Opinião|O problema do Congresso e a ‘PEC das Drogas’


Por que os ministros do STF estão tomando decisões cada vez mais políticas mas sob fundamento de que só estão interpretando a Constituição?

Por Alexandre Frazão
Atualização:

O Poder Legislativo anda às turras com o Supremo Tribunal Federal (STF), por conta da percepção, atualmente clara, da rotineira invasão da esfera política pelo ente judiciário. O embate atual se centra na chamada “PEC das Drogas”, uma tentativa do Congresso de se afirmar sobre o que pretende decidir o STF no Recurso Extraordinário n.º 635.659, em que os ministros estão votando sobre assuntos que já estão regulados na Lei 11.343/2006, há quase 20 anos em vigor, mas que agora tem a sua “constitucionalidade” analisada pela Corte Maior quanto a alguns pontos.

Surpreende-me que esse levante do Congresso tenha demorado tanto tempo para ocorrer, pois desde que frequentei os bancos universitários, e durante os 20 anos seguintes de aprofundamento dos estudos do Direito e de prática profissional na área jurídica, sempre me foi evidente o avanço da jurisprudência do Supremo para invalidar decisões tomadas pelo Poder Legislativo ou para ampliar a própria capacidade de definir políticas públicas com a criação de diversos deveres aos entes estatais, executivos e legislativos, mesmo que inexistentes lei e decisões orçamentárias a respeito.

Parece-me, contudo, que a tardia resposta do Poder Legislativo aborda o problema de forma equivocada, com foco nos efeitos e desconsiderando possíveis causas. O que os congressistas deveriam se perguntar é: por que os ministros estão tomando decisões cada vez mais políticas, mas sempre, claro, sob fundamento de que estão apenas interpretando a Constituição federal? Que fatores influenciam esse agigantamento do papel da Suprema Corte no cenário político-institucional nacional?

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Arrisco-me a dizer que as respostas passam por três fatores principais: a) o incremento, pelo próprio Poder Legislativo, dos poderes e instrumentos do STF de tomar decisões abstratas, ou seja, que não valem apenas para o caso concreto mas que criam regras, teses, a serem seguidas por todos, de forma vinculante – ação típica de um ente com poderes de normatização; b) a forte influência de doutrinas jurídicas de origem alemã sobre a interpretação da Constituição e o controle de constitucionalidade das leis, que em muito empoderam os ministros na concretização – por eles mesmos – de (supostos) direitos decorrentes das elásticas normas constitucionais, sem a intermediação legislativa e executiva, e sem planejamento orçamentário; c) o processo de escolha de ministros das cortes superiores, notadamente do STF, sem um escrutínio mais rígido e técnico a respeito da visão do candidato sobre o papel do Direito na sociedade e suas influências jurídico-políticas de base, especialmente se as respostas à sabatina no Senado – sempre preparadas para agradar os inquiridores – são coerentes com o passado profissional do escolhido e com o perfil público por ele apresentado em sua trajetória.

Ora, sem tocar nesses pontos – entre possíveis outros, que não elenquei aqui –, a irresignação do Poder Legislativo através de novos enunciados normativos, como a PEC das Drogas, será, além de possivelmente disfuncional – como, no caso, prever a criminalização de uma conduta diretamente na Constituição –, inócua. Através de instrumentos como recurso extraordinário com repercussão geral, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), e amparadas em doutrinas, notadamente estrangeiras, que autorizam o STF a dizer que tudo pode ferir um princípio constitucional em alguma medida – e eles são muitos e sobre quase todos os assuntos, dado o caráter prolixo da Carta de 1988 –, as normas criadas pelo Congresso, até mesmo via emendas à Constituição, serão simplesmente declaradas incompatíveis com o texto constitucional e invalidadas, prevalecendo a visão do Judiciário sobre o assunto.

Exemplo claro disso ocorreu recentemente com a Lei n.º 14.784/2023, que trata da desoneração da folha salarial e foi promulgada pelo Congresso após muito debate com o Executivo. A norma foi logo suspensa no STF por uma liminar dada pelo ministro Cristiano Zanin, nos autos da ADI n.º 7.633, a pedido do Poder Executivo, derrotado na seara política.

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Uma forma mais técnica e adequada de o Congresso tratar essa atual celeuma, portanto, seria debater os instrumentos e a forma de exercício do controle de constitucionalidade das leis e demais atos pelo Judiciário previstos na Constituição federal e na legislação (há muitos modelos diversos dos nossos), criar regras que parametrizem melhor a interpretação constitucional e a concretização de (supostos) direitos, notadamente os que exigem recursos orçamentários/financeiros e prestações estatais, bem como realizar com mais rigor o escrutínio dos futuros ministros dos tribunais superiores – não adianta confirmar um indicado com perfil mais político que técnico e com entendimentos já adotados que não se coadunam com a autocontenção das cortes e, depois, reclamar que estas invadem as prerrogativas e competências dos demais Poderes e entes da Nação.

*

BACHAREL EM DIREITO, EX-ASSESSOR JURÍDICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE, É PROMOTOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

O Poder Legislativo anda às turras com o Supremo Tribunal Federal (STF), por conta da percepção, atualmente clara, da rotineira invasão da esfera política pelo ente judiciário. O embate atual se centra na chamada “PEC das Drogas”, uma tentativa do Congresso de se afirmar sobre o que pretende decidir o STF no Recurso Extraordinário n.º 635.659, em que os ministros estão votando sobre assuntos que já estão regulados na Lei 11.343/2006, há quase 20 anos em vigor, mas que agora tem a sua “constitucionalidade” analisada pela Corte Maior quanto a alguns pontos.

Surpreende-me que esse levante do Congresso tenha demorado tanto tempo para ocorrer, pois desde que frequentei os bancos universitários, e durante os 20 anos seguintes de aprofundamento dos estudos do Direito e de prática profissional na área jurídica, sempre me foi evidente o avanço da jurisprudência do Supremo para invalidar decisões tomadas pelo Poder Legislativo ou para ampliar a própria capacidade de definir políticas públicas com a criação de diversos deveres aos entes estatais, executivos e legislativos, mesmo que inexistentes lei e decisões orçamentárias a respeito.

Parece-me, contudo, que a tardia resposta do Poder Legislativo aborda o problema de forma equivocada, com foco nos efeitos e desconsiderando possíveis causas. O que os congressistas deveriam se perguntar é: por que os ministros estão tomando decisões cada vez mais políticas, mas sempre, claro, sob fundamento de que estão apenas interpretando a Constituição federal? Que fatores influenciam esse agigantamento do papel da Suprema Corte no cenário político-institucional nacional?

Arrisco-me a dizer que as respostas passam por três fatores principais: a) o incremento, pelo próprio Poder Legislativo, dos poderes e instrumentos do STF de tomar decisões abstratas, ou seja, que não valem apenas para o caso concreto mas que criam regras, teses, a serem seguidas por todos, de forma vinculante – ação típica de um ente com poderes de normatização; b) a forte influência de doutrinas jurídicas de origem alemã sobre a interpretação da Constituição e o controle de constitucionalidade das leis, que em muito empoderam os ministros na concretização – por eles mesmos – de (supostos) direitos decorrentes das elásticas normas constitucionais, sem a intermediação legislativa e executiva, e sem planejamento orçamentário; c) o processo de escolha de ministros das cortes superiores, notadamente do STF, sem um escrutínio mais rígido e técnico a respeito da visão do candidato sobre o papel do Direito na sociedade e suas influências jurídico-políticas de base, especialmente se as respostas à sabatina no Senado – sempre preparadas para agradar os inquiridores – são coerentes com o passado profissional do escolhido e com o perfil público por ele apresentado em sua trajetória.

Ora, sem tocar nesses pontos – entre possíveis outros, que não elenquei aqui –, a irresignação do Poder Legislativo através de novos enunciados normativos, como a PEC das Drogas, será, além de possivelmente disfuncional – como, no caso, prever a criminalização de uma conduta diretamente na Constituição –, inócua. Através de instrumentos como recurso extraordinário com repercussão geral, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), e amparadas em doutrinas, notadamente estrangeiras, que autorizam o STF a dizer que tudo pode ferir um princípio constitucional em alguma medida – e eles são muitos e sobre quase todos os assuntos, dado o caráter prolixo da Carta de 1988 –, as normas criadas pelo Congresso, até mesmo via emendas à Constituição, serão simplesmente declaradas incompatíveis com o texto constitucional e invalidadas, prevalecendo a visão do Judiciário sobre o assunto.

Exemplo claro disso ocorreu recentemente com a Lei n.º 14.784/2023, que trata da desoneração da folha salarial e foi promulgada pelo Congresso após muito debate com o Executivo. A norma foi logo suspensa no STF por uma liminar dada pelo ministro Cristiano Zanin, nos autos da ADI n.º 7.633, a pedido do Poder Executivo, derrotado na seara política.

Uma forma mais técnica e adequada de o Congresso tratar essa atual celeuma, portanto, seria debater os instrumentos e a forma de exercício do controle de constitucionalidade das leis e demais atos pelo Judiciário previstos na Constituição federal e na legislação (há muitos modelos diversos dos nossos), criar regras que parametrizem melhor a interpretação constitucional e a concretização de (supostos) direitos, notadamente os que exigem recursos orçamentários/financeiros e prestações estatais, bem como realizar com mais rigor o escrutínio dos futuros ministros dos tribunais superiores – não adianta confirmar um indicado com perfil mais político que técnico e com entendimentos já adotados que não se coadunam com a autocontenção das cortes e, depois, reclamar que estas invadem as prerrogativas e competências dos demais Poderes e entes da Nação.

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BACHAREL EM DIREITO, EX-ASSESSOR JURÍDICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE, É PROMOTOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

O Poder Legislativo anda às turras com o Supremo Tribunal Federal (STF), por conta da percepção, atualmente clara, da rotineira invasão da esfera política pelo ente judiciário. O embate atual se centra na chamada “PEC das Drogas”, uma tentativa do Congresso de se afirmar sobre o que pretende decidir o STF no Recurso Extraordinário n.º 635.659, em que os ministros estão votando sobre assuntos que já estão regulados na Lei 11.343/2006, há quase 20 anos em vigor, mas que agora tem a sua “constitucionalidade” analisada pela Corte Maior quanto a alguns pontos.

Surpreende-me que esse levante do Congresso tenha demorado tanto tempo para ocorrer, pois desde que frequentei os bancos universitários, e durante os 20 anos seguintes de aprofundamento dos estudos do Direito e de prática profissional na área jurídica, sempre me foi evidente o avanço da jurisprudência do Supremo para invalidar decisões tomadas pelo Poder Legislativo ou para ampliar a própria capacidade de definir políticas públicas com a criação de diversos deveres aos entes estatais, executivos e legislativos, mesmo que inexistentes lei e decisões orçamentárias a respeito.

Parece-me, contudo, que a tardia resposta do Poder Legislativo aborda o problema de forma equivocada, com foco nos efeitos e desconsiderando possíveis causas. O que os congressistas deveriam se perguntar é: por que os ministros estão tomando decisões cada vez mais políticas, mas sempre, claro, sob fundamento de que estão apenas interpretando a Constituição federal? Que fatores influenciam esse agigantamento do papel da Suprema Corte no cenário político-institucional nacional?

Arrisco-me a dizer que as respostas passam por três fatores principais: a) o incremento, pelo próprio Poder Legislativo, dos poderes e instrumentos do STF de tomar decisões abstratas, ou seja, que não valem apenas para o caso concreto mas que criam regras, teses, a serem seguidas por todos, de forma vinculante – ação típica de um ente com poderes de normatização; b) a forte influência de doutrinas jurídicas de origem alemã sobre a interpretação da Constituição e o controle de constitucionalidade das leis, que em muito empoderam os ministros na concretização – por eles mesmos – de (supostos) direitos decorrentes das elásticas normas constitucionais, sem a intermediação legislativa e executiva, e sem planejamento orçamentário; c) o processo de escolha de ministros das cortes superiores, notadamente do STF, sem um escrutínio mais rígido e técnico a respeito da visão do candidato sobre o papel do Direito na sociedade e suas influências jurídico-políticas de base, especialmente se as respostas à sabatina no Senado – sempre preparadas para agradar os inquiridores – são coerentes com o passado profissional do escolhido e com o perfil público por ele apresentado em sua trajetória.

Ora, sem tocar nesses pontos – entre possíveis outros, que não elenquei aqui –, a irresignação do Poder Legislativo através de novos enunciados normativos, como a PEC das Drogas, será, além de possivelmente disfuncional – como, no caso, prever a criminalização de uma conduta diretamente na Constituição –, inócua. Através de instrumentos como recurso extraordinário com repercussão geral, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), e amparadas em doutrinas, notadamente estrangeiras, que autorizam o STF a dizer que tudo pode ferir um princípio constitucional em alguma medida – e eles são muitos e sobre quase todos os assuntos, dado o caráter prolixo da Carta de 1988 –, as normas criadas pelo Congresso, até mesmo via emendas à Constituição, serão simplesmente declaradas incompatíveis com o texto constitucional e invalidadas, prevalecendo a visão do Judiciário sobre o assunto.

Exemplo claro disso ocorreu recentemente com a Lei n.º 14.784/2023, que trata da desoneração da folha salarial e foi promulgada pelo Congresso após muito debate com o Executivo. A norma foi logo suspensa no STF por uma liminar dada pelo ministro Cristiano Zanin, nos autos da ADI n.º 7.633, a pedido do Poder Executivo, derrotado na seara política.

Uma forma mais técnica e adequada de o Congresso tratar essa atual celeuma, portanto, seria debater os instrumentos e a forma de exercício do controle de constitucionalidade das leis e demais atos pelo Judiciário previstos na Constituição federal e na legislação (há muitos modelos diversos dos nossos), criar regras que parametrizem melhor a interpretação constitucional e a concretização de (supostos) direitos, notadamente os que exigem recursos orçamentários/financeiros e prestações estatais, bem como realizar com mais rigor o escrutínio dos futuros ministros dos tribunais superiores – não adianta confirmar um indicado com perfil mais político que técnico e com entendimentos já adotados que não se coadunam com a autocontenção das cortes e, depois, reclamar que estas invadem as prerrogativas e competências dos demais Poderes e entes da Nação.

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BACHAREL EM DIREITO, EX-ASSESSOR JURÍDICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE, É PROMOTOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

O Poder Legislativo anda às turras com o Supremo Tribunal Federal (STF), por conta da percepção, atualmente clara, da rotineira invasão da esfera política pelo ente judiciário. O embate atual se centra na chamada “PEC das Drogas”, uma tentativa do Congresso de se afirmar sobre o que pretende decidir o STF no Recurso Extraordinário n.º 635.659, em que os ministros estão votando sobre assuntos que já estão regulados na Lei 11.343/2006, há quase 20 anos em vigor, mas que agora tem a sua “constitucionalidade” analisada pela Corte Maior quanto a alguns pontos.

Surpreende-me que esse levante do Congresso tenha demorado tanto tempo para ocorrer, pois desde que frequentei os bancos universitários, e durante os 20 anos seguintes de aprofundamento dos estudos do Direito e de prática profissional na área jurídica, sempre me foi evidente o avanço da jurisprudência do Supremo para invalidar decisões tomadas pelo Poder Legislativo ou para ampliar a própria capacidade de definir políticas públicas com a criação de diversos deveres aos entes estatais, executivos e legislativos, mesmo que inexistentes lei e decisões orçamentárias a respeito.

Parece-me, contudo, que a tardia resposta do Poder Legislativo aborda o problema de forma equivocada, com foco nos efeitos e desconsiderando possíveis causas. O que os congressistas deveriam se perguntar é: por que os ministros estão tomando decisões cada vez mais políticas, mas sempre, claro, sob fundamento de que estão apenas interpretando a Constituição federal? Que fatores influenciam esse agigantamento do papel da Suprema Corte no cenário político-institucional nacional?

Arrisco-me a dizer que as respostas passam por três fatores principais: a) o incremento, pelo próprio Poder Legislativo, dos poderes e instrumentos do STF de tomar decisões abstratas, ou seja, que não valem apenas para o caso concreto mas que criam regras, teses, a serem seguidas por todos, de forma vinculante – ação típica de um ente com poderes de normatização; b) a forte influência de doutrinas jurídicas de origem alemã sobre a interpretação da Constituição e o controle de constitucionalidade das leis, que em muito empoderam os ministros na concretização – por eles mesmos – de (supostos) direitos decorrentes das elásticas normas constitucionais, sem a intermediação legislativa e executiva, e sem planejamento orçamentário; c) o processo de escolha de ministros das cortes superiores, notadamente do STF, sem um escrutínio mais rígido e técnico a respeito da visão do candidato sobre o papel do Direito na sociedade e suas influências jurídico-políticas de base, especialmente se as respostas à sabatina no Senado – sempre preparadas para agradar os inquiridores – são coerentes com o passado profissional do escolhido e com o perfil público por ele apresentado em sua trajetória.

Ora, sem tocar nesses pontos – entre possíveis outros, que não elenquei aqui –, a irresignação do Poder Legislativo através de novos enunciados normativos, como a PEC das Drogas, será, além de possivelmente disfuncional – como, no caso, prever a criminalização de uma conduta diretamente na Constituição –, inócua. Através de instrumentos como recurso extraordinário com repercussão geral, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), e amparadas em doutrinas, notadamente estrangeiras, que autorizam o STF a dizer que tudo pode ferir um princípio constitucional em alguma medida – e eles são muitos e sobre quase todos os assuntos, dado o caráter prolixo da Carta de 1988 –, as normas criadas pelo Congresso, até mesmo via emendas à Constituição, serão simplesmente declaradas incompatíveis com o texto constitucional e invalidadas, prevalecendo a visão do Judiciário sobre o assunto.

Exemplo claro disso ocorreu recentemente com a Lei n.º 14.784/2023, que trata da desoneração da folha salarial e foi promulgada pelo Congresso após muito debate com o Executivo. A norma foi logo suspensa no STF por uma liminar dada pelo ministro Cristiano Zanin, nos autos da ADI n.º 7.633, a pedido do Poder Executivo, derrotado na seara política.

Uma forma mais técnica e adequada de o Congresso tratar essa atual celeuma, portanto, seria debater os instrumentos e a forma de exercício do controle de constitucionalidade das leis e demais atos pelo Judiciário previstos na Constituição federal e na legislação (há muitos modelos diversos dos nossos), criar regras que parametrizem melhor a interpretação constitucional e a concretização de (supostos) direitos, notadamente os que exigem recursos orçamentários/financeiros e prestações estatais, bem como realizar com mais rigor o escrutínio dos futuros ministros dos tribunais superiores – não adianta confirmar um indicado com perfil mais político que técnico e com entendimentos já adotados que não se coadunam com a autocontenção das cortes e, depois, reclamar que estas invadem as prerrogativas e competências dos demais Poderes e entes da Nação.

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BACHAREL EM DIREITO, EX-ASSESSOR JURÍDICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE, É PROMOTOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

O Poder Legislativo anda às turras com o Supremo Tribunal Federal (STF), por conta da percepção, atualmente clara, da rotineira invasão da esfera política pelo ente judiciário. O embate atual se centra na chamada “PEC das Drogas”, uma tentativa do Congresso de se afirmar sobre o que pretende decidir o STF no Recurso Extraordinário n.º 635.659, em que os ministros estão votando sobre assuntos que já estão regulados na Lei 11.343/2006, há quase 20 anos em vigor, mas que agora tem a sua “constitucionalidade” analisada pela Corte Maior quanto a alguns pontos.

Surpreende-me que esse levante do Congresso tenha demorado tanto tempo para ocorrer, pois desde que frequentei os bancos universitários, e durante os 20 anos seguintes de aprofundamento dos estudos do Direito e de prática profissional na área jurídica, sempre me foi evidente o avanço da jurisprudência do Supremo para invalidar decisões tomadas pelo Poder Legislativo ou para ampliar a própria capacidade de definir políticas públicas com a criação de diversos deveres aos entes estatais, executivos e legislativos, mesmo que inexistentes lei e decisões orçamentárias a respeito.

Parece-me, contudo, que a tardia resposta do Poder Legislativo aborda o problema de forma equivocada, com foco nos efeitos e desconsiderando possíveis causas. O que os congressistas deveriam se perguntar é: por que os ministros estão tomando decisões cada vez mais políticas, mas sempre, claro, sob fundamento de que estão apenas interpretando a Constituição federal? Que fatores influenciam esse agigantamento do papel da Suprema Corte no cenário político-institucional nacional?

Arrisco-me a dizer que as respostas passam por três fatores principais: a) o incremento, pelo próprio Poder Legislativo, dos poderes e instrumentos do STF de tomar decisões abstratas, ou seja, que não valem apenas para o caso concreto mas que criam regras, teses, a serem seguidas por todos, de forma vinculante – ação típica de um ente com poderes de normatização; b) a forte influência de doutrinas jurídicas de origem alemã sobre a interpretação da Constituição e o controle de constitucionalidade das leis, que em muito empoderam os ministros na concretização – por eles mesmos – de (supostos) direitos decorrentes das elásticas normas constitucionais, sem a intermediação legislativa e executiva, e sem planejamento orçamentário; c) o processo de escolha de ministros das cortes superiores, notadamente do STF, sem um escrutínio mais rígido e técnico a respeito da visão do candidato sobre o papel do Direito na sociedade e suas influências jurídico-políticas de base, especialmente se as respostas à sabatina no Senado – sempre preparadas para agradar os inquiridores – são coerentes com o passado profissional do escolhido e com o perfil público por ele apresentado em sua trajetória.

Ora, sem tocar nesses pontos – entre possíveis outros, que não elenquei aqui –, a irresignação do Poder Legislativo através de novos enunciados normativos, como a PEC das Drogas, será, além de possivelmente disfuncional – como, no caso, prever a criminalização de uma conduta diretamente na Constituição –, inócua. Através de instrumentos como recurso extraordinário com repercussão geral, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), e amparadas em doutrinas, notadamente estrangeiras, que autorizam o STF a dizer que tudo pode ferir um princípio constitucional em alguma medida – e eles são muitos e sobre quase todos os assuntos, dado o caráter prolixo da Carta de 1988 –, as normas criadas pelo Congresso, até mesmo via emendas à Constituição, serão simplesmente declaradas incompatíveis com o texto constitucional e invalidadas, prevalecendo a visão do Judiciário sobre o assunto.

Exemplo claro disso ocorreu recentemente com a Lei n.º 14.784/2023, que trata da desoneração da folha salarial e foi promulgada pelo Congresso após muito debate com o Executivo. A norma foi logo suspensa no STF por uma liminar dada pelo ministro Cristiano Zanin, nos autos da ADI n.º 7.633, a pedido do Poder Executivo, derrotado na seara política.

Uma forma mais técnica e adequada de o Congresso tratar essa atual celeuma, portanto, seria debater os instrumentos e a forma de exercício do controle de constitucionalidade das leis e demais atos pelo Judiciário previstos na Constituição federal e na legislação (há muitos modelos diversos dos nossos), criar regras que parametrizem melhor a interpretação constitucional e a concretização de (supostos) direitos, notadamente os que exigem recursos orçamentários/financeiros e prestações estatais, bem como realizar com mais rigor o escrutínio dos futuros ministros dos tribunais superiores – não adianta confirmar um indicado com perfil mais político que técnico e com entendimentos já adotados que não se coadunam com a autocontenção das cortes e, depois, reclamar que estas invadem as prerrogativas e competências dos demais Poderes e entes da Nação.

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BACHAREL EM DIREITO, EX-ASSESSOR JURÍDICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE, É PROMOTOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Opinião por Alexandre Frazão

Bacharel em Direito, ex-assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, é promotor de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte

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