Opinião|O diálogo necessário entre agricultura e meio ambiente


Em vez do ‘nós contra eles’, compatibilizar as agendas globais do clima e da alimentação

Por Marcos Sawaya Jank

Os dois setores da economia brasileira com maior visibilidade global são a agricultura e o meio ambiente. O protagonismo da agricultura brasileira se dá no comércio global de commodities agropecuárias.

Nossa oferta agrícola é concentrada em produtos (cerca de uma dezena), mas diversificada em destinos, atingindo mais de 200 países e cumprindo papel crucial na segurança alimentar do planeta. Porém, fora do universo da oferta agrícola, pouca gente conhece o agro brasileiro e, no geral, o vê com desconfiança.

Já o meio ambiente brasileiro tem ampla visibilidade no mundo, principalmente por conta das preocupações com biomas sensíveis como a Amazônia e o Pantanal. Aqui o Brasil é reconhecido como potência ambiental, mas atacado pela quantidade de queimadas e desmatamentos – e seu impacto na mudança do clima –, além de invasões de terras indígenas e devolutas, do crescimento de monoculturas como soja e outros supostos males.

continua após a publicidade

Enquanto a opinião global sobre o agro brasileiro é restrita e localizada, no caso do meio ambiente ela é ampla e generalizada. Sabemos que boa parte das críticas negativas tem mais que ver com “percepções” do que com “fatos”, a exemplo do cenário apocalíptico que foi disseminado após as queimadas do ano passado. Mas é fato que o assunto tomou conta da opinião pública internacional e hoje está solidamente presente nos organismos multilaterais, no discurso de governos e nas escolas de ensino fundamental de todo o mundo.

Nos últimos tempos o tema ambiental também entrou de vez na agenda das grandes empresas e do sistema financeiro internacional, como vimos na última reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos. E o Brasil perdeu protagonismo na agenda da sustentabilidade, após duas décadas de avanços importantes na redução do desmatamento, de compromissos com o clima e de diversificação para energias renováveis.

Infelizmente, o que temos realmente visto no nosso mundo hiperconectado é um debate de surdos do tipo “nós contra eles”, decorrente de hoje participarmos de redes sociais formadas por pessoas que basicamente pensam como a gente.

continua após a publicidade

Nesse sentido me parece um equívoco insistir no autoelogio para plateias limitadas e catequizadas. Ou, ainda, insistir em afirmações do tipo “somos os mais sustentáveis do mundo na agricultura”, mesmo que isso fosse verdade. Eu prefiro o caminho de assumir nossos avanços e os nossos problemas com mais modéstia, encarando, sem subterfúgios, o diálogo com quem pensa de forma diferente, principalmente no exterior.

Aliás, pensar diferente não deveria ser um problema. Empresas que atuam junto aos produtores entendem melhor a realidade agrícola do que as que atuam na ponta do consumidor. No universo heterogêneo das ONGs, há várias delas que trabalham há anos com produtores rurais brasileiros e têm feito defesas impecáveis da sustentabilidade da nossa agricultura no exterior. Governos europeus criticam o Brasil nessa área muito mais do que governos asiáticos, mas são estes últimos que respondem por dois terços do que exportamos hoje e com quem mais temos de dialogar.

Em suma, o Brasil não deveria tomar posição contra o restante do mundo no tema ambiental. Ao contrário, é preciso formar alianças estratégicas em diversos níveis, reconhecer os problemas existentes, enfrentar perguntas difíceis, ampliar o diálogo e receber elogios dos outros, e não próprios.

continua após a publicidade

Ao mesmo tempo, o setor privado do agro brasileiro precisa abraçar o combate ao desmatamento ilegal no Brasil, atacando a necessidade de regularização fundiária com critérios sólidos, condição básica para a punição dos abusos.

Na agenda internacional, o Brasil deveria liderar um esforço global para discutir como alimentar quase 10 bilhões de pessoas em 2050, metade delas vivendo na África e no subcontinente indiano. O modelo agrícola atual desses países claramente não permite solucionar o seu gap potencial entre oferta e demanda agrícola.

A melhor solução de longo prazo para mitigar as mudanças do clima é o menor uso de recursos naturais, que em última instância se traduz por aumento da produtividade. Os ambientalistas afirmam que o agro não enxerga que o desmatamento vai prejudicar a própria agricultura no longo prazo. Os agricultores dizem que os ambientalistas não entendem que o Brasil é um dos únicos lugares do mundo capazes de produzir duas a três safras por ano e que o mundo precisará do nosso modelo produtivo tropical para se alimentar. Ambos estão corretos, mas faltam confiança e cooperação.

continua após a publicidade

Hoje há vários observatórios do clima e do uso da terra no mundo. Mas faltam observatórios da agricultura, que tragam respostas concretas para o gap potencial entre oferta e demanda de alimentos no longo prazo. Essa é uma questão que certamente envolve a agenda do clima, mas também envolve demografia, renda per capita, urbanização, modelos de produção e organização de cadeias de suprimentos. Envolve, portanto, o conceito de sustentabilidade nos seus pilares econômico, ambiental e social. Se houvesse maior diálogo entre esses observatórios, com certeza diminuiríamos a intolerância e a surdez que imperam no nosso mundo hiperconectado.

* MARCOS SAWAYA JANK É PROFESSOR DE AGRONEGÓCIO GLOBAL DO INSPER; TITULAR DA CÁTEDRA LUIZ DE QUEIROZ DA ESALQ-USP. E-MAIL: MARCOS.JANK@INSPER.EDU.BR

Os dois setores da economia brasileira com maior visibilidade global são a agricultura e o meio ambiente. O protagonismo da agricultura brasileira se dá no comércio global de commodities agropecuárias.

Nossa oferta agrícola é concentrada em produtos (cerca de uma dezena), mas diversificada em destinos, atingindo mais de 200 países e cumprindo papel crucial na segurança alimentar do planeta. Porém, fora do universo da oferta agrícola, pouca gente conhece o agro brasileiro e, no geral, o vê com desconfiança.

Já o meio ambiente brasileiro tem ampla visibilidade no mundo, principalmente por conta das preocupações com biomas sensíveis como a Amazônia e o Pantanal. Aqui o Brasil é reconhecido como potência ambiental, mas atacado pela quantidade de queimadas e desmatamentos – e seu impacto na mudança do clima –, além de invasões de terras indígenas e devolutas, do crescimento de monoculturas como soja e outros supostos males.

Enquanto a opinião global sobre o agro brasileiro é restrita e localizada, no caso do meio ambiente ela é ampla e generalizada. Sabemos que boa parte das críticas negativas tem mais que ver com “percepções” do que com “fatos”, a exemplo do cenário apocalíptico que foi disseminado após as queimadas do ano passado. Mas é fato que o assunto tomou conta da opinião pública internacional e hoje está solidamente presente nos organismos multilaterais, no discurso de governos e nas escolas de ensino fundamental de todo o mundo.

Nos últimos tempos o tema ambiental também entrou de vez na agenda das grandes empresas e do sistema financeiro internacional, como vimos na última reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos. E o Brasil perdeu protagonismo na agenda da sustentabilidade, após duas décadas de avanços importantes na redução do desmatamento, de compromissos com o clima e de diversificação para energias renováveis.

Infelizmente, o que temos realmente visto no nosso mundo hiperconectado é um debate de surdos do tipo “nós contra eles”, decorrente de hoje participarmos de redes sociais formadas por pessoas que basicamente pensam como a gente.

Nesse sentido me parece um equívoco insistir no autoelogio para plateias limitadas e catequizadas. Ou, ainda, insistir em afirmações do tipo “somos os mais sustentáveis do mundo na agricultura”, mesmo que isso fosse verdade. Eu prefiro o caminho de assumir nossos avanços e os nossos problemas com mais modéstia, encarando, sem subterfúgios, o diálogo com quem pensa de forma diferente, principalmente no exterior.

Aliás, pensar diferente não deveria ser um problema. Empresas que atuam junto aos produtores entendem melhor a realidade agrícola do que as que atuam na ponta do consumidor. No universo heterogêneo das ONGs, há várias delas que trabalham há anos com produtores rurais brasileiros e têm feito defesas impecáveis da sustentabilidade da nossa agricultura no exterior. Governos europeus criticam o Brasil nessa área muito mais do que governos asiáticos, mas são estes últimos que respondem por dois terços do que exportamos hoje e com quem mais temos de dialogar.

Em suma, o Brasil não deveria tomar posição contra o restante do mundo no tema ambiental. Ao contrário, é preciso formar alianças estratégicas em diversos níveis, reconhecer os problemas existentes, enfrentar perguntas difíceis, ampliar o diálogo e receber elogios dos outros, e não próprios.

Ao mesmo tempo, o setor privado do agro brasileiro precisa abraçar o combate ao desmatamento ilegal no Brasil, atacando a necessidade de regularização fundiária com critérios sólidos, condição básica para a punição dos abusos.

Na agenda internacional, o Brasil deveria liderar um esforço global para discutir como alimentar quase 10 bilhões de pessoas em 2050, metade delas vivendo na África e no subcontinente indiano. O modelo agrícola atual desses países claramente não permite solucionar o seu gap potencial entre oferta e demanda agrícola.

A melhor solução de longo prazo para mitigar as mudanças do clima é o menor uso de recursos naturais, que em última instância se traduz por aumento da produtividade. Os ambientalistas afirmam que o agro não enxerga que o desmatamento vai prejudicar a própria agricultura no longo prazo. Os agricultores dizem que os ambientalistas não entendem que o Brasil é um dos únicos lugares do mundo capazes de produzir duas a três safras por ano e que o mundo precisará do nosso modelo produtivo tropical para se alimentar. Ambos estão corretos, mas faltam confiança e cooperação.

Hoje há vários observatórios do clima e do uso da terra no mundo. Mas faltam observatórios da agricultura, que tragam respostas concretas para o gap potencial entre oferta e demanda de alimentos no longo prazo. Essa é uma questão que certamente envolve a agenda do clima, mas também envolve demografia, renda per capita, urbanização, modelos de produção e organização de cadeias de suprimentos. Envolve, portanto, o conceito de sustentabilidade nos seus pilares econômico, ambiental e social. Se houvesse maior diálogo entre esses observatórios, com certeza diminuiríamos a intolerância e a surdez que imperam no nosso mundo hiperconectado.

* MARCOS SAWAYA JANK É PROFESSOR DE AGRONEGÓCIO GLOBAL DO INSPER; TITULAR DA CÁTEDRA LUIZ DE QUEIROZ DA ESALQ-USP. E-MAIL: MARCOS.JANK@INSPER.EDU.BR

Os dois setores da economia brasileira com maior visibilidade global são a agricultura e o meio ambiente. O protagonismo da agricultura brasileira se dá no comércio global de commodities agropecuárias.

Nossa oferta agrícola é concentrada em produtos (cerca de uma dezena), mas diversificada em destinos, atingindo mais de 200 países e cumprindo papel crucial na segurança alimentar do planeta. Porém, fora do universo da oferta agrícola, pouca gente conhece o agro brasileiro e, no geral, o vê com desconfiança.

Já o meio ambiente brasileiro tem ampla visibilidade no mundo, principalmente por conta das preocupações com biomas sensíveis como a Amazônia e o Pantanal. Aqui o Brasil é reconhecido como potência ambiental, mas atacado pela quantidade de queimadas e desmatamentos – e seu impacto na mudança do clima –, além de invasões de terras indígenas e devolutas, do crescimento de monoculturas como soja e outros supostos males.

Enquanto a opinião global sobre o agro brasileiro é restrita e localizada, no caso do meio ambiente ela é ampla e generalizada. Sabemos que boa parte das críticas negativas tem mais que ver com “percepções” do que com “fatos”, a exemplo do cenário apocalíptico que foi disseminado após as queimadas do ano passado. Mas é fato que o assunto tomou conta da opinião pública internacional e hoje está solidamente presente nos organismos multilaterais, no discurso de governos e nas escolas de ensino fundamental de todo o mundo.

Nos últimos tempos o tema ambiental também entrou de vez na agenda das grandes empresas e do sistema financeiro internacional, como vimos na última reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos. E o Brasil perdeu protagonismo na agenda da sustentabilidade, após duas décadas de avanços importantes na redução do desmatamento, de compromissos com o clima e de diversificação para energias renováveis.

Infelizmente, o que temos realmente visto no nosso mundo hiperconectado é um debate de surdos do tipo “nós contra eles”, decorrente de hoje participarmos de redes sociais formadas por pessoas que basicamente pensam como a gente.

Nesse sentido me parece um equívoco insistir no autoelogio para plateias limitadas e catequizadas. Ou, ainda, insistir em afirmações do tipo “somos os mais sustentáveis do mundo na agricultura”, mesmo que isso fosse verdade. Eu prefiro o caminho de assumir nossos avanços e os nossos problemas com mais modéstia, encarando, sem subterfúgios, o diálogo com quem pensa de forma diferente, principalmente no exterior.

Aliás, pensar diferente não deveria ser um problema. Empresas que atuam junto aos produtores entendem melhor a realidade agrícola do que as que atuam na ponta do consumidor. No universo heterogêneo das ONGs, há várias delas que trabalham há anos com produtores rurais brasileiros e têm feito defesas impecáveis da sustentabilidade da nossa agricultura no exterior. Governos europeus criticam o Brasil nessa área muito mais do que governos asiáticos, mas são estes últimos que respondem por dois terços do que exportamos hoje e com quem mais temos de dialogar.

Em suma, o Brasil não deveria tomar posição contra o restante do mundo no tema ambiental. Ao contrário, é preciso formar alianças estratégicas em diversos níveis, reconhecer os problemas existentes, enfrentar perguntas difíceis, ampliar o diálogo e receber elogios dos outros, e não próprios.

Ao mesmo tempo, o setor privado do agro brasileiro precisa abraçar o combate ao desmatamento ilegal no Brasil, atacando a necessidade de regularização fundiária com critérios sólidos, condição básica para a punição dos abusos.

Na agenda internacional, o Brasil deveria liderar um esforço global para discutir como alimentar quase 10 bilhões de pessoas em 2050, metade delas vivendo na África e no subcontinente indiano. O modelo agrícola atual desses países claramente não permite solucionar o seu gap potencial entre oferta e demanda agrícola.

A melhor solução de longo prazo para mitigar as mudanças do clima é o menor uso de recursos naturais, que em última instância se traduz por aumento da produtividade. Os ambientalistas afirmam que o agro não enxerga que o desmatamento vai prejudicar a própria agricultura no longo prazo. Os agricultores dizem que os ambientalistas não entendem que o Brasil é um dos únicos lugares do mundo capazes de produzir duas a três safras por ano e que o mundo precisará do nosso modelo produtivo tropical para se alimentar. Ambos estão corretos, mas faltam confiança e cooperação.

Hoje há vários observatórios do clima e do uso da terra no mundo. Mas faltam observatórios da agricultura, que tragam respostas concretas para o gap potencial entre oferta e demanda de alimentos no longo prazo. Essa é uma questão que certamente envolve a agenda do clima, mas também envolve demografia, renda per capita, urbanização, modelos de produção e organização de cadeias de suprimentos. Envolve, portanto, o conceito de sustentabilidade nos seus pilares econômico, ambiental e social. Se houvesse maior diálogo entre esses observatórios, com certeza diminuiríamos a intolerância e a surdez que imperam no nosso mundo hiperconectado.

* MARCOS SAWAYA JANK É PROFESSOR DE AGRONEGÓCIO GLOBAL DO INSPER; TITULAR DA CÁTEDRA LUIZ DE QUEIROZ DA ESALQ-USP. E-MAIL: MARCOS.JANK@INSPER.EDU.BR

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.