Passado pouco mais de um ano do compromisso de garantir incentivos financeiros para os estudantes de ensino médio retornarem às escolas, o programa Pé de Meia aterrissa no chão da escola e na casa dos brasileiros. A promessa foi feita durante as eleições pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em troca do apoio da candidata Simone Tebet no segundo turno das votações.
A lei, sancionada pelo presidente, estipula a criação de um incentivo financeiro-educacional na modalidade de poupança, destinada à permanência e à conclusão escolar de estudantes matriculados no ensino médio público, condicionada a critérios relacionados à efetivação da matrícula, frequência escolar, conclusão e aprovação do ano letivo, participação no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).
A partir de abril deste ano, o pagamento em dinheiro de uma bolsa para permanecer na escola começa a chegar aos estudantes de 14 a 24 anos cadastrados no CadÚnico – obrigatoriedade que vai ao encontro do enfrentamento das desigualdades, ao priorizar os jovens de famílias mais vulneráveis, que são exatamente os mais ameaçados quando o assunto é a garantia do seu direito à educação.
Acertadamente, não é todo estudante que pode ser elegível para o recebimento da bolsa. Em linhas gerais, o Pé de Meia será pago a estudantes que cumprirem todos os requisitos do programa. E estes vão receber R$ 9.200 ao longo dos três anos do ensino médio. Anualmente, um auxílio financeiro de R$ 200 no ato da matrícula será complementado por mais nove parcelas mensais de R$ 200 para cada ano de estudo no ensino médio e um depósito de R$ 1 mil se o jovem concluir o ano letivo aprovado. Na prática, dois terços desse valor podem ser usados assim que recebidos numa conta criada no nome do aluno. Há, ainda, um incentivo extra, de R$ 200, para os concluintes do 3.º ano que fizerem o Enem.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 13 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos (26% do total) não estudavam nem trabalhavam formalmente em 2021. Em algumas situações, faltam condições financeiras mínimas para que estes jovens possam frequentar a escola sem precisarem voltar seus esforços para a tentativa de geração de renda e sobrevivência; em outras, eles não conseguem vislumbrar o que poderão alcançar no futuro por meio da educação básica e do ensino superior. Conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2022, 5,6% da população entre 15 e 17 anos não frequentava a escola nem tinha concluído a educação básica. A adesão ao Enem, considerado a principal porta de entrada para o ensino superior, também ilustra bem essa situação, de tal forma que em 2023 apenas 46,7% dos concluintes de colégios públicos se inscreveram na prova.
Estimular que a juventude volte à escola, de forma atrativa e segura, e garantir condições para sua permanência são requisitos básicos para ressignificar e valorizar o papel do ensino e da aprendizagem, além de contribuir com o combate à evasão e ao abandono escolar – e é sempre importante lembrar que a brutal desigualdade social historicamente presente na sociedade brasileira foi agravada pela pandemia de covid-19, até o momento sem ações do governo federal estruturadas e intencionais para minimizar tais impactos.
O lançamento da política prevê o investimento de recursos financeiros via fundo privado da Caixa Econômica Federal, o que fornece mais uma sinalização de que a educação está na agenda prioritária da atual gestão e de que o ensino médio, etapa nevrálgica da educação básica, passa a receber atenção genuína.
O que é encontrado nas evidências da literatura sobre o tema mostra que a política foi desenhada de maneira bem fundamentada, em observância aos aspectos necessários para que o pagamento aos alunos seja efetivo e apresente bons resultados com o passar do tempo. O documento Incentivos financeiros a estudantes do ensino médio – O que sabemos sobre essa política?, síntese de evidências coordenada pelo D3e – Dados para um Debate Democrático na Educação com apoio do Todos pela Educação, mostra, por exemplo, que é fundamental que o programa tenha metas claras e foco e leve em conta o contexto educacional, social e econômico de cada lugar para gerar benefício.
No entanto, os pesquisadores também chamam a atenção para que a implementação da iniciativa seja monitorada e seus resultados, avaliados, no intuito de definir eventuais ajustes no desenho e garantir que os objetivos estejam sendo alcançados. Ao escolher investir recursos desta forma, o governo está abrindo mão de alocar esse montante em outras iniciativas, e é fundamental acompanhar de perto os reflexos do Pé de Meia de forma sistematizada e analisar os dados com as redes públicas de educação.
Com data de abril para realmente começar a fazer alguma diferença na vida de quem está na escola, em meio ao turbilhão da reforma do ensino médio e das preocupações da vida cotidiana, como no caso de alguns jovens que ajudam a pagar as contas da casa, o programa vai requerer agilidade para funcionar com eficiência. Afinal, não basta só estabelecer incentivos financeiros para o aluno ir à escola. Isso não vai resolver problemas de outras naturezas, como as taxas inadmissíveis de aprendizagem, mensuradas por avaliações externas, como o Pisa e o Saeb.
É importante considerar, também, que qualquer programa ou estratégia isoladamente não possibilita avanços em questões complexas como o acesso e a trajetória de sucesso no ensino médio. Assim, a medida deve estar articulada a outras políticas que contemplem questões essenciais para a etapa, como currículo, a realidade e necessidades das diversas juventudes, a infraestrutura das escolas e a valorização dos professores.
A iniciativa tem tudo para ser promissora. Mas o primeiro ano da gestão atual já passou e restam apenas três anos até o fim do mandato para que a política de governo se torne uma boa e perene política de Estado e ajude a eliminar algumas barreiras para o enfrentamento de outras feridas da educação.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DO CONSELHO DO CENPEC E DIRETOR EXECUTIVO DO D³E - DADOS PARA UM DEBATE DEMOCRÁTICO NA EDUCAÇÃO