Opinião|O Brasil e seu monstrengo tributário no consumo


Ainda que imperfeita, a PEC 45 é infinitas vezes melhor do que o atual modelo brasileiro de tributação de consumo

Por Cristiane A. J. Schmidt , Priscilla Santana, Luis Claudio Gomes e Sergio Gobetti

Alguns colegas economistas – muito poucos, diga-se de passagem – têm criticado a reforma tributária do consumo, a PEC 45. Dizemos poucos porque ontem um abrangente manifesto foi assinado por mais de 70 juristas, empresários e economistas, a maioria com proeminentes contribuições no Brasil na área de gestão pública. Entre os respeitados economistas que vêm se colocando de forma contrária à PEC 45 está nosso colega e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo Felipe Salto.

Nossa admiração por seu trabalho segue intacta, mas pedimos vênia para discordar de quando ele diz que a reforma é um “monstrengo tributário”, apontando que, em vez de fazer uma reforma ampla, o melhor caminho seria efetivar melhorias incrementais ao sistema atual. É uma possibilidade, mas esta teria um resultado pior, mesmo considerando o texto atual da PEC 45, que não é o ideal do ponto de vista acadêmico.

É fato – Salto tem razão – que a PEC 45 se afastou do modelo tecnicamente desejável proposto por Baleia Rossi em 2019, uma vez que uma gama não desejada de tratamentos específicos, diferenciados e favorecidos foi contemplada na redação que será votada no Senado. Como é sabido, porém, muitos dos 174 países que adotam o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) há décadas têm algumas alíquotas reduzidas para certos setores ou bens/serviços, em vez de uma alíquota única, tese defendida por inúmeros estudos técnicos.

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Ainda que não seja o modelo ótimo, entretanto, foi o modelo politicamente possível de ser aprovado. Este fato não torna aqueles modelos de IVA um “monstrengo”, nem será o caso brasileiro, se a PEC 45 for aprovada da forma como está no Senado.

A Europa e a grande maioria dos países do mundo avançaram quando implementaram um autêntico IVA de base ampla, plenamente não cumulativo e com incidência no destino, fundamental para corrigir distorções econômicas e federativas. Essa espinha dorsal segue intacta no texto da PEC 45 desde 2019 e, justamente por isso, vale a pena aprovar a reforma, mesmo com os seus demais possíveis defeitos.

O modelo brasileiro atual é o verdadeiro “monstrengo tributário”, por sua ineficiência, burocracia, judicialização e pela manutenção da guerra fiscal, que não traz competitividade para as empresas e deixa os cofres estaduais sem recursos para governadores investirem no que realmente precisam. É esse “monstrengo” que afeta negativamente a produtividade e o crescimento econômico, além da desigualdade entre os entes federativos.

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Salto também está correto em criticar a atual guerra fiscal e a validade dos benefícios fiscais até 2032, mas esse direito foi dado pela Lei Complementar 160 e não se pode retroagir. As empresas judicializariam, claro. Não há como ignorar a realidade, o que não invalida os resultados positivos de médio e longo prazos da PEC 45.

O fato é que não há nenhum modelo de tributação de consumo pior que o brasileiro, no qual bens e serviços se misturam (Apple ou as empresas de telecom vendem bens ou serviços?), no qual as leis estaduais se confundem e no qual os tesouros estaduais não devolvem os créditos devidos às empresas. Se houver a substituição dos velhos e antiquados tributos (ISS, ICMS, IPI, PIS, Cofins) por um modelo de IVA dual, será uma expressiva vitória. O novo sistema tributário indiscutivelmente será melhor.

A simplificação advinda da PEC 45 vai além da redução do número de impostos. Envolve a redução de normas e de fontes de contencioso judicial e administrativo, em decorrência da fragmentação da base tributária, das diferentes interpretações para definir o que gera ou não gera crédito e dos múltiplos regimes diferenciados existentes, muito mais numerosos do que os previstos no relatório do senador Eduardo Braga.

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A proposta de mudanças incrementais na legislação do ICMS e do ISS, como propõe Salto, não é nova, nunca deu certo e ainda inviabilizaria o Brasil de implementar o que o mundo adota: o IVA da PEC 45. Tal opção tenderia a ampliar a fonte crescente de contencioso, que se alimenta da zona cinzenta hoje existente entre o ICMS e o ISS. Além disso, perpetuaria um modelo que prejudica, por meio da cumulatividade, os setores de ponta da economia brasileira e penaliza os mais pobres, por tributar mais pesadamente as mercadorias do que os serviços.

A crítica acerca da gestão compartilhada do novo imposto é outro ponto importante. Acredita-se, pois, que esta mudará para uma cultura distinta: de um federalismo competitivo para um federalismo cooperativo, muito mais sadio para que os Estados se juntem ao lado dos municípios e da União. Difícil de acreditar, em razão do histórico, mas será possível agora.

Em suma, a PEC 45, ainda que imperfeita, é infinitas vezes melhor que o atual “monstrengo tributário”. O Brasil é um pária nesta matéria e isso precisa mudar. Uma postergação de sua votação, assim, em nada adiantaria para aperfeiçoar seu texto, dado que o debate vem ocorrendo desde 2019, e, pior, tenderia a ampliar as chances de deformação por pressão dos grupos de interesse, o que enfraquecerá os possíveis impactos positivos da reforma sobre o crescimento da economia e sobre a justiça federativa. Na confiança de que o texto regressará para a Câmara no dia 9 de novembro de 2023.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, MESTRE E DOUTORA EM ECONOMIA (EPGE/FGV), VISITING SCHOLAR EM COLUMBIA, EX-SECRETÁRIA AJUNTA DA SEAE/MINISTÉRIO DA FAZENDA (MF), EX-CONSELHEIRA DO CADE E EX-SECRETÁRIA DA ECONOMIA DE GOIÁS; ECONOMISTA, ADVOGADA TRIBUTARISTA, EX-SUBSECRETÁRIA DA SEAE/MF, EX-SUBSECRETÁRIA DE RELAÇÕES FINANCEIRAS INTERGOVERNAMENTAIS DA STN/MF E ATUAL SECRETÁRIA DE FAZENDA DO RS; ENGENHEIRO, AUDITOR DE FINANÇAS DO TESOURO NACIONAL, EX-SECRETÁRIO DE FAZENDA DO ESTADO DO RJ E ATUAL SECRETÁRIO ADJUNTO DE FAZENDA DE MG; E MESTRE E DOUTOR EM ECONOMIA, PESQUISADOR IPEA E EX-SECRETÁRIO ADJUNTO DE POLÍTICA FISCAL E TRIBUTÁRIA DO MF

Alguns colegas economistas – muito poucos, diga-se de passagem – têm criticado a reforma tributária do consumo, a PEC 45. Dizemos poucos porque ontem um abrangente manifesto foi assinado por mais de 70 juristas, empresários e economistas, a maioria com proeminentes contribuições no Brasil na área de gestão pública. Entre os respeitados economistas que vêm se colocando de forma contrária à PEC 45 está nosso colega e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo Felipe Salto.

Nossa admiração por seu trabalho segue intacta, mas pedimos vênia para discordar de quando ele diz que a reforma é um “monstrengo tributário”, apontando que, em vez de fazer uma reforma ampla, o melhor caminho seria efetivar melhorias incrementais ao sistema atual. É uma possibilidade, mas esta teria um resultado pior, mesmo considerando o texto atual da PEC 45, que não é o ideal do ponto de vista acadêmico.

É fato – Salto tem razão – que a PEC 45 se afastou do modelo tecnicamente desejável proposto por Baleia Rossi em 2019, uma vez que uma gama não desejada de tratamentos específicos, diferenciados e favorecidos foi contemplada na redação que será votada no Senado. Como é sabido, porém, muitos dos 174 países que adotam o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) há décadas têm algumas alíquotas reduzidas para certos setores ou bens/serviços, em vez de uma alíquota única, tese defendida por inúmeros estudos técnicos.

Ainda que não seja o modelo ótimo, entretanto, foi o modelo politicamente possível de ser aprovado. Este fato não torna aqueles modelos de IVA um “monstrengo”, nem será o caso brasileiro, se a PEC 45 for aprovada da forma como está no Senado.

A Europa e a grande maioria dos países do mundo avançaram quando implementaram um autêntico IVA de base ampla, plenamente não cumulativo e com incidência no destino, fundamental para corrigir distorções econômicas e federativas. Essa espinha dorsal segue intacta no texto da PEC 45 desde 2019 e, justamente por isso, vale a pena aprovar a reforma, mesmo com os seus demais possíveis defeitos.

O modelo brasileiro atual é o verdadeiro “monstrengo tributário”, por sua ineficiência, burocracia, judicialização e pela manutenção da guerra fiscal, que não traz competitividade para as empresas e deixa os cofres estaduais sem recursos para governadores investirem no que realmente precisam. É esse “monstrengo” que afeta negativamente a produtividade e o crescimento econômico, além da desigualdade entre os entes federativos.

Salto também está correto em criticar a atual guerra fiscal e a validade dos benefícios fiscais até 2032, mas esse direito foi dado pela Lei Complementar 160 e não se pode retroagir. As empresas judicializariam, claro. Não há como ignorar a realidade, o que não invalida os resultados positivos de médio e longo prazos da PEC 45.

O fato é que não há nenhum modelo de tributação de consumo pior que o brasileiro, no qual bens e serviços se misturam (Apple ou as empresas de telecom vendem bens ou serviços?), no qual as leis estaduais se confundem e no qual os tesouros estaduais não devolvem os créditos devidos às empresas. Se houver a substituição dos velhos e antiquados tributos (ISS, ICMS, IPI, PIS, Cofins) por um modelo de IVA dual, será uma expressiva vitória. O novo sistema tributário indiscutivelmente será melhor.

A simplificação advinda da PEC 45 vai além da redução do número de impostos. Envolve a redução de normas e de fontes de contencioso judicial e administrativo, em decorrência da fragmentação da base tributária, das diferentes interpretações para definir o que gera ou não gera crédito e dos múltiplos regimes diferenciados existentes, muito mais numerosos do que os previstos no relatório do senador Eduardo Braga.

A proposta de mudanças incrementais na legislação do ICMS e do ISS, como propõe Salto, não é nova, nunca deu certo e ainda inviabilizaria o Brasil de implementar o que o mundo adota: o IVA da PEC 45. Tal opção tenderia a ampliar a fonte crescente de contencioso, que se alimenta da zona cinzenta hoje existente entre o ICMS e o ISS. Além disso, perpetuaria um modelo que prejudica, por meio da cumulatividade, os setores de ponta da economia brasileira e penaliza os mais pobres, por tributar mais pesadamente as mercadorias do que os serviços.

A crítica acerca da gestão compartilhada do novo imposto é outro ponto importante. Acredita-se, pois, que esta mudará para uma cultura distinta: de um federalismo competitivo para um federalismo cooperativo, muito mais sadio para que os Estados se juntem ao lado dos municípios e da União. Difícil de acreditar, em razão do histórico, mas será possível agora.

Em suma, a PEC 45, ainda que imperfeita, é infinitas vezes melhor que o atual “monstrengo tributário”. O Brasil é um pária nesta matéria e isso precisa mudar. Uma postergação de sua votação, assim, em nada adiantaria para aperfeiçoar seu texto, dado que o debate vem ocorrendo desde 2019, e, pior, tenderia a ampliar as chances de deformação por pressão dos grupos de interesse, o que enfraquecerá os possíveis impactos positivos da reforma sobre o crescimento da economia e sobre a justiça federativa. Na confiança de que o texto regressará para a Câmara no dia 9 de novembro de 2023.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, MESTRE E DOUTORA EM ECONOMIA (EPGE/FGV), VISITING SCHOLAR EM COLUMBIA, EX-SECRETÁRIA AJUNTA DA SEAE/MINISTÉRIO DA FAZENDA (MF), EX-CONSELHEIRA DO CADE E EX-SECRETÁRIA DA ECONOMIA DE GOIÁS; ECONOMISTA, ADVOGADA TRIBUTARISTA, EX-SUBSECRETÁRIA DA SEAE/MF, EX-SUBSECRETÁRIA DE RELAÇÕES FINANCEIRAS INTERGOVERNAMENTAIS DA STN/MF E ATUAL SECRETÁRIA DE FAZENDA DO RS; ENGENHEIRO, AUDITOR DE FINANÇAS DO TESOURO NACIONAL, EX-SECRETÁRIO DE FAZENDA DO ESTADO DO RJ E ATUAL SECRETÁRIO ADJUNTO DE FAZENDA DE MG; E MESTRE E DOUTOR EM ECONOMIA, PESQUISADOR IPEA E EX-SECRETÁRIO ADJUNTO DE POLÍTICA FISCAL E TRIBUTÁRIA DO MF

Alguns colegas economistas – muito poucos, diga-se de passagem – têm criticado a reforma tributária do consumo, a PEC 45. Dizemos poucos porque ontem um abrangente manifesto foi assinado por mais de 70 juristas, empresários e economistas, a maioria com proeminentes contribuições no Brasil na área de gestão pública. Entre os respeitados economistas que vêm se colocando de forma contrária à PEC 45 está nosso colega e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo Felipe Salto.

Nossa admiração por seu trabalho segue intacta, mas pedimos vênia para discordar de quando ele diz que a reforma é um “monstrengo tributário”, apontando que, em vez de fazer uma reforma ampla, o melhor caminho seria efetivar melhorias incrementais ao sistema atual. É uma possibilidade, mas esta teria um resultado pior, mesmo considerando o texto atual da PEC 45, que não é o ideal do ponto de vista acadêmico.

É fato – Salto tem razão – que a PEC 45 se afastou do modelo tecnicamente desejável proposto por Baleia Rossi em 2019, uma vez que uma gama não desejada de tratamentos específicos, diferenciados e favorecidos foi contemplada na redação que será votada no Senado. Como é sabido, porém, muitos dos 174 países que adotam o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) há décadas têm algumas alíquotas reduzidas para certos setores ou bens/serviços, em vez de uma alíquota única, tese defendida por inúmeros estudos técnicos.

Ainda que não seja o modelo ótimo, entretanto, foi o modelo politicamente possível de ser aprovado. Este fato não torna aqueles modelos de IVA um “monstrengo”, nem será o caso brasileiro, se a PEC 45 for aprovada da forma como está no Senado.

A Europa e a grande maioria dos países do mundo avançaram quando implementaram um autêntico IVA de base ampla, plenamente não cumulativo e com incidência no destino, fundamental para corrigir distorções econômicas e federativas. Essa espinha dorsal segue intacta no texto da PEC 45 desde 2019 e, justamente por isso, vale a pena aprovar a reforma, mesmo com os seus demais possíveis defeitos.

O modelo brasileiro atual é o verdadeiro “monstrengo tributário”, por sua ineficiência, burocracia, judicialização e pela manutenção da guerra fiscal, que não traz competitividade para as empresas e deixa os cofres estaduais sem recursos para governadores investirem no que realmente precisam. É esse “monstrengo” que afeta negativamente a produtividade e o crescimento econômico, além da desigualdade entre os entes federativos.

Salto também está correto em criticar a atual guerra fiscal e a validade dos benefícios fiscais até 2032, mas esse direito foi dado pela Lei Complementar 160 e não se pode retroagir. As empresas judicializariam, claro. Não há como ignorar a realidade, o que não invalida os resultados positivos de médio e longo prazos da PEC 45.

O fato é que não há nenhum modelo de tributação de consumo pior que o brasileiro, no qual bens e serviços se misturam (Apple ou as empresas de telecom vendem bens ou serviços?), no qual as leis estaduais se confundem e no qual os tesouros estaduais não devolvem os créditos devidos às empresas. Se houver a substituição dos velhos e antiquados tributos (ISS, ICMS, IPI, PIS, Cofins) por um modelo de IVA dual, será uma expressiva vitória. O novo sistema tributário indiscutivelmente será melhor.

A simplificação advinda da PEC 45 vai além da redução do número de impostos. Envolve a redução de normas e de fontes de contencioso judicial e administrativo, em decorrência da fragmentação da base tributária, das diferentes interpretações para definir o que gera ou não gera crédito e dos múltiplos regimes diferenciados existentes, muito mais numerosos do que os previstos no relatório do senador Eduardo Braga.

A proposta de mudanças incrementais na legislação do ICMS e do ISS, como propõe Salto, não é nova, nunca deu certo e ainda inviabilizaria o Brasil de implementar o que o mundo adota: o IVA da PEC 45. Tal opção tenderia a ampliar a fonte crescente de contencioso, que se alimenta da zona cinzenta hoje existente entre o ICMS e o ISS. Além disso, perpetuaria um modelo que prejudica, por meio da cumulatividade, os setores de ponta da economia brasileira e penaliza os mais pobres, por tributar mais pesadamente as mercadorias do que os serviços.

A crítica acerca da gestão compartilhada do novo imposto é outro ponto importante. Acredita-se, pois, que esta mudará para uma cultura distinta: de um federalismo competitivo para um federalismo cooperativo, muito mais sadio para que os Estados se juntem ao lado dos municípios e da União. Difícil de acreditar, em razão do histórico, mas será possível agora.

Em suma, a PEC 45, ainda que imperfeita, é infinitas vezes melhor que o atual “monstrengo tributário”. O Brasil é um pária nesta matéria e isso precisa mudar. Uma postergação de sua votação, assim, em nada adiantaria para aperfeiçoar seu texto, dado que o debate vem ocorrendo desde 2019, e, pior, tenderia a ampliar as chances de deformação por pressão dos grupos de interesse, o que enfraquecerá os possíveis impactos positivos da reforma sobre o crescimento da economia e sobre a justiça federativa. Na confiança de que o texto regressará para a Câmara no dia 9 de novembro de 2023.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, MESTRE E DOUTORA EM ECONOMIA (EPGE/FGV), VISITING SCHOLAR EM COLUMBIA, EX-SECRETÁRIA AJUNTA DA SEAE/MINISTÉRIO DA FAZENDA (MF), EX-CONSELHEIRA DO CADE E EX-SECRETÁRIA DA ECONOMIA DE GOIÁS; ECONOMISTA, ADVOGADA TRIBUTARISTA, EX-SUBSECRETÁRIA DA SEAE/MF, EX-SUBSECRETÁRIA DE RELAÇÕES FINANCEIRAS INTERGOVERNAMENTAIS DA STN/MF E ATUAL SECRETÁRIA DE FAZENDA DO RS; ENGENHEIRO, AUDITOR DE FINANÇAS DO TESOURO NACIONAL, EX-SECRETÁRIO DE FAZENDA DO ESTADO DO RJ E ATUAL SECRETÁRIO ADJUNTO DE FAZENDA DE MG; E MESTRE E DOUTOR EM ECONOMIA, PESQUISADOR IPEA E EX-SECRETÁRIO ADJUNTO DE POLÍTICA FISCAL E TRIBUTÁRIA DO MF

Alguns colegas economistas – muito poucos, diga-se de passagem – têm criticado a reforma tributária do consumo, a PEC 45. Dizemos poucos porque ontem um abrangente manifesto foi assinado por mais de 70 juristas, empresários e economistas, a maioria com proeminentes contribuições no Brasil na área de gestão pública. Entre os respeitados economistas que vêm se colocando de forma contrária à PEC 45 está nosso colega e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo Felipe Salto.

Nossa admiração por seu trabalho segue intacta, mas pedimos vênia para discordar de quando ele diz que a reforma é um “monstrengo tributário”, apontando que, em vez de fazer uma reforma ampla, o melhor caminho seria efetivar melhorias incrementais ao sistema atual. É uma possibilidade, mas esta teria um resultado pior, mesmo considerando o texto atual da PEC 45, que não é o ideal do ponto de vista acadêmico.

É fato – Salto tem razão – que a PEC 45 se afastou do modelo tecnicamente desejável proposto por Baleia Rossi em 2019, uma vez que uma gama não desejada de tratamentos específicos, diferenciados e favorecidos foi contemplada na redação que será votada no Senado. Como é sabido, porém, muitos dos 174 países que adotam o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) há décadas têm algumas alíquotas reduzidas para certos setores ou bens/serviços, em vez de uma alíquota única, tese defendida por inúmeros estudos técnicos.

Ainda que não seja o modelo ótimo, entretanto, foi o modelo politicamente possível de ser aprovado. Este fato não torna aqueles modelos de IVA um “monstrengo”, nem será o caso brasileiro, se a PEC 45 for aprovada da forma como está no Senado.

A Europa e a grande maioria dos países do mundo avançaram quando implementaram um autêntico IVA de base ampla, plenamente não cumulativo e com incidência no destino, fundamental para corrigir distorções econômicas e federativas. Essa espinha dorsal segue intacta no texto da PEC 45 desde 2019 e, justamente por isso, vale a pena aprovar a reforma, mesmo com os seus demais possíveis defeitos.

O modelo brasileiro atual é o verdadeiro “monstrengo tributário”, por sua ineficiência, burocracia, judicialização e pela manutenção da guerra fiscal, que não traz competitividade para as empresas e deixa os cofres estaduais sem recursos para governadores investirem no que realmente precisam. É esse “monstrengo” que afeta negativamente a produtividade e o crescimento econômico, além da desigualdade entre os entes federativos.

Salto também está correto em criticar a atual guerra fiscal e a validade dos benefícios fiscais até 2032, mas esse direito foi dado pela Lei Complementar 160 e não se pode retroagir. As empresas judicializariam, claro. Não há como ignorar a realidade, o que não invalida os resultados positivos de médio e longo prazos da PEC 45.

O fato é que não há nenhum modelo de tributação de consumo pior que o brasileiro, no qual bens e serviços se misturam (Apple ou as empresas de telecom vendem bens ou serviços?), no qual as leis estaduais se confundem e no qual os tesouros estaduais não devolvem os créditos devidos às empresas. Se houver a substituição dos velhos e antiquados tributos (ISS, ICMS, IPI, PIS, Cofins) por um modelo de IVA dual, será uma expressiva vitória. O novo sistema tributário indiscutivelmente será melhor.

A simplificação advinda da PEC 45 vai além da redução do número de impostos. Envolve a redução de normas e de fontes de contencioso judicial e administrativo, em decorrência da fragmentação da base tributária, das diferentes interpretações para definir o que gera ou não gera crédito e dos múltiplos regimes diferenciados existentes, muito mais numerosos do que os previstos no relatório do senador Eduardo Braga.

A proposta de mudanças incrementais na legislação do ICMS e do ISS, como propõe Salto, não é nova, nunca deu certo e ainda inviabilizaria o Brasil de implementar o que o mundo adota: o IVA da PEC 45. Tal opção tenderia a ampliar a fonte crescente de contencioso, que se alimenta da zona cinzenta hoje existente entre o ICMS e o ISS. Além disso, perpetuaria um modelo que prejudica, por meio da cumulatividade, os setores de ponta da economia brasileira e penaliza os mais pobres, por tributar mais pesadamente as mercadorias do que os serviços.

A crítica acerca da gestão compartilhada do novo imposto é outro ponto importante. Acredita-se, pois, que esta mudará para uma cultura distinta: de um federalismo competitivo para um federalismo cooperativo, muito mais sadio para que os Estados se juntem ao lado dos municípios e da União. Difícil de acreditar, em razão do histórico, mas será possível agora.

Em suma, a PEC 45, ainda que imperfeita, é infinitas vezes melhor que o atual “monstrengo tributário”. O Brasil é um pária nesta matéria e isso precisa mudar. Uma postergação de sua votação, assim, em nada adiantaria para aperfeiçoar seu texto, dado que o debate vem ocorrendo desde 2019, e, pior, tenderia a ampliar as chances de deformação por pressão dos grupos de interesse, o que enfraquecerá os possíveis impactos positivos da reforma sobre o crescimento da economia e sobre a justiça federativa. Na confiança de que o texto regressará para a Câmara no dia 9 de novembro de 2023.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, MESTRE E DOUTORA EM ECONOMIA (EPGE/FGV), VISITING SCHOLAR EM COLUMBIA, EX-SECRETÁRIA AJUNTA DA SEAE/MINISTÉRIO DA FAZENDA (MF), EX-CONSELHEIRA DO CADE E EX-SECRETÁRIA DA ECONOMIA DE GOIÁS; ECONOMISTA, ADVOGADA TRIBUTARISTA, EX-SUBSECRETÁRIA DA SEAE/MF, EX-SUBSECRETÁRIA DE RELAÇÕES FINANCEIRAS INTERGOVERNAMENTAIS DA STN/MF E ATUAL SECRETÁRIA DE FAZENDA DO RS; ENGENHEIRO, AUDITOR DE FINANÇAS DO TESOURO NACIONAL, EX-SECRETÁRIO DE FAZENDA DO ESTADO DO RJ E ATUAL SECRETÁRIO ADJUNTO DE FAZENDA DE MG; E MESTRE E DOUTOR EM ECONOMIA, PESQUISADOR IPEA E EX-SECRETÁRIO ADJUNTO DE POLÍTICA FISCAL E TRIBUTÁRIA DO MF

Alguns colegas economistas – muito poucos, diga-se de passagem – têm criticado a reforma tributária do consumo, a PEC 45. Dizemos poucos porque ontem um abrangente manifesto foi assinado por mais de 70 juristas, empresários e economistas, a maioria com proeminentes contribuições no Brasil na área de gestão pública. Entre os respeitados economistas que vêm se colocando de forma contrária à PEC 45 está nosso colega e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo Felipe Salto.

Nossa admiração por seu trabalho segue intacta, mas pedimos vênia para discordar de quando ele diz que a reforma é um “monstrengo tributário”, apontando que, em vez de fazer uma reforma ampla, o melhor caminho seria efetivar melhorias incrementais ao sistema atual. É uma possibilidade, mas esta teria um resultado pior, mesmo considerando o texto atual da PEC 45, que não é o ideal do ponto de vista acadêmico.

É fato – Salto tem razão – que a PEC 45 se afastou do modelo tecnicamente desejável proposto por Baleia Rossi em 2019, uma vez que uma gama não desejada de tratamentos específicos, diferenciados e favorecidos foi contemplada na redação que será votada no Senado. Como é sabido, porém, muitos dos 174 países que adotam o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) há décadas têm algumas alíquotas reduzidas para certos setores ou bens/serviços, em vez de uma alíquota única, tese defendida por inúmeros estudos técnicos.

Ainda que não seja o modelo ótimo, entretanto, foi o modelo politicamente possível de ser aprovado. Este fato não torna aqueles modelos de IVA um “monstrengo”, nem será o caso brasileiro, se a PEC 45 for aprovada da forma como está no Senado.

A Europa e a grande maioria dos países do mundo avançaram quando implementaram um autêntico IVA de base ampla, plenamente não cumulativo e com incidência no destino, fundamental para corrigir distorções econômicas e federativas. Essa espinha dorsal segue intacta no texto da PEC 45 desde 2019 e, justamente por isso, vale a pena aprovar a reforma, mesmo com os seus demais possíveis defeitos.

O modelo brasileiro atual é o verdadeiro “monstrengo tributário”, por sua ineficiência, burocracia, judicialização e pela manutenção da guerra fiscal, que não traz competitividade para as empresas e deixa os cofres estaduais sem recursos para governadores investirem no que realmente precisam. É esse “monstrengo” que afeta negativamente a produtividade e o crescimento econômico, além da desigualdade entre os entes federativos.

Salto também está correto em criticar a atual guerra fiscal e a validade dos benefícios fiscais até 2032, mas esse direito foi dado pela Lei Complementar 160 e não se pode retroagir. As empresas judicializariam, claro. Não há como ignorar a realidade, o que não invalida os resultados positivos de médio e longo prazos da PEC 45.

O fato é que não há nenhum modelo de tributação de consumo pior que o brasileiro, no qual bens e serviços se misturam (Apple ou as empresas de telecom vendem bens ou serviços?), no qual as leis estaduais se confundem e no qual os tesouros estaduais não devolvem os créditos devidos às empresas. Se houver a substituição dos velhos e antiquados tributos (ISS, ICMS, IPI, PIS, Cofins) por um modelo de IVA dual, será uma expressiva vitória. O novo sistema tributário indiscutivelmente será melhor.

A simplificação advinda da PEC 45 vai além da redução do número de impostos. Envolve a redução de normas e de fontes de contencioso judicial e administrativo, em decorrência da fragmentação da base tributária, das diferentes interpretações para definir o que gera ou não gera crédito e dos múltiplos regimes diferenciados existentes, muito mais numerosos do que os previstos no relatório do senador Eduardo Braga.

A proposta de mudanças incrementais na legislação do ICMS e do ISS, como propõe Salto, não é nova, nunca deu certo e ainda inviabilizaria o Brasil de implementar o que o mundo adota: o IVA da PEC 45. Tal opção tenderia a ampliar a fonte crescente de contencioso, que se alimenta da zona cinzenta hoje existente entre o ICMS e o ISS. Além disso, perpetuaria um modelo que prejudica, por meio da cumulatividade, os setores de ponta da economia brasileira e penaliza os mais pobres, por tributar mais pesadamente as mercadorias do que os serviços.

A crítica acerca da gestão compartilhada do novo imposto é outro ponto importante. Acredita-se, pois, que esta mudará para uma cultura distinta: de um federalismo competitivo para um federalismo cooperativo, muito mais sadio para que os Estados se juntem ao lado dos municípios e da União. Difícil de acreditar, em razão do histórico, mas será possível agora.

Em suma, a PEC 45, ainda que imperfeita, é infinitas vezes melhor que o atual “monstrengo tributário”. O Brasil é um pária nesta matéria e isso precisa mudar. Uma postergação de sua votação, assim, em nada adiantaria para aperfeiçoar seu texto, dado que o debate vem ocorrendo desde 2019, e, pior, tenderia a ampliar as chances de deformação por pressão dos grupos de interesse, o que enfraquecerá os possíveis impactos positivos da reforma sobre o crescimento da economia e sobre a justiça federativa. Na confiança de que o texto regressará para a Câmara no dia 9 de novembro de 2023.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, MESTRE E DOUTORA EM ECONOMIA (EPGE/FGV), VISITING SCHOLAR EM COLUMBIA, EX-SECRETÁRIA AJUNTA DA SEAE/MINISTÉRIO DA FAZENDA (MF), EX-CONSELHEIRA DO CADE E EX-SECRETÁRIA DA ECONOMIA DE GOIÁS; ECONOMISTA, ADVOGADA TRIBUTARISTA, EX-SUBSECRETÁRIA DA SEAE/MF, EX-SUBSECRETÁRIA DE RELAÇÕES FINANCEIRAS INTERGOVERNAMENTAIS DA STN/MF E ATUAL SECRETÁRIA DE FAZENDA DO RS; ENGENHEIRO, AUDITOR DE FINANÇAS DO TESOURO NACIONAL, EX-SECRETÁRIO DE FAZENDA DO ESTADO DO RJ E ATUAL SECRETÁRIO ADJUNTO DE FAZENDA DE MG; E MESTRE E DOUTOR EM ECONOMIA, PESQUISADOR IPEA E EX-SECRETÁRIO ADJUNTO DE POLÍTICA FISCAL E TRIBUTÁRIA DO MF

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