“Corrupção é como inflação: não acaba nunca”, disse o ex-ministro do Trabalho Almir Pazzianotto no vídeo editado no Blog do Nêumanne no portal do Estadão. Desalentadora, a sentença soa realista neste momento em que mais um surto moralizador da gestão da renda republicana se desmancha sob as fantasias de Jair Bolsonaro, eleito presidente nas vagas antipetista e de exaltação ao combate à roubalheira.
A onda anterior foi causada pelo oportunismo do ignoto governador de Alagoas Fernando Collor, que sepultou as pretensões presidenciais de desunidas lideranças “democráticas” da época: Ulysses Guimarães, Mário Covas, Aureliano Chaves e Lula da Silva. Denúncias tornadas públicas pelos procuradores da República Luiz Francisco de Souza, o “Torquemada”, e Guilherme Shelb, ambos regidos por José Dirceu, do PT, desmascararam a hipocrisia do “caçador de marajás”, que teve seu impeachment aprovado no Senado. Apesar do apoio de Roberto Jefferson, do PTB, e da tentativa vã de renunciar para evitar a quarentena imposta a punidos pela perda do mandato presidencial.
O luto usado no lugar das cores do “auriverde pendão” dos manifestantes nas ruas tornou protocolar a adesão de governos federais aos acordos internacionais que apenaram com dureza o furto dos cofres públicos. A regulamentação das delações premiadas, a ressurreição da autorização para início de cumprimento de pena após a condenação em segunda instância e a criação de forças-tarefa no Ministério Público Federal costuraram os buracos pelos quais os fora da lei escapavam das redes de operações, caso da Castelo de Areia. Nesta, a chicana da anulação da montanha de provas contra a empreiteira Camargo Corrêa ruiu por causa de a primeira delas ter sido anônima. Por propina, como relatou o delator Antônio Palocci. O cidadão comum desfraldou as bandeiras e foi às ruas.
Em 2018, candidato sem fazer campanha, sem participar de debates na televisão e, em teoria, com caixa reduzido, o Collor da vez, Jair Bolsonaro, capitão flagrado em tentativa terrorista que o fez desistir da carreira militar, deixou nomes consagrados da “velha política” na poeira – Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Marina Silva. E prostrou ao solo o poste de Lula, Fernando Haddad, no segundo turno.
Enquanto isso, o Congresso, com maioria composta de condenados, culpados, denunciados, investigados e temerosos de virem a sê-lo, solapou, tijolo por tijolo, a frágil construção da luta contra a corrupção, com a cumplicidade da cúpula do Poder Judiciário, jogando o combate à corrupção às favas. O trabalho minucioso de agentes, procuradores e juízes federais foi reduzido a cinzas pelo “garantismo” de ocasião, e de plantão, de ministros nomeados por favores a serem cobrados por chefões das organizações ditas partidárias, no mínimo, coniventes com o crime.
Com 28 anos de convívio com raposas acostumadas a arrombar galinheiros no Congresso, onde nunca fez nada, Bolsonaro logo abandonou os disfarces e mostrou a que veio. Nomeou o petista André Mendonça, que fez carreira na Advocacia-Geral da União sob os auspícios do PT de Dias Toffoli, ministro da Justiça no lugar do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro. Atropelou a tradição da lista tríplice e fez procurador-geral da República o dublê de advogado e procurador Augusto Aras, com públicas manifestações de apreço à esquerda, cultivadas na infância, inspirado no pai, Roque Aras, assessor de confiança de Chico Pinto, ícone esquerdista, apesar de suspeitas de intimidade com oficiais de informação do Exército. Neste carnaval da pandemia, com velório e sem samba, Kassio Marques, fina-flor da aristocracia coronelista e petista do Piauí, mostrou a que veio votando a favor do pleito da defesa de Lula para ter acesso a conteúdo de mensagens roubadas de telefones das autoridades. O objetivo é expulsar Moro da disputa que o presidente pretende travar no segundo turno, em 2022, com Lula, já então autorizado a perdê-la com a destruição planejada da Lei da Ficha Limpa.
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo/ Perdeste o senso!”, reza o soneto de Olavo Bilac. Mas sem Moro, caçado pelo Supremo Tribunal Federal de seus inimigos Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Kassio Marques e, pelo visto, Cármen Lúcia, Bolsonaro confia que esmagará o ex-sindicalista ou algum preposto, apostando no antipetismo. O capitão de milícias terá as batatas como prêmio por ter conseguido reunir corruptos e outros com pretensões a sê-lo, entre os quais Collor e Jefferson.
O tal “centro democrático”, que ora se açoita nas ambições de Doria, Aécio e Leite ou no carreirismo de Rodrigo contra ACM Neto, disputa o lugar reservado aos comedores de sobejos no banquete do poder na república onde ou se furta ou se mente. Na luta entre covardes que ousam contra oportunistas que não se arriscam a perder o privilégio da migalha da sobra cuspida, continua difícil saber quem ganhará. A Nação, como de hábito, perderá. E os nostálgicos da ditadura militar poderão, enfim, trocar o dístico do pavilhão para “quem perder chorará”.
JORNALISTA, POETA E ESCRITOR