Opinião|Os apelos dos moderados


Romper relações com Israel não parará o Hamas, não libertará os reféns, não poupará a vida de civis. O flagelo de israelenses e palestinos só piorará se não puderem contar com o Brasil

Por Manoela Miklos e Milton Seligman

Em fevereiro de 2024, em meio a uma crise diplomática iniciada quando Lula da Silva compara as ações de Israel em Gaza com o Holocausto, o presidente brasileiro foi declarado “persona non grata” pelo governo israelense. Pouco tempo depois, todos os jornais noticiaram que o diplomata brasileiro teria sido humilhado pelo chanceler israelense. Em 19 de fevereiro, a Presidência da República chamou o então embaixador do Brasil em Israel, Frederico Duque Estrada Meyer, de volta ao País para consultas.

Convocar um embaixador que serve no estrangeiro para consultas é um gesto clássico que compõe a cartilha da política externa. É uma maneira de demonstrar insatisfação e escalar a tensão sem romper relações diplomáticas. Muitos interpretaram que o gesto era, portanto, um recado. Um sinal do desacordo de Lula com o desenrolar da guerra entre Israel e o Hamas.

O importante posto em Tel-Aviv permaneceu de fato vago desde então. Um diplomata de baixa patente, membro da equipe do embaixador Meyer, passou os últimos meses exercendo um mandato tampão e aguardando orientações de Brasília.

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Na última terça-feira, 28/5, a situação do embaixador foi finalmente resolvida. Meyer foi removido ex officio de seu cargo em Tel-Aviv e transferido para Genebra, nomeado representante especial do Brasil junto à Conferência sobre Desarmamento da ONU. O futuro da Embaixada do Brasil em Tel-Aviv, contudo, segue cercado de incertezas, e o posto segue ocupado por um diplomata encarregado de negócios, um profissional que não tem a experiência ou a patente Meyer.

De acordo com o protocolo diplomático, quando um embaixador é removido de seu posto e transferido, o próximo passo é nomear outro para o posto vago com celeridade. Até agora, isso não aconteceu e pode não acontecer no futuro próximo. Provavelmente, o presidente Lula não nomeará alguém à altura de Meyer para Tel-Aviv imediatamente pelas mesmas razões que o fizeram convocar o embaixador para consultas em fevereiro. Trata-se de mais um recado. Novamente, o governo brasileiro está lançando mão do protocolo diplomático para manifestar seu descontentamento com o governo israelense.

Nada disso indica que o presidente Lula quer cortar relações diplomáticas com Israel. É do jogo. Até aqui, vimos o oposto. Lula tem, sim, dado declarações incendiárias que podem levar alguns a crer que o presidente está disposto a implodir o diálogo com Israel. No entanto, desde 7 de outubro o presidente tem respeitado e usado o protocolo diplomático, pois o conhece bem, para dar recados.

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Ainda assim, a sanha pela ruptura de relações diplomáticas com Israel tem se avolumado. Manifestos assinados por nomes de peso têm circulado. E a conjuntura pede que os moderados façam dois apelos.

Há quem considere as decisões e declarações do presidente Lula sobre a guerra absolutamente corretas e coerentes. Há quem condene suas ações veementemente. E há os moderados. Os que não manifestam apoio irrestrito ou condenação irrestrita a ninguém. Os moderados são cautelosos, apesar do desassossego, e estão mirando no longo prazo. Têm certeza de que, acima das questões relacionadas aos governos, está uma longa história de intercâmbio valoroso entre essas duas sociedades e os dois Estados. Os moderados entendem que a ruptura de relações seria um equívoco arriscadíssimo.

Deve soar paradoxal para quem defende a ruptura de relações entre Brasil e Israel, mas só relações diplomáticas bem azeitadas podem permitir que o Brasil honre seu compromisso com a paz na região. O Brasil pode ser de enorme ajuda na construção de um futuro em que dois Estados, um palestino e um israelense, possam conviver sem se agredir, se souber celebrar as elações entre povos e Estados e mantiver relações diplomáticas com Israel.

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Como dizia J. F. Kennedy, na política interna, ganhamos e perdemos. Na política externa, matamos e morremos. Todo mau passo pode ser, literalmente, fatal. Por isso a apreensão dos moderados é imensa quando o tema é a ruptura das relações diplomáticas entre Brasil e Israel. Os riscos seriam incalculáveis e essa decisão iria na contramão da história do Itamaraty e da vocação para o diálogo de Lula. O Brasil pode fazer muito mais pela paz mantendo relações diplomáticas com Israel do que as rompendo. Esse é o apelo dos moderados aos que clamam pela ruptura das relações diplomáticas.

Hoje, defender o Estado de Israel é apoiar com vigor o direito do povo Palestino de construir seu Estado e lutar pela coexistência sem violência. Nada disso está nos planos do governo Benjamin Netanyahu. Mas romper relações não parará o Hamas, não libertará os reféns, não poupará a vida de civis e não impedirá violações de direitos humanos. O flagelo de israelenses e palestinos só piorará se não puderem contar com o Brasil.

Tamanha pressão pela ruptura das relações com Israel, sem dúvida, deve surtir algum efeito nos gabinetes. Por isso, faz-se necessário também um apelo aos nossos tomadores de decisão. Henry Kissinger, o papa da realpolitik, costumava repetir que nenhum projeto de política externa, independentemente da sua engenhosidade, tem chance de sucesso se nasce na cabeça de poucos e não alcança o coração de ninguém. A política externa, para que tenha legitimidade e tração, precisa comover. Tanto quanto – ou mais que – a política interna. Precisa nos atravessar. Ou será apenas uma pilha de folhas assinadas em vão. Mas os tomadores de decisão precisam saber filtrar as paixões e agir com ponderação.

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Cabe aos nossos governantes diferenciar governo de Estado e povo de governo. Decisões apaixonadas por parte do governo, o pesadelo dos moderados, pode deixar desassistidos os aproximadamente 14 mil brasileiros que residem em Israel e 6 mil na Palestina. Pode prejudicar a vida dos cidadãos israelenses que residem aqui. Tira o Brasil das negociações que podem ajudar na libertação de reféns e na preservação da vida de civis em Gaza e em Rafah. A diplomacia brasileira sempre se dispôs a capitanear saídas negociadas para conflitos e sempre prestigiou organismos multilaterais. A história do Itamaraty é uma história marcada pela aposta no diálogo. Nosso governo precisa, agora, dignificar essa história, manter os canais de diálogo abertos e se empenhar na busca por soluções de compromisso. Esses são os apelos dos moderados.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, DOUTORA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS PELO PROGRAMA SAN TIAGO DANTAS (PUC-SP, UNICAMP E UNESP), DIRETORA-EXECUTIVA DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL; E DIRETOR VOLUNTÁRIO DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL

Em fevereiro de 2024, em meio a uma crise diplomática iniciada quando Lula da Silva compara as ações de Israel em Gaza com o Holocausto, o presidente brasileiro foi declarado “persona non grata” pelo governo israelense. Pouco tempo depois, todos os jornais noticiaram que o diplomata brasileiro teria sido humilhado pelo chanceler israelense. Em 19 de fevereiro, a Presidência da República chamou o então embaixador do Brasil em Israel, Frederico Duque Estrada Meyer, de volta ao País para consultas.

Convocar um embaixador que serve no estrangeiro para consultas é um gesto clássico que compõe a cartilha da política externa. É uma maneira de demonstrar insatisfação e escalar a tensão sem romper relações diplomáticas. Muitos interpretaram que o gesto era, portanto, um recado. Um sinal do desacordo de Lula com o desenrolar da guerra entre Israel e o Hamas.

O importante posto em Tel-Aviv permaneceu de fato vago desde então. Um diplomata de baixa patente, membro da equipe do embaixador Meyer, passou os últimos meses exercendo um mandato tampão e aguardando orientações de Brasília.

Na última terça-feira, 28/5, a situação do embaixador foi finalmente resolvida. Meyer foi removido ex officio de seu cargo em Tel-Aviv e transferido para Genebra, nomeado representante especial do Brasil junto à Conferência sobre Desarmamento da ONU. O futuro da Embaixada do Brasil em Tel-Aviv, contudo, segue cercado de incertezas, e o posto segue ocupado por um diplomata encarregado de negócios, um profissional que não tem a experiência ou a patente Meyer.

De acordo com o protocolo diplomático, quando um embaixador é removido de seu posto e transferido, o próximo passo é nomear outro para o posto vago com celeridade. Até agora, isso não aconteceu e pode não acontecer no futuro próximo. Provavelmente, o presidente Lula não nomeará alguém à altura de Meyer para Tel-Aviv imediatamente pelas mesmas razões que o fizeram convocar o embaixador para consultas em fevereiro. Trata-se de mais um recado. Novamente, o governo brasileiro está lançando mão do protocolo diplomático para manifestar seu descontentamento com o governo israelense.

Nada disso indica que o presidente Lula quer cortar relações diplomáticas com Israel. É do jogo. Até aqui, vimos o oposto. Lula tem, sim, dado declarações incendiárias que podem levar alguns a crer que o presidente está disposto a implodir o diálogo com Israel. No entanto, desde 7 de outubro o presidente tem respeitado e usado o protocolo diplomático, pois o conhece bem, para dar recados.

Ainda assim, a sanha pela ruptura de relações diplomáticas com Israel tem se avolumado. Manifestos assinados por nomes de peso têm circulado. E a conjuntura pede que os moderados façam dois apelos.

Há quem considere as decisões e declarações do presidente Lula sobre a guerra absolutamente corretas e coerentes. Há quem condene suas ações veementemente. E há os moderados. Os que não manifestam apoio irrestrito ou condenação irrestrita a ninguém. Os moderados são cautelosos, apesar do desassossego, e estão mirando no longo prazo. Têm certeza de que, acima das questões relacionadas aos governos, está uma longa história de intercâmbio valoroso entre essas duas sociedades e os dois Estados. Os moderados entendem que a ruptura de relações seria um equívoco arriscadíssimo.

Deve soar paradoxal para quem defende a ruptura de relações entre Brasil e Israel, mas só relações diplomáticas bem azeitadas podem permitir que o Brasil honre seu compromisso com a paz na região. O Brasil pode ser de enorme ajuda na construção de um futuro em que dois Estados, um palestino e um israelense, possam conviver sem se agredir, se souber celebrar as elações entre povos e Estados e mantiver relações diplomáticas com Israel.

Como dizia J. F. Kennedy, na política interna, ganhamos e perdemos. Na política externa, matamos e morremos. Todo mau passo pode ser, literalmente, fatal. Por isso a apreensão dos moderados é imensa quando o tema é a ruptura das relações diplomáticas entre Brasil e Israel. Os riscos seriam incalculáveis e essa decisão iria na contramão da história do Itamaraty e da vocação para o diálogo de Lula. O Brasil pode fazer muito mais pela paz mantendo relações diplomáticas com Israel do que as rompendo. Esse é o apelo dos moderados aos que clamam pela ruptura das relações diplomáticas.

Hoje, defender o Estado de Israel é apoiar com vigor o direito do povo Palestino de construir seu Estado e lutar pela coexistência sem violência. Nada disso está nos planos do governo Benjamin Netanyahu. Mas romper relações não parará o Hamas, não libertará os reféns, não poupará a vida de civis e não impedirá violações de direitos humanos. O flagelo de israelenses e palestinos só piorará se não puderem contar com o Brasil.

Tamanha pressão pela ruptura das relações com Israel, sem dúvida, deve surtir algum efeito nos gabinetes. Por isso, faz-se necessário também um apelo aos nossos tomadores de decisão. Henry Kissinger, o papa da realpolitik, costumava repetir que nenhum projeto de política externa, independentemente da sua engenhosidade, tem chance de sucesso se nasce na cabeça de poucos e não alcança o coração de ninguém. A política externa, para que tenha legitimidade e tração, precisa comover. Tanto quanto – ou mais que – a política interna. Precisa nos atravessar. Ou será apenas uma pilha de folhas assinadas em vão. Mas os tomadores de decisão precisam saber filtrar as paixões e agir com ponderação.

Cabe aos nossos governantes diferenciar governo de Estado e povo de governo. Decisões apaixonadas por parte do governo, o pesadelo dos moderados, pode deixar desassistidos os aproximadamente 14 mil brasileiros que residem em Israel e 6 mil na Palestina. Pode prejudicar a vida dos cidadãos israelenses que residem aqui. Tira o Brasil das negociações que podem ajudar na libertação de reféns e na preservação da vida de civis em Gaza e em Rafah. A diplomacia brasileira sempre se dispôs a capitanear saídas negociadas para conflitos e sempre prestigiou organismos multilaterais. A história do Itamaraty é uma história marcada pela aposta no diálogo. Nosso governo precisa, agora, dignificar essa história, manter os canais de diálogo abertos e se empenhar na busca por soluções de compromisso. Esses são os apelos dos moderados.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DOUTORA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS PELO PROGRAMA SAN TIAGO DANTAS (PUC-SP, UNICAMP E UNESP), DIRETORA-EXECUTIVA DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL; E DIRETOR VOLUNTÁRIO DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL

Em fevereiro de 2024, em meio a uma crise diplomática iniciada quando Lula da Silva compara as ações de Israel em Gaza com o Holocausto, o presidente brasileiro foi declarado “persona non grata” pelo governo israelense. Pouco tempo depois, todos os jornais noticiaram que o diplomata brasileiro teria sido humilhado pelo chanceler israelense. Em 19 de fevereiro, a Presidência da República chamou o então embaixador do Brasil em Israel, Frederico Duque Estrada Meyer, de volta ao País para consultas.

Convocar um embaixador que serve no estrangeiro para consultas é um gesto clássico que compõe a cartilha da política externa. É uma maneira de demonstrar insatisfação e escalar a tensão sem romper relações diplomáticas. Muitos interpretaram que o gesto era, portanto, um recado. Um sinal do desacordo de Lula com o desenrolar da guerra entre Israel e o Hamas.

O importante posto em Tel-Aviv permaneceu de fato vago desde então. Um diplomata de baixa patente, membro da equipe do embaixador Meyer, passou os últimos meses exercendo um mandato tampão e aguardando orientações de Brasília.

Na última terça-feira, 28/5, a situação do embaixador foi finalmente resolvida. Meyer foi removido ex officio de seu cargo em Tel-Aviv e transferido para Genebra, nomeado representante especial do Brasil junto à Conferência sobre Desarmamento da ONU. O futuro da Embaixada do Brasil em Tel-Aviv, contudo, segue cercado de incertezas, e o posto segue ocupado por um diplomata encarregado de negócios, um profissional que não tem a experiência ou a patente Meyer.

De acordo com o protocolo diplomático, quando um embaixador é removido de seu posto e transferido, o próximo passo é nomear outro para o posto vago com celeridade. Até agora, isso não aconteceu e pode não acontecer no futuro próximo. Provavelmente, o presidente Lula não nomeará alguém à altura de Meyer para Tel-Aviv imediatamente pelas mesmas razões que o fizeram convocar o embaixador para consultas em fevereiro. Trata-se de mais um recado. Novamente, o governo brasileiro está lançando mão do protocolo diplomático para manifestar seu descontentamento com o governo israelense.

Nada disso indica que o presidente Lula quer cortar relações diplomáticas com Israel. É do jogo. Até aqui, vimos o oposto. Lula tem, sim, dado declarações incendiárias que podem levar alguns a crer que o presidente está disposto a implodir o diálogo com Israel. No entanto, desde 7 de outubro o presidente tem respeitado e usado o protocolo diplomático, pois o conhece bem, para dar recados.

Ainda assim, a sanha pela ruptura de relações diplomáticas com Israel tem se avolumado. Manifestos assinados por nomes de peso têm circulado. E a conjuntura pede que os moderados façam dois apelos.

Há quem considere as decisões e declarações do presidente Lula sobre a guerra absolutamente corretas e coerentes. Há quem condene suas ações veementemente. E há os moderados. Os que não manifestam apoio irrestrito ou condenação irrestrita a ninguém. Os moderados são cautelosos, apesar do desassossego, e estão mirando no longo prazo. Têm certeza de que, acima das questões relacionadas aos governos, está uma longa história de intercâmbio valoroso entre essas duas sociedades e os dois Estados. Os moderados entendem que a ruptura de relações seria um equívoco arriscadíssimo.

Deve soar paradoxal para quem defende a ruptura de relações entre Brasil e Israel, mas só relações diplomáticas bem azeitadas podem permitir que o Brasil honre seu compromisso com a paz na região. O Brasil pode ser de enorme ajuda na construção de um futuro em que dois Estados, um palestino e um israelense, possam conviver sem se agredir, se souber celebrar as elações entre povos e Estados e mantiver relações diplomáticas com Israel.

Como dizia J. F. Kennedy, na política interna, ganhamos e perdemos. Na política externa, matamos e morremos. Todo mau passo pode ser, literalmente, fatal. Por isso a apreensão dos moderados é imensa quando o tema é a ruptura das relações diplomáticas entre Brasil e Israel. Os riscos seriam incalculáveis e essa decisão iria na contramão da história do Itamaraty e da vocação para o diálogo de Lula. O Brasil pode fazer muito mais pela paz mantendo relações diplomáticas com Israel do que as rompendo. Esse é o apelo dos moderados aos que clamam pela ruptura das relações diplomáticas.

Hoje, defender o Estado de Israel é apoiar com vigor o direito do povo Palestino de construir seu Estado e lutar pela coexistência sem violência. Nada disso está nos planos do governo Benjamin Netanyahu. Mas romper relações não parará o Hamas, não libertará os reféns, não poupará a vida de civis e não impedirá violações de direitos humanos. O flagelo de israelenses e palestinos só piorará se não puderem contar com o Brasil.

Tamanha pressão pela ruptura das relações com Israel, sem dúvida, deve surtir algum efeito nos gabinetes. Por isso, faz-se necessário também um apelo aos nossos tomadores de decisão. Henry Kissinger, o papa da realpolitik, costumava repetir que nenhum projeto de política externa, independentemente da sua engenhosidade, tem chance de sucesso se nasce na cabeça de poucos e não alcança o coração de ninguém. A política externa, para que tenha legitimidade e tração, precisa comover. Tanto quanto – ou mais que – a política interna. Precisa nos atravessar. Ou será apenas uma pilha de folhas assinadas em vão. Mas os tomadores de decisão precisam saber filtrar as paixões e agir com ponderação.

Cabe aos nossos governantes diferenciar governo de Estado e povo de governo. Decisões apaixonadas por parte do governo, o pesadelo dos moderados, pode deixar desassistidos os aproximadamente 14 mil brasileiros que residem em Israel e 6 mil na Palestina. Pode prejudicar a vida dos cidadãos israelenses que residem aqui. Tira o Brasil das negociações que podem ajudar na libertação de reféns e na preservação da vida de civis em Gaza e em Rafah. A diplomacia brasileira sempre se dispôs a capitanear saídas negociadas para conflitos e sempre prestigiou organismos multilaterais. A história do Itamaraty é uma história marcada pela aposta no diálogo. Nosso governo precisa, agora, dignificar essa história, manter os canais de diálogo abertos e se empenhar na busca por soluções de compromisso. Esses são os apelos dos moderados.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DOUTORA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS PELO PROGRAMA SAN TIAGO DANTAS (PUC-SP, UNICAMP E UNESP), DIRETORA-EXECUTIVA DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL; E DIRETOR VOLUNTÁRIO DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL

Em fevereiro de 2024, em meio a uma crise diplomática iniciada quando Lula da Silva compara as ações de Israel em Gaza com o Holocausto, o presidente brasileiro foi declarado “persona non grata” pelo governo israelense. Pouco tempo depois, todos os jornais noticiaram que o diplomata brasileiro teria sido humilhado pelo chanceler israelense. Em 19 de fevereiro, a Presidência da República chamou o então embaixador do Brasil em Israel, Frederico Duque Estrada Meyer, de volta ao País para consultas.

Convocar um embaixador que serve no estrangeiro para consultas é um gesto clássico que compõe a cartilha da política externa. É uma maneira de demonstrar insatisfação e escalar a tensão sem romper relações diplomáticas. Muitos interpretaram que o gesto era, portanto, um recado. Um sinal do desacordo de Lula com o desenrolar da guerra entre Israel e o Hamas.

O importante posto em Tel-Aviv permaneceu de fato vago desde então. Um diplomata de baixa patente, membro da equipe do embaixador Meyer, passou os últimos meses exercendo um mandato tampão e aguardando orientações de Brasília.

Na última terça-feira, 28/5, a situação do embaixador foi finalmente resolvida. Meyer foi removido ex officio de seu cargo em Tel-Aviv e transferido para Genebra, nomeado representante especial do Brasil junto à Conferência sobre Desarmamento da ONU. O futuro da Embaixada do Brasil em Tel-Aviv, contudo, segue cercado de incertezas, e o posto segue ocupado por um diplomata encarregado de negócios, um profissional que não tem a experiência ou a patente Meyer.

De acordo com o protocolo diplomático, quando um embaixador é removido de seu posto e transferido, o próximo passo é nomear outro para o posto vago com celeridade. Até agora, isso não aconteceu e pode não acontecer no futuro próximo. Provavelmente, o presidente Lula não nomeará alguém à altura de Meyer para Tel-Aviv imediatamente pelas mesmas razões que o fizeram convocar o embaixador para consultas em fevereiro. Trata-se de mais um recado. Novamente, o governo brasileiro está lançando mão do protocolo diplomático para manifestar seu descontentamento com o governo israelense.

Nada disso indica que o presidente Lula quer cortar relações diplomáticas com Israel. É do jogo. Até aqui, vimos o oposto. Lula tem, sim, dado declarações incendiárias que podem levar alguns a crer que o presidente está disposto a implodir o diálogo com Israel. No entanto, desde 7 de outubro o presidente tem respeitado e usado o protocolo diplomático, pois o conhece bem, para dar recados.

Ainda assim, a sanha pela ruptura de relações diplomáticas com Israel tem se avolumado. Manifestos assinados por nomes de peso têm circulado. E a conjuntura pede que os moderados façam dois apelos.

Há quem considere as decisões e declarações do presidente Lula sobre a guerra absolutamente corretas e coerentes. Há quem condene suas ações veementemente. E há os moderados. Os que não manifestam apoio irrestrito ou condenação irrestrita a ninguém. Os moderados são cautelosos, apesar do desassossego, e estão mirando no longo prazo. Têm certeza de que, acima das questões relacionadas aos governos, está uma longa história de intercâmbio valoroso entre essas duas sociedades e os dois Estados. Os moderados entendem que a ruptura de relações seria um equívoco arriscadíssimo.

Deve soar paradoxal para quem defende a ruptura de relações entre Brasil e Israel, mas só relações diplomáticas bem azeitadas podem permitir que o Brasil honre seu compromisso com a paz na região. O Brasil pode ser de enorme ajuda na construção de um futuro em que dois Estados, um palestino e um israelense, possam conviver sem se agredir, se souber celebrar as elações entre povos e Estados e mantiver relações diplomáticas com Israel.

Como dizia J. F. Kennedy, na política interna, ganhamos e perdemos. Na política externa, matamos e morremos. Todo mau passo pode ser, literalmente, fatal. Por isso a apreensão dos moderados é imensa quando o tema é a ruptura das relações diplomáticas entre Brasil e Israel. Os riscos seriam incalculáveis e essa decisão iria na contramão da história do Itamaraty e da vocação para o diálogo de Lula. O Brasil pode fazer muito mais pela paz mantendo relações diplomáticas com Israel do que as rompendo. Esse é o apelo dos moderados aos que clamam pela ruptura das relações diplomáticas.

Hoje, defender o Estado de Israel é apoiar com vigor o direito do povo Palestino de construir seu Estado e lutar pela coexistência sem violência. Nada disso está nos planos do governo Benjamin Netanyahu. Mas romper relações não parará o Hamas, não libertará os reféns, não poupará a vida de civis e não impedirá violações de direitos humanos. O flagelo de israelenses e palestinos só piorará se não puderem contar com o Brasil.

Tamanha pressão pela ruptura das relações com Israel, sem dúvida, deve surtir algum efeito nos gabinetes. Por isso, faz-se necessário também um apelo aos nossos tomadores de decisão. Henry Kissinger, o papa da realpolitik, costumava repetir que nenhum projeto de política externa, independentemente da sua engenhosidade, tem chance de sucesso se nasce na cabeça de poucos e não alcança o coração de ninguém. A política externa, para que tenha legitimidade e tração, precisa comover. Tanto quanto – ou mais que – a política interna. Precisa nos atravessar. Ou será apenas uma pilha de folhas assinadas em vão. Mas os tomadores de decisão precisam saber filtrar as paixões e agir com ponderação.

Cabe aos nossos governantes diferenciar governo de Estado e povo de governo. Decisões apaixonadas por parte do governo, o pesadelo dos moderados, pode deixar desassistidos os aproximadamente 14 mil brasileiros que residem em Israel e 6 mil na Palestina. Pode prejudicar a vida dos cidadãos israelenses que residem aqui. Tira o Brasil das negociações que podem ajudar na libertação de reféns e na preservação da vida de civis em Gaza e em Rafah. A diplomacia brasileira sempre se dispôs a capitanear saídas negociadas para conflitos e sempre prestigiou organismos multilaterais. A história do Itamaraty é uma história marcada pela aposta no diálogo. Nosso governo precisa, agora, dignificar essa história, manter os canais de diálogo abertos e se empenhar na busca por soluções de compromisso. Esses são os apelos dos moderados.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DOUTORA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS PELO PROGRAMA SAN TIAGO DANTAS (PUC-SP, UNICAMP E UNESP), DIRETORA-EXECUTIVA DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL; E DIRETOR VOLUNTÁRIO DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL

Em fevereiro de 2024, em meio a uma crise diplomática iniciada quando Lula da Silva compara as ações de Israel em Gaza com o Holocausto, o presidente brasileiro foi declarado “persona non grata” pelo governo israelense. Pouco tempo depois, todos os jornais noticiaram que o diplomata brasileiro teria sido humilhado pelo chanceler israelense. Em 19 de fevereiro, a Presidência da República chamou o então embaixador do Brasil em Israel, Frederico Duque Estrada Meyer, de volta ao País para consultas.

Convocar um embaixador que serve no estrangeiro para consultas é um gesto clássico que compõe a cartilha da política externa. É uma maneira de demonstrar insatisfação e escalar a tensão sem romper relações diplomáticas. Muitos interpretaram que o gesto era, portanto, um recado. Um sinal do desacordo de Lula com o desenrolar da guerra entre Israel e o Hamas.

O importante posto em Tel-Aviv permaneceu de fato vago desde então. Um diplomata de baixa patente, membro da equipe do embaixador Meyer, passou os últimos meses exercendo um mandato tampão e aguardando orientações de Brasília.

Na última terça-feira, 28/5, a situação do embaixador foi finalmente resolvida. Meyer foi removido ex officio de seu cargo em Tel-Aviv e transferido para Genebra, nomeado representante especial do Brasil junto à Conferência sobre Desarmamento da ONU. O futuro da Embaixada do Brasil em Tel-Aviv, contudo, segue cercado de incertezas, e o posto segue ocupado por um diplomata encarregado de negócios, um profissional que não tem a experiência ou a patente Meyer.

De acordo com o protocolo diplomático, quando um embaixador é removido de seu posto e transferido, o próximo passo é nomear outro para o posto vago com celeridade. Até agora, isso não aconteceu e pode não acontecer no futuro próximo. Provavelmente, o presidente Lula não nomeará alguém à altura de Meyer para Tel-Aviv imediatamente pelas mesmas razões que o fizeram convocar o embaixador para consultas em fevereiro. Trata-se de mais um recado. Novamente, o governo brasileiro está lançando mão do protocolo diplomático para manifestar seu descontentamento com o governo israelense.

Nada disso indica que o presidente Lula quer cortar relações diplomáticas com Israel. É do jogo. Até aqui, vimos o oposto. Lula tem, sim, dado declarações incendiárias que podem levar alguns a crer que o presidente está disposto a implodir o diálogo com Israel. No entanto, desde 7 de outubro o presidente tem respeitado e usado o protocolo diplomático, pois o conhece bem, para dar recados.

Ainda assim, a sanha pela ruptura de relações diplomáticas com Israel tem se avolumado. Manifestos assinados por nomes de peso têm circulado. E a conjuntura pede que os moderados façam dois apelos.

Há quem considere as decisões e declarações do presidente Lula sobre a guerra absolutamente corretas e coerentes. Há quem condene suas ações veementemente. E há os moderados. Os que não manifestam apoio irrestrito ou condenação irrestrita a ninguém. Os moderados são cautelosos, apesar do desassossego, e estão mirando no longo prazo. Têm certeza de que, acima das questões relacionadas aos governos, está uma longa história de intercâmbio valoroso entre essas duas sociedades e os dois Estados. Os moderados entendem que a ruptura de relações seria um equívoco arriscadíssimo.

Deve soar paradoxal para quem defende a ruptura de relações entre Brasil e Israel, mas só relações diplomáticas bem azeitadas podem permitir que o Brasil honre seu compromisso com a paz na região. O Brasil pode ser de enorme ajuda na construção de um futuro em que dois Estados, um palestino e um israelense, possam conviver sem se agredir, se souber celebrar as elações entre povos e Estados e mantiver relações diplomáticas com Israel.

Como dizia J. F. Kennedy, na política interna, ganhamos e perdemos. Na política externa, matamos e morremos. Todo mau passo pode ser, literalmente, fatal. Por isso a apreensão dos moderados é imensa quando o tema é a ruptura das relações diplomáticas entre Brasil e Israel. Os riscos seriam incalculáveis e essa decisão iria na contramão da história do Itamaraty e da vocação para o diálogo de Lula. O Brasil pode fazer muito mais pela paz mantendo relações diplomáticas com Israel do que as rompendo. Esse é o apelo dos moderados aos que clamam pela ruptura das relações diplomáticas.

Hoje, defender o Estado de Israel é apoiar com vigor o direito do povo Palestino de construir seu Estado e lutar pela coexistência sem violência. Nada disso está nos planos do governo Benjamin Netanyahu. Mas romper relações não parará o Hamas, não libertará os reféns, não poupará a vida de civis e não impedirá violações de direitos humanos. O flagelo de israelenses e palestinos só piorará se não puderem contar com o Brasil.

Tamanha pressão pela ruptura das relações com Israel, sem dúvida, deve surtir algum efeito nos gabinetes. Por isso, faz-se necessário também um apelo aos nossos tomadores de decisão. Henry Kissinger, o papa da realpolitik, costumava repetir que nenhum projeto de política externa, independentemente da sua engenhosidade, tem chance de sucesso se nasce na cabeça de poucos e não alcança o coração de ninguém. A política externa, para que tenha legitimidade e tração, precisa comover. Tanto quanto – ou mais que – a política interna. Precisa nos atravessar. Ou será apenas uma pilha de folhas assinadas em vão. Mas os tomadores de decisão precisam saber filtrar as paixões e agir com ponderação.

Cabe aos nossos governantes diferenciar governo de Estado e povo de governo. Decisões apaixonadas por parte do governo, o pesadelo dos moderados, pode deixar desassistidos os aproximadamente 14 mil brasileiros que residem em Israel e 6 mil na Palestina. Pode prejudicar a vida dos cidadãos israelenses que residem aqui. Tira o Brasil das negociações que podem ajudar na libertação de reféns e na preservação da vida de civis em Gaza e em Rafah. A diplomacia brasileira sempre se dispôs a capitanear saídas negociadas para conflitos e sempre prestigiou organismos multilaterais. A história do Itamaraty é uma história marcada pela aposta no diálogo. Nosso governo precisa, agora, dignificar essa história, manter os canais de diálogo abertos e se empenhar na busca por soluções de compromisso. Esses são os apelos dos moderados.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DOUTORA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS PELO PROGRAMA SAN TIAGO DANTAS (PUC-SP, UNICAMP E UNESP), DIRETORA-EXECUTIVA DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL; E DIRETOR VOLUNTÁRIO DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL

Opinião por Manoela Miklos

Doutora em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (PUC-SP, Unicamp e Unesp), é diretora-executiva do Instituto Brasil-Israel

Milton Seligman

Diretor voluntário do Instituto Brasil-Israel

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