Opinião|O efeito Macri


Por Sergio Amaral

A vitória de Mauricio Macri trará modificações profundas na Argentina, tanto no plano interno quanto no internacional. Na verdade, os programas de governo anunciados por Macri e por Daniel Scioli durante a campanha se assemelham. O que os distingue estará provavelmente na determinação da coligação Cambiemos de respeitar a democracia, a liberdade de imprensa e os direitos humanos. E em abrir a economia, reduzir a intervenção do Estado, dar mais autonomia ao Banco Central, restaurar a credibilidade das estatísticas, liberar o câmbio e os preços.

No plano externo, a negociação com os credores e a liberalização do comércio preparam o caminho para a reintegração da Argentina à economia mundial, com repercussões positivas para as relações com o Brasil, mediante a progressiva retirada das restrições às importações e dos impostos e registros de exportação. Macri tem sido claro no seu propósito de dar prioridade às relações com o Brasil e de concluir as negociações do Mercosul com a União Europeia, no âmbito de uma reorientação das relações diplomáticas em favor dos Estados Unidos e da Europa.

Na América do Sul a mudança promete ser maior. Segundo alguns de seus colaboradores próximos, Macri promoverá a ampliação das relações com a Aliança do Pacífico, em detrimento dos laços que Cristina Kirchner manteve com a Aliança Bolivariana. No caso da Venezuela, a diferença seria ainda mais nítida, pois o presidente eleito estaria disposto a invocar a cláusula democrática do Mercosul na hipótese de fraude nas próximas eleições venezuelanas.

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Como ficam as relações com o Brasil e com o Mercosul após a vitória da Cambiemos? Existe uma oportunidade e um desafio. A oportunidade está na expectativa de que Brasil e Argentina logrem acertar o passo de suas políticas macroeconômicas e forjar uma visão convergente sobre o Mercosul, de modo a recolocar o grupo sub-regional nas bases em que foi concebido, ou seja, uma integração de democracias e de economias mercado, e ser um dos motores da integração regional sul-americana.

Nos últimos anos a Argentina tem sido percebida por diferentes setores da sociedade e do próprio governo brasileiros, com certa razão, como um entrave ao avanço do Mercosul. A partir da eleição do último domingo, a Argentina deverá mudar, de modo compatível com o fortalecimento do grupo sub-regional.

O desafio está em saber se o Brasil estará preparado para acompanhar a Argentina nessas transformações ou se passará a representar um óbice à reestruturação do Mercosul. Como vislumbrar uma coordenação de políticas econômicas se o Brasil nem sequer consegue adotar as medidas para a restauração do equilíbrio fiscal e para a redução dos custos de produção? Em vez de mais sincronia entre nossas economias, corremos o risco de assistir a uma inversão de papéis: a Argentina tomará a dianteira, enquanto o Brasil relutará em seguir atrás.

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Será difícil ressuscitar a negociação com a União Europeia. Depois de muito esperar que o Mercosul apresentasse uma lista comum de ofertas, Bruxelas voltou seus interesses e seu esforço negociador para um desafio maior: a negociação da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP em inglês). Estaria agora, com a eleição de Macri, disposta a retomar a negociação com o Mercosul? Esperemos que sim.

Se o acordo com a União Europeia talvez volte a ser viável, uma negociação com a Aliança do Pacífico parece distante. Não se trata de discutir acordos bilaterais de livre-comércio entre países da costa do Atlântico e do Pacífico. Isso, na pratica, já existe há vários anos. A Aliança do Pacífico é mais do que isso. Não visa apenas à eliminação de barreiras na fronteira, mas à progressiva harmonização de políticas econômicas em vários setores, como comércio, investimento, indústria e propriedade intelectual, para promover maior integração entre as economias e prepará-las, como fez, para um passo mais ambicioso, a Parceria Transpacífica (TPP) para o comércio, assinada recentemente. Com as mudanças que Macri tenciona introduzir na economia, é possível que a Argentina se capacite para caminhar nessa direção. No momento, o Brasil dificilmente terá condições para fazê-lo. Não consegue enxergar além da crise em que se encontra para poder cogitar de objetivos mais ambiciosos para a integração de sua indústria às grandes cadeias produtivas, uma precondição para agregar mais valor aos produtos de exportação.

O enunciado das medidas propostas pela coligação Cambiemos não pode ignorar as dificuldades para implantar um programa econômico dessa magnitude. A primeira delas está na fragilidade da própria coligação e de sua representação no Congresso. A segunda estará nos riscos da transição e da simultaneidade das medidas de impacto sobre a economia.

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De todo modo, a eleição de Mauricio Macri é mais do que uma mudança de governo. Será possivelmente o ajustamento do projeto nacional argentino às novas realidades do mundo contemporâneo e uma resposta ao fracasso das políticas econômicas do kirchnerismo e a iniciativas no campo externo que levaram ao isolamento da Argentina. Nesse sentido, poderá ter um efeito positivo para a renovação das relações com o Brasil, na reconstrução do Mercosul e na busca de uma convergência, em vez de divisão, na América do Sul.

Esta é uma oportunidade e, ao mesmo tempo, um dilema para o Brasil. De que lado queremos estar? Do lado da renovação do Mercosul, juntamente com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, buscando construir mais convergências com a Aliança do Pacífico? Exercer uma liderança que nossos vizinhos esperam de nós, ou nos resignarmos ao isolamento em nossa própria região, na companhia da Venezuela de Nicolás Maduro?

* SERGIO AMARAL É DIPLOMATA, FOI MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR

A vitória de Mauricio Macri trará modificações profundas na Argentina, tanto no plano interno quanto no internacional. Na verdade, os programas de governo anunciados por Macri e por Daniel Scioli durante a campanha se assemelham. O que os distingue estará provavelmente na determinação da coligação Cambiemos de respeitar a democracia, a liberdade de imprensa e os direitos humanos. E em abrir a economia, reduzir a intervenção do Estado, dar mais autonomia ao Banco Central, restaurar a credibilidade das estatísticas, liberar o câmbio e os preços.

No plano externo, a negociação com os credores e a liberalização do comércio preparam o caminho para a reintegração da Argentina à economia mundial, com repercussões positivas para as relações com o Brasil, mediante a progressiva retirada das restrições às importações e dos impostos e registros de exportação. Macri tem sido claro no seu propósito de dar prioridade às relações com o Brasil e de concluir as negociações do Mercosul com a União Europeia, no âmbito de uma reorientação das relações diplomáticas em favor dos Estados Unidos e da Europa.

Na América do Sul a mudança promete ser maior. Segundo alguns de seus colaboradores próximos, Macri promoverá a ampliação das relações com a Aliança do Pacífico, em detrimento dos laços que Cristina Kirchner manteve com a Aliança Bolivariana. No caso da Venezuela, a diferença seria ainda mais nítida, pois o presidente eleito estaria disposto a invocar a cláusula democrática do Mercosul na hipótese de fraude nas próximas eleições venezuelanas.

Como ficam as relações com o Brasil e com o Mercosul após a vitória da Cambiemos? Existe uma oportunidade e um desafio. A oportunidade está na expectativa de que Brasil e Argentina logrem acertar o passo de suas políticas macroeconômicas e forjar uma visão convergente sobre o Mercosul, de modo a recolocar o grupo sub-regional nas bases em que foi concebido, ou seja, uma integração de democracias e de economias mercado, e ser um dos motores da integração regional sul-americana.

Nos últimos anos a Argentina tem sido percebida por diferentes setores da sociedade e do próprio governo brasileiros, com certa razão, como um entrave ao avanço do Mercosul. A partir da eleição do último domingo, a Argentina deverá mudar, de modo compatível com o fortalecimento do grupo sub-regional.

O desafio está em saber se o Brasil estará preparado para acompanhar a Argentina nessas transformações ou se passará a representar um óbice à reestruturação do Mercosul. Como vislumbrar uma coordenação de políticas econômicas se o Brasil nem sequer consegue adotar as medidas para a restauração do equilíbrio fiscal e para a redução dos custos de produção? Em vez de mais sincronia entre nossas economias, corremos o risco de assistir a uma inversão de papéis: a Argentina tomará a dianteira, enquanto o Brasil relutará em seguir atrás.

Será difícil ressuscitar a negociação com a União Europeia. Depois de muito esperar que o Mercosul apresentasse uma lista comum de ofertas, Bruxelas voltou seus interesses e seu esforço negociador para um desafio maior: a negociação da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP em inglês). Estaria agora, com a eleição de Macri, disposta a retomar a negociação com o Mercosul? Esperemos que sim.

Se o acordo com a União Europeia talvez volte a ser viável, uma negociação com a Aliança do Pacífico parece distante. Não se trata de discutir acordos bilaterais de livre-comércio entre países da costa do Atlântico e do Pacífico. Isso, na pratica, já existe há vários anos. A Aliança do Pacífico é mais do que isso. Não visa apenas à eliminação de barreiras na fronteira, mas à progressiva harmonização de políticas econômicas em vários setores, como comércio, investimento, indústria e propriedade intelectual, para promover maior integração entre as economias e prepará-las, como fez, para um passo mais ambicioso, a Parceria Transpacífica (TPP) para o comércio, assinada recentemente. Com as mudanças que Macri tenciona introduzir na economia, é possível que a Argentina se capacite para caminhar nessa direção. No momento, o Brasil dificilmente terá condições para fazê-lo. Não consegue enxergar além da crise em que se encontra para poder cogitar de objetivos mais ambiciosos para a integração de sua indústria às grandes cadeias produtivas, uma precondição para agregar mais valor aos produtos de exportação.

O enunciado das medidas propostas pela coligação Cambiemos não pode ignorar as dificuldades para implantar um programa econômico dessa magnitude. A primeira delas está na fragilidade da própria coligação e de sua representação no Congresso. A segunda estará nos riscos da transição e da simultaneidade das medidas de impacto sobre a economia.

De todo modo, a eleição de Mauricio Macri é mais do que uma mudança de governo. Será possivelmente o ajustamento do projeto nacional argentino às novas realidades do mundo contemporâneo e uma resposta ao fracasso das políticas econômicas do kirchnerismo e a iniciativas no campo externo que levaram ao isolamento da Argentina. Nesse sentido, poderá ter um efeito positivo para a renovação das relações com o Brasil, na reconstrução do Mercosul e na busca de uma convergência, em vez de divisão, na América do Sul.

Esta é uma oportunidade e, ao mesmo tempo, um dilema para o Brasil. De que lado queremos estar? Do lado da renovação do Mercosul, juntamente com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, buscando construir mais convergências com a Aliança do Pacífico? Exercer uma liderança que nossos vizinhos esperam de nós, ou nos resignarmos ao isolamento em nossa própria região, na companhia da Venezuela de Nicolás Maduro?

* SERGIO AMARAL É DIPLOMATA, FOI MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR

A vitória de Mauricio Macri trará modificações profundas na Argentina, tanto no plano interno quanto no internacional. Na verdade, os programas de governo anunciados por Macri e por Daniel Scioli durante a campanha se assemelham. O que os distingue estará provavelmente na determinação da coligação Cambiemos de respeitar a democracia, a liberdade de imprensa e os direitos humanos. E em abrir a economia, reduzir a intervenção do Estado, dar mais autonomia ao Banco Central, restaurar a credibilidade das estatísticas, liberar o câmbio e os preços.

No plano externo, a negociação com os credores e a liberalização do comércio preparam o caminho para a reintegração da Argentina à economia mundial, com repercussões positivas para as relações com o Brasil, mediante a progressiva retirada das restrições às importações e dos impostos e registros de exportação. Macri tem sido claro no seu propósito de dar prioridade às relações com o Brasil e de concluir as negociações do Mercosul com a União Europeia, no âmbito de uma reorientação das relações diplomáticas em favor dos Estados Unidos e da Europa.

Na América do Sul a mudança promete ser maior. Segundo alguns de seus colaboradores próximos, Macri promoverá a ampliação das relações com a Aliança do Pacífico, em detrimento dos laços que Cristina Kirchner manteve com a Aliança Bolivariana. No caso da Venezuela, a diferença seria ainda mais nítida, pois o presidente eleito estaria disposto a invocar a cláusula democrática do Mercosul na hipótese de fraude nas próximas eleições venezuelanas.

Como ficam as relações com o Brasil e com o Mercosul após a vitória da Cambiemos? Existe uma oportunidade e um desafio. A oportunidade está na expectativa de que Brasil e Argentina logrem acertar o passo de suas políticas macroeconômicas e forjar uma visão convergente sobre o Mercosul, de modo a recolocar o grupo sub-regional nas bases em que foi concebido, ou seja, uma integração de democracias e de economias mercado, e ser um dos motores da integração regional sul-americana.

Nos últimos anos a Argentina tem sido percebida por diferentes setores da sociedade e do próprio governo brasileiros, com certa razão, como um entrave ao avanço do Mercosul. A partir da eleição do último domingo, a Argentina deverá mudar, de modo compatível com o fortalecimento do grupo sub-regional.

O desafio está em saber se o Brasil estará preparado para acompanhar a Argentina nessas transformações ou se passará a representar um óbice à reestruturação do Mercosul. Como vislumbrar uma coordenação de políticas econômicas se o Brasil nem sequer consegue adotar as medidas para a restauração do equilíbrio fiscal e para a redução dos custos de produção? Em vez de mais sincronia entre nossas economias, corremos o risco de assistir a uma inversão de papéis: a Argentina tomará a dianteira, enquanto o Brasil relutará em seguir atrás.

Será difícil ressuscitar a negociação com a União Europeia. Depois de muito esperar que o Mercosul apresentasse uma lista comum de ofertas, Bruxelas voltou seus interesses e seu esforço negociador para um desafio maior: a negociação da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP em inglês). Estaria agora, com a eleição de Macri, disposta a retomar a negociação com o Mercosul? Esperemos que sim.

Se o acordo com a União Europeia talvez volte a ser viável, uma negociação com a Aliança do Pacífico parece distante. Não se trata de discutir acordos bilaterais de livre-comércio entre países da costa do Atlântico e do Pacífico. Isso, na pratica, já existe há vários anos. A Aliança do Pacífico é mais do que isso. Não visa apenas à eliminação de barreiras na fronteira, mas à progressiva harmonização de políticas econômicas em vários setores, como comércio, investimento, indústria e propriedade intelectual, para promover maior integração entre as economias e prepará-las, como fez, para um passo mais ambicioso, a Parceria Transpacífica (TPP) para o comércio, assinada recentemente. Com as mudanças que Macri tenciona introduzir na economia, é possível que a Argentina se capacite para caminhar nessa direção. No momento, o Brasil dificilmente terá condições para fazê-lo. Não consegue enxergar além da crise em que se encontra para poder cogitar de objetivos mais ambiciosos para a integração de sua indústria às grandes cadeias produtivas, uma precondição para agregar mais valor aos produtos de exportação.

O enunciado das medidas propostas pela coligação Cambiemos não pode ignorar as dificuldades para implantar um programa econômico dessa magnitude. A primeira delas está na fragilidade da própria coligação e de sua representação no Congresso. A segunda estará nos riscos da transição e da simultaneidade das medidas de impacto sobre a economia.

De todo modo, a eleição de Mauricio Macri é mais do que uma mudança de governo. Será possivelmente o ajustamento do projeto nacional argentino às novas realidades do mundo contemporâneo e uma resposta ao fracasso das políticas econômicas do kirchnerismo e a iniciativas no campo externo que levaram ao isolamento da Argentina. Nesse sentido, poderá ter um efeito positivo para a renovação das relações com o Brasil, na reconstrução do Mercosul e na busca de uma convergência, em vez de divisão, na América do Sul.

Esta é uma oportunidade e, ao mesmo tempo, um dilema para o Brasil. De que lado queremos estar? Do lado da renovação do Mercosul, juntamente com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, buscando construir mais convergências com a Aliança do Pacífico? Exercer uma liderança que nossos vizinhos esperam de nós, ou nos resignarmos ao isolamento em nossa própria região, na companhia da Venezuela de Nicolás Maduro?

* SERGIO AMARAL É DIPLOMATA, FOI MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR

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