A saúde fiscal dos Estados e municípios evidentemente é muito importante para todos os brasileiros. Deles dependem as políticas de educação, saúde, segurança pública, mobilidade urbana, saneamento, entre tantas outras que dizem respeito à nossa vida e ao ambiente no qual habitamos. Ao escrever estes conceitos, não posso deixar de me lembrar da famosa frase de Margareth Thatcher como primeira-ministra da Inglaterra nos anos 80: “Não existe o que se chama de dinheiro público. O dinheiro do Estado é o dinheiro dos contribuintes, e a eles devemos prestar contas pelos gastos que realizamos”.
De fato, quem mantém os Estados e municípios somos nós, os contribuintes, que recolhemos diariamente impostos e taxas de acordo com as leis vigentes, aprovadas pelos nossos representantes no Poder Legislativo. Sendo o Brasil um país de renda mediana e com elevada carga tributária, questiono se já não atingimos ou mesmo ultrapassamos o limite de nossa capacidade contributiva.
Refiro-me ao anunciado aumento da alíquota de ICMS, proposto nos últimos dias de forma coletiva e simultânea por um conjunto de Estados, como se fosse um cartel tributário, impondo mais um arrocho sobre a renda dos contribuintes e consumidores. Alegam para essa medida as perdas de receita tributária atribuídas a duas leis complementares aprovadas durante o governo Bolsonaro, que definiram como bens essenciais “energia elétrica, comunicações e combustíveis” e, portanto, sujeitos às alíquotas modais de cada Estado (em São Paulo, por exemplo, a alíquota modal é de 18%).
Estas leis complementares foram aprovadas após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que entendeu que estas três categorias de bens não poderiam ter alíquotas superiores às alíquotas modais. Até então, os Estados tributavam com alíquotas bem superiores (de 25% ou mais; no Rio de Janeiro a alíquota da gasolina era de 34%). Ou seja, os Estados já cobravam mais do que deveriam cobrar, e mesmo assim, ao invés de procurar agora reduzir despesas supérfluas e desnecessárias para se ajustar a um equilíbrio fiscal, procuram mais uma vez a solução injusta e simplista de elevar os impostos em cima da população.
Atualmente, no Brasil, observamos que 45% da carga tributária total refere-se aos impostos de consumo. Trata-se de uma estrutura tributária altamente regressiva, que tributa demais no consumo e de menos na renda, e assim atinge principalmente a parcela mais pobre da população brasileira. Se os impostos de consumo fossem relativamente menores, haveria certamente um aumento de demanda para produtos com maior elasticidade de preços, e talvez ocorresse até um aumento da arrecadação tributária, em razão da maior base de incidência no mercado nacional.
Mas essa hipótese econômica parece não fazer parte do receituário fiscal dos entes federados. Talvez ignorem (o que duvido) ou desconsiderem a conhecida Curva de Arthur Laffer, economista norte-americano que nos anos 70 demonstrou uma teoria óbvia, de que nem sempre aumentar a carga tributária pode resultar num crescimento do valor a ser arrecadado pelo governo.
Na verdade, é certo que, quanto maior a alíquota de um determinado imposto, maior a propensão à sonegação, a fraudes tributárias e à informalidade na economia. Segundo estatísticas do IBGE, o PIB tributável no Brasil vem sendo reduzido ano a ano nas últimas décadas, seja pela crescente informalidade na economia, seja pela hipertrofia do Estado brasileiro, que abocanha hoje em dia mais de 40% da renda nacional.
No momento em que discutimos a reforma tributária, esta equação econômica não poderia faltar ao debate político. Afinal, anuncia-se no bojo da reforma uma alíquota básica do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) entre 27,5% e 30,0%, uma das mais altas do mundo. Colocar a culpa da alíquota elevada na conta das legítimas alíquotas reduzidas e isentas, novamente, me parece uma afirmação equivocada. Primeiro, porque na grande maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da América Latina vigora o similar regime de alíquotas múltiplas, e não por isso a média da alíquota básica é de 17,0%, ou seja, quase a metade da alíquota anunciada para o IVA brasileiro. Em segundo lugar, não vi por nenhum momento alguma autoridade federal ou estadual propor um incisivo programa de redução de despesas públicas para permitir a redução da carga tributária que incide sobre nós, brasileiros. Há muitos desperdícios, incentivos, empreguismo, mordomias que poderiam ser eliminados em prol do contribuinte brasileiro, mas até agora nenhuma palavra. A próxima reforma deveria ser, necessariamente, a reforma do Estado brasileiro. “É proibido gastar”, afirmava o então presidente eleito Tancredo Neves nos idos de 1985.
Enquanto isso, o cartel tributário se anuncia voraz e impiedoso sobre os indefesos contribuintes (aliás, um nome esquisito esse, em inglês é tax payer), que em última instância esperam que seus representantes nas respectivas Assembleias Legislativas estaduais rejeitem mais este golpe na renda de seus cidadãos.
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É ECONOMISTA E EMPRESÁRIO