A área de modelagem matemática e computacional desenvolve modelos usando matemática e algoritmos para buscar uma compreensão melhor de sistemas e fenômenos que nos cercam. As aplicações são das mais variadas. O desenvolvimento de novas aeronaves, a automatização de diagnósticos médicos, a previsão do tempo ou do mercado financeiro. Dependendo do objetivo do modelo, algumas técnicas são mais adequadas do que outras e, quando muito usadas, tendemos a agrupá-las em classes. Vou falar sobre duas delas: modelos empíricos ou baseados em dados e modelos mecanicistas ou baseados em conceitos.
A primeira classe tenta responder a uma pergunta usando apenas os dados coletados do sistema ou fenômeno de interesse. Por exemplo, para saber se vai chover amanhã, poderíamos usar os dados históricos de chuva para calcular essa probabilidade. Além da estatística, a inteligência artificial (IA) também é muito usada para a geração de modelos empíricos ou baseados em dados, como no caso de modelos de IA geradores de textos ou imagens. No caso de textos, por exemplo, eles são treinados com bilhões de textos humanos, em diferentes linguagens, incluindo a matemática, e têm o objetivo de gerar outros textos que se assemelhem aos gerados por humanos.
Já os modelos mecanicistas ou baseados em conceitos utilizam mais abstrações. Imagine que estamos no século passado, tentando enviar a primeira espaçonave à Lua. Nunca fizemos isso, mas podemos associar este problema a outros semelhantes. Como o de balística de projéteis ou o de movimento dos corpos celestes. Os conceitos criados para resolver esses problemas, como massa, força da gravidade, aceleração e velocidade, já foram correlacionados no passado via modelos matemáticos ou físicos. Esses mesmos modelos podem ser então adaptados para auxiliar o planejamento do lançamento da espaçonave. Neste processo de modelagem mecanicista, quebramos o sistema em pequenas partes, as peças mecânicas ou os conceitos. Modelamos como cada peça se correlaciona com sua vizinha para, somente então, juntá-las e obter o modelo do sistema como um todo. É um exemplo clássico de dividir para conquistar.
A definição de conceitos e suas relações, expressas via equações matemáticas, nos fornece atalhos cognitivos fascinantes. Os modelos diminuem o trabalho de processamento de dados ao simplificar o problema maior em um conjunto orquestrado de problemas menores. Além disso, há a vantagem de os modelos mecanicistas serem mais sintéticos, compactos, pois aproveitam conceitos e dados anteriores criados ao longo de nossa história. Assim, os modelos mecanicistas são mais facilmente armazenados e transmitidos. Por isso, tendem a ser mais usados. Os conceitos e modelos mecanicistas que criamos armazenam o histórico de nossas conjecturas sobre as observações e o funcionamento de sistemas e fenômenos dos mais diversos.
De certa forma, essas classes de modelos refletem como raciocinamos. O psicólogo e ganhador do Prêmio Nobel Daniel Kahneman, em sua famosa obra Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar, propõe a existência de dois tipos de raciocínio. O primeiro seria rápido e apenas baseado em dados, o que chamamos de intuição. Já o segundo seria mais avançado e mais lento, envolvendo um esforço e controle consciente do processo de raciocínio. Podemos associar a intuição a uma máquina baseada em dados. Já a inteligência avançada seria mais relacionada a modelos mecanicistas, envolvendo o processo de definição de conceitos e a reflexão sobre suas relações.
Um aspecto um tanto curioso é o fato de IAs modernas, que são modelos baseados em dados, conseguirem superar nossa capacidade de raciocínio mais avançada, a qual se assemelha mais ao processo mecanicista. Ou seja, para muitas tarefas, uma máquina baseada em dados, ou intuitiva, supera, ao menos individualmente, o raciocínio lógico humano, ou o homem mecanicista. Mas isso não ocorre em razão de diferenças entre essas duas classes de modelos. O que estamos presenciando é um reflexo da diferença fundamental de velocidade e volume de processamento. Ou seja, a questão não está no software, mas no hardware. Nossa capacidade de processamento é muito inferior à dos computadores atuais.
Mas, se somos tão lentos, como chegamos tão longe? Aqui podemos destacar o pensamento mecanicista, que nos permite amplificar essa humilde capacidade intelectual. Com a criação de conceitos e a divisão de problemas em etapas menores, conseguimos resolver desafios complexos, mesmo que esse processo, por vezes, leve séculos e envolva milhares de pessoas. Mais recentemente, essa ideia tem sido explorada também em modelos de IA. A técnica chamada cadeia de raciocínio (chain of thought) reorganiza o processo como uma sequência de etapas encadeadas. Essa técnica tem se mostrado especialmente útil na solução de problemas complexos de matemática e lógica.
Assim, seja no raciocínio natural ou artificial, conseguimos ampliar a nossa capacidade intelectual quando estruturamos o pensamento de forma mecanicista.