Opinião|Nossos alunos precisam de livros?


O projeto apresentado pelo governo estadual de São Paulo vai na contramão do seu apregoado liberalismo, de sua suposta visão democrática

Por Jaime Pinsky

Nosso sistema educacional não tem oferecido muitos motivos de orgulho para os brasileiros. Nossos resultados em rankings internacionais e a perda de qualidade, a pretexto da universalização, são fatos conhecidos. É necessário, ainda, registrar certo marasmo da máquina pública educacional, algo facilmente percebido por todos os que já tentaram colaborar no aperfeiçoamento do sistema educacional e tiveram de enfrentar marasmo, má vontade e burocracia sem fim. Ideias novas, olhares diferentes e quebra de rotina parecem ameaças para muitos ocupantes de cargos de relevo nessa máquina emperrada. Dogmas e acomodação se unem para manter o mesmo, por pior que pareça.

Diante dessa realidade, poderia parecer que a reação à decisão do governo de São Paulo de abrir mão da verba do Ministério da Educação (MEC) para a compra de livros e a decretação do fim do livro didático impresso em papel não passam de reação do marasmo contra o dinamismo, da mesmice contra o novo. Só que não. Desta vez, temos algumas coisas muito sérias e até assustadoras aparecendo no horizonte, e é necessário falar sobre elas com clareza.

No fim das contas, ficamos com a impressão de que, no frenesi de apresentar novidades – e haveria muitas para serem apresentadas com o objetivo de melhorar a educação em nosso Estado –, o governo estadual está errando o alvo pelo simples motivo de desconhecer o assunto. Na melhor das hipóteses.

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O governo fez um movimento só, mas está atacando em duas frentes: liquida com o livro impresso em papel e acaba com a possibilidade da escolha do livro pelo professor. Vou tratar das duas.

Por mais que tenha jeito de coisa moderninha, já há um consenso científico contrário à ideia de que o digital substitui o impresso em todas as situações, em todos os tipos de texto. Nada contra o digital, desde que bem utilizado. Eu mesmo tenho um aparelho leve que carrega bom número de livros e não deixo de levá-lo comigo quando viajo e não posso transportar todos os livros físicos que lerei durante o período em que estiver fora. Também leio mensagens no celular, embora me recuse a estabelecer relação de dependência com ele. Mas sou um adulto, e estamos falando de crianças e adolescentes em fase de formação. E aí, prezado governador, temos de ouvir quem sabe, não quem simplesmente quer inovar.

Uma das mais importantes e respeitadas especialistas, a americana Maryanne Wolf, em seu livro O cérebro no mundo digital, deixa isso bem claro, particularmente quando demonstra que a leitura em papel permite maiores concentração e aproveitamento, menos interferência de fatores externos e, com isso, provoca um desenvolvimento cerebral mais intenso, duradouro e consequente. Se o objetivo dos educadores e administradores do setor de educação for – como deveria ser – a formação de gente qualificada, capaz de pensar por si própria, a partir de um repertório sólido de informações, o texto escrito e impresso em papel é fundamental. Nada contra o uso de material digital mais tarde, nada contra a utilização de material digital complementar, mas não como material exclusivo, particularmente no período de formação. De resto, é uma falsa novidade. Até quem fez isso há algum tempo já voltou atrás.

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No entanto, a meu ver, este não é sequer o problema mais grave. O projeto apresentado pelo governo estadual vai na contramão do seu apregoado liberalismo, de sua suposta visão democrática. Vai, inclusive, na contramão de algo que o governador Tarcísio de Freitas gosta de alardear, principalmente quando quer mostrar seu distanciamento com relação aos demais políticos: a prioridade que dá à competência.

O projeto prevê a aplicação de um conceito perigoso, o da existência da verdade única, uma vez que sugere existir um grupo de sábios, donos da Verdade (essa mesma, com V maiúsculo), que produziriam um assustador livro único, que substituiria todos os livros escritos e publicados por todas as editoras especializadas existentes no Brasil (a propósito, não estou ligado a nenhuma editora de livros didáticos). Assustador, sim. Se o governo federal falar em livro único, os liberais protestarão. Livro único existiu na União Soviética stalinista. Livro único, queridos liberais, era o que circulava na Alemanha nazista. Livro único cheira a pregação ideológica.

No sistema atual, o Ministério da Educação banca os livros escolhidos por cada professor, em cada escola de cada um dos Estados do País (e esperamos que não mude de rumo). É muito razoável que o professor seja a pessoa mais indicada para escolher o livro mais adequado para seus alunos. Ele sabe os alunos que tem na classe, o potencial de cada um deles, o universo em que vivem, suas referências culturais. Ou devo entender que o senhor secretário de Educação, que teve sucesso como empresário, sabe melhor do que o professor qual o livro que este deve utilizar com seus alunos?

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HISTORIADOR, DOUTOR E LIVRE DOCENTE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), PROFESSOR TITULAR DA UNICAMP, É AUTOR, COAUTOR E ORGANIZADOR DE 30 LIVROS, ENTRE OS QUAIS HISTÓRIA DA CIDADANIA

Nosso sistema educacional não tem oferecido muitos motivos de orgulho para os brasileiros. Nossos resultados em rankings internacionais e a perda de qualidade, a pretexto da universalização, são fatos conhecidos. É necessário, ainda, registrar certo marasmo da máquina pública educacional, algo facilmente percebido por todos os que já tentaram colaborar no aperfeiçoamento do sistema educacional e tiveram de enfrentar marasmo, má vontade e burocracia sem fim. Ideias novas, olhares diferentes e quebra de rotina parecem ameaças para muitos ocupantes de cargos de relevo nessa máquina emperrada. Dogmas e acomodação se unem para manter o mesmo, por pior que pareça.

Diante dessa realidade, poderia parecer que a reação à decisão do governo de São Paulo de abrir mão da verba do Ministério da Educação (MEC) para a compra de livros e a decretação do fim do livro didático impresso em papel não passam de reação do marasmo contra o dinamismo, da mesmice contra o novo. Só que não. Desta vez, temos algumas coisas muito sérias e até assustadoras aparecendo no horizonte, e é necessário falar sobre elas com clareza.

No fim das contas, ficamos com a impressão de que, no frenesi de apresentar novidades – e haveria muitas para serem apresentadas com o objetivo de melhorar a educação em nosso Estado –, o governo estadual está errando o alvo pelo simples motivo de desconhecer o assunto. Na melhor das hipóteses.

O governo fez um movimento só, mas está atacando em duas frentes: liquida com o livro impresso em papel e acaba com a possibilidade da escolha do livro pelo professor. Vou tratar das duas.

Por mais que tenha jeito de coisa moderninha, já há um consenso científico contrário à ideia de que o digital substitui o impresso em todas as situações, em todos os tipos de texto. Nada contra o digital, desde que bem utilizado. Eu mesmo tenho um aparelho leve que carrega bom número de livros e não deixo de levá-lo comigo quando viajo e não posso transportar todos os livros físicos que lerei durante o período em que estiver fora. Também leio mensagens no celular, embora me recuse a estabelecer relação de dependência com ele. Mas sou um adulto, e estamos falando de crianças e adolescentes em fase de formação. E aí, prezado governador, temos de ouvir quem sabe, não quem simplesmente quer inovar.

Uma das mais importantes e respeitadas especialistas, a americana Maryanne Wolf, em seu livro O cérebro no mundo digital, deixa isso bem claro, particularmente quando demonstra que a leitura em papel permite maiores concentração e aproveitamento, menos interferência de fatores externos e, com isso, provoca um desenvolvimento cerebral mais intenso, duradouro e consequente. Se o objetivo dos educadores e administradores do setor de educação for – como deveria ser – a formação de gente qualificada, capaz de pensar por si própria, a partir de um repertório sólido de informações, o texto escrito e impresso em papel é fundamental. Nada contra o uso de material digital mais tarde, nada contra a utilização de material digital complementar, mas não como material exclusivo, particularmente no período de formação. De resto, é uma falsa novidade. Até quem fez isso há algum tempo já voltou atrás.

No entanto, a meu ver, este não é sequer o problema mais grave. O projeto apresentado pelo governo estadual vai na contramão do seu apregoado liberalismo, de sua suposta visão democrática. Vai, inclusive, na contramão de algo que o governador Tarcísio de Freitas gosta de alardear, principalmente quando quer mostrar seu distanciamento com relação aos demais políticos: a prioridade que dá à competência.

O projeto prevê a aplicação de um conceito perigoso, o da existência da verdade única, uma vez que sugere existir um grupo de sábios, donos da Verdade (essa mesma, com V maiúsculo), que produziriam um assustador livro único, que substituiria todos os livros escritos e publicados por todas as editoras especializadas existentes no Brasil (a propósito, não estou ligado a nenhuma editora de livros didáticos). Assustador, sim. Se o governo federal falar em livro único, os liberais protestarão. Livro único existiu na União Soviética stalinista. Livro único, queridos liberais, era o que circulava na Alemanha nazista. Livro único cheira a pregação ideológica.

No sistema atual, o Ministério da Educação banca os livros escolhidos por cada professor, em cada escola de cada um dos Estados do País (e esperamos que não mude de rumo). É muito razoável que o professor seja a pessoa mais indicada para escolher o livro mais adequado para seus alunos. Ele sabe os alunos que tem na classe, o potencial de cada um deles, o universo em que vivem, suas referências culturais. Ou devo entender que o senhor secretário de Educação, que teve sucesso como empresário, sabe melhor do que o professor qual o livro que este deve utilizar com seus alunos?

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HISTORIADOR, DOUTOR E LIVRE DOCENTE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), PROFESSOR TITULAR DA UNICAMP, É AUTOR, COAUTOR E ORGANIZADOR DE 30 LIVROS, ENTRE OS QUAIS HISTÓRIA DA CIDADANIA

Nosso sistema educacional não tem oferecido muitos motivos de orgulho para os brasileiros. Nossos resultados em rankings internacionais e a perda de qualidade, a pretexto da universalização, são fatos conhecidos. É necessário, ainda, registrar certo marasmo da máquina pública educacional, algo facilmente percebido por todos os que já tentaram colaborar no aperfeiçoamento do sistema educacional e tiveram de enfrentar marasmo, má vontade e burocracia sem fim. Ideias novas, olhares diferentes e quebra de rotina parecem ameaças para muitos ocupantes de cargos de relevo nessa máquina emperrada. Dogmas e acomodação se unem para manter o mesmo, por pior que pareça.

Diante dessa realidade, poderia parecer que a reação à decisão do governo de São Paulo de abrir mão da verba do Ministério da Educação (MEC) para a compra de livros e a decretação do fim do livro didático impresso em papel não passam de reação do marasmo contra o dinamismo, da mesmice contra o novo. Só que não. Desta vez, temos algumas coisas muito sérias e até assustadoras aparecendo no horizonte, e é necessário falar sobre elas com clareza.

No fim das contas, ficamos com a impressão de que, no frenesi de apresentar novidades – e haveria muitas para serem apresentadas com o objetivo de melhorar a educação em nosso Estado –, o governo estadual está errando o alvo pelo simples motivo de desconhecer o assunto. Na melhor das hipóteses.

O governo fez um movimento só, mas está atacando em duas frentes: liquida com o livro impresso em papel e acaba com a possibilidade da escolha do livro pelo professor. Vou tratar das duas.

Por mais que tenha jeito de coisa moderninha, já há um consenso científico contrário à ideia de que o digital substitui o impresso em todas as situações, em todos os tipos de texto. Nada contra o digital, desde que bem utilizado. Eu mesmo tenho um aparelho leve que carrega bom número de livros e não deixo de levá-lo comigo quando viajo e não posso transportar todos os livros físicos que lerei durante o período em que estiver fora. Também leio mensagens no celular, embora me recuse a estabelecer relação de dependência com ele. Mas sou um adulto, e estamos falando de crianças e adolescentes em fase de formação. E aí, prezado governador, temos de ouvir quem sabe, não quem simplesmente quer inovar.

Uma das mais importantes e respeitadas especialistas, a americana Maryanne Wolf, em seu livro O cérebro no mundo digital, deixa isso bem claro, particularmente quando demonstra que a leitura em papel permite maiores concentração e aproveitamento, menos interferência de fatores externos e, com isso, provoca um desenvolvimento cerebral mais intenso, duradouro e consequente. Se o objetivo dos educadores e administradores do setor de educação for – como deveria ser – a formação de gente qualificada, capaz de pensar por si própria, a partir de um repertório sólido de informações, o texto escrito e impresso em papel é fundamental. Nada contra o uso de material digital mais tarde, nada contra a utilização de material digital complementar, mas não como material exclusivo, particularmente no período de formação. De resto, é uma falsa novidade. Até quem fez isso há algum tempo já voltou atrás.

No entanto, a meu ver, este não é sequer o problema mais grave. O projeto apresentado pelo governo estadual vai na contramão do seu apregoado liberalismo, de sua suposta visão democrática. Vai, inclusive, na contramão de algo que o governador Tarcísio de Freitas gosta de alardear, principalmente quando quer mostrar seu distanciamento com relação aos demais políticos: a prioridade que dá à competência.

O projeto prevê a aplicação de um conceito perigoso, o da existência da verdade única, uma vez que sugere existir um grupo de sábios, donos da Verdade (essa mesma, com V maiúsculo), que produziriam um assustador livro único, que substituiria todos os livros escritos e publicados por todas as editoras especializadas existentes no Brasil (a propósito, não estou ligado a nenhuma editora de livros didáticos). Assustador, sim. Se o governo federal falar em livro único, os liberais protestarão. Livro único existiu na União Soviética stalinista. Livro único, queridos liberais, era o que circulava na Alemanha nazista. Livro único cheira a pregação ideológica.

No sistema atual, o Ministério da Educação banca os livros escolhidos por cada professor, em cada escola de cada um dos Estados do País (e esperamos que não mude de rumo). É muito razoável que o professor seja a pessoa mais indicada para escolher o livro mais adequado para seus alunos. Ele sabe os alunos que tem na classe, o potencial de cada um deles, o universo em que vivem, suas referências culturais. Ou devo entender que o senhor secretário de Educação, que teve sucesso como empresário, sabe melhor do que o professor qual o livro que este deve utilizar com seus alunos?

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HISTORIADOR, DOUTOR E LIVRE DOCENTE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), PROFESSOR TITULAR DA UNICAMP, É AUTOR, COAUTOR E ORGANIZADOR DE 30 LIVROS, ENTRE OS QUAIS HISTÓRIA DA CIDADANIA

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