No próximo dia 4 de julho o Relatório Coleman completa 50 anos de sua publicação nos Estados Unidos. É o primeiro e até hoje mais importante estudo de política educacional a relacionar qualidade da educação a resultados, referência para estudos a respeito da eficácia das escolas. Encomendado pelo Congresso norte-americano para responder às crescentes pressões por igualdade de oportunidades educacionais para minorias, o documento foi baseado em dados coletados com milhares de professores, escolas e quase 600 mil alunos de nível equivalente ao das nossas séries finais.
Sua exatidão foi, posteriormente, ratificada por uma equipe de pesquisadores reunidos em Harvard. Deste grupo saíram alguns dos mais notáveis estudiosos da economia da educação. As quase 700 páginas do Relatório Coleman constituem peça de leitura obrigatória para quem pretende entender a área. Pelas ideias correntes no Brasil, observamos que poucos são os que se detiveram sobre o estudo. Que lições de Coleman seriam válidas para o Brasil? Todas, mesmo considerando que o estudo se baseia em dados da sociedade norte-americana dos anos 60.
Como bom pesquisador, James Samuel Coleman fugiu dos limites estreitos de seus termos de referência – a encomenda era para demonstrar que mais dinheiro para as escolas promoveria a igualdade de resultados entre ricos e pobres, brancos e negros. Ele transformou a premissa em hipótese e foi em busca de evidências, legando-nos três grandes ensinamentos: 1) a quantidade de dinheiro ou o tipo de insumo nas escolas não explica, por si só, o resultado de seus alunos; 2) o fator que mais explica o desempenho é a composição socioeconômica da escola; e 3) determinado tipo de estabelecimento de ensino – no caso, os católicos – tem impacto diferenciado e isso se deve a valores comuns entre casa e escola.
Os lobistas que sempre advogam por mais recursos se frustraram com o relatório. Como retaliação, o estudo foi propositadamente divulgado no feriado de 4 de Julho, merecendo uma obscura página do The New York Times. Aos poucos, ganhou destaque e serviu para promover políticas de integração racial. Coleman foi reconhecido como um dos maiores sociólogos do século 20.
Coleman demonstra que as escolas fazem diferença, sim, mas não é colocando mais dinheiro ou mais insumos nelas que os alunos vão aprender mais ou melhorar seu desempenho. Ideias como as contidas no Plano Nacional de Educação (PNE) ou as propostas de custo-aluno-qualidade não encontram guarida nas evidências de Coleman. Estudos recentes, com base nos dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), sugerem haver um limiar mínimo de recursos abaixo dos quais a escola não consegue funcionar bem. Mas mesmo esse limiar não assegura desempenho, que é dependente também de outras variáveis.
A segunda conclusão de Coleman é mais complexa: a mistura de alunos na escola é o fator que melhor permite explicar o desempenho dos alunos. O pêndulo parece situar-se em 60%. Ou seja, quando há pelo menos 60% de alunos de um determinado grupo cultural/socioeconômico, os valores desse grupo tenderão a predominar. Dois fatos explicam esse fenômeno: 1) o juízo dos pares é o que mais influi no comportamento e esforço dos alunos, ou seja, o jovem – universo estudado por Coleman – responde mais à pressão de seu grupo do que dos professores ou pais. Se o grupo de referência valoriza o estudo, o indivíduo se sentirá pressionado a estudar; e 2) a escola precisa estar à altura da pressão, ou seja, a composição social também está associada com o que acontece na escola, sua estrutura, seu funcionamento, que professores é capaz de atrair e manter. O efeito-escola não é inexistente, mas dependente ou, tecnicamente falando, correlacionado a outras variáveis. Escolas sem bons currículos, bons professores, bom ensino e boa avaliação não produzirão bons alunos.
Por fim, os estudos de Coleman mostram como e por que um determinado grupo de escolas – as católicas – assegura desempenho diferenciado aos alunos. Parte da explicação é a mesma sugerida no parágrafo anterior: a pressão do grupo. Mas a outra parte se refere à consistência de expectativas e valores das famílias em relação à escola, e vice-versa. De todas as conclusões, esta é a que se torna cada vez mais difícil de implementar, tendo em vista a diversidade de famílias e expectativas tanto da escola quanto em relação à escola. Isso não torna as conclusões menos válidas. Apenas serve de alerta para a dificuldade crescente da escola de estabelecer limites e cumprir sua função.
O Brasil poderia promover grandes avanços na educação se prestasse mais atenção às evidências sobre o que funciona para a área e sobre as vicissitudes das políticas públicas. Fiquemos com os três ensinamentos:
l só o uso eficiente e estratégico dos recursos poderá causar impacto positivo. E nas escolas recursos só funcionam se houver pessoas qualificadas no magistério;
l num país em que a maioria da população é pobre ou remediada, não há como assegurar uma mistura em que 60% dos alunos sejam de classe média e provenientes de famílias que valorizam “a cultura da escola”. O pífio desempenho das elites brasileiras mostra que, até mesmo entre as classes de maior poder aquisitivo, a escola parece ter sucumbido em sua missão. Há que começar por fortalecer variáveis externas, como, por exemplo, políticas robustas de primeira infância;
l e conhecer e levar em conta evidências pode ajudar a formular políticas e desenvolver práticas que melhorem o desempenho dos alunos e das escolas.
Nada disso é simples ou fácil, especialmente na educação brasileira, em que predomina a ideologia sobre a razão. O respeito às evidências deve ser critério primordial para o estabelecimento de políticas e práticas educativas. Isso as autoridades poderiam adotar como regra de ouro. E para isso as universidades e os pesquisadores poderiam colaborar.
*João Batista Araújo e Oliveira é presidente do Instituto Alfa e Beto