Opinião|Ódio na política


A promoção do ideário democrático fica comprometida num ambiente em que o ódio ultrapassa a dimensão individual para se tornar um sentimento aglutinador

Por Marcelo de Azevedo Granato

O escritor russo Anton Tchekhov afirmou que o amor, o respeito e a amizade não unem as pessoas da mesma forma que o ódio comum a alguma coisa. Uma afirmação que soa como um diagnóstico do momento vivido pela política brasileira. Prova recente disso foi a pesquisa realizada por cientistas políticos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade de São Paulo (USP), que concluiu que a filiação partidária tem aumentado no Brasil especialmente por conta da rejeição dos filiados aos adversários do campo político oposto. Cerca de 70% deles consideram, em algum grau, a aversão e o ódio ao rival político como motivos relevantes para aderir a uma legenda.

Realizada nos anos de 2020, 2022 e 2023, com 32 partidos, essa pesquisa teve abrangência nacional e buscou descobrir, por meio de questionários enviados a filiados e dirigentes partidários, as motivações para a filiação partidária, os elementos que incentivam a participação em atividades dessa natureza, assim como os partidos mais odiados e rejeitados no País.

Os resultados preocuparam os pesquisadores. Pedro Paulo de Assis, da USP, disse à reportagem que “o ódio e a rejeição ao adversário motivam não só a filiação, mas também são fatores que tornam os filiados muito mais engajados na vida partidária”. De acordo com o levantamento, 36% dos entrevistados se tornaram altamente engajados nas atividades partidárias quando confrontados com a possibilidade de vitória do partido que mais rejeitam em uma eleição. Esse porcentual supera o de motivadores tradicionais, como a possibilidade de influência dentro da própria legenda (32%), e se aproxima cada vez mais dos 41% que indicam a vitória do partido ao qual se filiou como incentivo à atuação partidária. Vem daí o que os pesquisadores chamaram de ‘engajamento pelo ódio’ (Ódio ao adversário impulsiona filiação partidária, mostra pesquisa, 31/5/2024).

continua após a publicidade

Esse tipo de engajamento também transparece na comparação, feita pelo Estadão com base em informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre o número de filiados dos partidos políticos em abril de 2020 e em abril de 2024.

Em números absolutos, o Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula da Silva, e o Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, foram os que mais cresceram em quatro anos. O PT teve saldo positivo de 118.795 filiados (7,7%), superando a marca de 1,6 milhão; o PL ampliou sua base em 121.566 filiados (15,8%), chegando a quase 900 mil. Em contrapartida, siglas de centro, como o União Brasil e o MDB, sofreram baixas no número de filiados (‘Engajamento pelo ódio’ faz PT e PL ampliarem base eleitoral; partidos de centro recuam, 5/6/2024).

Os dados acima apontam que nossa sociedade (ou ao menos nossos cidadãos politicamente ativos) não está interessada em moderação. Se estivesse, a aversão ao adversário político não seria fator especialmente influente no alistamento e atuação partidária. Como mostraram os pesquisadores da USP e UFSCar, a derrota do partido que os filiados entrevistados mais rejeitam é quase tão importante para eles quanto a vitória do próprio partido. Cabe registrar aqui, no entanto, que a vitória no pleito eleitoral é só o começo da história.

continua após a publicidade

Afinal, a democracia não se reduz às eleições. Eleições definem quem governa. A partir do primeiro dia de mandato, o governante eleito deve defender suas ideias e projetos para a comunidade perante todos os seus representantes. A democracia, não custa lembrar, é o regime da igualdade política. Daí a necessidade de interação, debate, negociação entre os representantes políticos. É dessa forma que, diante de questões controversas ou que exijam quórum qualificado, chegamos a decisões (ao menos) aceitáveis por todos.

Ocorre que a promoção do ideário democrático fica comprometida num ambiente em que o ódio ultrapassa a dimensão individual para se tornar um sentimento aglutinador e mobilizador de ações políticas. Isso tem diversas implicações. Por exemplo: o “engajamento pelo ódio” não só desvia a atenção dos envolvidos de outros temas de interesse público tão ou mais relevantes, como também reduz quase todos os temas a uma questão de afeto. Como disse o ex-presidente dos Estados Unidos George Washington, quem se entrega a um ódio habitual, torna-se escravo da sua animosidade (v. Antologia da Maldade; Gustavo H. B. Franco, Fabio Giambiagi).

Além disso, um sistema político caracterizado pela aversão recíproca e profunda de um grupo político ao seu adversário torna cada um deles invulnerável às necessidades, ideias e argumentos do outro. Deixa de importar o conteúdo ou o valor do que o adversário diz, propõe ou faz; importa apenas ele ser quem é. Nesse contexto, a democracia corre o risco de se tornar uma palavra vazia ou se reduzir a uma tirania da maioria. Nesse contexto, o adversário não é um cidadão politicamente igual. E isso sugere que, na política, o contrário do ódio não é o amor nem o desprezo. O contrário dele é o respeito.

continua após a publicidade

*

DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA ‘UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO’, INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FADI E FACAMP

O escritor russo Anton Tchekhov afirmou que o amor, o respeito e a amizade não unem as pessoas da mesma forma que o ódio comum a alguma coisa. Uma afirmação que soa como um diagnóstico do momento vivido pela política brasileira. Prova recente disso foi a pesquisa realizada por cientistas políticos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade de São Paulo (USP), que concluiu que a filiação partidária tem aumentado no Brasil especialmente por conta da rejeição dos filiados aos adversários do campo político oposto. Cerca de 70% deles consideram, em algum grau, a aversão e o ódio ao rival político como motivos relevantes para aderir a uma legenda.

Realizada nos anos de 2020, 2022 e 2023, com 32 partidos, essa pesquisa teve abrangência nacional e buscou descobrir, por meio de questionários enviados a filiados e dirigentes partidários, as motivações para a filiação partidária, os elementos que incentivam a participação em atividades dessa natureza, assim como os partidos mais odiados e rejeitados no País.

Os resultados preocuparam os pesquisadores. Pedro Paulo de Assis, da USP, disse à reportagem que “o ódio e a rejeição ao adversário motivam não só a filiação, mas também são fatores que tornam os filiados muito mais engajados na vida partidária”. De acordo com o levantamento, 36% dos entrevistados se tornaram altamente engajados nas atividades partidárias quando confrontados com a possibilidade de vitória do partido que mais rejeitam em uma eleição. Esse porcentual supera o de motivadores tradicionais, como a possibilidade de influência dentro da própria legenda (32%), e se aproxima cada vez mais dos 41% que indicam a vitória do partido ao qual se filiou como incentivo à atuação partidária. Vem daí o que os pesquisadores chamaram de ‘engajamento pelo ódio’ (Ódio ao adversário impulsiona filiação partidária, mostra pesquisa, 31/5/2024).

Esse tipo de engajamento também transparece na comparação, feita pelo Estadão com base em informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre o número de filiados dos partidos políticos em abril de 2020 e em abril de 2024.

Em números absolutos, o Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula da Silva, e o Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, foram os que mais cresceram em quatro anos. O PT teve saldo positivo de 118.795 filiados (7,7%), superando a marca de 1,6 milhão; o PL ampliou sua base em 121.566 filiados (15,8%), chegando a quase 900 mil. Em contrapartida, siglas de centro, como o União Brasil e o MDB, sofreram baixas no número de filiados (‘Engajamento pelo ódio’ faz PT e PL ampliarem base eleitoral; partidos de centro recuam, 5/6/2024).

Os dados acima apontam que nossa sociedade (ou ao menos nossos cidadãos politicamente ativos) não está interessada em moderação. Se estivesse, a aversão ao adversário político não seria fator especialmente influente no alistamento e atuação partidária. Como mostraram os pesquisadores da USP e UFSCar, a derrota do partido que os filiados entrevistados mais rejeitam é quase tão importante para eles quanto a vitória do próprio partido. Cabe registrar aqui, no entanto, que a vitória no pleito eleitoral é só o começo da história.

Afinal, a democracia não se reduz às eleições. Eleições definem quem governa. A partir do primeiro dia de mandato, o governante eleito deve defender suas ideias e projetos para a comunidade perante todos os seus representantes. A democracia, não custa lembrar, é o regime da igualdade política. Daí a necessidade de interação, debate, negociação entre os representantes políticos. É dessa forma que, diante de questões controversas ou que exijam quórum qualificado, chegamos a decisões (ao menos) aceitáveis por todos.

Ocorre que a promoção do ideário democrático fica comprometida num ambiente em que o ódio ultrapassa a dimensão individual para se tornar um sentimento aglutinador e mobilizador de ações políticas. Isso tem diversas implicações. Por exemplo: o “engajamento pelo ódio” não só desvia a atenção dos envolvidos de outros temas de interesse público tão ou mais relevantes, como também reduz quase todos os temas a uma questão de afeto. Como disse o ex-presidente dos Estados Unidos George Washington, quem se entrega a um ódio habitual, torna-se escravo da sua animosidade (v. Antologia da Maldade; Gustavo H. B. Franco, Fabio Giambiagi).

Além disso, um sistema político caracterizado pela aversão recíproca e profunda de um grupo político ao seu adversário torna cada um deles invulnerável às necessidades, ideias e argumentos do outro. Deixa de importar o conteúdo ou o valor do que o adversário diz, propõe ou faz; importa apenas ele ser quem é. Nesse contexto, a democracia corre o risco de se tornar uma palavra vazia ou se reduzir a uma tirania da maioria. Nesse contexto, o adversário não é um cidadão politicamente igual. E isso sugere que, na política, o contrário do ódio não é o amor nem o desprezo. O contrário dele é o respeito.

*

DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA ‘UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO’, INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FADI E FACAMP

O escritor russo Anton Tchekhov afirmou que o amor, o respeito e a amizade não unem as pessoas da mesma forma que o ódio comum a alguma coisa. Uma afirmação que soa como um diagnóstico do momento vivido pela política brasileira. Prova recente disso foi a pesquisa realizada por cientistas políticos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade de São Paulo (USP), que concluiu que a filiação partidária tem aumentado no Brasil especialmente por conta da rejeição dos filiados aos adversários do campo político oposto. Cerca de 70% deles consideram, em algum grau, a aversão e o ódio ao rival político como motivos relevantes para aderir a uma legenda.

Realizada nos anos de 2020, 2022 e 2023, com 32 partidos, essa pesquisa teve abrangência nacional e buscou descobrir, por meio de questionários enviados a filiados e dirigentes partidários, as motivações para a filiação partidária, os elementos que incentivam a participação em atividades dessa natureza, assim como os partidos mais odiados e rejeitados no País.

Os resultados preocuparam os pesquisadores. Pedro Paulo de Assis, da USP, disse à reportagem que “o ódio e a rejeição ao adversário motivam não só a filiação, mas também são fatores que tornam os filiados muito mais engajados na vida partidária”. De acordo com o levantamento, 36% dos entrevistados se tornaram altamente engajados nas atividades partidárias quando confrontados com a possibilidade de vitória do partido que mais rejeitam em uma eleição. Esse porcentual supera o de motivadores tradicionais, como a possibilidade de influência dentro da própria legenda (32%), e se aproxima cada vez mais dos 41% que indicam a vitória do partido ao qual se filiou como incentivo à atuação partidária. Vem daí o que os pesquisadores chamaram de ‘engajamento pelo ódio’ (Ódio ao adversário impulsiona filiação partidária, mostra pesquisa, 31/5/2024).

Esse tipo de engajamento também transparece na comparação, feita pelo Estadão com base em informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre o número de filiados dos partidos políticos em abril de 2020 e em abril de 2024.

Em números absolutos, o Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula da Silva, e o Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, foram os que mais cresceram em quatro anos. O PT teve saldo positivo de 118.795 filiados (7,7%), superando a marca de 1,6 milhão; o PL ampliou sua base em 121.566 filiados (15,8%), chegando a quase 900 mil. Em contrapartida, siglas de centro, como o União Brasil e o MDB, sofreram baixas no número de filiados (‘Engajamento pelo ódio’ faz PT e PL ampliarem base eleitoral; partidos de centro recuam, 5/6/2024).

Os dados acima apontam que nossa sociedade (ou ao menos nossos cidadãos politicamente ativos) não está interessada em moderação. Se estivesse, a aversão ao adversário político não seria fator especialmente influente no alistamento e atuação partidária. Como mostraram os pesquisadores da USP e UFSCar, a derrota do partido que os filiados entrevistados mais rejeitam é quase tão importante para eles quanto a vitória do próprio partido. Cabe registrar aqui, no entanto, que a vitória no pleito eleitoral é só o começo da história.

Afinal, a democracia não se reduz às eleições. Eleições definem quem governa. A partir do primeiro dia de mandato, o governante eleito deve defender suas ideias e projetos para a comunidade perante todos os seus representantes. A democracia, não custa lembrar, é o regime da igualdade política. Daí a necessidade de interação, debate, negociação entre os representantes políticos. É dessa forma que, diante de questões controversas ou que exijam quórum qualificado, chegamos a decisões (ao menos) aceitáveis por todos.

Ocorre que a promoção do ideário democrático fica comprometida num ambiente em que o ódio ultrapassa a dimensão individual para se tornar um sentimento aglutinador e mobilizador de ações políticas. Isso tem diversas implicações. Por exemplo: o “engajamento pelo ódio” não só desvia a atenção dos envolvidos de outros temas de interesse público tão ou mais relevantes, como também reduz quase todos os temas a uma questão de afeto. Como disse o ex-presidente dos Estados Unidos George Washington, quem se entrega a um ódio habitual, torna-se escravo da sua animosidade (v. Antologia da Maldade; Gustavo H. B. Franco, Fabio Giambiagi).

Além disso, um sistema político caracterizado pela aversão recíproca e profunda de um grupo político ao seu adversário torna cada um deles invulnerável às necessidades, ideias e argumentos do outro. Deixa de importar o conteúdo ou o valor do que o adversário diz, propõe ou faz; importa apenas ele ser quem é. Nesse contexto, a democracia corre o risco de se tornar uma palavra vazia ou se reduzir a uma tirania da maioria. Nesse contexto, o adversário não é um cidadão politicamente igual. E isso sugere que, na política, o contrário do ódio não é o amor nem o desprezo. O contrário dele é o respeito.

*

DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA ‘UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO’, INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FADI E FACAMP

O escritor russo Anton Tchekhov afirmou que o amor, o respeito e a amizade não unem as pessoas da mesma forma que o ódio comum a alguma coisa. Uma afirmação que soa como um diagnóstico do momento vivido pela política brasileira. Prova recente disso foi a pesquisa realizada por cientistas políticos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade de São Paulo (USP), que concluiu que a filiação partidária tem aumentado no Brasil especialmente por conta da rejeição dos filiados aos adversários do campo político oposto. Cerca de 70% deles consideram, em algum grau, a aversão e o ódio ao rival político como motivos relevantes para aderir a uma legenda.

Realizada nos anos de 2020, 2022 e 2023, com 32 partidos, essa pesquisa teve abrangência nacional e buscou descobrir, por meio de questionários enviados a filiados e dirigentes partidários, as motivações para a filiação partidária, os elementos que incentivam a participação em atividades dessa natureza, assim como os partidos mais odiados e rejeitados no País.

Os resultados preocuparam os pesquisadores. Pedro Paulo de Assis, da USP, disse à reportagem que “o ódio e a rejeição ao adversário motivam não só a filiação, mas também são fatores que tornam os filiados muito mais engajados na vida partidária”. De acordo com o levantamento, 36% dos entrevistados se tornaram altamente engajados nas atividades partidárias quando confrontados com a possibilidade de vitória do partido que mais rejeitam em uma eleição. Esse porcentual supera o de motivadores tradicionais, como a possibilidade de influência dentro da própria legenda (32%), e se aproxima cada vez mais dos 41% que indicam a vitória do partido ao qual se filiou como incentivo à atuação partidária. Vem daí o que os pesquisadores chamaram de ‘engajamento pelo ódio’ (Ódio ao adversário impulsiona filiação partidária, mostra pesquisa, 31/5/2024).

Esse tipo de engajamento também transparece na comparação, feita pelo Estadão com base em informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre o número de filiados dos partidos políticos em abril de 2020 e em abril de 2024.

Em números absolutos, o Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula da Silva, e o Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, foram os que mais cresceram em quatro anos. O PT teve saldo positivo de 118.795 filiados (7,7%), superando a marca de 1,6 milhão; o PL ampliou sua base em 121.566 filiados (15,8%), chegando a quase 900 mil. Em contrapartida, siglas de centro, como o União Brasil e o MDB, sofreram baixas no número de filiados (‘Engajamento pelo ódio’ faz PT e PL ampliarem base eleitoral; partidos de centro recuam, 5/6/2024).

Os dados acima apontam que nossa sociedade (ou ao menos nossos cidadãos politicamente ativos) não está interessada em moderação. Se estivesse, a aversão ao adversário político não seria fator especialmente influente no alistamento e atuação partidária. Como mostraram os pesquisadores da USP e UFSCar, a derrota do partido que os filiados entrevistados mais rejeitam é quase tão importante para eles quanto a vitória do próprio partido. Cabe registrar aqui, no entanto, que a vitória no pleito eleitoral é só o começo da história.

Afinal, a democracia não se reduz às eleições. Eleições definem quem governa. A partir do primeiro dia de mandato, o governante eleito deve defender suas ideias e projetos para a comunidade perante todos os seus representantes. A democracia, não custa lembrar, é o regime da igualdade política. Daí a necessidade de interação, debate, negociação entre os representantes políticos. É dessa forma que, diante de questões controversas ou que exijam quórum qualificado, chegamos a decisões (ao menos) aceitáveis por todos.

Ocorre que a promoção do ideário democrático fica comprometida num ambiente em que o ódio ultrapassa a dimensão individual para se tornar um sentimento aglutinador e mobilizador de ações políticas. Isso tem diversas implicações. Por exemplo: o “engajamento pelo ódio” não só desvia a atenção dos envolvidos de outros temas de interesse público tão ou mais relevantes, como também reduz quase todos os temas a uma questão de afeto. Como disse o ex-presidente dos Estados Unidos George Washington, quem se entrega a um ódio habitual, torna-se escravo da sua animosidade (v. Antologia da Maldade; Gustavo H. B. Franco, Fabio Giambiagi).

Além disso, um sistema político caracterizado pela aversão recíproca e profunda de um grupo político ao seu adversário torna cada um deles invulnerável às necessidades, ideias e argumentos do outro. Deixa de importar o conteúdo ou o valor do que o adversário diz, propõe ou faz; importa apenas ele ser quem é. Nesse contexto, a democracia corre o risco de se tornar uma palavra vazia ou se reduzir a uma tirania da maioria. Nesse contexto, o adversário não é um cidadão politicamente igual. E isso sugere que, na política, o contrário do ódio não é o amor nem o desprezo. O contrário dele é o respeito.

*

DOUTOR EM DIREITO PELA USP E PELA ‘UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO’, INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO, É PROFESSOR DA FADI E FACAMP

Opinião por Marcelo de Azevedo Granato

Doutor em Direito pela USP e pela ‘Università degli Studi di Torino’, integrante do Instituto Norberto Bobbio, é professor da Fadi e Facamp

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.