Opinião|Modernidade e desigualdades


O País tem as condições necessárias para que o povo viva com maior bem-estar. O que falta?

Por Fernando Henrique Cardoso

Um pouco mais de tempo, em poucos meses, recomeçam as campanhas eleitorais para a Presidência, para a Câmara dos Deputados e para o Senado (em âmbito federal). Já se veem os arreganhos: é um tal de os eventuais candidatos viajarem, de a imprensa falar deles e de alguns seguidores se animarem que já se pode prever que, nesse aspecto, pouco muda.

O povo, por enquanto, continua preocupado com o dia a dia: é o salário que é curto, o emprego que pode faltar (e para muitos já falta), os transportes que custam caro e o ensino cujo custo, quando o pobre não tem a sorte de conseguir uma bolsa ou de ter acesso a uma escola pública, assusta os familiares. Nihil novi sub sole...

É quase sempre assim. Mas também é verdade que em poucos meses a coorte de novas ideias e de esperanças voltará a motivar o eleitorado. E tomara que seja assim: sinal de que a liberdade e a democracia prevalecerão.

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Haverá mesmo novos caminhos? Tomara. De qualquer modo, é melhor que haja esperança. E se há uma coisa que persiste em nosso meio, é essa característica. Se a esperança se frustra, é outro problema. Dependerá de conjunturas mundiais, de políticas locais e de que se candidatem pessoas capazes de exercer o poder dando ânimo ao País.

A despeito de tudo, o certo é que, se eu comparar o Rio de Janeiro do começo dos anos 30, quando eu nasci, com o Rio de hoje, para não falar de São Paulo quando vim com a família para cá, nos anos 40, com a cidade de nossos dias, a vida melhorou. Para todos? Talvez não. Mas para a maioria. E olha que eu conheço as favelas do Rio, as casas de cômodos de São Paulo, os bairros mais pobres de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Conheço como pesquisador da vida dos negros e como político, que precisa de votos.

Mas que ninguém se iluda: por mais que haja melhorado, há diferenças gritantes entre as várias camadas da população. Do campo, então, nem se fale – e isso que conheço mais o Sul e o Centro-Oeste do que o Nordeste e a Amazônia, onde, em geral, a situação da pobreza é pior. Sem falar do cansaço que a vida urbana causa aos mais pobres. O País se urbanizou para valer e o sistema de transporte, por mais que se modernize, não diminui o cansaço dos que entram nas filas de espera, nem mesmo o tempo que se consome nos longos trajetos de casa ao trabalho.

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Como presidente que fui, conheci muitas partes do País; como pesquisador, aprendi a olhar e ver as diferenças. Sei que são grandes e inaceitáveis. E para dar-se conta desse fato não é preciso ser sociólogo e muito menos presidente. Mesmo em São Paulo, o olhar treinado vê no centro da cidade os que moram na rua, ou nas escadarias escondidas dos bairros mais ricos, como Higienópolis. Ou a Zona Sul do Rio, com suas favelas.

Que ninguém se iluda, muito menos os políticos. Ou bem fazemos algo para reduzir a pobreza e as diferenças de situação econômico-social, ou continuaremos a ser o que somos: um país com boas condições naturais e incapaz de entrar, de verdade, na “modernidade”.

Não gosto da última palavra que escrevi, ela pode ser enganosa. Mas se algo caracteriza os países que chamamos de modernos é que eles, a despeito de alguns haverem caminhado para o socialismo e outros se manterem no velho capitalismo de sempre, foram capazes de diminuir as desigualdades e existem Estados que assistem os que mais precisam.

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Nós, no Brasil, caminhamos muito no que se refere à acumulação de riquezas produtivas, mas ainda falta um longo caminho a percorrer para que haja de fato mais igualdade. E essa observação vale mesmo em comparação com a menor desigualdade que foi alcançada nos países capitalistas da Europa e nos Estados Unidos.

Esse é um limite para nosso crescimento como nação. Sei que a afirmação pode soar demagógica. Mas, vá lá: pelo menos pode inquietar os que estão acomodados. A verdade é simples: ou nos esforçamos para diminuir tamanha desigualdade ou poderá haver ricos no Brasil, existir uma classe média ampla e acomodada, mas as desigualdades sociais e o sentimento de injustiça continuarão a perturbar o sentimento dos que não querem tudo para si e creem que será bom se for melhor para muitos, para a maioria, tanto quanto possível.

O Brasil possui as condições necessárias para que seu povo viva com maior bem-estar. Aprendemos a cultivar a terra há séculos; a industrialização avançou; conseguimos ligar, com estradas que fizemos, a maior parte do território. Criamos uma base científico-tecnológica razoável e até mesmo conseguimos dar educação fundamental à maioria dos jovens. O que falta?

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Falta o essencial: que o povo pressione por seus direitos, que cumpra seus deveres e, sobretudo, que a elite olhe ao redor de si e tome consciência de que, com tanta desigualdade, a prosperidade nacional desaparece nas periferias e nos campos. A que existe precisa se expandir, sob pena de continuarmos a ser o que sempre fomos: um país do futuro, mas cujo alcance depende de termos a necessária consciência do quanto falta para sermos, de verdade, “modernos”, isto é, mais igualitários.

SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Um pouco mais de tempo, em poucos meses, recomeçam as campanhas eleitorais para a Presidência, para a Câmara dos Deputados e para o Senado (em âmbito federal). Já se veem os arreganhos: é um tal de os eventuais candidatos viajarem, de a imprensa falar deles e de alguns seguidores se animarem que já se pode prever que, nesse aspecto, pouco muda.

O povo, por enquanto, continua preocupado com o dia a dia: é o salário que é curto, o emprego que pode faltar (e para muitos já falta), os transportes que custam caro e o ensino cujo custo, quando o pobre não tem a sorte de conseguir uma bolsa ou de ter acesso a uma escola pública, assusta os familiares. Nihil novi sub sole...

É quase sempre assim. Mas também é verdade que em poucos meses a coorte de novas ideias e de esperanças voltará a motivar o eleitorado. E tomara que seja assim: sinal de que a liberdade e a democracia prevalecerão.

Haverá mesmo novos caminhos? Tomara. De qualquer modo, é melhor que haja esperança. E se há uma coisa que persiste em nosso meio, é essa característica. Se a esperança se frustra, é outro problema. Dependerá de conjunturas mundiais, de políticas locais e de que se candidatem pessoas capazes de exercer o poder dando ânimo ao País.

A despeito de tudo, o certo é que, se eu comparar o Rio de Janeiro do começo dos anos 30, quando eu nasci, com o Rio de hoje, para não falar de São Paulo quando vim com a família para cá, nos anos 40, com a cidade de nossos dias, a vida melhorou. Para todos? Talvez não. Mas para a maioria. E olha que eu conheço as favelas do Rio, as casas de cômodos de São Paulo, os bairros mais pobres de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Conheço como pesquisador da vida dos negros e como político, que precisa de votos.

Mas que ninguém se iluda: por mais que haja melhorado, há diferenças gritantes entre as várias camadas da população. Do campo, então, nem se fale – e isso que conheço mais o Sul e o Centro-Oeste do que o Nordeste e a Amazônia, onde, em geral, a situação da pobreza é pior. Sem falar do cansaço que a vida urbana causa aos mais pobres. O País se urbanizou para valer e o sistema de transporte, por mais que se modernize, não diminui o cansaço dos que entram nas filas de espera, nem mesmo o tempo que se consome nos longos trajetos de casa ao trabalho.

Como presidente que fui, conheci muitas partes do País; como pesquisador, aprendi a olhar e ver as diferenças. Sei que são grandes e inaceitáveis. E para dar-se conta desse fato não é preciso ser sociólogo e muito menos presidente. Mesmo em São Paulo, o olhar treinado vê no centro da cidade os que moram na rua, ou nas escadarias escondidas dos bairros mais ricos, como Higienópolis. Ou a Zona Sul do Rio, com suas favelas.

Que ninguém se iluda, muito menos os políticos. Ou bem fazemos algo para reduzir a pobreza e as diferenças de situação econômico-social, ou continuaremos a ser o que somos: um país com boas condições naturais e incapaz de entrar, de verdade, na “modernidade”.

Não gosto da última palavra que escrevi, ela pode ser enganosa. Mas se algo caracteriza os países que chamamos de modernos é que eles, a despeito de alguns haverem caminhado para o socialismo e outros se manterem no velho capitalismo de sempre, foram capazes de diminuir as desigualdades e existem Estados que assistem os que mais precisam.

Nós, no Brasil, caminhamos muito no que se refere à acumulação de riquezas produtivas, mas ainda falta um longo caminho a percorrer para que haja de fato mais igualdade. E essa observação vale mesmo em comparação com a menor desigualdade que foi alcançada nos países capitalistas da Europa e nos Estados Unidos.

Esse é um limite para nosso crescimento como nação. Sei que a afirmação pode soar demagógica. Mas, vá lá: pelo menos pode inquietar os que estão acomodados. A verdade é simples: ou nos esforçamos para diminuir tamanha desigualdade ou poderá haver ricos no Brasil, existir uma classe média ampla e acomodada, mas as desigualdades sociais e o sentimento de injustiça continuarão a perturbar o sentimento dos que não querem tudo para si e creem que será bom se for melhor para muitos, para a maioria, tanto quanto possível.

O Brasil possui as condições necessárias para que seu povo viva com maior bem-estar. Aprendemos a cultivar a terra há séculos; a industrialização avançou; conseguimos ligar, com estradas que fizemos, a maior parte do território. Criamos uma base científico-tecnológica razoável e até mesmo conseguimos dar educação fundamental à maioria dos jovens. O que falta?

Falta o essencial: que o povo pressione por seus direitos, que cumpra seus deveres e, sobretudo, que a elite olhe ao redor de si e tome consciência de que, com tanta desigualdade, a prosperidade nacional desaparece nas periferias e nos campos. A que existe precisa se expandir, sob pena de continuarmos a ser o que sempre fomos: um país do futuro, mas cujo alcance depende de termos a necessária consciência do quanto falta para sermos, de verdade, “modernos”, isto é, mais igualitários.

SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Um pouco mais de tempo, em poucos meses, recomeçam as campanhas eleitorais para a Presidência, para a Câmara dos Deputados e para o Senado (em âmbito federal). Já se veem os arreganhos: é um tal de os eventuais candidatos viajarem, de a imprensa falar deles e de alguns seguidores se animarem que já se pode prever que, nesse aspecto, pouco muda.

O povo, por enquanto, continua preocupado com o dia a dia: é o salário que é curto, o emprego que pode faltar (e para muitos já falta), os transportes que custam caro e o ensino cujo custo, quando o pobre não tem a sorte de conseguir uma bolsa ou de ter acesso a uma escola pública, assusta os familiares. Nihil novi sub sole...

É quase sempre assim. Mas também é verdade que em poucos meses a coorte de novas ideias e de esperanças voltará a motivar o eleitorado. E tomara que seja assim: sinal de que a liberdade e a democracia prevalecerão.

Haverá mesmo novos caminhos? Tomara. De qualquer modo, é melhor que haja esperança. E se há uma coisa que persiste em nosso meio, é essa característica. Se a esperança se frustra, é outro problema. Dependerá de conjunturas mundiais, de políticas locais e de que se candidatem pessoas capazes de exercer o poder dando ânimo ao País.

A despeito de tudo, o certo é que, se eu comparar o Rio de Janeiro do começo dos anos 30, quando eu nasci, com o Rio de hoje, para não falar de São Paulo quando vim com a família para cá, nos anos 40, com a cidade de nossos dias, a vida melhorou. Para todos? Talvez não. Mas para a maioria. E olha que eu conheço as favelas do Rio, as casas de cômodos de São Paulo, os bairros mais pobres de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Conheço como pesquisador da vida dos negros e como político, que precisa de votos.

Mas que ninguém se iluda: por mais que haja melhorado, há diferenças gritantes entre as várias camadas da população. Do campo, então, nem se fale – e isso que conheço mais o Sul e o Centro-Oeste do que o Nordeste e a Amazônia, onde, em geral, a situação da pobreza é pior. Sem falar do cansaço que a vida urbana causa aos mais pobres. O País se urbanizou para valer e o sistema de transporte, por mais que se modernize, não diminui o cansaço dos que entram nas filas de espera, nem mesmo o tempo que se consome nos longos trajetos de casa ao trabalho.

Como presidente que fui, conheci muitas partes do País; como pesquisador, aprendi a olhar e ver as diferenças. Sei que são grandes e inaceitáveis. E para dar-se conta desse fato não é preciso ser sociólogo e muito menos presidente. Mesmo em São Paulo, o olhar treinado vê no centro da cidade os que moram na rua, ou nas escadarias escondidas dos bairros mais ricos, como Higienópolis. Ou a Zona Sul do Rio, com suas favelas.

Que ninguém se iluda, muito menos os políticos. Ou bem fazemos algo para reduzir a pobreza e as diferenças de situação econômico-social, ou continuaremos a ser o que somos: um país com boas condições naturais e incapaz de entrar, de verdade, na “modernidade”.

Não gosto da última palavra que escrevi, ela pode ser enganosa. Mas se algo caracteriza os países que chamamos de modernos é que eles, a despeito de alguns haverem caminhado para o socialismo e outros se manterem no velho capitalismo de sempre, foram capazes de diminuir as desigualdades e existem Estados que assistem os que mais precisam.

Nós, no Brasil, caminhamos muito no que se refere à acumulação de riquezas produtivas, mas ainda falta um longo caminho a percorrer para que haja de fato mais igualdade. E essa observação vale mesmo em comparação com a menor desigualdade que foi alcançada nos países capitalistas da Europa e nos Estados Unidos.

Esse é um limite para nosso crescimento como nação. Sei que a afirmação pode soar demagógica. Mas, vá lá: pelo menos pode inquietar os que estão acomodados. A verdade é simples: ou nos esforçamos para diminuir tamanha desigualdade ou poderá haver ricos no Brasil, existir uma classe média ampla e acomodada, mas as desigualdades sociais e o sentimento de injustiça continuarão a perturbar o sentimento dos que não querem tudo para si e creem que será bom se for melhor para muitos, para a maioria, tanto quanto possível.

O Brasil possui as condições necessárias para que seu povo viva com maior bem-estar. Aprendemos a cultivar a terra há séculos; a industrialização avançou; conseguimos ligar, com estradas que fizemos, a maior parte do território. Criamos uma base científico-tecnológica razoável e até mesmo conseguimos dar educação fundamental à maioria dos jovens. O que falta?

Falta o essencial: que o povo pressione por seus direitos, que cumpra seus deveres e, sobretudo, que a elite olhe ao redor de si e tome consciência de que, com tanta desigualdade, a prosperidade nacional desaparece nas periferias e nos campos. A que existe precisa se expandir, sob pena de continuarmos a ser o que sempre fomos: um país do futuro, mas cujo alcance depende de termos a necessária consciência do quanto falta para sermos, de verdade, “modernos”, isto é, mais igualitários.

SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

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