Opinião|Medo, Brasil?


O alto isolamento (ou baixa internacionalização) do Brasil é incompatível com suas dimensões e seu potencial. Se não o medo, o que explica isso?

Por Marcelo Consentino
Atualização:

“O Brasil tem medo do mundo? Ou o mundo tem medo do Brasil?” As perguntas de Roberto Teixeira da Costa no título de seu livro de 2021 – agora relançadas ao mundo na sua edição em inglês – são, prima facie, estranhas. Por que o Brasil e o mundo deveriam temer um ao outro? Sem histórico de agressões militares ou guerras civis, o Brasil é a terceira maior democracia do planeta, um crisol de seus povos, tolerante com suas crenças. No folclore global, as praias tropicais, o futebol, o carnaval evocam, longe do medo, escapismos hedonistas.

Mas as dúvidas de Teixeira refletem um fato palpável: o isolamento do Brasil. Há um isolamento constitutivo: o Brasil foi edificado por colonizadores da periferia da Europa na periferia do mundo. Mesmo vizinhos no Cone Sul estão distantes. E há um isolamento constituído: das 15 maiores economias do mundo, a brasileira é das menos internacionalizadas; no Ranking de Liberdade Econômica, o País está na 144.ª posição, junto das economias “fechadas”. “Nada faz os brasileiros mais felizes que o isolamento”, disse FHC.

Ao fim, o leitor julgará as ponderações de Teixeira. De saída, elas têm méritos indisputáveis. Primeiro, pela sua competência: economista quase nonagenário, ele foi o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários e fundou o Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Depois, por sua atitude. Teixeira não aponta o dedo a algum bode expiatório, aponta a todos nós, menos para recriminar do que para provocar. Do setor público ao privado, em todos os estratos sociais, todos têm sua parcela de responsabilidade no ostracismo. Há os nossos antepassados e sua herança extrativista e latifundiária. Há as oligarquias satisfeitas com o mercado doméstico, que pedem a um Estado centralizador e tutelar privilégios e proteções, e há os políticos que os concedem por favores e poder. Nas relações exteriores, há um Executivo que oscila entre a nonchalance e o quixotismo; um Legislativo omisso; um Judiciário confuso. Há um povo, especialmente uma elite, negligente no cultivo de uma cultura cosmopolita.

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Como “análise provocativa, não só da política externa do Brasil, mas de sua economia política e papel na economia global”, no dizer de Anthony Pereira, o livro cumpre sua meta, e “qualquer um que acredite que o Brasil pode e deve ter um papel mais influente nos negócios do mundo se beneficiará de sua leitura”.

Mas as questões iniciais restam irrespondidas. O medo é uma emoção que implica a perda iminente de algo valioso sob a força de uma potência superior. No que toca ao mundo, se há “medo”, é menos pavor de um agressor que receio de um parceiro pouco confiável. O mundo se compraz em conviver com o Brasil. Não tanto em colaborar com ele. Quanto ao Brasil, as próprias expressões usadas por Teixeira (“autocomplacência”, “zona de conforto”) sugerem sensações alheias ao medo, de suficiência, acomodação, até prepotência. Mais que um valor ameaçado pelo mundo, o sempiterno clichê do “país do futuro” evoca uma promessa malograda para o mundo.

Para responder à questão da relação do Brasil com o mundo, talvez seja mais esclarecedor virá-la do avesso, da percepção subjetiva do Brasil à sua atuação objetiva. O Brasil tem algo a oferecer ao mundo? Além de minérios, grãos e carnes para nutrir o corpo do mundo, o que o Brasil dá à sua alma?

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Considere as energias do saber, do agir e do criar que edificam a civilização à luz de seus princípios metafísicos: a verdade, o bem e a beleza. A produção intelectual e acadêmica brasileira é mediana, frequentemente medíocre. No campo da ação aplicada ao seu fim último, a construção de uma sociedade justa e próspera, o Brasil está entre os 20 países mais desiguais e violentos do mundo. Na esfera da criatividade, o Brasil tem um brilho inigualável nas alegrias populares do esporte (futebol), das festas (carnaval) e da música (samba), mas nas outras belas artes, até seu cume na poesia – para não falar da criatividade mágica dos místicos –, retorna a sensação de um potencial frustrado, que ecoa em incontáveis gozações com o epíteto do “impávido colosso deitado em berço esplêndido”. Visto do alto, à luz das virtudes sobrenaturais da fé, da caridade e da esperança, através das quais o saber, o agir e o criar humanos transcendem a si mesmos, o Brasil oferece ao mundo doses cavalares, mas efêmeras, de esperança, muito pouca fé e ainda menos amor. E, se não busca no mundo o que lhe falta, não parece ser por medo. Será, talvez, por preguiça ou orgulho, de todo modo por desinteresse. E, se o Brasil se desinteressa do mundo, é natural que o mundo se desinteresse do Brasil.

As questões de Teixeira restam irrespondidas – e isso é um mérito, como o têm as questões irrespondidas de um Sócrates –, mas repousam sobre um fato insofismável: o alto isolamento – ou baixa internacionalização – do Brasil é incompatível com suas dimensões e seu potencial. Se não o medo, o que explica isso?

Um presidente norte-americano disse certa vez a seu povo: “A única coisa que nós temos a temer é o próprio medo”. E nós, temos a temer o quê?

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JORNALISTA, É DOUTOR EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO PELA PUC-SP

“O Brasil tem medo do mundo? Ou o mundo tem medo do Brasil?” As perguntas de Roberto Teixeira da Costa no título de seu livro de 2021 – agora relançadas ao mundo na sua edição em inglês – são, prima facie, estranhas. Por que o Brasil e o mundo deveriam temer um ao outro? Sem histórico de agressões militares ou guerras civis, o Brasil é a terceira maior democracia do planeta, um crisol de seus povos, tolerante com suas crenças. No folclore global, as praias tropicais, o futebol, o carnaval evocam, longe do medo, escapismos hedonistas.

Mas as dúvidas de Teixeira refletem um fato palpável: o isolamento do Brasil. Há um isolamento constitutivo: o Brasil foi edificado por colonizadores da periferia da Europa na periferia do mundo. Mesmo vizinhos no Cone Sul estão distantes. E há um isolamento constituído: das 15 maiores economias do mundo, a brasileira é das menos internacionalizadas; no Ranking de Liberdade Econômica, o País está na 144.ª posição, junto das economias “fechadas”. “Nada faz os brasileiros mais felizes que o isolamento”, disse FHC.

Ao fim, o leitor julgará as ponderações de Teixeira. De saída, elas têm méritos indisputáveis. Primeiro, pela sua competência: economista quase nonagenário, ele foi o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários e fundou o Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Depois, por sua atitude. Teixeira não aponta o dedo a algum bode expiatório, aponta a todos nós, menos para recriminar do que para provocar. Do setor público ao privado, em todos os estratos sociais, todos têm sua parcela de responsabilidade no ostracismo. Há os nossos antepassados e sua herança extrativista e latifundiária. Há as oligarquias satisfeitas com o mercado doméstico, que pedem a um Estado centralizador e tutelar privilégios e proteções, e há os políticos que os concedem por favores e poder. Nas relações exteriores, há um Executivo que oscila entre a nonchalance e o quixotismo; um Legislativo omisso; um Judiciário confuso. Há um povo, especialmente uma elite, negligente no cultivo de uma cultura cosmopolita.

Como “análise provocativa, não só da política externa do Brasil, mas de sua economia política e papel na economia global”, no dizer de Anthony Pereira, o livro cumpre sua meta, e “qualquer um que acredite que o Brasil pode e deve ter um papel mais influente nos negócios do mundo se beneficiará de sua leitura”.

Mas as questões iniciais restam irrespondidas. O medo é uma emoção que implica a perda iminente de algo valioso sob a força de uma potência superior. No que toca ao mundo, se há “medo”, é menos pavor de um agressor que receio de um parceiro pouco confiável. O mundo se compraz em conviver com o Brasil. Não tanto em colaborar com ele. Quanto ao Brasil, as próprias expressões usadas por Teixeira (“autocomplacência”, “zona de conforto”) sugerem sensações alheias ao medo, de suficiência, acomodação, até prepotência. Mais que um valor ameaçado pelo mundo, o sempiterno clichê do “país do futuro” evoca uma promessa malograda para o mundo.

Para responder à questão da relação do Brasil com o mundo, talvez seja mais esclarecedor virá-la do avesso, da percepção subjetiva do Brasil à sua atuação objetiva. O Brasil tem algo a oferecer ao mundo? Além de minérios, grãos e carnes para nutrir o corpo do mundo, o que o Brasil dá à sua alma?

Considere as energias do saber, do agir e do criar que edificam a civilização à luz de seus princípios metafísicos: a verdade, o bem e a beleza. A produção intelectual e acadêmica brasileira é mediana, frequentemente medíocre. No campo da ação aplicada ao seu fim último, a construção de uma sociedade justa e próspera, o Brasil está entre os 20 países mais desiguais e violentos do mundo. Na esfera da criatividade, o Brasil tem um brilho inigualável nas alegrias populares do esporte (futebol), das festas (carnaval) e da música (samba), mas nas outras belas artes, até seu cume na poesia – para não falar da criatividade mágica dos místicos –, retorna a sensação de um potencial frustrado, que ecoa em incontáveis gozações com o epíteto do “impávido colosso deitado em berço esplêndido”. Visto do alto, à luz das virtudes sobrenaturais da fé, da caridade e da esperança, através das quais o saber, o agir e o criar humanos transcendem a si mesmos, o Brasil oferece ao mundo doses cavalares, mas efêmeras, de esperança, muito pouca fé e ainda menos amor. E, se não busca no mundo o que lhe falta, não parece ser por medo. Será, talvez, por preguiça ou orgulho, de todo modo por desinteresse. E, se o Brasil se desinteressa do mundo, é natural que o mundo se desinteresse do Brasil.

As questões de Teixeira restam irrespondidas – e isso é um mérito, como o têm as questões irrespondidas de um Sócrates –, mas repousam sobre um fato insofismável: o alto isolamento – ou baixa internacionalização – do Brasil é incompatível com suas dimensões e seu potencial. Se não o medo, o que explica isso?

Um presidente norte-americano disse certa vez a seu povo: “A única coisa que nós temos a temer é o próprio medo”. E nós, temos a temer o quê?

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JORNALISTA, É DOUTOR EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO PELA PUC-SP

“O Brasil tem medo do mundo? Ou o mundo tem medo do Brasil?” As perguntas de Roberto Teixeira da Costa no título de seu livro de 2021 – agora relançadas ao mundo na sua edição em inglês – são, prima facie, estranhas. Por que o Brasil e o mundo deveriam temer um ao outro? Sem histórico de agressões militares ou guerras civis, o Brasil é a terceira maior democracia do planeta, um crisol de seus povos, tolerante com suas crenças. No folclore global, as praias tropicais, o futebol, o carnaval evocam, longe do medo, escapismos hedonistas.

Mas as dúvidas de Teixeira refletem um fato palpável: o isolamento do Brasil. Há um isolamento constitutivo: o Brasil foi edificado por colonizadores da periferia da Europa na periferia do mundo. Mesmo vizinhos no Cone Sul estão distantes. E há um isolamento constituído: das 15 maiores economias do mundo, a brasileira é das menos internacionalizadas; no Ranking de Liberdade Econômica, o País está na 144.ª posição, junto das economias “fechadas”. “Nada faz os brasileiros mais felizes que o isolamento”, disse FHC.

Ao fim, o leitor julgará as ponderações de Teixeira. De saída, elas têm méritos indisputáveis. Primeiro, pela sua competência: economista quase nonagenário, ele foi o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários e fundou o Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Depois, por sua atitude. Teixeira não aponta o dedo a algum bode expiatório, aponta a todos nós, menos para recriminar do que para provocar. Do setor público ao privado, em todos os estratos sociais, todos têm sua parcela de responsabilidade no ostracismo. Há os nossos antepassados e sua herança extrativista e latifundiária. Há as oligarquias satisfeitas com o mercado doméstico, que pedem a um Estado centralizador e tutelar privilégios e proteções, e há os políticos que os concedem por favores e poder. Nas relações exteriores, há um Executivo que oscila entre a nonchalance e o quixotismo; um Legislativo omisso; um Judiciário confuso. Há um povo, especialmente uma elite, negligente no cultivo de uma cultura cosmopolita.

Como “análise provocativa, não só da política externa do Brasil, mas de sua economia política e papel na economia global”, no dizer de Anthony Pereira, o livro cumpre sua meta, e “qualquer um que acredite que o Brasil pode e deve ter um papel mais influente nos negócios do mundo se beneficiará de sua leitura”.

Mas as questões iniciais restam irrespondidas. O medo é uma emoção que implica a perda iminente de algo valioso sob a força de uma potência superior. No que toca ao mundo, se há “medo”, é menos pavor de um agressor que receio de um parceiro pouco confiável. O mundo se compraz em conviver com o Brasil. Não tanto em colaborar com ele. Quanto ao Brasil, as próprias expressões usadas por Teixeira (“autocomplacência”, “zona de conforto”) sugerem sensações alheias ao medo, de suficiência, acomodação, até prepotência. Mais que um valor ameaçado pelo mundo, o sempiterno clichê do “país do futuro” evoca uma promessa malograda para o mundo.

Para responder à questão da relação do Brasil com o mundo, talvez seja mais esclarecedor virá-la do avesso, da percepção subjetiva do Brasil à sua atuação objetiva. O Brasil tem algo a oferecer ao mundo? Além de minérios, grãos e carnes para nutrir o corpo do mundo, o que o Brasil dá à sua alma?

Considere as energias do saber, do agir e do criar que edificam a civilização à luz de seus princípios metafísicos: a verdade, o bem e a beleza. A produção intelectual e acadêmica brasileira é mediana, frequentemente medíocre. No campo da ação aplicada ao seu fim último, a construção de uma sociedade justa e próspera, o Brasil está entre os 20 países mais desiguais e violentos do mundo. Na esfera da criatividade, o Brasil tem um brilho inigualável nas alegrias populares do esporte (futebol), das festas (carnaval) e da música (samba), mas nas outras belas artes, até seu cume na poesia – para não falar da criatividade mágica dos místicos –, retorna a sensação de um potencial frustrado, que ecoa em incontáveis gozações com o epíteto do “impávido colosso deitado em berço esplêndido”. Visto do alto, à luz das virtudes sobrenaturais da fé, da caridade e da esperança, através das quais o saber, o agir e o criar humanos transcendem a si mesmos, o Brasil oferece ao mundo doses cavalares, mas efêmeras, de esperança, muito pouca fé e ainda menos amor. E, se não busca no mundo o que lhe falta, não parece ser por medo. Será, talvez, por preguiça ou orgulho, de todo modo por desinteresse. E, se o Brasil se desinteressa do mundo, é natural que o mundo se desinteresse do Brasil.

As questões de Teixeira restam irrespondidas – e isso é um mérito, como o têm as questões irrespondidas de um Sócrates –, mas repousam sobre um fato insofismável: o alto isolamento – ou baixa internacionalização – do Brasil é incompatível com suas dimensões e seu potencial. Se não o medo, o que explica isso?

Um presidente norte-americano disse certa vez a seu povo: “A única coisa que nós temos a temer é o próprio medo”. E nós, temos a temer o quê?

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JORNALISTA, É DOUTOR EM FILOSOFIA DA RELIGIÃO PELA PUC-SP

“O Brasil tem medo do mundo? Ou o mundo tem medo do Brasil?” As perguntas de Roberto Teixeira da Costa no título de seu livro de 2021 – agora relançadas ao mundo na sua edição em inglês – são, prima facie, estranhas. Por que o Brasil e o mundo deveriam temer um ao outro? Sem histórico de agressões militares ou guerras civis, o Brasil é a terceira maior democracia do planeta, um crisol de seus povos, tolerante com suas crenças. No folclore global, as praias tropicais, o futebol, o carnaval evocam, longe do medo, escapismos hedonistas.

Mas as dúvidas de Teixeira refletem um fato palpável: o isolamento do Brasil. Há um isolamento constitutivo: o Brasil foi edificado por colonizadores da periferia da Europa na periferia do mundo. Mesmo vizinhos no Cone Sul estão distantes. E há um isolamento constituído: das 15 maiores economias do mundo, a brasileira é das menos internacionalizadas; no Ranking de Liberdade Econômica, o País está na 144.ª posição, junto das economias “fechadas”. “Nada faz os brasileiros mais felizes que o isolamento”, disse FHC.

Ao fim, o leitor julgará as ponderações de Teixeira. De saída, elas têm méritos indisputáveis. Primeiro, pela sua competência: economista quase nonagenário, ele foi o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários e fundou o Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Depois, por sua atitude. Teixeira não aponta o dedo a algum bode expiatório, aponta a todos nós, menos para recriminar do que para provocar. Do setor público ao privado, em todos os estratos sociais, todos têm sua parcela de responsabilidade no ostracismo. Há os nossos antepassados e sua herança extrativista e latifundiária. Há as oligarquias satisfeitas com o mercado doméstico, que pedem a um Estado centralizador e tutelar privilégios e proteções, e há os políticos que os concedem por favores e poder. Nas relações exteriores, há um Executivo que oscila entre a nonchalance e o quixotismo; um Legislativo omisso; um Judiciário confuso. Há um povo, especialmente uma elite, negligente no cultivo de uma cultura cosmopolita.

Como “análise provocativa, não só da política externa do Brasil, mas de sua economia política e papel na economia global”, no dizer de Anthony Pereira, o livro cumpre sua meta, e “qualquer um que acredite que o Brasil pode e deve ter um papel mais influente nos negócios do mundo se beneficiará de sua leitura”.

Mas as questões iniciais restam irrespondidas. O medo é uma emoção que implica a perda iminente de algo valioso sob a força de uma potência superior. No que toca ao mundo, se há “medo”, é menos pavor de um agressor que receio de um parceiro pouco confiável. O mundo se compraz em conviver com o Brasil. Não tanto em colaborar com ele. Quanto ao Brasil, as próprias expressões usadas por Teixeira (“autocomplacência”, “zona de conforto”) sugerem sensações alheias ao medo, de suficiência, acomodação, até prepotência. Mais que um valor ameaçado pelo mundo, o sempiterno clichê do “país do futuro” evoca uma promessa malograda para o mundo.

Para responder à questão da relação do Brasil com o mundo, talvez seja mais esclarecedor virá-la do avesso, da percepção subjetiva do Brasil à sua atuação objetiva. O Brasil tem algo a oferecer ao mundo? Além de minérios, grãos e carnes para nutrir o corpo do mundo, o que o Brasil dá à sua alma?

Considere as energias do saber, do agir e do criar que edificam a civilização à luz de seus princípios metafísicos: a verdade, o bem e a beleza. A produção intelectual e acadêmica brasileira é mediana, frequentemente medíocre. No campo da ação aplicada ao seu fim último, a construção de uma sociedade justa e próspera, o Brasil está entre os 20 países mais desiguais e violentos do mundo. Na esfera da criatividade, o Brasil tem um brilho inigualável nas alegrias populares do esporte (futebol), das festas (carnaval) e da música (samba), mas nas outras belas artes, até seu cume na poesia – para não falar da criatividade mágica dos místicos –, retorna a sensação de um potencial frustrado, que ecoa em incontáveis gozações com o epíteto do “impávido colosso deitado em berço esplêndido”. Visto do alto, à luz das virtudes sobrenaturais da fé, da caridade e da esperança, através das quais o saber, o agir e o criar humanos transcendem a si mesmos, o Brasil oferece ao mundo doses cavalares, mas efêmeras, de esperança, muito pouca fé e ainda menos amor. E, se não busca no mundo o que lhe falta, não parece ser por medo. Será, talvez, por preguiça ou orgulho, de todo modo por desinteresse. E, se o Brasil se desinteressa do mundo, é natural que o mundo se desinteresse do Brasil.

As questões de Teixeira restam irrespondidas – e isso é um mérito, como o têm as questões irrespondidas de um Sócrates –, mas repousam sobre um fato insofismável: o alto isolamento – ou baixa internacionalização – do Brasil é incompatível com suas dimensões e seu potencial. Se não o medo, o que explica isso?

Um presidente norte-americano disse certa vez a seu povo: “A única coisa que nós temos a temer é o próprio medo”. E nós, temos a temer o quê?

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“O Brasil tem medo do mundo? Ou o mundo tem medo do Brasil?” As perguntas de Roberto Teixeira da Costa no título de seu livro de 2021 – agora relançadas ao mundo na sua edição em inglês – são, prima facie, estranhas. Por que o Brasil e o mundo deveriam temer um ao outro? Sem histórico de agressões militares ou guerras civis, o Brasil é a terceira maior democracia do planeta, um crisol de seus povos, tolerante com suas crenças. No folclore global, as praias tropicais, o futebol, o carnaval evocam, longe do medo, escapismos hedonistas.

Mas as dúvidas de Teixeira refletem um fato palpável: o isolamento do Brasil. Há um isolamento constitutivo: o Brasil foi edificado por colonizadores da periferia da Europa na periferia do mundo. Mesmo vizinhos no Cone Sul estão distantes. E há um isolamento constituído: das 15 maiores economias do mundo, a brasileira é das menos internacionalizadas; no Ranking de Liberdade Econômica, o País está na 144.ª posição, junto das economias “fechadas”. “Nada faz os brasileiros mais felizes que o isolamento”, disse FHC.

Ao fim, o leitor julgará as ponderações de Teixeira. De saída, elas têm méritos indisputáveis. Primeiro, pela sua competência: economista quase nonagenário, ele foi o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários e fundou o Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Depois, por sua atitude. Teixeira não aponta o dedo a algum bode expiatório, aponta a todos nós, menos para recriminar do que para provocar. Do setor público ao privado, em todos os estratos sociais, todos têm sua parcela de responsabilidade no ostracismo. Há os nossos antepassados e sua herança extrativista e latifundiária. Há as oligarquias satisfeitas com o mercado doméstico, que pedem a um Estado centralizador e tutelar privilégios e proteções, e há os políticos que os concedem por favores e poder. Nas relações exteriores, há um Executivo que oscila entre a nonchalance e o quixotismo; um Legislativo omisso; um Judiciário confuso. Há um povo, especialmente uma elite, negligente no cultivo de uma cultura cosmopolita.

Como “análise provocativa, não só da política externa do Brasil, mas de sua economia política e papel na economia global”, no dizer de Anthony Pereira, o livro cumpre sua meta, e “qualquer um que acredite que o Brasil pode e deve ter um papel mais influente nos negócios do mundo se beneficiará de sua leitura”.

Mas as questões iniciais restam irrespondidas. O medo é uma emoção que implica a perda iminente de algo valioso sob a força de uma potência superior. No que toca ao mundo, se há “medo”, é menos pavor de um agressor que receio de um parceiro pouco confiável. O mundo se compraz em conviver com o Brasil. Não tanto em colaborar com ele. Quanto ao Brasil, as próprias expressões usadas por Teixeira (“autocomplacência”, “zona de conforto”) sugerem sensações alheias ao medo, de suficiência, acomodação, até prepotência. Mais que um valor ameaçado pelo mundo, o sempiterno clichê do “país do futuro” evoca uma promessa malograda para o mundo.

Para responder à questão da relação do Brasil com o mundo, talvez seja mais esclarecedor virá-la do avesso, da percepção subjetiva do Brasil à sua atuação objetiva. O Brasil tem algo a oferecer ao mundo? Além de minérios, grãos e carnes para nutrir o corpo do mundo, o que o Brasil dá à sua alma?

Considere as energias do saber, do agir e do criar que edificam a civilização à luz de seus princípios metafísicos: a verdade, o bem e a beleza. A produção intelectual e acadêmica brasileira é mediana, frequentemente medíocre. No campo da ação aplicada ao seu fim último, a construção de uma sociedade justa e próspera, o Brasil está entre os 20 países mais desiguais e violentos do mundo. Na esfera da criatividade, o Brasil tem um brilho inigualável nas alegrias populares do esporte (futebol), das festas (carnaval) e da música (samba), mas nas outras belas artes, até seu cume na poesia – para não falar da criatividade mágica dos místicos –, retorna a sensação de um potencial frustrado, que ecoa em incontáveis gozações com o epíteto do “impávido colosso deitado em berço esplêndido”. Visto do alto, à luz das virtudes sobrenaturais da fé, da caridade e da esperança, através das quais o saber, o agir e o criar humanos transcendem a si mesmos, o Brasil oferece ao mundo doses cavalares, mas efêmeras, de esperança, muito pouca fé e ainda menos amor. E, se não busca no mundo o que lhe falta, não parece ser por medo. Será, talvez, por preguiça ou orgulho, de todo modo por desinteresse. E, se o Brasil se desinteressa do mundo, é natural que o mundo se desinteresse do Brasil.

As questões de Teixeira restam irrespondidas – e isso é um mérito, como o têm as questões irrespondidas de um Sócrates –, mas repousam sobre um fato insofismável: o alto isolamento – ou baixa internacionalização – do Brasil é incompatível com suas dimensões e seu potencial. Se não o medo, o que explica isso?

Um presidente norte-americano disse certa vez a seu povo: “A única coisa que nós temos a temer é o próprio medo”. E nós, temos a temer o quê?

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