 900 foram presas e apenas 5% absolvidas. As demais foram beneficiadas por prescrições e mudanças nas leis, que reduziram ou eliminaram penas para crimes de corrupção, ou anularam provas anteriormente válidas. Esses fatos, aliados à fuga do principal vértice da corrupção na Itália, o presidente do Partido Socialista e ex-primeiro-ministro Bettino Craxi para a Tunísia, deixaram na sociedade uma forte sensação de impunidade.

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O sistema judiciário daquele país sofre de um gigantismo inquestionável, dando emprego a quase 250 mil advogados, ante cerca de 50 mil na França ou 20 mil no Japão. O número de processos, um dos maiores do mundo, equivale a um terço da população da Itália. Até há pouco tempo, estacionar um veículo em local proibido ou desafiar alguém para um “duelo” eram considerados crimes; burlar um bilhete de trem de um euro ainda é. Por essas e outras, a Justiça permanece sobrecarregada e morosa.

Além disso, a presença do Estado no dia a dia das pessoas é muito abrangente, trazendo consigo o enorme peso da burocracia e favorecendo ocasiões para a ocorrência de corrupção. Este é um dos fatos que explicam a perda de apoio popular durante a Operação Mãos Limpas: enquanto grandes empresários, políticos, banqueiros ou magistrados estavam sendo investigados, a população apoiava entusiasmada; quando as buscas começaram a chegar ao cidadão comum, que pagara propina ao fiscal da prefeitura para obter autorização para fechar a varanda do seu apartamento, o apoio se reduziu. Acredito que a corrupção no Brasil ainda esteja longe de exibir tal alcance, mas devemos estar atentos à necessidade de transparência, eficiência e aprimoramento da ética na administração pública.

No caso específico da Mani Pulite, outra questão difícil foi a saída, inesperada e de certa forma traumática, do procurador Antonio Di Pietro, figura controvertida e líder da operação, sob suspeitas de prática de atos ilícitos ao longo da sua carreira. Nada foi provado, mas o dano estava feito, manchando até mesmo a imagem da Mãos Limpas perante a população.

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Mas o golpe fatal estava por vir. Craxi morreu no exílio, deixando de cumprir mais de dez anos de penas julgadas, mas eis que surge a figura de seu pupilo e amigo Silvio Berlusconi. Este, durante seus nove anos de governo, divididos em quatro períodos, comandou o movimento que conseguiu neutralizar a ação da Mãos Limpas e promoveu verdadeiro festival de corrupção e impunidade. Após admitir publicamente que precisava entrar na política para não ser preso e para evitar a falência das suas empresas, criou uma gigantesca máquina de propaganda, por meio de redes de TV, jornais e um time de futebol. Com seu poder tentacular e métodos mafiosos, conseguiu aprovar medidas que significaram um enorme retrocesso para o país.

Logo no início do seu segundo mandato, em 2001, Berlusconi deu o tom de como a corrupção seria tratada na Itália dali em diante: seu ministro da infraestrutura argumentou que “com la mafia bisogna convivere” (“deve-se conviver com a máfia”); enquanto o ministro do interior, também recém-empossado, revogava as medidas de segurança e proteção de vários magistrados que corriam elevado risco de vida, entre os quais os antimáfia e os responsáveis pelas acusações contra Berlusconi em processos que corriam em Milão.

Em seguida, um gigantesco presente aos evasores fiscais e criminosos de toda ordem com recursos depositados no exterior: foi aprovado um “scudo fiscale” (escudo fiscal) permitindo que recursos fossem repatriados, bastando pagar 2,5% do montante para receber uma “declaração sigilosa” a ser exibida em caso de controle pelas autoridades. A novidade não foi a anistia, que no pós-guerra já havia sido concedida em mais de 20 ocasiões na Itália, mas o fato de se garantir absoluto anonimato aos anistiados. Como sempre, a promessa de ingressos vultosos de recursos, necessários à recuperação da economia, foi o argumento vendido pelo governo. As pessoas foram anistiadas, mas o fisco recuperou mísero 1,6 bilhão de euros.

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A segunda providência de Berlusconi foi reduzir os prazos das prescrições e as penas para as fraudes fiscais, que se tornaram praticamente impuníveis na Itália – enquanto nos EUA, por exemplo, as penas podem chegar a 25 anos. Diante de todo esse empenho em blindar a máfia e a prática de atos ilícitos, e do próprio exibicionismo da figura de um primeiro-ministro intocável pela Justiça, não é de estranhar que a corrupção tenha permanecido viva na Itália.

A principal lição a ser aprendida é que, para podermos festejar o dia 9 de dezembro nos próximos anos sem a sombra da impunidade, devemos endurecer as penas para os crimes de corrupção, como propõe o movimento encabeçado pelo Ministério Público Federal com as 10 Medidas Contra a Corrupção. Devemos ainda cuidar do nosso sistema político de forma a minimizar o risco de o País ser governado por aventureiros de plantão. Por fim, no lugar de “aprender” com os italianos a anistiar recursos ilegalmente depositados no exterior, melhor seria ter lições sobre as virtudes da dieta mediterrânea ou sobre o que a cultura e a arte italianas nos têm a oferecer.

* MARIA CRISTINAPINOTTI É ECONOMISTA

Amanhã, dia 9, o País terá muitos motivos para comemorar o Dia Internacional da Luta contra a Corrupção. Afinal, estamos presenciando o competente e valioso trabalho desenvolvido no âmbito da Operação Lava Jato, que conduz as investigações do maior caso de corrupção de que se tem notícia no Brasil. A corrupção, porém, é uma doença insidiosa e exige que a sociedade esteja permanentemente alerta e preparada para combatê-la.

Muitos se surpreendem com o fato de que, mesmo depois de uma investigação do porte da realizada na Itália nos anos 1990, conhecida como Mani Pulite, ou Mãos Limpas, a corrupção lá não tenha sido erradicada, e talvez hoje esteja ainda mais capilarizada e sofisticada. O que deu errado e que lições podemos tirar desse episódio?

A Operação Mãos Limpas investigou aproximadamente 5 mil pessoas por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e financiamento ilícito de partidos políticos. Destas, 900 foram presas e apenas 5% absolvidas. As demais foram beneficiadas por prescrições e mudanças nas leis, que reduziram ou eliminaram penas para crimes de corrupção, ou anularam provas anteriormente válidas. Esses fatos, aliados à fuga do principal vértice da corrupção na Itália, o presidente do Partido Socialista e ex-primeiro-ministro Bettino Craxi para a Tunísia, deixaram na sociedade uma forte sensação de impunidade.

O sistema judiciário daquele país sofre de um gigantismo inquestionável, dando emprego a quase 250 mil advogados, ante cerca de 50 mil na França ou 20 mil no Japão. O número de processos, um dos maiores do mundo, equivale a um terço da população da Itália. Até há pouco tempo, estacionar um veículo em local proibido ou desafiar alguém para um “duelo” eram considerados crimes; burlar um bilhete de trem de um euro ainda é. Por essas e outras, a Justiça permanece sobrecarregada e morosa.

Além disso, a presença do Estado no dia a dia das pessoas é muito abrangente, trazendo consigo o enorme peso da burocracia e favorecendo ocasiões para a ocorrência de corrupção. Este é um dos fatos que explicam a perda de apoio popular durante a Operação Mãos Limpas: enquanto grandes empresários, políticos, banqueiros ou magistrados estavam sendo investigados, a população apoiava entusiasmada; quando as buscas começaram a chegar ao cidadão comum, que pagara propina ao fiscal da prefeitura para obter autorização para fechar a varanda do seu apartamento, o apoio se reduziu. Acredito que a corrupção no Brasil ainda esteja longe de exibir tal alcance, mas devemos estar atentos à necessidade de transparência, eficiência e aprimoramento da ética na administração pública.

No caso específico da Mani Pulite, outra questão difícil foi a saída, inesperada e de certa forma traumática, do procurador Antonio Di Pietro, figura controvertida e líder da operação, sob suspeitas de prática de atos ilícitos ao longo da sua carreira. Nada foi provado, mas o dano estava feito, manchando até mesmo a imagem da Mãos Limpas perante a população.

Mas o golpe fatal estava por vir. Craxi morreu no exílio, deixando de cumprir mais de dez anos de penas julgadas, mas eis que surge a figura de seu pupilo e amigo Silvio Berlusconi. Este, durante seus nove anos de governo, divididos em quatro períodos, comandou o movimento que conseguiu neutralizar a ação da Mãos Limpas e promoveu verdadeiro festival de corrupção e impunidade. Após admitir publicamente que precisava entrar na política para não ser preso e para evitar a falência das suas empresas, criou uma gigantesca máquina de propaganda, por meio de redes de TV, jornais e um time de futebol. Com seu poder tentacular e métodos mafiosos, conseguiu aprovar medidas que significaram um enorme retrocesso para o país.

Logo no início do seu segundo mandato, em 2001, Berlusconi deu o tom de como a corrupção seria tratada na Itália dali em diante: seu ministro da infraestrutura argumentou que “com la mafia bisogna convivere” (“deve-se conviver com a máfia”); enquanto o ministro do interior, também recém-empossado, revogava as medidas de segurança e proteção de vários magistrados que corriam elevado risco de vida, entre os quais os antimáfia e os responsáveis pelas acusações contra Berlusconi em processos que corriam em Milão.

Em seguida, um gigantesco presente aos evasores fiscais e criminosos de toda ordem com recursos depositados no exterior: foi aprovado um “scudo fiscale” (escudo fiscal) permitindo que recursos fossem repatriados, bastando pagar 2,5% do montante para receber uma “declaração sigilosa” a ser exibida em caso de controle pelas autoridades. A novidade não foi a anistia, que no pós-guerra já havia sido concedida em mais de 20 ocasiões na Itália, mas o fato de se garantir absoluto anonimato aos anistiados. Como sempre, a promessa de ingressos vultosos de recursos, necessários à recuperação da economia, foi o argumento vendido pelo governo. As pessoas foram anistiadas, mas o fisco recuperou mísero 1,6 bilhão de euros.

A segunda providência de Berlusconi foi reduzir os prazos das prescrições e as penas para as fraudes fiscais, que se tornaram praticamente impuníveis na Itália – enquanto nos EUA, por exemplo, as penas podem chegar a 25 anos. Diante de todo esse empenho em blindar a máfia e a prática de atos ilícitos, e do próprio exibicionismo da figura de um primeiro-ministro intocável pela Justiça, não é de estranhar que a corrupção tenha permanecido viva na Itália.

A principal lição a ser aprendida é que, para podermos festejar o dia 9 de dezembro nos próximos anos sem a sombra da impunidade, devemos endurecer as penas para os crimes de corrupção, como propõe o movimento encabeçado pelo Ministério Público Federal com as 10 Medidas Contra a Corrupção. Devemos ainda cuidar do nosso sistema político de forma a minimizar o risco de o País ser governado por aventureiros de plantão. Por fim, no lugar de “aprender” com os italianos a anistiar recursos ilegalmente depositados no exterior, melhor seria ter lições sobre as virtudes da dieta mediterrânea ou sobre o que a cultura e a arte italianas nos têm a oferecer.

* MARIA CRISTINAPINOTTI É ECONOMISTA

Amanhã, dia 9, o País terá muitos motivos para comemorar o Dia Internacional da Luta contra a Corrupção. Afinal, estamos presenciando o competente e valioso trabalho desenvolvido no âmbito da Operação Lava Jato, que conduz as investigações do maior caso de corrupção de que se tem notícia no Brasil. A corrupção, porém, é uma doença insidiosa e exige que a sociedade esteja permanentemente alerta e preparada para combatê-la.

Muitos se surpreendem com o fato de que, mesmo depois de uma investigação do porte da realizada na Itália nos anos 1990, conhecida como Mani Pulite, ou Mãos Limpas, a corrupção lá não tenha sido erradicada, e talvez hoje esteja ainda mais capilarizada e sofisticada. O que deu errado e que lições podemos tirar desse episódio?

A Operação Mãos Limpas investigou aproximadamente 5 mil pessoas por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e financiamento ilícito de partidos políticos. Destas, 900 foram presas e apenas 5% absolvidas. As demais foram beneficiadas por prescrições e mudanças nas leis, que reduziram ou eliminaram penas para crimes de corrupção, ou anularam provas anteriormente válidas. Esses fatos, aliados à fuga do principal vértice da corrupção na Itália, o presidente do Partido Socialista e ex-primeiro-ministro Bettino Craxi para a Tunísia, deixaram na sociedade uma forte sensação de impunidade.

O sistema judiciário daquele país sofre de um gigantismo inquestionável, dando emprego a quase 250 mil advogados, ante cerca de 50 mil na França ou 20 mil no Japão. O número de processos, um dos maiores do mundo, equivale a um terço da população da Itália. Até há pouco tempo, estacionar um veículo em local proibido ou desafiar alguém para um “duelo” eram considerados crimes; burlar um bilhete de trem de um euro ainda é. Por essas e outras, a Justiça permanece sobrecarregada e morosa.

Além disso, a presença do Estado no dia a dia das pessoas é muito abrangente, trazendo consigo o enorme peso da burocracia e favorecendo ocasiões para a ocorrência de corrupção. Este é um dos fatos que explicam a perda de apoio popular durante a Operação Mãos Limpas: enquanto grandes empresários, políticos, banqueiros ou magistrados estavam sendo investigados, a população apoiava entusiasmada; quando as buscas começaram a chegar ao cidadão comum, que pagara propina ao fiscal da prefeitura para obter autorização para fechar a varanda do seu apartamento, o apoio se reduziu. Acredito que a corrupção no Brasil ainda esteja longe de exibir tal alcance, mas devemos estar atentos à necessidade de transparência, eficiência e aprimoramento da ética na administração pública.

No caso específico da Mani Pulite, outra questão difícil foi a saída, inesperada e de certa forma traumática, do procurador Antonio Di Pietro, figura controvertida e líder da operação, sob suspeitas de prática de atos ilícitos ao longo da sua carreira. Nada foi provado, mas o dano estava feito, manchando até mesmo a imagem da Mãos Limpas perante a população.

Mas o golpe fatal estava por vir. Craxi morreu no exílio, deixando de cumprir mais de dez anos de penas julgadas, mas eis que surge a figura de seu pupilo e amigo Silvio Berlusconi. Este, durante seus nove anos de governo, divididos em quatro períodos, comandou o movimento que conseguiu neutralizar a ação da Mãos Limpas e promoveu verdadeiro festival de corrupção e impunidade. Após admitir publicamente que precisava entrar na política para não ser preso e para evitar a falência das suas empresas, criou uma gigantesca máquina de propaganda, por meio de redes de TV, jornais e um time de futebol. Com seu poder tentacular e métodos mafiosos, conseguiu aprovar medidas que significaram um enorme retrocesso para o país.

Logo no início do seu segundo mandato, em 2001, Berlusconi deu o tom de como a corrupção seria tratada na Itália dali em diante: seu ministro da infraestrutura argumentou que “com la mafia bisogna convivere” (“deve-se conviver com a máfia”); enquanto o ministro do interior, também recém-empossado, revogava as medidas de segurança e proteção de vários magistrados que corriam elevado risco de vida, entre os quais os antimáfia e os responsáveis pelas acusações contra Berlusconi em processos que corriam em Milão.

Em seguida, um gigantesco presente aos evasores fiscais e criminosos de toda ordem com recursos depositados no exterior: foi aprovado um “scudo fiscale” (escudo fiscal) permitindo que recursos fossem repatriados, bastando pagar 2,5% do montante para receber uma “declaração sigilosa” a ser exibida em caso de controle pelas autoridades. A novidade não foi a anistia, que no pós-guerra já havia sido concedida em mais de 20 ocasiões na Itália, mas o fato de se garantir absoluto anonimato aos anistiados. Como sempre, a promessa de ingressos vultosos de recursos, necessários à recuperação da economia, foi o argumento vendido pelo governo. As pessoas foram anistiadas, mas o fisco recuperou mísero 1,6 bilhão de euros.

A segunda providência de Berlusconi foi reduzir os prazos das prescrições e as penas para as fraudes fiscais, que se tornaram praticamente impuníveis na Itália – enquanto nos EUA, por exemplo, as penas podem chegar a 25 anos. Diante de todo esse empenho em blindar a máfia e a prática de atos ilícitos, e do próprio exibicionismo da figura de um primeiro-ministro intocável pela Justiça, não é de estranhar que a corrupção tenha permanecido viva na Itália.

A principal lição a ser aprendida é que, para podermos festejar o dia 9 de dezembro nos próximos anos sem a sombra da impunidade, devemos endurecer as penas para os crimes de corrupção, como propõe o movimento encabeçado pelo Ministério Público Federal com as 10 Medidas Contra a Corrupção. Devemos ainda cuidar do nosso sistema político de forma a minimizar o risco de o País ser governado por aventureiros de plantão. Por fim, no lugar de “aprender” com os italianos a anistiar recursos ilegalmente depositados no exterior, melhor seria ter lições sobre as virtudes da dieta mediterrânea ou sobre o que a cultura e a arte italianas nos têm a oferecer.

* MARIA CRISTINAPINOTTI É ECONOMISTA

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