Opinião|O legado de amor de Elisabeth Tenreiro


Temos de repensar os aspectos humanos, e não apenas a eficiência no seio da escola pública

Por Modesto Carvalhosa

Em meio a tantas decepções, temos para celebrar um gesto de grandeza da sociedade civil, da comunidade dos professores e dos governantes, ao prestarem uma homenagem perene à professora Elisabeth Tenreiro, mestra do ensino público, barbaramente assassinada em meio aos seus afazeres de educar e ensinar. Numa cerimônia que contou com a presença do governador Tarcísio de Freitas, do presidente da concessionária CCR, Miguel Setas, e de centenas de professores, atribuiu-se o nome de Elisabeth Tenreiro à estação de Metrô de Vila Sônia. Resgatam-se, dessa forma, as fundamentais lições daquela tragédia. Nela foram essencialmente expostas as profundezas do mal e a grandeza insondável do bem, nas figuras respectivas do monstruoso criminoso juvenil e da frágil e laboriosa mestra de uma escola estadual. O percurso de vida de Elisabeth toca sensivelmente nossa consciência.

Após cumprir toda uma vida profissional voltada à pesquisa em renomada instituição do Estado, resolveu, já sexagenária, submeter-se a concurso de ingresso no magistério, para assim dedicar-se à educação de crianças e adolescentes da rede pública. E, ao escolher o difícil mister do magistério, deu concreção ao seu amor pela humanidade. A decisão de prosseguir trabalhando diretamente com o ser humano na sua formação constituiu um corajoso gesto de amor, que certamente a fez mais forte e mais feliz.

Educar é um gesto contínuo e infindável de amor, numa fusão do aluno e do professor em que a aparente desigualdade de posições – ensinar e aprender – estabelece uma fraternidade que transcende a relação de subordinação para ser o prosseguimento do desvelo, da paciência e da interação.

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Aí está o cerne da educação, tão bem representado por esta mulher extraordinária que foi Elisabeth. E, falando em mulheres, lembro-me das críticas que Hannah Arendt fazia, nos anos 70, aos métodos utilitaristas de ensino que se queria adotar nos Estados Unidos para enfrentar a crise de qualidade que já se instalara no ensino público (e que persiste) naquele país. Lembra a grande filósofa que não adianta implantar o ensino técnico como solução do declínio escolar. O que faltava, na sua aguda observação, era visualizar e tratar o aluno, primordialmente, como ser humano.

A propósito, no magnífico simpósio sobre educação promovido pelo Estadão, neste mês de maio, quantas vezes se utilizou a palavra amor? Seria curioso rastrear na internet o uso desse termo no seio de todas as excelentes intervenções ali manifestadas. Espero que tenha ocorrido muitas vezes, em contraponto à enfadonha linguagem estatística que domina as discussões sobre políticas públicas.

De qualquer forma, temos de repensar os aspectos humanos, e não apenas a eficiência no seio da escola pública. Os milhares de alunos da rede do Estado não podem ser vistos como exército industrial de reserva que se prestará ao crescimento de nosso PIB, mediante a melhoria da produtividade da mão de obra.

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O fenômeno da degradação progressiva da escola pública abrange o mundo todo, inclusive países altamente desenvolvidos. A França, com uma enorme e qualificada produção cultural, na mais recente pesquisa Pirls (Progress in International Reading Literacy Study), se classifica em 23.º lugar no fundamental item de leitura e compreensão, entre 39 países europeus, asiáticos, americanos e da Oceania. E as autoridades francesas estão satisfeitas com essa vexaminosa qualificação, pois vinham descendo no ranking nos últimos 15 anos (Le Monde, 17/5/2023).

Se a crise da escola pública afeta tantas nações, ricas e pobres, não adianta enfatizar o ensino técnico como solução para o fracasso escolar. Agora mesmo o governo francês está propondo a integração de alunos da rede estatal nas escolas privadas, não somente por razões de qualidade pedagógica, mas para diminuir o fosso socioeconômico que divide a população escolar daquele país (Mixité sociale, Le Monde, edição e editorial de 21/5/2023).

O que importa é revalorizar o professor não apenas quanto à sua condição profissional, mas sobretudo repensar os mestres como imbuídos de uma vocação capaz de aproximá-los dos alunos para compartilhar valores sensíveis à sua condição de seres humanos. Paulo Freire lembra que no exercício do magistério o amor é um ato de coragem.

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A função do mestre é, sobretudo, a de fazer desabrochar a consciência de seus alunos, para que encontrem sua dignidade pessoal e seu lugar na sociedade. Educar, e não apenas ensinar. Educar é estar inteiramente presente e disposto a experimentar e manter o convívio dentro e fora da programação escolar. Como Elisabeth, que se havia programado para, naquela fatídica manhã, conciliar os dois estudantes que se haviam defrontado na véspera. Presume-se que muitas vezes tenha ela arbitrado desavenças entre seus alunos. Por isso tudo, Elisabeth poderia responder à crucial demanda de Tchekhov na sua célebre peça O Urso: O que fizemos de nossa vida? Por sua existência de amor, Elisabeth tornou-se uma perene fonte de inspiração para todos os que se dedicam à educação em nosso sofrido país.

*

ADVOGADO

Em meio a tantas decepções, temos para celebrar um gesto de grandeza da sociedade civil, da comunidade dos professores e dos governantes, ao prestarem uma homenagem perene à professora Elisabeth Tenreiro, mestra do ensino público, barbaramente assassinada em meio aos seus afazeres de educar e ensinar. Numa cerimônia que contou com a presença do governador Tarcísio de Freitas, do presidente da concessionária CCR, Miguel Setas, e de centenas de professores, atribuiu-se o nome de Elisabeth Tenreiro à estação de Metrô de Vila Sônia. Resgatam-se, dessa forma, as fundamentais lições daquela tragédia. Nela foram essencialmente expostas as profundezas do mal e a grandeza insondável do bem, nas figuras respectivas do monstruoso criminoso juvenil e da frágil e laboriosa mestra de uma escola estadual. O percurso de vida de Elisabeth toca sensivelmente nossa consciência.

Após cumprir toda uma vida profissional voltada à pesquisa em renomada instituição do Estado, resolveu, já sexagenária, submeter-se a concurso de ingresso no magistério, para assim dedicar-se à educação de crianças e adolescentes da rede pública. E, ao escolher o difícil mister do magistério, deu concreção ao seu amor pela humanidade. A decisão de prosseguir trabalhando diretamente com o ser humano na sua formação constituiu um corajoso gesto de amor, que certamente a fez mais forte e mais feliz.

Educar é um gesto contínuo e infindável de amor, numa fusão do aluno e do professor em que a aparente desigualdade de posições – ensinar e aprender – estabelece uma fraternidade que transcende a relação de subordinação para ser o prosseguimento do desvelo, da paciência e da interação.

Aí está o cerne da educação, tão bem representado por esta mulher extraordinária que foi Elisabeth. E, falando em mulheres, lembro-me das críticas que Hannah Arendt fazia, nos anos 70, aos métodos utilitaristas de ensino que se queria adotar nos Estados Unidos para enfrentar a crise de qualidade que já se instalara no ensino público (e que persiste) naquele país. Lembra a grande filósofa que não adianta implantar o ensino técnico como solução do declínio escolar. O que faltava, na sua aguda observação, era visualizar e tratar o aluno, primordialmente, como ser humano.

A propósito, no magnífico simpósio sobre educação promovido pelo Estadão, neste mês de maio, quantas vezes se utilizou a palavra amor? Seria curioso rastrear na internet o uso desse termo no seio de todas as excelentes intervenções ali manifestadas. Espero que tenha ocorrido muitas vezes, em contraponto à enfadonha linguagem estatística que domina as discussões sobre políticas públicas.

De qualquer forma, temos de repensar os aspectos humanos, e não apenas a eficiência no seio da escola pública. Os milhares de alunos da rede do Estado não podem ser vistos como exército industrial de reserva que se prestará ao crescimento de nosso PIB, mediante a melhoria da produtividade da mão de obra.

O fenômeno da degradação progressiva da escola pública abrange o mundo todo, inclusive países altamente desenvolvidos. A França, com uma enorme e qualificada produção cultural, na mais recente pesquisa Pirls (Progress in International Reading Literacy Study), se classifica em 23.º lugar no fundamental item de leitura e compreensão, entre 39 países europeus, asiáticos, americanos e da Oceania. E as autoridades francesas estão satisfeitas com essa vexaminosa qualificação, pois vinham descendo no ranking nos últimos 15 anos (Le Monde, 17/5/2023).

Se a crise da escola pública afeta tantas nações, ricas e pobres, não adianta enfatizar o ensino técnico como solução para o fracasso escolar. Agora mesmo o governo francês está propondo a integração de alunos da rede estatal nas escolas privadas, não somente por razões de qualidade pedagógica, mas para diminuir o fosso socioeconômico que divide a população escolar daquele país (Mixité sociale, Le Monde, edição e editorial de 21/5/2023).

O que importa é revalorizar o professor não apenas quanto à sua condição profissional, mas sobretudo repensar os mestres como imbuídos de uma vocação capaz de aproximá-los dos alunos para compartilhar valores sensíveis à sua condição de seres humanos. Paulo Freire lembra que no exercício do magistério o amor é um ato de coragem.

A função do mestre é, sobretudo, a de fazer desabrochar a consciência de seus alunos, para que encontrem sua dignidade pessoal e seu lugar na sociedade. Educar, e não apenas ensinar. Educar é estar inteiramente presente e disposto a experimentar e manter o convívio dentro e fora da programação escolar. Como Elisabeth, que se havia programado para, naquela fatídica manhã, conciliar os dois estudantes que se haviam defrontado na véspera. Presume-se que muitas vezes tenha ela arbitrado desavenças entre seus alunos. Por isso tudo, Elisabeth poderia responder à crucial demanda de Tchekhov na sua célebre peça O Urso: O que fizemos de nossa vida? Por sua existência de amor, Elisabeth tornou-se uma perene fonte de inspiração para todos os que se dedicam à educação em nosso sofrido país.

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Em meio a tantas decepções, temos para celebrar um gesto de grandeza da sociedade civil, da comunidade dos professores e dos governantes, ao prestarem uma homenagem perene à professora Elisabeth Tenreiro, mestra do ensino público, barbaramente assassinada em meio aos seus afazeres de educar e ensinar. Numa cerimônia que contou com a presença do governador Tarcísio de Freitas, do presidente da concessionária CCR, Miguel Setas, e de centenas de professores, atribuiu-se o nome de Elisabeth Tenreiro à estação de Metrô de Vila Sônia. Resgatam-se, dessa forma, as fundamentais lições daquela tragédia. Nela foram essencialmente expostas as profundezas do mal e a grandeza insondável do bem, nas figuras respectivas do monstruoso criminoso juvenil e da frágil e laboriosa mestra de uma escola estadual. O percurso de vida de Elisabeth toca sensivelmente nossa consciência.

Após cumprir toda uma vida profissional voltada à pesquisa em renomada instituição do Estado, resolveu, já sexagenária, submeter-se a concurso de ingresso no magistério, para assim dedicar-se à educação de crianças e adolescentes da rede pública. E, ao escolher o difícil mister do magistério, deu concreção ao seu amor pela humanidade. A decisão de prosseguir trabalhando diretamente com o ser humano na sua formação constituiu um corajoso gesto de amor, que certamente a fez mais forte e mais feliz.

Educar é um gesto contínuo e infindável de amor, numa fusão do aluno e do professor em que a aparente desigualdade de posições – ensinar e aprender – estabelece uma fraternidade que transcende a relação de subordinação para ser o prosseguimento do desvelo, da paciência e da interação.

Aí está o cerne da educação, tão bem representado por esta mulher extraordinária que foi Elisabeth. E, falando em mulheres, lembro-me das críticas que Hannah Arendt fazia, nos anos 70, aos métodos utilitaristas de ensino que se queria adotar nos Estados Unidos para enfrentar a crise de qualidade que já se instalara no ensino público (e que persiste) naquele país. Lembra a grande filósofa que não adianta implantar o ensino técnico como solução do declínio escolar. O que faltava, na sua aguda observação, era visualizar e tratar o aluno, primordialmente, como ser humano.

A propósito, no magnífico simpósio sobre educação promovido pelo Estadão, neste mês de maio, quantas vezes se utilizou a palavra amor? Seria curioso rastrear na internet o uso desse termo no seio de todas as excelentes intervenções ali manifestadas. Espero que tenha ocorrido muitas vezes, em contraponto à enfadonha linguagem estatística que domina as discussões sobre políticas públicas.

De qualquer forma, temos de repensar os aspectos humanos, e não apenas a eficiência no seio da escola pública. Os milhares de alunos da rede do Estado não podem ser vistos como exército industrial de reserva que se prestará ao crescimento de nosso PIB, mediante a melhoria da produtividade da mão de obra.

O fenômeno da degradação progressiva da escola pública abrange o mundo todo, inclusive países altamente desenvolvidos. A França, com uma enorme e qualificada produção cultural, na mais recente pesquisa Pirls (Progress in International Reading Literacy Study), se classifica em 23.º lugar no fundamental item de leitura e compreensão, entre 39 países europeus, asiáticos, americanos e da Oceania. E as autoridades francesas estão satisfeitas com essa vexaminosa qualificação, pois vinham descendo no ranking nos últimos 15 anos (Le Monde, 17/5/2023).

Se a crise da escola pública afeta tantas nações, ricas e pobres, não adianta enfatizar o ensino técnico como solução para o fracasso escolar. Agora mesmo o governo francês está propondo a integração de alunos da rede estatal nas escolas privadas, não somente por razões de qualidade pedagógica, mas para diminuir o fosso socioeconômico que divide a população escolar daquele país (Mixité sociale, Le Monde, edição e editorial de 21/5/2023).

O que importa é revalorizar o professor não apenas quanto à sua condição profissional, mas sobretudo repensar os mestres como imbuídos de uma vocação capaz de aproximá-los dos alunos para compartilhar valores sensíveis à sua condição de seres humanos. Paulo Freire lembra que no exercício do magistério o amor é um ato de coragem.

A função do mestre é, sobretudo, a de fazer desabrochar a consciência de seus alunos, para que encontrem sua dignidade pessoal e seu lugar na sociedade. Educar, e não apenas ensinar. Educar é estar inteiramente presente e disposto a experimentar e manter o convívio dentro e fora da programação escolar. Como Elisabeth, que se havia programado para, naquela fatídica manhã, conciliar os dois estudantes que se haviam defrontado na véspera. Presume-se que muitas vezes tenha ela arbitrado desavenças entre seus alunos. Por isso tudo, Elisabeth poderia responder à crucial demanda de Tchekhov na sua célebre peça O Urso: O que fizemos de nossa vida? Por sua existência de amor, Elisabeth tornou-se uma perene fonte de inspiração para todos os que se dedicam à educação em nosso sofrido país.

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Em meio a tantas decepções, temos para celebrar um gesto de grandeza da sociedade civil, da comunidade dos professores e dos governantes, ao prestarem uma homenagem perene à professora Elisabeth Tenreiro, mestra do ensino público, barbaramente assassinada em meio aos seus afazeres de educar e ensinar. Numa cerimônia que contou com a presença do governador Tarcísio de Freitas, do presidente da concessionária CCR, Miguel Setas, e de centenas de professores, atribuiu-se o nome de Elisabeth Tenreiro à estação de Metrô de Vila Sônia. Resgatam-se, dessa forma, as fundamentais lições daquela tragédia. Nela foram essencialmente expostas as profundezas do mal e a grandeza insondável do bem, nas figuras respectivas do monstruoso criminoso juvenil e da frágil e laboriosa mestra de uma escola estadual. O percurso de vida de Elisabeth toca sensivelmente nossa consciência.

Após cumprir toda uma vida profissional voltada à pesquisa em renomada instituição do Estado, resolveu, já sexagenária, submeter-se a concurso de ingresso no magistério, para assim dedicar-se à educação de crianças e adolescentes da rede pública. E, ao escolher o difícil mister do magistério, deu concreção ao seu amor pela humanidade. A decisão de prosseguir trabalhando diretamente com o ser humano na sua formação constituiu um corajoso gesto de amor, que certamente a fez mais forte e mais feliz.

Educar é um gesto contínuo e infindável de amor, numa fusão do aluno e do professor em que a aparente desigualdade de posições – ensinar e aprender – estabelece uma fraternidade que transcende a relação de subordinação para ser o prosseguimento do desvelo, da paciência e da interação.

Aí está o cerne da educação, tão bem representado por esta mulher extraordinária que foi Elisabeth. E, falando em mulheres, lembro-me das críticas que Hannah Arendt fazia, nos anos 70, aos métodos utilitaristas de ensino que se queria adotar nos Estados Unidos para enfrentar a crise de qualidade que já se instalara no ensino público (e que persiste) naquele país. Lembra a grande filósofa que não adianta implantar o ensino técnico como solução do declínio escolar. O que faltava, na sua aguda observação, era visualizar e tratar o aluno, primordialmente, como ser humano.

A propósito, no magnífico simpósio sobre educação promovido pelo Estadão, neste mês de maio, quantas vezes se utilizou a palavra amor? Seria curioso rastrear na internet o uso desse termo no seio de todas as excelentes intervenções ali manifestadas. Espero que tenha ocorrido muitas vezes, em contraponto à enfadonha linguagem estatística que domina as discussões sobre políticas públicas.

De qualquer forma, temos de repensar os aspectos humanos, e não apenas a eficiência no seio da escola pública. Os milhares de alunos da rede do Estado não podem ser vistos como exército industrial de reserva que se prestará ao crescimento de nosso PIB, mediante a melhoria da produtividade da mão de obra.

O fenômeno da degradação progressiva da escola pública abrange o mundo todo, inclusive países altamente desenvolvidos. A França, com uma enorme e qualificada produção cultural, na mais recente pesquisa Pirls (Progress in International Reading Literacy Study), se classifica em 23.º lugar no fundamental item de leitura e compreensão, entre 39 países europeus, asiáticos, americanos e da Oceania. E as autoridades francesas estão satisfeitas com essa vexaminosa qualificação, pois vinham descendo no ranking nos últimos 15 anos (Le Monde, 17/5/2023).

Se a crise da escola pública afeta tantas nações, ricas e pobres, não adianta enfatizar o ensino técnico como solução para o fracasso escolar. Agora mesmo o governo francês está propondo a integração de alunos da rede estatal nas escolas privadas, não somente por razões de qualidade pedagógica, mas para diminuir o fosso socioeconômico que divide a população escolar daquele país (Mixité sociale, Le Monde, edição e editorial de 21/5/2023).

O que importa é revalorizar o professor não apenas quanto à sua condição profissional, mas sobretudo repensar os mestres como imbuídos de uma vocação capaz de aproximá-los dos alunos para compartilhar valores sensíveis à sua condição de seres humanos. Paulo Freire lembra que no exercício do magistério o amor é um ato de coragem.

A função do mestre é, sobretudo, a de fazer desabrochar a consciência de seus alunos, para que encontrem sua dignidade pessoal e seu lugar na sociedade. Educar, e não apenas ensinar. Educar é estar inteiramente presente e disposto a experimentar e manter o convívio dentro e fora da programação escolar. Como Elisabeth, que se havia programado para, naquela fatídica manhã, conciliar os dois estudantes que se haviam defrontado na véspera. Presume-se que muitas vezes tenha ela arbitrado desavenças entre seus alunos. Por isso tudo, Elisabeth poderia responder à crucial demanda de Tchekhov na sua célebre peça O Urso: O que fizemos de nossa vida? Por sua existência de amor, Elisabeth tornou-se uma perene fonte de inspiração para todos os que se dedicam à educação em nosso sofrido país.

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Em meio a tantas decepções, temos para celebrar um gesto de grandeza da sociedade civil, da comunidade dos professores e dos governantes, ao prestarem uma homenagem perene à professora Elisabeth Tenreiro, mestra do ensino público, barbaramente assassinada em meio aos seus afazeres de educar e ensinar. Numa cerimônia que contou com a presença do governador Tarcísio de Freitas, do presidente da concessionária CCR, Miguel Setas, e de centenas de professores, atribuiu-se o nome de Elisabeth Tenreiro à estação de Metrô de Vila Sônia. Resgatam-se, dessa forma, as fundamentais lições daquela tragédia. Nela foram essencialmente expostas as profundezas do mal e a grandeza insondável do bem, nas figuras respectivas do monstruoso criminoso juvenil e da frágil e laboriosa mestra de uma escola estadual. O percurso de vida de Elisabeth toca sensivelmente nossa consciência.

Após cumprir toda uma vida profissional voltada à pesquisa em renomada instituição do Estado, resolveu, já sexagenária, submeter-se a concurso de ingresso no magistério, para assim dedicar-se à educação de crianças e adolescentes da rede pública. E, ao escolher o difícil mister do magistério, deu concreção ao seu amor pela humanidade. A decisão de prosseguir trabalhando diretamente com o ser humano na sua formação constituiu um corajoso gesto de amor, que certamente a fez mais forte e mais feliz.

Educar é um gesto contínuo e infindável de amor, numa fusão do aluno e do professor em que a aparente desigualdade de posições – ensinar e aprender – estabelece uma fraternidade que transcende a relação de subordinação para ser o prosseguimento do desvelo, da paciência e da interação.

Aí está o cerne da educação, tão bem representado por esta mulher extraordinária que foi Elisabeth. E, falando em mulheres, lembro-me das críticas que Hannah Arendt fazia, nos anos 70, aos métodos utilitaristas de ensino que se queria adotar nos Estados Unidos para enfrentar a crise de qualidade que já se instalara no ensino público (e que persiste) naquele país. Lembra a grande filósofa que não adianta implantar o ensino técnico como solução do declínio escolar. O que faltava, na sua aguda observação, era visualizar e tratar o aluno, primordialmente, como ser humano.

A propósito, no magnífico simpósio sobre educação promovido pelo Estadão, neste mês de maio, quantas vezes se utilizou a palavra amor? Seria curioso rastrear na internet o uso desse termo no seio de todas as excelentes intervenções ali manifestadas. Espero que tenha ocorrido muitas vezes, em contraponto à enfadonha linguagem estatística que domina as discussões sobre políticas públicas.

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Se a crise da escola pública afeta tantas nações, ricas e pobres, não adianta enfatizar o ensino técnico como solução para o fracasso escolar. Agora mesmo o governo francês está propondo a integração de alunos da rede estatal nas escolas privadas, não somente por razões de qualidade pedagógica, mas para diminuir o fosso socioeconômico que divide a população escolar daquele país (Mixité sociale, Le Monde, edição e editorial de 21/5/2023).

O que importa é revalorizar o professor não apenas quanto à sua condição profissional, mas sobretudo repensar os mestres como imbuídos de uma vocação capaz de aproximá-los dos alunos para compartilhar valores sensíveis à sua condição de seres humanos. Paulo Freire lembra que no exercício do magistério o amor é um ato de coragem.

A função do mestre é, sobretudo, a de fazer desabrochar a consciência de seus alunos, para que encontrem sua dignidade pessoal e seu lugar na sociedade. Educar, e não apenas ensinar. Educar é estar inteiramente presente e disposto a experimentar e manter o convívio dentro e fora da programação escolar. Como Elisabeth, que se havia programado para, naquela fatídica manhã, conciliar os dois estudantes que se haviam defrontado na véspera. Presume-se que muitas vezes tenha ela arbitrado desavenças entre seus alunos. Por isso tudo, Elisabeth poderia responder à crucial demanda de Tchekhov na sua célebre peça O Urso: O que fizemos de nossa vida? Por sua existência de amor, Elisabeth tornou-se uma perene fonte de inspiração para todos os que se dedicam à educação em nosso sofrido país.

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