Opinião|No Brasil, abrir igreja é fazer um país


Processo que torna o mapa brasileiro pontilhado de núcleos religiosos nos possibilita visualizar a produção de espaços sociais ao longo do tempo

Por Renata Nagamine e Aramis Luis Silva

Quando os dados do Censo 2022 sobre usos do domicílio saiu, chamou a atenção o número de “estabelecimentos religiosos”: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 580 mil. Para dimensionar esse número, jornais o compararam com a quantidade de escolas e hospitais existentes no País, mostrando que os “estabelecimentos religiosos” os superavam numericamente.

Um painel com o georreferenciamento de organizações e associações religiosas no Brasil lançado na sequência pelo Observatório da Religião e Interseccionalidades do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) mostra que, destes 580 mil “estabelecimentos religiosos”, cerca de 123 mil estão inscritos no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), e estão ativos perante a Receita Federal. O mapa torna visível um achado do projeto temático Religião, direitos e secularismo, concluído em 2022: abrir igreja é um dos modos de “fazer religião” no Brasil.

A proposição pode parecer estranha. No Brasil, é comum acreditar que religião é algo que se tem. Também é comum acreditar que esse algo é uma crença, um conjunto de preceitos adquiridos sobre a ordem do mundo ou de conhecimentos transmitidos pela tradição. Da matriz católica que produziu o que convencionalmente se percebe como religião no País vem outro senso comum: a centralidade do dogma.

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A Antropologia nos leva a pensar que temos uma crença na crença. Nossas pesquisas de campo em dois sucessivos projetos temáticos no Cebrap nos levam a pensar, por sua vez, que parte dos autodeclarados religiosos é alheia àquela crença. Para eles, religião seria um modo de fazer e viver o mundo.

Entre estes, muitos regularizam seus “estabelecimentos religiosos”, por meio da adoção de uma forma jurídica que os torna reconhecíveis pelo Estado brasileiro. As duas formas à disposição deles são organização e associação religiosa. Para adotar qualquer uma delas, o “estabelecimento” precisa tomar uma série de medidas práticas: obter alvará de funcionamento na prefeitura, constituir diretoria, adotar estatuto social, dar-se um nome (razão social), entre outras.

Não por acaso, encontramos com facilidade na internet escritórios de contabilidade especializados na assessoria de organizações e associações religiosas. “Fazer igreja” é uma atividade que requer toda uma tecnologia, um saber prático, que vai muito além da pregação e do aconselhamento. Como a organização ou associação religiosa precisa atualizar sua situação cadastral periodicamente, passa a atualizar balanço contábil e prestar contas perante os órgãos do Estado.

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A pesquisa do observatório ainda fornece elementos para compreender uma dimensão pouco comentada do “fazer religião” no Brasil. Se, por um lado, está claro que abrir igreja é um modo de fazer religião, como argumenta Paula Montero, por outro, é preciso examinar como a produção destes espaços sociais impacta a constituição do território nacional.

O processo que torna o mapa brasileiro pontilhado de núcleos religiosos nos possibilita visualizar a produção de espaços sociais ao longo do tempo. O pontilhado aumenta a partir dos anos 1980 e se intensifica a partir dos anos 2000, com um aumento vertiginoso entre 2008 e 2011.

O Observatório da Religião e Interseccionalidades ainda não divulgou sua classificação das organizações e associações por vertentes religiosas. Mas uma busca por termos possibilita visualizar que esse aumento é concentrado em denominações como a Assembleia de Deus, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Batista.

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Se confirmado no decorrer da pesquisa, o acentuado aumento da abertura formal de organizações e associações nos últimos anos do segundo mandato de Lula desafiará adeptos da narrativa de perseguição religiosa a mostrar como ela ocorreu. Será difícil sustentar que foi pela oposição de qualquer tipo de obstáculo à abertura e manutenção de espaços de culto.

Também é importante refletir sobre uma dimensão menos discutida do crescente pontilhado do mapa do Brasil: a relação entre religião e ocupação territorial a partir dos anos 1980. Ela indica a importância da Constituição de 1988 na abertura formal e informal de igrejas, logo, na produção de espaços sociais.

Uma dimensão da produção destes espaços é que, por meio dela, a terra física formalmente demarcada como território do Brasil ganha sentido para a sociedade. Nesse sentido, “fazer igreja” é tanto um modo de “fazer religião” quanto um modo de “fazer um país”.

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Não é preciso acreditar. É possível ver no Painel com Georreferenciamento de Organizações e Associações Religiosas, que torna visível a ocupação do território a oeste e em alguns corredores fluviais amazônicos.

Se, por um lado, as apresentações gráficas que o observatório traz evidenciam a proposição de que a religião se faz “fazendo igreja”, por outro, essa proposição não nos ajuda a compreender as oscilações grandes, súbitas e contrárias dos números no Brasil no intervalo que vai de 2008 a 2015. Para compreendê-las, pode ser útil lembrar que “fazer igreja” é um modo, não o único modo, de “fazer religião” no Brasil.

*

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PESQUISADORA DE PÓS-DOUTORADO NO NÚCLEO DE RELIGIÕES NO MUNDO CONTEMPORÂNEO DO CEBRAP (FAPESP, PROCESSO N.º 2022/16449-6); E PESQUISADOR DO CENTRO DE IMAGINAÇÃO CRÍTICA

Quando os dados do Censo 2022 sobre usos do domicílio saiu, chamou a atenção o número de “estabelecimentos religiosos”: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 580 mil. Para dimensionar esse número, jornais o compararam com a quantidade de escolas e hospitais existentes no País, mostrando que os “estabelecimentos religiosos” os superavam numericamente.

Um painel com o georreferenciamento de organizações e associações religiosas no Brasil lançado na sequência pelo Observatório da Religião e Interseccionalidades do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) mostra que, destes 580 mil “estabelecimentos religiosos”, cerca de 123 mil estão inscritos no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), e estão ativos perante a Receita Federal. O mapa torna visível um achado do projeto temático Religião, direitos e secularismo, concluído em 2022: abrir igreja é um dos modos de “fazer religião” no Brasil.

A proposição pode parecer estranha. No Brasil, é comum acreditar que religião é algo que se tem. Também é comum acreditar que esse algo é uma crença, um conjunto de preceitos adquiridos sobre a ordem do mundo ou de conhecimentos transmitidos pela tradição. Da matriz católica que produziu o que convencionalmente se percebe como religião no País vem outro senso comum: a centralidade do dogma.

A Antropologia nos leva a pensar que temos uma crença na crença. Nossas pesquisas de campo em dois sucessivos projetos temáticos no Cebrap nos levam a pensar, por sua vez, que parte dos autodeclarados religiosos é alheia àquela crença. Para eles, religião seria um modo de fazer e viver o mundo.

Entre estes, muitos regularizam seus “estabelecimentos religiosos”, por meio da adoção de uma forma jurídica que os torna reconhecíveis pelo Estado brasileiro. As duas formas à disposição deles são organização e associação religiosa. Para adotar qualquer uma delas, o “estabelecimento” precisa tomar uma série de medidas práticas: obter alvará de funcionamento na prefeitura, constituir diretoria, adotar estatuto social, dar-se um nome (razão social), entre outras.

Não por acaso, encontramos com facilidade na internet escritórios de contabilidade especializados na assessoria de organizações e associações religiosas. “Fazer igreja” é uma atividade que requer toda uma tecnologia, um saber prático, que vai muito além da pregação e do aconselhamento. Como a organização ou associação religiosa precisa atualizar sua situação cadastral periodicamente, passa a atualizar balanço contábil e prestar contas perante os órgãos do Estado.

A pesquisa do observatório ainda fornece elementos para compreender uma dimensão pouco comentada do “fazer religião” no Brasil. Se, por um lado, está claro que abrir igreja é um modo de fazer religião, como argumenta Paula Montero, por outro, é preciso examinar como a produção destes espaços sociais impacta a constituição do território nacional.

O processo que torna o mapa brasileiro pontilhado de núcleos religiosos nos possibilita visualizar a produção de espaços sociais ao longo do tempo. O pontilhado aumenta a partir dos anos 1980 e se intensifica a partir dos anos 2000, com um aumento vertiginoso entre 2008 e 2011.

O Observatório da Religião e Interseccionalidades ainda não divulgou sua classificação das organizações e associações por vertentes religiosas. Mas uma busca por termos possibilita visualizar que esse aumento é concentrado em denominações como a Assembleia de Deus, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Batista.

Se confirmado no decorrer da pesquisa, o acentuado aumento da abertura formal de organizações e associações nos últimos anos do segundo mandato de Lula desafiará adeptos da narrativa de perseguição religiosa a mostrar como ela ocorreu. Será difícil sustentar que foi pela oposição de qualquer tipo de obstáculo à abertura e manutenção de espaços de culto.

Também é importante refletir sobre uma dimensão menos discutida do crescente pontilhado do mapa do Brasil: a relação entre religião e ocupação territorial a partir dos anos 1980. Ela indica a importância da Constituição de 1988 na abertura formal e informal de igrejas, logo, na produção de espaços sociais.

Uma dimensão da produção destes espaços é que, por meio dela, a terra física formalmente demarcada como território do Brasil ganha sentido para a sociedade. Nesse sentido, “fazer igreja” é tanto um modo de “fazer religião” quanto um modo de “fazer um país”.

Não é preciso acreditar. É possível ver no Painel com Georreferenciamento de Organizações e Associações Religiosas, que torna visível a ocupação do território a oeste e em alguns corredores fluviais amazônicos.

Se, por um lado, as apresentações gráficas que o observatório traz evidenciam a proposição de que a religião se faz “fazendo igreja”, por outro, essa proposição não nos ajuda a compreender as oscilações grandes, súbitas e contrárias dos números no Brasil no intervalo que vai de 2008 a 2015. Para compreendê-las, pode ser útil lembrar que “fazer igreja” é um modo, não o único modo, de “fazer religião” no Brasil.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PESQUISADORA DE PÓS-DOUTORADO NO NÚCLEO DE RELIGIÕES NO MUNDO CONTEMPORÂNEO DO CEBRAP (FAPESP, PROCESSO N.º 2022/16449-6); E PESQUISADOR DO CENTRO DE IMAGINAÇÃO CRÍTICA

Quando os dados do Censo 2022 sobre usos do domicílio saiu, chamou a atenção o número de “estabelecimentos religiosos”: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 580 mil. Para dimensionar esse número, jornais o compararam com a quantidade de escolas e hospitais existentes no País, mostrando que os “estabelecimentos religiosos” os superavam numericamente.

Um painel com o georreferenciamento de organizações e associações religiosas no Brasil lançado na sequência pelo Observatório da Religião e Interseccionalidades do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) mostra que, destes 580 mil “estabelecimentos religiosos”, cerca de 123 mil estão inscritos no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), e estão ativos perante a Receita Federal. O mapa torna visível um achado do projeto temático Religião, direitos e secularismo, concluído em 2022: abrir igreja é um dos modos de “fazer religião” no Brasil.

A proposição pode parecer estranha. No Brasil, é comum acreditar que religião é algo que se tem. Também é comum acreditar que esse algo é uma crença, um conjunto de preceitos adquiridos sobre a ordem do mundo ou de conhecimentos transmitidos pela tradição. Da matriz católica que produziu o que convencionalmente se percebe como religião no País vem outro senso comum: a centralidade do dogma.

A Antropologia nos leva a pensar que temos uma crença na crença. Nossas pesquisas de campo em dois sucessivos projetos temáticos no Cebrap nos levam a pensar, por sua vez, que parte dos autodeclarados religiosos é alheia àquela crença. Para eles, religião seria um modo de fazer e viver o mundo.

Entre estes, muitos regularizam seus “estabelecimentos religiosos”, por meio da adoção de uma forma jurídica que os torna reconhecíveis pelo Estado brasileiro. As duas formas à disposição deles são organização e associação religiosa. Para adotar qualquer uma delas, o “estabelecimento” precisa tomar uma série de medidas práticas: obter alvará de funcionamento na prefeitura, constituir diretoria, adotar estatuto social, dar-se um nome (razão social), entre outras.

Não por acaso, encontramos com facilidade na internet escritórios de contabilidade especializados na assessoria de organizações e associações religiosas. “Fazer igreja” é uma atividade que requer toda uma tecnologia, um saber prático, que vai muito além da pregação e do aconselhamento. Como a organização ou associação religiosa precisa atualizar sua situação cadastral periodicamente, passa a atualizar balanço contábil e prestar contas perante os órgãos do Estado.

A pesquisa do observatório ainda fornece elementos para compreender uma dimensão pouco comentada do “fazer religião” no Brasil. Se, por um lado, está claro que abrir igreja é um modo de fazer religião, como argumenta Paula Montero, por outro, é preciso examinar como a produção destes espaços sociais impacta a constituição do território nacional.

O processo que torna o mapa brasileiro pontilhado de núcleos religiosos nos possibilita visualizar a produção de espaços sociais ao longo do tempo. O pontilhado aumenta a partir dos anos 1980 e se intensifica a partir dos anos 2000, com um aumento vertiginoso entre 2008 e 2011.

O Observatório da Religião e Interseccionalidades ainda não divulgou sua classificação das organizações e associações por vertentes religiosas. Mas uma busca por termos possibilita visualizar que esse aumento é concentrado em denominações como a Assembleia de Deus, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Batista.

Se confirmado no decorrer da pesquisa, o acentuado aumento da abertura formal de organizações e associações nos últimos anos do segundo mandato de Lula desafiará adeptos da narrativa de perseguição religiosa a mostrar como ela ocorreu. Será difícil sustentar que foi pela oposição de qualquer tipo de obstáculo à abertura e manutenção de espaços de culto.

Também é importante refletir sobre uma dimensão menos discutida do crescente pontilhado do mapa do Brasil: a relação entre religião e ocupação territorial a partir dos anos 1980. Ela indica a importância da Constituição de 1988 na abertura formal e informal de igrejas, logo, na produção de espaços sociais.

Uma dimensão da produção destes espaços é que, por meio dela, a terra física formalmente demarcada como território do Brasil ganha sentido para a sociedade. Nesse sentido, “fazer igreja” é tanto um modo de “fazer religião” quanto um modo de “fazer um país”.

Não é preciso acreditar. É possível ver no Painel com Georreferenciamento de Organizações e Associações Religiosas, que torna visível a ocupação do território a oeste e em alguns corredores fluviais amazônicos.

Se, por um lado, as apresentações gráficas que o observatório traz evidenciam a proposição de que a religião se faz “fazendo igreja”, por outro, essa proposição não nos ajuda a compreender as oscilações grandes, súbitas e contrárias dos números no Brasil no intervalo que vai de 2008 a 2015. Para compreendê-las, pode ser útil lembrar que “fazer igreja” é um modo, não o único modo, de “fazer religião” no Brasil.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PESQUISADORA DE PÓS-DOUTORADO NO NÚCLEO DE RELIGIÕES NO MUNDO CONTEMPORÂNEO DO CEBRAP (FAPESP, PROCESSO N.º 2022/16449-6); E PESQUISADOR DO CENTRO DE IMAGINAÇÃO CRÍTICA

Quando os dados do Censo 2022 sobre usos do domicílio saiu, chamou a atenção o número de “estabelecimentos religiosos”: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 580 mil. Para dimensionar esse número, jornais o compararam com a quantidade de escolas e hospitais existentes no País, mostrando que os “estabelecimentos religiosos” os superavam numericamente.

Um painel com o georreferenciamento de organizações e associações religiosas no Brasil lançado na sequência pelo Observatório da Religião e Interseccionalidades do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) mostra que, destes 580 mil “estabelecimentos religiosos”, cerca de 123 mil estão inscritos no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), e estão ativos perante a Receita Federal. O mapa torna visível um achado do projeto temático Religião, direitos e secularismo, concluído em 2022: abrir igreja é um dos modos de “fazer religião” no Brasil.

A proposição pode parecer estranha. No Brasil, é comum acreditar que religião é algo que se tem. Também é comum acreditar que esse algo é uma crença, um conjunto de preceitos adquiridos sobre a ordem do mundo ou de conhecimentos transmitidos pela tradição. Da matriz católica que produziu o que convencionalmente se percebe como religião no País vem outro senso comum: a centralidade do dogma.

A Antropologia nos leva a pensar que temos uma crença na crença. Nossas pesquisas de campo em dois sucessivos projetos temáticos no Cebrap nos levam a pensar, por sua vez, que parte dos autodeclarados religiosos é alheia àquela crença. Para eles, religião seria um modo de fazer e viver o mundo.

Entre estes, muitos regularizam seus “estabelecimentos religiosos”, por meio da adoção de uma forma jurídica que os torna reconhecíveis pelo Estado brasileiro. As duas formas à disposição deles são organização e associação religiosa. Para adotar qualquer uma delas, o “estabelecimento” precisa tomar uma série de medidas práticas: obter alvará de funcionamento na prefeitura, constituir diretoria, adotar estatuto social, dar-se um nome (razão social), entre outras.

Não por acaso, encontramos com facilidade na internet escritórios de contabilidade especializados na assessoria de organizações e associações religiosas. “Fazer igreja” é uma atividade que requer toda uma tecnologia, um saber prático, que vai muito além da pregação e do aconselhamento. Como a organização ou associação religiosa precisa atualizar sua situação cadastral periodicamente, passa a atualizar balanço contábil e prestar contas perante os órgãos do Estado.

A pesquisa do observatório ainda fornece elementos para compreender uma dimensão pouco comentada do “fazer religião” no Brasil. Se, por um lado, está claro que abrir igreja é um modo de fazer religião, como argumenta Paula Montero, por outro, é preciso examinar como a produção destes espaços sociais impacta a constituição do território nacional.

O processo que torna o mapa brasileiro pontilhado de núcleos religiosos nos possibilita visualizar a produção de espaços sociais ao longo do tempo. O pontilhado aumenta a partir dos anos 1980 e se intensifica a partir dos anos 2000, com um aumento vertiginoso entre 2008 e 2011.

O Observatório da Religião e Interseccionalidades ainda não divulgou sua classificação das organizações e associações por vertentes religiosas. Mas uma busca por termos possibilita visualizar que esse aumento é concentrado em denominações como a Assembleia de Deus, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Batista.

Se confirmado no decorrer da pesquisa, o acentuado aumento da abertura formal de organizações e associações nos últimos anos do segundo mandato de Lula desafiará adeptos da narrativa de perseguição religiosa a mostrar como ela ocorreu. Será difícil sustentar que foi pela oposição de qualquer tipo de obstáculo à abertura e manutenção de espaços de culto.

Também é importante refletir sobre uma dimensão menos discutida do crescente pontilhado do mapa do Brasil: a relação entre religião e ocupação territorial a partir dos anos 1980. Ela indica a importância da Constituição de 1988 na abertura formal e informal de igrejas, logo, na produção de espaços sociais.

Uma dimensão da produção destes espaços é que, por meio dela, a terra física formalmente demarcada como território do Brasil ganha sentido para a sociedade. Nesse sentido, “fazer igreja” é tanto um modo de “fazer religião” quanto um modo de “fazer um país”.

Não é preciso acreditar. É possível ver no Painel com Georreferenciamento de Organizações e Associações Religiosas, que torna visível a ocupação do território a oeste e em alguns corredores fluviais amazônicos.

Se, por um lado, as apresentações gráficas que o observatório traz evidenciam a proposição de que a religião se faz “fazendo igreja”, por outro, essa proposição não nos ajuda a compreender as oscilações grandes, súbitas e contrárias dos números no Brasil no intervalo que vai de 2008 a 2015. Para compreendê-las, pode ser útil lembrar que “fazer igreja” é um modo, não o único modo, de “fazer religião” no Brasil.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PESQUISADORA DE PÓS-DOUTORADO NO NÚCLEO DE RELIGIÕES NO MUNDO CONTEMPORÂNEO DO CEBRAP (FAPESP, PROCESSO N.º 2022/16449-6); E PESQUISADOR DO CENTRO DE IMAGINAÇÃO CRÍTICA

Quando os dados do Censo 2022 sobre usos do domicílio saiu, chamou a atenção o número de “estabelecimentos religiosos”: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 580 mil. Para dimensionar esse número, jornais o compararam com a quantidade de escolas e hospitais existentes no País, mostrando que os “estabelecimentos religiosos” os superavam numericamente.

Um painel com o georreferenciamento de organizações e associações religiosas no Brasil lançado na sequência pelo Observatório da Religião e Interseccionalidades do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) mostra que, destes 580 mil “estabelecimentos religiosos”, cerca de 123 mil estão inscritos no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), e estão ativos perante a Receita Federal. O mapa torna visível um achado do projeto temático Religião, direitos e secularismo, concluído em 2022: abrir igreja é um dos modos de “fazer religião” no Brasil.

A proposição pode parecer estranha. No Brasil, é comum acreditar que religião é algo que se tem. Também é comum acreditar que esse algo é uma crença, um conjunto de preceitos adquiridos sobre a ordem do mundo ou de conhecimentos transmitidos pela tradição. Da matriz católica que produziu o que convencionalmente se percebe como religião no País vem outro senso comum: a centralidade do dogma.

A Antropologia nos leva a pensar que temos uma crença na crença. Nossas pesquisas de campo em dois sucessivos projetos temáticos no Cebrap nos levam a pensar, por sua vez, que parte dos autodeclarados religiosos é alheia àquela crença. Para eles, religião seria um modo de fazer e viver o mundo.

Entre estes, muitos regularizam seus “estabelecimentos religiosos”, por meio da adoção de uma forma jurídica que os torna reconhecíveis pelo Estado brasileiro. As duas formas à disposição deles são organização e associação religiosa. Para adotar qualquer uma delas, o “estabelecimento” precisa tomar uma série de medidas práticas: obter alvará de funcionamento na prefeitura, constituir diretoria, adotar estatuto social, dar-se um nome (razão social), entre outras.

Não por acaso, encontramos com facilidade na internet escritórios de contabilidade especializados na assessoria de organizações e associações religiosas. “Fazer igreja” é uma atividade que requer toda uma tecnologia, um saber prático, que vai muito além da pregação e do aconselhamento. Como a organização ou associação religiosa precisa atualizar sua situação cadastral periodicamente, passa a atualizar balanço contábil e prestar contas perante os órgãos do Estado.

A pesquisa do observatório ainda fornece elementos para compreender uma dimensão pouco comentada do “fazer religião” no Brasil. Se, por um lado, está claro que abrir igreja é um modo de fazer religião, como argumenta Paula Montero, por outro, é preciso examinar como a produção destes espaços sociais impacta a constituição do território nacional.

O processo que torna o mapa brasileiro pontilhado de núcleos religiosos nos possibilita visualizar a produção de espaços sociais ao longo do tempo. O pontilhado aumenta a partir dos anos 1980 e se intensifica a partir dos anos 2000, com um aumento vertiginoso entre 2008 e 2011.

O Observatório da Religião e Interseccionalidades ainda não divulgou sua classificação das organizações e associações por vertentes religiosas. Mas uma busca por termos possibilita visualizar que esse aumento é concentrado em denominações como a Assembleia de Deus, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Batista.

Se confirmado no decorrer da pesquisa, o acentuado aumento da abertura formal de organizações e associações nos últimos anos do segundo mandato de Lula desafiará adeptos da narrativa de perseguição religiosa a mostrar como ela ocorreu. Será difícil sustentar que foi pela oposição de qualquer tipo de obstáculo à abertura e manutenção de espaços de culto.

Também é importante refletir sobre uma dimensão menos discutida do crescente pontilhado do mapa do Brasil: a relação entre religião e ocupação territorial a partir dos anos 1980. Ela indica a importância da Constituição de 1988 na abertura formal e informal de igrejas, logo, na produção de espaços sociais.

Uma dimensão da produção destes espaços é que, por meio dela, a terra física formalmente demarcada como território do Brasil ganha sentido para a sociedade. Nesse sentido, “fazer igreja” é tanto um modo de “fazer religião” quanto um modo de “fazer um país”.

Não é preciso acreditar. É possível ver no Painel com Georreferenciamento de Organizações e Associações Religiosas, que torna visível a ocupação do território a oeste e em alguns corredores fluviais amazônicos.

Se, por um lado, as apresentações gráficas que o observatório traz evidenciam a proposição de que a religião se faz “fazendo igreja”, por outro, essa proposição não nos ajuda a compreender as oscilações grandes, súbitas e contrárias dos números no Brasil no intervalo que vai de 2008 a 2015. Para compreendê-las, pode ser útil lembrar que “fazer igreja” é um modo, não o único modo, de “fazer religião” no Brasil.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PESQUISADORA DE PÓS-DOUTORADO NO NÚCLEO DE RELIGIÕES NO MUNDO CONTEMPORÂNEO DO CEBRAP (FAPESP, PROCESSO N.º 2022/16449-6); E PESQUISADOR DO CENTRO DE IMAGINAÇÃO CRÍTICA

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Opinião por Renata Nagamine

Pesquisadora de pós-doutorado no Núcleo de Religiões no Mundo Contemporâneo do Cebrap

Aramis Luis Silva

Pesquisador do Centro de Imaginação Crítica

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