Opinião|Medicina sob ataque


Os tiros, bombas e minas metafóricos são as medidas governamentais, a desinformação da população e a invasão de outras profissões

Por Eduardo Neubarth Trindade

Guerras são tragédias terríveis em qualquer frente, e estamos enfrentando tempos extremamente violentos. Vemos países da Europa, África, Oriente Médio totalmente conflagrados, sob ataques que expõem horrores indescritíveis sobre seus povos. Em um triste paralelo, vemos uma grande batalha sendo travada também aqui. Pouco se fala da ofensiva contra a medicina que acontece agora no Brasil. Guardadas as proporções, os médicos brasileiros estão lutando pela sobrevivência da própria profissão exercida com o grau de excelência que a sociedade merece. Os ataques vêm de todos os lados. Quando conseguimos desviar de um tiro, explode uma bomba. Se defletimos a bomba, descobrimos que estamos no meio de um campo minado.

Os tiros, bombas e minas metafóricos são as incessantes medidas governamentais, a desinformação da população e a invasão de outras profissões que flagelam a medicina diariamente. Mas, ao mesmo tempo em que somos atacados, nos exigem a melhor conduta, o auge da tecnologia, a infalibilidade. É, no mínimo, um paradoxo, vindo de quem parece desejar substituir a medicina por sabe-se lá o quê, desde que mais rentável.

O médico não tem mais lugar à mesa dos grandes debates nacionais, como descriminalização de drogas, aborto, eutanásia. Há faculdades abrindo como carrocinhas de pipoca a cada esquina. O próprio diploma de médico praticamente já não é mais necessário para exercer a profissão. Contratos de trabalho são cada vez mais precarizados, e qualquer um se arvora a realizar procedimentos invasivos.

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Em 1910, nos Estados Unidos, houve um marco na formação médica mundial: a publicação do Relatório Flexner, que gerou uma profunda reforma das escolas médicas nesse país. Segundo o documento, “tem existido uma superprodução de médicos mal treinados e não educados. Essa superprodução de pessoas mal treinadas se deve, principalmente, a um enorme número de escolas comerciais sustentadas por métodos de publicidade”. Essa visão levou ao fechamento de faculdades, que resultou na melhor qualificação do ensino. Parece familiar, não?

O Brasil de 2024 tem muito em comum com os Estados Unidos de 1910 nesse aspecto. Cursos de Medicina excessivamente precarizados geram, obviamente, profissionais excessivamente mal formados. Chegamos ao ponto de ver a avaliação de alguns cursos sendo feita não pela nota do Ministério da Educação, mas da Bolsa de Valores, conforme o número de vagas que oferecem. Mesmo assim, os pedidos de abertura de faculdades aumentam exponencialmente. Isso em um universo onde 73% dos municípios candidatos a receber escolas médicas não têm número suficiente de leitos de internação do Sistema Único de Saúde (SUS) nem de Equipes de Saúde da Família (ESF) ou sequer hospitais de ensino – critérios mínimos para o aprendizado médico. Esses dados, levantados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), apontam que é tarde para uma nova moratória: urge o fechamento de escolas de fundo de quintal. Hospitais-escola e hospitais de assistência são diferentes, e pouco adianta um grupo de alunos apenas seguir e observar um professor, já cansado e desmotivado, sem a didática necessária.

Já nem adianta questionar que espécie de médico queremos formar quando parece que as próprias instituições de ensino não querem mais formar médicos, mas alguma coisa que lhes seja rentável e dê pouco trabalho. Isso ajuda a esclarecer por que o último edital do Programa Mais Médicos praticamente dispensa a formação médica de seus candidatos. O governo federal trata a revalidação de diploma estrangeiro, prevista em lei, como mero acessório aos candidatos que queiram participar, autorizando a inscrição de brasileiros e estrangeiros com o que chama de “habilitação para exercício da medicina no exterior”. É um tapa na cara da sociedade.

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A atenção primária tem que ser assistida por médicos extremamente capacitados, que resolvam os problemas das pessoas e evitem o agravamento de suas doenças. Não é um depósito de neófitos mal qualificados que não sabem ouvir o paciente, que não conseguem interpretar sinais clínicos sem dezenas de exames.

Já está mais do que provado que jogar médicos no interior, sem o mínimo de apoio, não resolve o problema da assistência. Apenas fragiliza ainda mais as relações de trabalho, pois sem CLT ou concurso, como na carreira judiciária, o médico acaba por não se fixar nos municípios menores, e termina sem um vínculo forte com a comunidade ou o hospital onde trabalha.

É assim que vemos, como resultado, a invasão da medicina por profissionais de outras áreas ou por meros charlatães. Cursinhos de fim de semana, pós-graduações duvidosas e supostos doutores ensinam a qualquer um que queira realizar procedimentos estéticos e terapêuticos, muitas vezes invasivos e com resultados trágicos. Deixamos o flanco aberto para o ataque inimigo. E, como sempre, quem sai prejudicado – quando não morto – é o paciente. Nossa luta é para salvar vidas e qualificar o sistema de saúde. É pela atenção à população fragilizada.

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Em que momento viramos o Judas a ser vilipendiado?

*

PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO RIO GRANDE DO SUL

Guerras são tragédias terríveis em qualquer frente, e estamos enfrentando tempos extremamente violentos. Vemos países da Europa, África, Oriente Médio totalmente conflagrados, sob ataques que expõem horrores indescritíveis sobre seus povos. Em um triste paralelo, vemos uma grande batalha sendo travada também aqui. Pouco se fala da ofensiva contra a medicina que acontece agora no Brasil. Guardadas as proporções, os médicos brasileiros estão lutando pela sobrevivência da própria profissão exercida com o grau de excelência que a sociedade merece. Os ataques vêm de todos os lados. Quando conseguimos desviar de um tiro, explode uma bomba. Se defletimos a bomba, descobrimos que estamos no meio de um campo minado.

Os tiros, bombas e minas metafóricos são as incessantes medidas governamentais, a desinformação da população e a invasão de outras profissões que flagelam a medicina diariamente. Mas, ao mesmo tempo em que somos atacados, nos exigem a melhor conduta, o auge da tecnologia, a infalibilidade. É, no mínimo, um paradoxo, vindo de quem parece desejar substituir a medicina por sabe-se lá o quê, desde que mais rentável.

O médico não tem mais lugar à mesa dos grandes debates nacionais, como descriminalização de drogas, aborto, eutanásia. Há faculdades abrindo como carrocinhas de pipoca a cada esquina. O próprio diploma de médico praticamente já não é mais necessário para exercer a profissão. Contratos de trabalho são cada vez mais precarizados, e qualquer um se arvora a realizar procedimentos invasivos.

Em 1910, nos Estados Unidos, houve um marco na formação médica mundial: a publicação do Relatório Flexner, que gerou uma profunda reforma das escolas médicas nesse país. Segundo o documento, “tem existido uma superprodução de médicos mal treinados e não educados. Essa superprodução de pessoas mal treinadas se deve, principalmente, a um enorme número de escolas comerciais sustentadas por métodos de publicidade”. Essa visão levou ao fechamento de faculdades, que resultou na melhor qualificação do ensino. Parece familiar, não?

O Brasil de 2024 tem muito em comum com os Estados Unidos de 1910 nesse aspecto. Cursos de Medicina excessivamente precarizados geram, obviamente, profissionais excessivamente mal formados. Chegamos ao ponto de ver a avaliação de alguns cursos sendo feita não pela nota do Ministério da Educação, mas da Bolsa de Valores, conforme o número de vagas que oferecem. Mesmo assim, os pedidos de abertura de faculdades aumentam exponencialmente. Isso em um universo onde 73% dos municípios candidatos a receber escolas médicas não têm número suficiente de leitos de internação do Sistema Único de Saúde (SUS) nem de Equipes de Saúde da Família (ESF) ou sequer hospitais de ensino – critérios mínimos para o aprendizado médico. Esses dados, levantados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), apontam que é tarde para uma nova moratória: urge o fechamento de escolas de fundo de quintal. Hospitais-escola e hospitais de assistência são diferentes, e pouco adianta um grupo de alunos apenas seguir e observar um professor, já cansado e desmotivado, sem a didática necessária.

Já nem adianta questionar que espécie de médico queremos formar quando parece que as próprias instituições de ensino não querem mais formar médicos, mas alguma coisa que lhes seja rentável e dê pouco trabalho. Isso ajuda a esclarecer por que o último edital do Programa Mais Médicos praticamente dispensa a formação médica de seus candidatos. O governo federal trata a revalidação de diploma estrangeiro, prevista em lei, como mero acessório aos candidatos que queiram participar, autorizando a inscrição de brasileiros e estrangeiros com o que chama de “habilitação para exercício da medicina no exterior”. É um tapa na cara da sociedade.

A atenção primária tem que ser assistida por médicos extremamente capacitados, que resolvam os problemas das pessoas e evitem o agravamento de suas doenças. Não é um depósito de neófitos mal qualificados que não sabem ouvir o paciente, que não conseguem interpretar sinais clínicos sem dezenas de exames.

Já está mais do que provado que jogar médicos no interior, sem o mínimo de apoio, não resolve o problema da assistência. Apenas fragiliza ainda mais as relações de trabalho, pois sem CLT ou concurso, como na carreira judiciária, o médico acaba por não se fixar nos municípios menores, e termina sem um vínculo forte com a comunidade ou o hospital onde trabalha.

É assim que vemos, como resultado, a invasão da medicina por profissionais de outras áreas ou por meros charlatães. Cursinhos de fim de semana, pós-graduações duvidosas e supostos doutores ensinam a qualquer um que queira realizar procedimentos estéticos e terapêuticos, muitas vezes invasivos e com resultados trágicos. Deixamos o flanco aberto para o ataque inimigo. E, como sempre, quem sai prejudicado – quando não morto – é o paciente. Nossa luta é para salvar vidas e qualificar o sistema de saúde. É pela atenção à população fragilizada.

Em que momento viramos o Judas a ser vilipendiado?

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PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO RIO GRANDE DO SUL

Guerras são tragédias terríveis em qualquer frente, e estamos enfrentando tempos extremamente violentos. Vemos países da Europa, África, Oriente Médio totalmente conflagrados, sob ataques que expõem horrores indescritíveis sobre seus povos. Em um triste paralelo, vemos uma grande batalha sendo travada também aqui. Pouco se fala da ofensiva contra a medicina que acontece agora no Brasil. Guardadas as proporções, os médicos brasileiros estão lutando pela sobrevivência da própria profissão exercida com o grau de excelência que a sociedade merece. Os ataques vêm de todos os lados. Quando conseguimos desviar de um tiro, explode uma bomba. Se defletimos a bomba, descobrimos que estamos no meio de um campo minado.

Os tiros, bombas e minas metafóricos são as incessantes medidas governamentais, a desinformação da população e a invasão de outras profissões que flagelam a medicina diariamente. Mas, ao mesmo tempo em que somos atacados, nos exigem a melhor conduta, o auge da tecnologia, a infalibilidade. É, no mínimo, um paradoxo, vindo de quem parece desejar substituir a medicina por sabe-se lá o quê, desde que mais rentável.

O médico não tem mais lugar à mesa dos grandes debates nacionais, como descriminalização de drogas, aborto, eutanásia. Há faculdades abrindo como carrocinhas de pipoca a cada esquina. O próprio diploma de médico praticamente já não é mais necessário para exercer a profissão. Contratos de trabalho são cada vez mais precarizados, e qualquer um se arvora a realizar procedimentos invasivos.

Em 1910, nos Estados Unidos, houve um marco na formação médica mundial: a publicação do Relatório Flexner, que gerou uma profunda reforma das escolas médicas nesse país. Segundo o documento, “tem existido uma superprodução de médicos mal treinados e não educados. Essa superprodução de pessoas mal treinadas se deve, principalmente, a um enorme número de escolas comerciais sustentadas por métodos de publicidade”. Essa visão levou ao fechamento de faculdades, que resultou na melhor qualificação do ensino. Parece familiar, não?

O Brasil de 2024 tem muito em comum com os Estados Unidos de 1910 nesse aspecto. Cursos de Medicina excessivamente precarizados geram, obviamente, profissionais excessivamente mal formados. Chegamos ao ponto de ver a avaliação de alguns cursos sendo feita não pela nota do Ministério da Educação, mas da Bolsa de Valores, conforme o número de vagas que oferecem. Mesmo assim, os pedidos de abertura de faculdades aumentam exponencialmente. Isso em um universo onde 73% dos municípios candidatos a receber escolas médicas não têm número suficiente de leitos de internação do Sistema Único de Saúde (SUS) nem de Equipes de Saúde da Família (ESF) ou sequer hospitais de ensino – critérios mínimos para o aprendizado médico. Esses dados, levantados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), apontam que é tarde para uma nova moratória: urge o fechamento de escolas de fundo de quintal. Hospitais-escola e hospitais de assistência são diferentes, e pouco adianta um grupo de alunos apenas seguir e observar um professor, já cansado e desmotivado, sem a didática necessária.

Já nem adianta questionar que espécie de médico queremos formar quando parece que as próprias instituições de ensino não querem mais formar médicos, mas alguma coisa que lhes seja rentável e dê pouco trabalho. Isso ajuda a esclarecer por que o último edital do Programa Mais Médicos praticamente dispensa a formação médica de seus candidatos. O governo federal trata a revalidação de diploma estrangeiro, prevista em lei, como mero acessório aos candidatos que queiram participar, autorizando a inscrição de brasileiros e estrangeiros com o que chama de “habilitação para exercício da medicina no exterior”. É um tapa na cara da sociedade.

A atenção primária tem que ser assistida por médicos extremamente capacitados, que resolvam os problemas das pessoas e evitem o agravamento de suas doenças. Não é um depósito de neófitos mal qualificados que não sabem ouvir o paciente, que não conseguem interpretar sinais clínicos sem dezenas de exames.

Já está mais do que provado que jogar médicos no interior, sem o mínimo de apoio, não resolve o problema da assistência. Apenas fragiliza ainda mais as relações de trabalho, pois sem CLT ou concurso, como na carreira judiciária, o médico acaba por não se fixar nos municípios menores, e termina sem um vínculo forte com a comunidade ou o hospital onde trabalha.

É assim que vemos, como resultado, a invasão da medicina por profissionais de outras áreas ou por meros charlatães. Cursinhos de fim de semana, pós-graduações duvidosas e supostos doutores ensinam a qualquer um que queira realizar procedimentos estéticos e terapêuticos, muitas vezes invasivos e com resultados trágicos. Deixamos o flanco aberto para o ataque inimigo. E, como sempre, quem sai prejudicado – quando não morto – é o paciente. Nossa luta é para salvar vidas e qualificar o sistema de saúde. É pela atenção à população fragilizada.

Em que momento viramos o Judas a ser vilipendiado?

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PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO RIO GRANDE DO SUL

Guerras são tragédias terríveis em qualquer frente, e estamos enfrentando tempos extremamente violentos. Vemos países da Europa, África, Oriente Médio totalmente conflagrados, sob ataques que expõem horrores indescritíveis sobre seus povos. Em um triste paralelo, vemos uma grande batalha sendo travada também aqui. Pouco se fala da ofensiva contra a medicina que acontece agora no Brasil. Guardadas as proporções, os médicos brasileiros estão lutando pela sobrevivência da própria profissão exercida com o grau de excelência que a sociedade merece. Os ataques vêm de todos os lados. Quando conseguimos desviar de um tiro, explode uma bomba. Se defletimos a bomba, descobrimos que estamos no meio de um campo minado.

Os tiros, bombas e minas metafóricos são as incessantes medidas governamentais, a desinformação da população e a invasão de outras profissões que flagelam a medicina diariamente. Mas, ao mesmo tempo em que somos atacados, nos exigem a melhor conduta, o auge da tecnologia, a infalibilidade. É, no mínimo, um paradoxo, vindo de quem parece desejar substituir a medicina por sabe-se lá o quê, desde que mais rentável.

O médico não tem mais lugar à mesa dos grandes debates nacionais, como descriminalização de drogas, aborto, eutanásia. Há faculdades abrindo como carrocinhas de pipoca a cada esquina. O próprio diploma de médico praticamente já não é mais necessário para exercer a profissão. Contratos de trabalho são cada vez mais precarizados, e qualquer um se arvora a realizar procedimentos invasivos.

Em 1910, nos Estados Unidos, houve um marco na formação médica mundial: a publicação do Relatório Flexner, que gerou uma profunda reforma das escolas médicas nesse país. Segundo o documento, “tem existido uma superprodução de médicos mal treinados e não educados. Essa superprodução de pessoas mal treinadas se deve, principalmente, a um enorme número de escolas comerciais sustentadas por métodos de publicidade”. Essa visão levou ao fechamento de faculdades, que resultou na melhor qualificação do ensino. Parece familiar, não?

O Brasil de 2024 tem muito em comum com os Estados Unidos de 1910 nesse aspecto. Cursos de Medicina excessivamente precarizados geram, obviamente, profissionais excessivamente mal formados. Chegamos ao ponto de ver a avaliação de alguns cursos sendo feita não pela nota do Ministério da Educação, mas da Bolsa de Valores, conforme o número de vagas que oferecem. Mesmo assim, os pedidos de abertura de faculdades aumentam exponencialmente. Isso em um universo onde 73% dos municípios candidatos a receber escolas médicas não têm número suficiente de leitos de internação do Sistema Único de Saúde (SUS) nem de Equipes de Saúde da Família (ESF) ou sequer hospitais de ensino – critérios mínimos para o aprendizado médico. Esses dados, levantados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), apontam que é tarde para uma nova moratória: urge o fechamento de escolas de fundo de quintal. Hospitais-escola e hospitais de assistência são diferentes, e pouco adianta um grupo de alunos apenas seguir e observar um professor, já cansado e desmotivado, sem a didática necessária.

Já nem adianta questionar que espécie de médico queremos formar quando parece que as próprias instituições de ensino não querem mais formar médicos, mas alguma coisa que lhes seja rentável e dê pouco trabalho. Isso ajuda a esclarecer por que o último edital do Programa Mais Médicos praticamente dispensa a formação médica de seus candidatos. O governo federal trata a revalidação de diploma estrangeiro, prevista em lei, como mero acessório aos candidatos que queiram participar, autorizando a inscrição de brasileiros e estrangeiros com o que chama de “habilitação para exercício da medicina no exterior”. É um tapa na cara da sociedade.

A atenção primária tem que ser assistida por médicos extremamente capacitados, que resolvam os problemas das pessoas e evitem o agravamento de suas doenças. Não é um depósito de neófitos mal qualificados que não sabem ouvir o paciente, que não conseguem interpretar sinais clínicos sem dezenas de exames.

Já está mais do que provado que jogar médicos no interior, sem o mínimo de apoio, não resolve o problema da assistência. Apenas fragiliza ainda mais as relações de trabalho, pois sem CLT ou concurso, como na carreira judiciária, o médico acaba por não se fixar nos municípios menores, e termina sem um vínculo forte com a comunidade ou o hospital onde trabalha.

É assim que vemos, como resultado, a invasão da medicina por profissionais de outras áreas ou por meros charlatães. Cursinhos de fim de semana, pós-graduações duvidosas e supostos doutores ensinam a qualquer um que queira realizar procedimentos estéticos e terapêuticos, muitas vezes invasivos e com resultados trágicos. Deixamos o flanco aberto para o ataque inimigo. E, como sempre, quem sai prejudicado – quando não morto – é o paciente. Nossa luta é para salvar vidas e qualificar o sistema de saúde. É pela atenção à população fragilizada.

Em que momento viramos o Judas a ser vilipendiado?

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PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO RIO GRANDE DO SUL

Guerras são tragédias terríveis em qualquer frente, e estamos enfrentando tempos extremamente violentos. Vemos países da Europa, África, Oriente Médio totalmente conflagrados, sob ataques que expõem horrores indescritíveis sobre seus povos. Em um triste paralelo, vemos uma grande batalha sendo travada também aqui. Pouco se fala da ofensiva contra a medicina que acontece agora no Brasil. Guardadas as proporções, os médicos brasileiros estão lutando pela sobrevivência da própria profissão exercida com o grau de excelência que a sociedade merece. Os ataques vêm de todos os lados. Quando conseguimos desviar de um tiro, explode uma bomba. Se defletimos a bomba, descobrimos que estamos no meio de um campo minado.

Os tiros, bombas e minas metafóricos são as incessantes medidas governamentais, a desinformação da população e a invasão de outras profissões que flagelam a medicina diariamente. Mas, ao mesmo tempo em que somos atacados, nos exigem a melhor conduta, o auge da tecnologia, a infalibilidade. É, no mínimo, um paradoxo, vindo de quem parece desejar substituir a medicina por sabe-se lá o quê, desde que mais rentável.

O médico não tem mais lugar à mesa dos grandes debates nacionais, como descriminalização de drogas, aborto, eutanásia. Há faculdades abrindo como carrocinhas de pipoca a cada esquina. O próprio diploma de médico praticamente já não é mais necessário para exercer a profissão. Contratos de trabalho são cada vez mais precarizados, e qualquer um se arvora a realizar procedimentos invasivos.

Em 1910, nos Estados Unidos, houve um marco na formação médica mundial: a publicação do Relatório Flexner, que gerou uma profunda reforma das escolas médicas nesse país. Segundo o documento, “tem existido uma superprodução de médicos mal treinados e não educados. Essa superprodução de pessoas mal treinadas se deve, principalmente, a um enorme número de escolas comerciais sustentadas por métodos de publicidade”. Essa visão levou ao fechamento de faculdades, que resultou na melhor qualificação do ensino. Parece familiar, não?

O Brasil de 2024 tem muito em comum com os Estados Unidos de 1910 nesse aspecto. Cursos de Medicina excessivamente precarizados geram, obviamente, profissionais excessivamente mal formados. Chegamos ao ponto de ver a avaliação de alguns cursos sendo feita não pela nota do Ministério da Educação, mas da Bolsa de Valores, conforme o número de vagas que oferecem. Mesmo assim, os pedidos de abertura de faculdades aumentam exponencialmente. Isso em um universo onde 73% dos municípios candidatos a receber escolas médicas não têm número suficiente de leitos de internação do Sistema Único de Saúde (SUS) nem de Equipes de Saúde da Família (ESF) ou sequer hospitais de ensino – critérios mínimos para o aprendizado médico. Esses dados, levantados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), apontam que é tarde para uma nova moratória: urge o fechamento de escolas de fundo de quintal. Hospitais-escola e hospitais de assistência são diferentes, e pouco adianta um grupo de alunos apenas seguir e observar um professor, já cansado e desmotivado, sem a didática necessária.

Já nem adianta questionar que espécie de médico queremos formar quando parece que as próprias instituições de ensino não querem mais formar médicos, mas alguma coisa que lhes seja rentável e dê pouco trabalho. Isso ajuda a esclarecer por que o último edital do Programa Mais Médicos praticamente dispensa a formação médica de seus candidatos. O governo federal trata a revalidação de diploma estrangeiro, prevista em lei, como mero acessório aos candidatos que queiram participar, autorizando a inscrição de brasileiros e estrangeiros com o que chama de “habilitação para exercício da medicina no exterior”. É um tapa na cara da sociedade.

A atenção primária tem que ser assistida por médicos extremamente capacitados, que resolvam os problemas das pessoas e evitem o agravamento de suas doenças. Não é um depósito de neófitos mal qualificados que não sabem ouvir o paciente, que não conseguem interpretar sinais clínicos sem dezenas de exames.

Já está mais do que provado que jogar médicos no interior, sem o mínimo de apoio, não resolve o problema da assistência. Apenas fragiliza ainda mais as relações de trabalho, pois sem CLT ou concurso, como na carreira judiciária, o médico acaba por não se fixar nos municípios menores, e termina sem um vínculo forte com a comunidade ou o hospital onde trabalha.

É assim que vemos, como resultado, a invasão da medicina por profissionais de outras áreas ou por meros charlatães. Cursinhos de fim de semana, pós-graduações duvidosas e supostos doutores ensinam a qualquer um que queira realizar procedimentos estéticos e terapêuticos, muitas vezes invasivos e com resultados trágicos. Deixamos o flanco aberto para o ataque inimigo. E, como sempre, quem sai prejudicado – quando não morto – é o paciente. Nossa luta é para salvar vidas e qualificar o sistema de saúde. É pela atenção à população fragilizada.

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