Opinião|O apagamento histórico de Ganga Zumba


O enaltecimento de Zumbi coloca na sombra outra grande personagem da história de Palmares

Por Isaías Pascoal

No dia 20 de novembro o Brasil comemora o Dia da Consciência Negra. A data se refere ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, o maior ícone do movimento de resistência dos negros no Brasil. Zumbi representa a resistência dos negros à escravidão. Após longa perseguição movida por agentes do governo português, foi capturado e degolado. Sua cabeça foi exposta em Recife. Para os seus inimigos, era o fim da mais longa resistência à escravidão que o Brasil viu em sua história. Era, também, o fim de um homem destemido e implacável em sua resistência.

O enaltecimento de Zumbi, no entanto, coloca na sombra outra grande personagem da história de Palmares. Trata-se de Ganga Zumba, que quase ninguém conhece, as escolas ignoram e o movimento negro tem de fazer malabarismo para dar conta do seu significado histórico.

Pesquisas históricas indicam que Palmares não foi uma experiência isolada no Brasil. O seu modelo era comum na África e nos demais países da América Latina. A forma como se organizou e o que se passou no ano trágico de 1678 têm paralelo com as experiências de outros grupos na mesma situação.

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Em livro recente da historiadora Silvia Hunold Lara, Palmares & Cucaú: o aprendizado da dominação, fica evidenciada a rede cultural e política que uniu os condicionantes históricos do Brasil com os das regiões africanas de onde provinham parte dos insurgentes de Palmares. Segundo a historiadora, “as lideranças dos Palmares e a administração pernambucana estavam conjugando uma sintaxe centro-africana ao negociarem os termos do acordo de paz (de 1678), a sintaxe política centro-africana ecoa na história dos Palmares de vários modos”.

A existência de Palmares era inaceitável para a administração colonial e para os colonos. Era um reino de tipo africano encravado em solo colonial português e um constante convite a fugas de escravos. Sua continuidade indicava a inviabilidade do projeto colonizador. Por isso, as lutas recrudesceram nos anos 1670. O chefe militar Fernão Carrilho atacou Palmares em 1677 e provocou grandes perdas materiais e humanas. O rei, Ganga Zumba, perdeu a mãe, um irmão e um filho; sua mulher, dois de seus filhos, 20 netos e sobrinhos foram aprisionados. Teve de fugir para não cair prisioneiro. O que fazer? Continuar a luta em situação cada vez mais difícil e levar à debacle total Palmares ou aceitar a proposta de paz do governador de Pernambuco, Pedro de Almeida? Eis a escolha existencial posta ao rei. Pelo acordo, entre vários pontos, os palmarinos seriam integrados à colônia, os mocambos que compunham o quilombo ganhariam status de vila colonial, seria respeitada a liberdade de todos os que nasceram e viviam em seu interior, e seria doada a eles uma área (Cucaú) onde poderiam viver em paz. O acordo seguia o modelo de outras negociações entre portugueses e insurgentes. Ganga Zumba e os demais chefes o avaliaram como positivo e aceitaram. Afinal, o quilombo era atacado pelas forças portuguesas com mais insistência desde a expulsão dos holandeses do Nordeste em 1654. Que perspectivas eles teriam de vitória? O acordo parecia ser o fim de anos e anos de luta e de muito sangue derramado. Mas Zumbi, com apenas 23 anos, não aceitou o acordo. Apoiado por jovens desejosos de continuar a luta, começou a preparar a nova fase da guerra. Afirmava que queria não só a sua liberdade, mas a de todos os escravos. Ganga Zumba ainda era forte e tentou preservar a paz. Mas acabou morrendo em uma situação até hoje nebulosa. Sem ele, a experiência de Cucaú naufragou, a guerra continuou e foi levada ao mais alto nível de violência. Era a guerra total, que terminou em 1694 com o aniquilamento do quilombo, e com a captura e a morte de Zumbi em 1695.

Ganga Zumba e Zumbi representam expectativas e perspectivas diferentes, que foram usadas politicamente em função de objetivos estratégicos. Como sempre nessas circunstâncias, a operação política acaba negligenciando aspectos históricos e infringindo preceitos relativos ao processo de conhecimento em si. A memória de Zumbi foi alçada como símbolo da resistência antiescravista e ícone principal do movimento negro, enquanto Ganga Zumba foi reduzido a um figurante desconhecido da maior parte da sociedade brasileira e quase banido das escolas, como se não tivesse sido um grande rei, não fosse respeitado pelos seus e pelas autoridades portuguesas e, na hora decisiva, não tivesse de sopesar a situação e escolher.

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Não é uma operação inocente o seu quase esquecimento. Entre os dois grandes líderes havia diferenças. No ano decisivo de 1678, ambos estiveram diante do grande desafio: aceitar a paz ou continuar a guerra? Mas ambas as posições teriam um preço. A de Zumbi foi o aniquilamento do quilombo e da maior parte dos seus seguidores. Virou mártir e símbolo de uma causa.

Ganga Zumba esteve mais para o estadista que avalia as consequências das decisões. O seu esquecimento hoje é incompatível com os dados históricos disponíveis, mas explicável à luz das tramas políticas que obedecem a injunções não necessariamente ligadas à busca da verdade histórica.

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DOUTOR EM CIÊNCIAS SOCIAIS

No dia 20 de novembro o Brasil comemora o Dia da Consciência Negra. A data se refere ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, o maior ícone do movimento de resistência dos negros no Brasil. Zumbi representa a resistência dos negros à escravidão. Após longa perseguição movida por agentes do governo português, foi capturado e degolado. Sua cabeça foi exposta em Recife. Para os seus inimigos, era o fim da mais longa resistência à escravidão que o Brasil viu em sua história. Era, também, o fim de um homem destemido e implacável em sua resistência.

O enaltecimento de Zumbi, no entanto, coloca na sombra outra grande personagem da história de Palmares. Trata-se de Ganga Zumba, que quase ninguém conhece, as escolas ignoram e o movimento negro tem de fazer malabarismo para dar conta do seu significado histórico.

Pesquisas históricas indicam que Palmares não foi uma experiência isolada no Brasil. O seu modelo era comum na África e nos demais países da América Latina. A forma como se organizou e o que se passou no ano trágico de 1678 têm paralelo com as experiências de outros grupos na mesma situação.

Em livro recente da historiadora Silvia Hunold Lara, Palmares & Cucaú: o aprendizado da dominação, fica evidenciada a rede cultural e política que uniu os condicionantes históricos do Brasil com os das regiões africanas de onde provinham parte dos insurgentes de Palmares. Segundo a historiadora, “as lideranças dos Palmares e a administração pernambucana estavam conjugando uma sintaxe centro-africana ao negociarem os termos do acordo de paz (de 1678), a sintaxe política centro-africana ecoa na história dos Palmares de vários modos”.

A existência de Palmares era inaceitável para a administração colonial e para os colonos. Era um reino de tipo africano encravado em solo colonial português e um constante convite a fugas de escravos. Sua continuidade indicava a inviabilidade do projeto colonizador. Por isso, as lutas recrudesceram nos anos 1670. O chefe militar Fernão Carrilho atacou Palmares em 1677 e provocou grandes perdas materiais e humanas. O rei, Ganga Zumba, perdeu a mãe, um irmão e um filho; sua mulher, dois de seus filhos, 20 netos e sobrinhos foram aprisionados. Teve de fugir para não cair prisioneiro. O que fazer? Continuar a luta em situação cada vez mais difícil e levar à debacle total Palmares ou aceitar a proposta de paz do governador de Pernambuco, Pedro de Almeida? Eis a escolha existencial posta ao rei. Pelo acordo, entre vários pontos, os palmarinos seriam integrados à colônia, os mocambos que compunham o quilombo ganhariam status de vila colonial, seria respeitada a liberdade de todos os que nasceram e viviam em seu interior, e seria doada a eles uma área (Cucaú) onde poderiam viver em paz. O acordo seguia o modelo de outras negociações entre portugueses e insurgentes. Ganga Zumba e os demais chefes o avaliaram como positivo e aceitaram. Afinal, o quilombo era atacado pelas forças portuguesas com mais insistência desde a expulsão dos holandeses do Nordeste em 1654. Que perspectivas eles teriam de vitória? O acordo parecia ser o fim de anos e anos de luta e de muito sangue derramado. Mas Zumbi, com apenas 23 anos, não aceitou o acordo. Apoiado por jovens desejosos de continuar a luta, começou a preparar a nova fase da guerra. Afirmava que queria não só a sua liberdade, mas a de todos os escravos. Ganga Zumba ainda era forte e tentou preservar a paz. Mas acabou morrendo em uma situação até hoje nebulosa. Sem ele, a experiência de Cucaú naufragou, a guerra continuou e foi levada ao mais alto nível de violência. Era a guerra total, que terminou em 1694 com o aniquilamento do quilombo, e com a captura e a morte de Zumbi em 1695.

Ganga Zumba e Zumbi representam expectativas e perspectivas diferentes, que foram usadas politicamente em função de objetivos estratégicos. Como sempre nessas circunstâncias, a operação política acaba negligenciando aspectos históricos e infringindo preceitos relativos ao processo de conhecimento em si. A memória de Zumbi foi alçada como símbolo da resistência antiescravista e ícone principal do movimento negro, enquanto Ganga Zumba foi reduzido a um figurante desconhecido da maior parte da sociedade brasileira e quase banido das escolas, como se não tivesse sido um grande rei, não fosse respeitado pelos seus e pelas autoridades portuguesas e, na hora decisiva, não tivesse de sopesar a situação e escolher.

Não é uma operação inocente o seu quase esquecimento. Entre os dois grandes líderes havia diferenças. No ano decisivo de 1678, ambos estiveram diante do grande desafio: aceitar a paz ou continuar a guerra? Mas ambas as posições teriam um preço. A de Zumbi foi o aniquilamento do quilombo e da maior parte dos seus seguidores. Virou mártir e símbolo de uma causa.

Ganga Zumba esteve mais para o estadista que avalia as consequências das decisões. O seu esquecimento hoje é incompatível com os dados históricos disponíveis, mas explicável à luz das tramas políticas que obedecem a injunções não necessariamente ligadas à busca da verdade histórica.

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No dia 20 de novembro o Brasil comemora o Dia da Consciência Negra. A data se refere ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, o maior ícone do movimento de resistência dos negros no Brasil. Zumbi representa a resistência dos negros à escravidão. Após longa perseguição movida por agentes do governo português, foi capturado e degolado. Sua cabeça foi exposta em Recife. Para os seus inimigos, era o fim da mais longa resistência à escravidão que o Brasil viu em sua história. Era, também, o fim de um homem destemido e implacável em sua resistência.

O enaltecimento de Zumbi, no entanto, coloca na sombra outra grande personagem da história de Palmares. Trata-se de Ganga Zumba, que quase ninguém conhece, as escolas ignoram e o movimento negro tem de fazer malabarismo para dar conta do seu significado histórico.

Pesquisas históricas indicam que Palmares não foi uma experiência isolada no Brasil. O seu modelo era comum na África e nos demais países da América Latina. A forma como se organizou e o que se passou no ano trágico de 1678 têm paralelo com as experiências de outros grupos na mesma situação.

Em livro recente da historiadora Silvia Hunold Lara, Palmares & Cucaú: o aprendizado da dominação, fica evidenciada a rede cultural e política que uniu os condicionantes históricos do Brasil com os das regiões africanas de onde provinham parte dos insurgentes de Palmares. Segundo a historiadora, “as lideranças dos Palmares e a administração pernambucana estavam conjugando uma sintaxe centro-africana ao negociarem os termos do acordo de paz (de 1678), a sintaxe política centro-africana ecoa na história dos Palmares de vários modos”.

A existência de Palmares era inaceitável para a administração colonial e para os colonos. Era um reino de tipo africano encravado em solo colonial português e um constante convite a fugas de escravos. Sua continuidade indicava a inviabilidade do projeto colonizador. Por isso, as lutas recrudesceram nos anos 1670. O chefe militar Fernão Carrilho atacou Palmares em 1677 e provocou grandes perdas materiais e humanas. O rei, Ganga Zumba, perdeu a mãe, um irmão e um filho; sua mulher, dois de seus filhos, 20 netos e sobrinhos foram aprisionados. Teve de fugir para não cair prisioneiro. O que fazer? Continuar a luta em situação cada vez mais difícil e levar à debacle total Palmares ou aceitar a proposta de paz do governador de Pernambuco, Pedro de Almeida? Eis a escolha existencial posta ao rei. Pelo acordo, entre vários pontos, os palmarinos seriam integrados à colônia, os mocambos que compunham o quilombo ganhariam status de vila colonial, seria respeitada a liberdade de todos os que nasceram e viviam em seu interior, e seria doada a eles uma área (Cucaú) onde poderiam viver em paz. O acordo seguia o modelo de outras negociações entre portugueses e insurgentes. Ganga Zumba e os demais chefes o avaliaram como positivo e aceitaram. Afinal, o quilombo era atacado pelas forças portuguesas com mais insistência desde a expulsão dos holandeses do Nordeste em 1654. Que perspectivas eles teriam de vitória? O acordo parecia ser o fim de anos e anos de luta e de muito sangue derramado. Mas Zumbi, com apenas 23 anos, não aceitou o acordo. Apoiado por jovens desejosos de continuar a luta, começou a preparar a nova fase da guerra. Afirmava que queria não só a sua liberdade, mas a de todos os escravos. Ganga Zumba ainda era forte e tentou preservar a paz. Mas acabou morrendo em uma situação até hoje nebulosa. Sem ele, a experiência de Cucaú naufragou, a guerra continuou e foi levada ao mais alto nível de violência. Era a guerra total, que terminou em 1694 com o aniquilamento do quilombo, e com a captura e a morte de Zumbi em 1695.

Ganga Zumba e Zumbi representam expectativas e perspectivas diferentes, que foram usadas politicamente em função de objetivos estratégicos. Como sempre nessas circunstâncias, a operação política acaba negligenciando aspectos históricos e infringindo preceitos relativos ao processo de conhecimento em si. A memória de Zumbi foi alçada como símbolo da resistência antiescravista e ícone principal do movimento negro, enquanto Ganga Zumba foi reduzido a um figurante desconhecido da maior parte da sociedade brasileira e quase banido das escolas, como se não tivesse sido um grande rei, não fosse respeitado pelos seus e pelas autoridades portuguesas e, na hora decisiva, não tivesse de sopesar a situação e escolher.

Não é uma operação inocente o seu quase esquecimento. Entre os dois grandes líderes havia diferenças. No ano decisivo de 1678, ambos estiveram diante do grande desafio: aceitar a paz ou continuar a guerra? Mas ambas as posições teriam um preço. A de Zumbi foi o aniquilamento do quilombo e da maior parte dos seus seguidores. Virou mártir e símbolo de uma causa.

Ganga Zumba esteve mais para o estadista que avalia as consequências das decisões. O seu esquecimento hoje é incompatível com os dados históricos disponíveis, mas explicável à luz das tramas políticas que obedecem a injunções não necessariamente ligadas à busca da verdade histórica.

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No dia 20 de novembro o Brasil comemora o Dia da Consciência Negra. A data se refere ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, o maior ícone do movimento de resistência dos negros no Brasil. Zumbi representa a resistência dos negros à escravidão. Após longa perseguição movida por agentes do governo português, foi capturado e degolado. Sua cabeça foi exposta em Recife. Para os seus inimigos, era o fim da mais longa resistência à escravidão que o Brasil viu em sua história. Era, também, o fim de um homem destemido e implacável em sua resistência.

O enaltecimento de Zumbi, no entanto, coloca na sombra outra grande personagem da história de Palmares. Trata-se de Ganga Zumba, que quase ninguém conhece, as escolas ignoram e o movimento negro tem de fazer malabarismo para dar conta do seu significado histórico.

Pesquisas históricas indicam que Palmares não foi uma experiência isolada no Brasil. O seu modelo era comum na África e nos demais países da América Latina. A forma como se organizou e o que se passou no ano trágico de 1678 têm paralelo com as experiências de outros grupos na mesma situação.

Em livro recente da historiadora Silvia Hunold Lara, Palmares & Cucaú: o aprendizado da dominação, fica evidenciada a rede cultural e política que uniu os condicionantes históricos do Brasil com os das regiões africanas de onde provinham parte dos insurgentes de Palmares. Segundo a historiadora, “as lideranças dos Palmares e a administração pernambucana estavam conjugando uma sintaxe centro-africana ao negociarem os termos do acordo de paz (de 1678), a sintaxe política centro-africana ecoa na história dos Palmares de vários modos”.

A existência de Palmares era inaceitável para a administração colonial e para os colonos. Era um reino de tipo africano encravado em solo colonial português e um constante convite a fugas de escravos. Sua continuidade indicava a inviabilidade do projeto colonizador. Por isso, as lutas recrudesceram nos anos 1670. O chefe militar Fernão Carrilho atacou Palmares em 1677 e provocou grandes perdas materiais e humanas. O rei, Ganga Zumba, perdeu a mãe, um irmão e um filho; sua mulher, dois de seus filhos, 20 netos e sobrinhos foram aprisionados. Teve de fugir para não cair prisioneiro. O que fazer? Continuar a luta em situação cada vez mais difícil e levar à debacle total Palmares ou aceitar a proposta de paz do governador de Pernambuco, Pedro de Almeida? Eis a escolha existencial posta ao rei. Pelo acordo, entre vários pontos, os palmarinos seriam integrados à colônia, os mocambos que compunham o quilombo ganhariam status de vila colonial, seria respeitada a liberdade de todos os que nasceram e viviam em seu interior, e seria doada a eles uma área (Cucaú) onde poderiam viver em paz. O acordo seguia o modelo de outras negociações entre portugueses e insurgentes. Ganga Zumba e os demais chefes o avaliaram como positivo e aceitaram. Afinal, o quilombo era atacado pelas forças portuguesas com mais insistência desde a expulsão dos holandeses do Nordeste em 1654. Que perspectivas eles teriam de vitória? O acordo parecia ser o fim de anos e anos de luta e de muito sangue derramado. Mas Zumbi, com apenas 23 anos, não aceitou o acordo. Apoiado por jovens desejosos de continuar a luta, começou a preparar a nova fase da guerra. Afirmava que queria não só a sua liberdade, mas a de todos os escravos. Ganga Zumba ainda era forte e tentou preservar a paz. Mas acabou morrendo em uma situação até hoje nebulosa. Sem ele, a experiência de Cucaú naufragou, a guerra continuou e foi levada ao mais alto nível de violência. Era a guerra total, que terminou em 1694 com o aniquilamento do quilombo, e com a captura e a morte de Zumbi em 1695.

Ganga Zumba e Zumbi representam expectativas e perspectivas diferentes, que foram usadas politicamente em função de objetivos estratégicos. Como sempre nessas circunstâncias, a operação política acaba negligenciando aspectos históricos e infringindo preceitos relativos ao processo de conhecimento em si. A memória de Zumbi foi alçada como símbolo da resistência antiescravista e ícone principal do movimento negro, enquanto Ganga Zumba foi reduzido a um figurante desconhecido da maior parte da sociedade brasileira e quase banido das escolas, como se não tivesse sido um grande rei, não fosse respeitado pelos seus e pelas autoridades portuguesas e, na hora decisiva, não tivesse de sopesar a situação e escolher.

Não é uma operação inocente o seu quase esquecimento. Entre os dois grandes líderes havia diferenças. No ano decisivo de 1678, ambos estiveram diante do grande desafio: aceitar a paz ou continuar a guerra? Mas ambas as posições teriam um preço. A de Zumbi foi o aniquilamento do quilombo e da maior parte dos seus seguidores. Virou mártir e símbolo de uma causa.

Ganga Zumba esteve mais para o estadista que avalia as consequências das decisões. O seu esquecimento hoje é incompatível com os dados históricos disponíveis, mas explicável à luz das tramas políticas que obedecem a injunções não necessariamente ligadas à busca da verdade histórica.

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