Opinião|O futuro dos portos no novo governo


Descartar desde logo o modelo de concessão de portos e de privatização das companhias docas é realmente uma boa solução?

Por Rafael Wallbach Schwind

O ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França, declarou que não haverá a concessão do Porto de Santos e que as companhias docas continuarão estatais. Já o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o modelo de privatização não está descartado. Houve inclusive uma reunião entre o presidente Lula da Silva e o governador de São Paulo em que o diálogo sobre o tema foi mantido.

Descartar desde logo o modelo de concessão de portos e de privatização das companhias docas é realmente uma boa solução? Para compreender melhor essa problemática, é necessário retroceder no tempo.

O setor portuário no Brasil vem experimentando uma intensificação da participação privada. Desde a Lei de Modernização dos Portos, de 1993, passou-se de um modelo estatizante para uma nova sistemática em que os serviços portuários são desempenhados fundamentalmente pela iniciativa privada.

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Essas empresas prestam serviços de movimentação e armazenagem de cargas nos terminais portuários, que são arrendados por meio de licitação. Já as áreas comuns dos portos (canal de acesso, infraestrutura terrestre e outras) são mantidas pelas companhias docas, que são empresas estatais controladas pela União federal.

Pode-se fazer uma analogia a um shopping center. As lojas de um shopping equivalem aos terminais portuários arrendados à iniciativa privada. São eles que desempenham os serviços portuários. A administradora do shopping (que nessa analogia corresponde à companhia docas) desempenha outro papel, também relevantíssimo, que é a manutenção da estrutura do porto.

Essa sistemática, que foi mantida pela atual Lei dos Portos, de 2013, proporcionou uma verdadeira revolução. Os índices de eficiência e produtividade dos serviços portuários melhoraram de modo marcante em comparação com o modelo que vigorou até meados da década de 1990.

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Entretanto, a mesma melhora não foi observada na gestão dos portos. Problemas na realização de dragagens e filas de espera de alguns dias para a atracação de navios são frequentes.

Essas dificuldades são atribuídas em grande medida à formatação jurídica das companhias docas. Por serem estatais, elas precisam realizar licitação para a contratação de obras e serviços, o que faz com que o ritmo de investimentos a cargo delas não tenha a agilidade ideal.

Outro problema é a demora nas licitações dos próprios terminais portuários. Os arrendamentos à iniciativa privada precisam de licitações que levam anos para acontecer – desde a sua modelagem até a assinatura do contrato. Além disso, os contratos de arrendamento são submetidos ao regime de direito público, mais rígido e sujeito a controles excessivos. O resultado é a existência de diversas áreas ociosas nos portos que deixam de gerar receitas para investimentos nos próprios portos.

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É justamente nesse contexto que se insere o modelo de privatização/concessão. Com a privatização das companhias docas, elas deixam de integrar a estrutura estatal e podem realizar investimentos sem as amarras hoje existentes. Em paralelo, há a concessão do porto à companhia docas privatizada. Passa a caber a ela a concessão de terminais portuários à iniciativa privada – agora por meio de contratos privados, que derivam de procedimentos mais simples e rápidos do que as licitações de contratos públicos hoje existentes.

As vantagens desse modelo decorrem da distribuição eficiente de incentivos. A concessionária do porto amplia suas receitas se for eficiente na gestão. E é mandatório que ela seja eficiente não só porque o poder concedente fiscaliza os seus resultados, mas também porque ela não recebe nenhum centavo do Tesouro.

Apesar do modelo de concessão de portos ser previsto há décadas, apenas o Porto de Vitória foi concedido à iniciativa privada, o que só ocorreu há poucos meses. Nesse breve período, a concessionária daquele porto já divulgou a celebração de novos contratos para exploração de áreas. Trata-se de uma rapidez impensável numa estrutura estatal. Diante disso, já se cogitava empregar o mesmo modelo no Porto de Santos e em outros portos do País.

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O descarte do modelo de concessões de portos é uma opção política possível. A concessão de portos é uma ferramenta cabível, não uma imposição.

Entretanto, existem problemas e dificuldades inegáveis na gestão dos portos públicos. Essa é uma realidade que não pode ser ignorada, e sim enfrentada. Se não for pelo modelo de concessão/privatização, precisará ser por outro. Mas qual?

Diversos países estão passando por uma revolução em seus portos, com ampliações de suas estruturas e a utilização de tecnologia de ponta e inteligência artificial (smart ports). Os portos brasileiros não podem ficar para trás. Há uma demanda por investimentos constantes e crescentes que em princípio não podem ser suportados por recursos estatais nem por uma estrutura amarrada.

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Se a concessão de portos não for o modelo adotado, deve-se propor uma alternativa para resolver os gargalos atuais. Talvez um aprimoramento das concessões. Deixar as coisas como estão não é uma opção válida.

*

DOUTOR E MESTRE EM DIREITO DO ESTADO PELA USP, ESPECIALISTA EM CONTRATOS DE CONCESSÕES, É SÓCIO DO DEPARTAMENTO DE INFRAESTRUTURA DE JUSTEN, PEREIRA, OLIVEIRA & TALAMINI ADVOGADOS

O ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França, declarou que não haverá a concessão do Porto de Santos e que as companhias docas continuarão estatais. Já o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o modelo de privatização não está descartado. Houve inclusive uma reunião entre o presidente Lula da Silva e o governador de São Paulo em que o diálogo sobre o tema foi mantido.

Descartar desde logo o modelo de concessão de portos e de privatização das companhias docas é realmente uma boa solução? Para compreender melhor essa problemática, é necessário retroceder no tempo.

O setor portuário no Brasil vem experimentando uma intensificação da participação privada. Desde a Lei de Modernização dos Portos, de 1993, passou-se de um modelo estatizante para uma nova sistemática em que os serviços portuários são desempenhados fundamentalmente pela iniciativa privada.

Essas empresas prestam serviços de movimentação e armazenagem de cargas nos terminais portuários, que são arrendados por meio de licitação. Já as áreas comuns dos portos (canal de acesso, infraestrutura terrestre e outras) são mantidas pelas companhias docas, que são empresas estatais controladas pela União federal.

Pode-se fazer uma analogia a um shopping center. As lojas de um shopping equivalem aos terminais portuários arrendados à iniciativa privada. São eles que desempenham os serviços portuários. A administradora do shopping (que nessa analogia corresponde à companhia docas) desempenha outro papel, também relevantíssimo, que é a manutenção da estrutura do porto.

Essa sistemática, que foi mantida pela atual Lei dos Portos, de 2013, proporcionou uma verdadeira revolução. Os índices de eficiência e produtividade dos serviços portuários melhoraram de modo marcante em comparação com o modelo que vigorou até meados da década de 1990.

Entretanto, a mesma melhora não foi observada na gestão dos portos. Problemas na realização de dragagens e filas de espera de alguns dias para a atracação de navios são frequentes.

Essas dificuldades são atribuídas em grande medida à formatação jurídica das companhias docas. Por serem estatais, elas precisam realizar licitação para a contratação de obras e serviços, o que faz com que o ritmo de investimentos a cargo delas não tenha a agilidade ideal.

Outro problema é a demora nas licitações dos próprios terminais portuários. Os arrendamentos à iniciativa privada precisam de licitações que levam anos para acontecer – desde a sua modelagem até a assinatura do contrato. Além disso, os contratos de arrendamento são submetidos ao regime de direito público, mais rígido e sujeito a controles excessivos. O resultado é a existência de diversas áreas ociosas nos portos que deixam de gerar receitas para investimentos nos próprios portos.

É justamente nesse contexto que se insere o modelo de privatização/concessão. Com a privatização das companhias docas, elas deixam de integrar a estrutura estatal e podem realizar investimentos sem as amarras hoje existentes. Em paralelo, há a concessão do porto à companhia docas privatizada. Passa a caber a ela a concessão de terminais portuários à iniciativa privada – agora por meio de contratos privados, que derivam de procedimentos mais simples e rápidos do que as licitações de contratos públicos hoje existentes.

As vantagens desse modelo decorrem da distribuição eficiente de incentivos. A concessionária do porto amplia suas receitas se for eficiente na gestão. E é mandatório que ela seja eficiente não só porque o poder concedente fiscaliza os seus resultados, mas também porque ela não recebe nenhum centavo do Tesouro.

Apesar do modelo de concessão de portos ser previsto há décadas, apenas o Porto de Vitória foi concedido à iniciativa privada, o que só ocorreu há poucos meses. Nesse breve período, a concessionária daquele porto já divulgou a celebração de novos contratos para exploração de áreas. Trata-se de uma rapidez impensável numa estrutura estatal. Diante disso, já se cogitava empregar o mesmo modelo no Porto de Santos e em outros portos do País.

O descarte do modelo de concessões de portos é uma opção política possível. A concessão de portos é uma ferramenta cabível, não uma imposição.

Entretanto, existem problemas e dificuldades inegáveis na gestão dos portos públicos. Essa é uma realidade que não pode ser ignorada, e sim enfrentada. Se não for pelo modelo de concessão/privatização, precisará ser por outro. Mas qual?

Diversos países estão passando por uma revolução em seus portos, com ampliações de suas estruturas e a utilização de tecnologia de ponta e inteligência artificial (smart ports). Os portos brasileiros não podem ficar para trás. Há uma demanda por investimentos constantes e crescentes que em princípio não podem ser suportados por recursos estatais nem por uma estrutura amarrada.

Se a concessão de portos não for o modelo adotado, deve-se propor uma alternativa para resolver os gargalos atuais. Talvez um aprimoramento das concessões. Deixar as coisas como estão não é uma opção válida.

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DOUTOR E MESTRE EM DIREITO DO ESTADO PELA USP, ESPECIALISTA EM CONTRATOS DE CONCESSÕES, É SÓCIO DO DEPARTAMENTO DE INFRAESTRUTURA DE JUSTEN, PEREIRA, OLIVEIRA & TALAMINI ADVOGADOS

O ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França, declarou que não haverá a concessão do Porto de Santos e que as companhias docas continuarão estatais. Já o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o modelo de privatização não está descartado. Houve inclusive uma reunião entre o presidente Lula da Silva e o governador de São Paulo em que o diálogo sobre o tema foi mantido.

Descartar desde logo o modelo de concessão de portos e de privatização das companhias docas é realmente uma boa solução? Para compreender melhor essa problemática, é necessário retroceder no tempo.

O setor portuário no Brasil vem experimentando uma intensificação da participação privada. Desde a Lei de Modernização dos Portos, de 1993, passou-se de um modelo estatizante para uma nova sistemática em que os serviços portuários são desempenhados fundamentalmente pela iniciativa privada.

Essas empresas prestam serviços de movimentação e armazenagem de cargas nos terminais portuários, que são arrendados por meio de licitação. Já as áreas comuns dos portos (canal de acesso, infraestrutura terrestre e outras) são mantidas pelas companhias docas, que são empresas estatais controladas pela União federal.

Pode-se fazer uma analogia a um shopping center. As lojas de um shopping equivalem aos terminais portuários arrendados à iniciativa privada. São eles que desempenham os serviços portuários. A administradora do shopping (que nessa analogia corresponde à companhia docas) desempenha outro papel, também relevantíssimo, que é a manutenção da estrutura do porto.

Essa sistemática, que foi mantida pela atual Lei dos Portos, de 2013, proporcionou uma verdadeira revolução. Os índices de eficiência e produtividade dos serviços portuários melhoraram de modo marcante em comparação com o modelo que vigorou até meados da década de 1990.

Entretanto, a mesma melhora não foi observada na gestão dos portos. Problemas na realização de dragagens e filas de espera de alguns dias para a atracação de navios são frequentes.

Essas dificuldades são atribuídas em grande medida à formatação jurídica das companhias docas. Por serem estatais, elas precisam realizar licitação para a contratação de obras e serviços, o que faz com que o ritmo de investimentos a cargo delas não tenha a agilidade ideal.

Outro problema é a demora nas licitações dos próprios terminais portuários. Os arrendamentos à iniciativa privada precisam de licitações que levam anos para acontecer – desde a sua modelagem até a assinatura do contrato. Além disso, os contratos de arrendamento são submetidos ao regime de direito público, mais rígido e sujeito a controles excessivos. O resultado é a existência de diversas áreas ociosas nos portos que deixam de gerar receitas para investimentos nos próprios portos.

É justamente nesse contexto que se insere o modelo de privatização/concessão. Com a privatização das companhias docas, elas deixam de integrar a estrutura estatal e podem realizar investimentos sem as amarras hoje existentes. Em paralelo, há a concessão do porto à companhia docas privatizada. Passa a caber a ela a concessão de terminais portuários à iniciativa privada – agora por meio de contratos privados, que derivam de procedimentos mais simples e rápidos do que as licitações de contratos públicos hoje existentes.

As vantagens desse modelo decorrem da distribuição eficiente de incentivos. A concessionária do porto amplia suas receitas se for eficiente na gestão. E é mandatório que ela seja eficiente não só porque o poder concedente fiscaliza os seus resultados, mas também porque ela não recebe nenhum centavo do Tesouro.

Apesar do modelo de concessão de portos ser previsto há décadas, apenas o Porto de Vitória foi concedido à iniciativa privada, o que só ocorreu há poucos meses. Nesse breve período, a concessionária daquele porto já divulgou a celebração de novos contratos para exploração de áreas. Trata-se de uma rapidez impensável numa estrutura estatal. Diante disso, já se cogitava empregar o mesmo modelo no Porto de Santos e em outros portos do País.

O descarte do modelo de concessões de portos é uma opção política possível. A concessão de portos é uma ferramenta cabível, não uma imposição.

Entretanto, existem problemas e dificuldades inegáveis na gestão dos portos públicos. Essa é uma realidade que não pode ser ignorada, e sim enfrentada. Se não for pelo modelo de concessão/privatização, precisará ser por outro. Mas qual?

Diversos países estão passando por uma revolução em seus portos, com ampliações de suas estruturas e a utilização de tecnologia de ponta e inteligência artificial (smart ports). Os portos brasileiros não podem ficar para trás. Há uma demanda por investimentos constantes e crescentes que em princípio não podem ser suportados por recursos estatais nem por uma estrutura amarrada.

Se a concessão de portos não for o modelo adotado, deve-se propor uma alternativa para resolver os gargalos atuais. Talvez um aprimoramento das concessões. Deixar as coisas como estão não é uma opção válida.

*

DOUTOR E MESTRE EM DIREITO DO ESTADO PELA USP, ESPECIALISTA EM CONTRATOS DE CONCESSÕES, É SÓCIO DO DEPARTAMENTO DE INFRAESTRUTURA DE JUSTEN, PEREIRA, OLIVEIRA & TALAMINI ADVOGADOS

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