“Só três divindades sei que pintaram os antigos com os olhos vendados, sinal que não eram cegas; mas que eles a faziam e adoravam: há um Pluto, Deus da riqueza; um Cupido, Deus do amor; e uma Astreia, Deusa da justiça. Negue Vossa Excelência culto a semelhantes divindades, e nunca consinta que se lhe erijam templos, e se consagrem votos por oficiais de El-Rei, porque é prejudicial em quem governa, riqueza cega, amor cego e justiça cega”
Marquês de Pombal, carta ao sobrinho, governador do Maranhão
Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal (1699-1782), infelizmente esquecido, inspira a mentalidade e o comportamento políticos brasileiro no século 19. Como sublinhou Álvaro Lins, “o nosso Império – em Constituição, leis e costumes – é todo ele galicano e pombalista”. A sua principal nota é a moderação, a conciliação.
Nas palavras do visconde do Rio Branco, considerado por Joaquim Nabuco o mais completo homem público do Império, a chave da política nacional está no bálsamo da conciliação: “Quereis a prosperidade da nação? (...) derramai o bálsamo: por vossos atos inspirai ao país a maior confiança possível no seu futuro; franqueza e justiça para todas as opiniões, a par de fortaleza para com o delírio das facções; alargai a esfera dos cidadãos, que podem tomar parte nos negócios do Estado; proscrevei o exclusivismo, que manda dar somente importância a um limitado número de pessoas. (...) Quereis a desgraça do país? Pois bem: exercei a parcialidade e a injustiça com aquele cujas opiniões forem diversas, concentrai todo o vosso poder nesses amigos que vos acompanharão nos dias de felicidade, que vos darão o último empurrão para o abismo no dia da desgraça; sede desapiedados com os vencidos, condenai à fome, à miséria e à morte os que não jungirem ao vosso carro; e a vossa obra estará completa com o desmantelamento do Império, e o aniquilamento de tudo quanto tem de mais caro a nação”.
Sérgio Buarque de Holanda, ao analisar o famoso panfleto de Justiniano José da Rocha Ação, Reação, Transação, mostra os perigos dessa orientação, no mais da vezes, em sua opinião, mais um anestésico do que um bálsamo.
José Honório Rodrigues sublinha fala do barão de São Lourenço no Senado, em junho de 1864: “Opus-me à conciliação como bandeira, porque logo receei alguma mistificação; a nação, porém, tomou-a a sério, porque de fato havia cansaço e o caráter brasileiro tende sempre para fraternizar”.
Na República, Marco Maciel figura como um dos seus principais estadistas. Como assinalou Fernando Henrique Cardoso, “sempre foi um construtor de pontes. Homem educado e nunca arrogante, não deixou de ser um homem de princípios e de fé. Como Pascal, que acreditava em Deus e na razão, Marco foi, ao mesmo tempo, católico convicto e sabedor que só a paciência da razão permite construir instituições e convívios sólidos”.
Pascal que fez uma das melhores defesas da conciliação, além de escritor e filósofo de gênio, foi um excepcional pensador político. Michel Le Guern assim mostra a visão pascaliana da política: “A conciliação dos contrários é, ao mesmo tempo que um método de pesquisa da verdade, um método de diálogo e de persuasão. (...) Esta atitude está nas antípodas da intolerância, e é a única que se conforma com a caridade, exigida pelo cristianismo”.
Marco Maciel tinha presente, em seu pensamento e ação, Maquiavel, que nos Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, sua mais importante obra, define a República de Roma com a melhor forma de governo, pois, lograda uma base de consenso, permitia o dissenso. E se utilizava do conflito criador da desunião ante a plebe e o Senado para alcançar a lei mais justa e equilibrada, como conclusão do debate entre as duas partes.
Traço definidor da personalidade de Marco Maciel foi a procura de pontos comuns na política: agregar, ao invés de desagregar. Lembra aqui, Píndaro: “Oh, minh’alma não aspira à vida imortal, mas esgotar o campo do possível”. Recordo, a propósito, a elegia de Roberto Campos a San Tiago Dantas – que tiveram sérias divergências políticas, mas conviviam e se estimavam: “Em que partido deveria (entrar) perguntei? Entre irônico e triste, tu me respondeste: ‘Escolhe o partido segundo seu perfil. Mas o necessário mesmo é criarmos um novo partido. O partido de Abel, dos que habitam o tema da salvação’”.
Repousa, Marco Maciel, amigo certo das horas incertas. Foste aceito no Partido de Abel.
Marco Maciel foi a segunda pessoa que conheci quando cheguei a Brasília, em 1976. Unidos por Waldemar Lopes, juntamente com Walter Costa Porto, construímos uma amizade nutrida de ideais e convivência, que gerou importantes realizações no campo político e editorial – revistas e coleções de livros.
SOCIÓLOGO. EMBAIXADOR. PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA UNB, EX-DECANO DE EXTENSÃO, FOI PRESIDENTE DA EDITORA UNB, E-MAIL: CHCARDIM@UOL.COM.BR