Opinião|Para além das siglas partidárias nas urnas


Sem que as legendas invistam em novas figuras representativas como lideranças, é provável que nossa geração se vá sem testemunhar uma mudança concreta na fotografia do poder

Por Fernando Haddad Moura e Matheus Miranda Monteiro

Nos últimos anos eleitorais, uma série de importantes iniciativas têm sido arquitetadas para aumentar a representatividade na política. Vimos organizações como a Vote Nelas, o VoteLGBT e o Enegrecer a Política surgirem como plataformas da sociedade civil de apoio a candidaturas mais representativas. Paralelamente, também testemunhamos mobilizações para mudanças na legislação eleitoral e por cobranças por mais representatividade nos ministérios e nas secretarias estaduais. Em 2024, ano de eleições municipais, não está sendo diferente. Ao longo dos primeiros meses deste ano, já estamos acompanhando o florescer de novas iniciativas e a continuidade de projetos já conhecidos para promover a diversidade nas prefeituras e câmaras legislativas de todo o País.

Essa mobilização não é fruto do acaso. O Brasil convive com indicadores vergonhosos que evidenciam uma desproporcionalidade representativa. A despeito de pretos e pardos formarem a maioria da população, os números mostram que há uma exclusão sistemática desse grupo nos espaços de poder. Olhando para o Legislativo federal, por exemplo, apenas 26% dos deputados federais se autodeclaram negros. No Senado, entre os 27 eleitos em 2022, apenas seis se identificam como pretos ou pardos. Quando olhamos para a situação das mulheres negras, os dados são ainda piores. Contabilizando os últimos três ciclos eleitorais, os homens brancos foram eleitos 20 vezes mais do que as mulheres negras para compor a Câmara dos Deputados. No Senado, apenas seis mulheres negras foram eleitas desde a redemocratização. É possível que esses dados sejam ainda mais desanimadores. Após as mudanças na legislação para o incentivo de candidaturas de mulheres e pessoas negras, casos expressivos de candidaturas fraudulentas foram registrados.

Mas erra quem acredita que a falta de representatividade no Executivo e no Legislativo é fruto exclusivo da preferência dos eleitores. Contrariando o senso comum, um estudo do Instituto Update de 2020 mostra que o principal obstáculo para a eleição de mulheres e pessoas negras nas últimas eleições municipais foi a falta de apoio e incentivo dos partidos políticos antes e durante as campanhas. Quando representantes desses grupos recebem o mesmo apoio dado a homens brancos, há paridade no desempenho eleitoral.

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O que essas estatísticas evidenciam é que aumentar a representatividade na política passa, necessariamente, por um trabalho profundo com os partidos políticos. Iniciativas de incentivo a candidaturas de mulheres e pessoas negras são apenas o primeiro passo. O real desafio é garantir que essas lideranças tenham paridade competitiva para transformar a promessa de potencial da representatividade em realidade política. Hoje, a corrida eleitoral é profundamente desleal. Nossa política é dominada por figuras com sobrenomes conhecidos que já nascem sendo preparadas para o universo do poder. Para ilustrar esse cenário, uma pesquisa do cientista político Robson Vasconcelos, vinculado à Universidade de Brasília (UnB), revela que, desde a redemocratização, cerca de dois a cada três senadores eleitos vieram de famílias com trajetória na política.

Lideranças mais representativas, em especial pessoas negras, precisam competir com figuras que sempre estiveram à frente das discussões políticas do País. Se realmente queremos mudar o jogo, precisamos olhar com atenção para os partidos políticos. São essas organizações que devem assegurar o caráter representativo e plural da nossa democracia e que podem gerar oportunidades sistêmicas para grupos historicamente sub-representados na política. Os partidos têm o dever de dar condições iguais para que mulheres e negros consigam realizar campanhas competitivas e viáveis.

Começando pelo óbvio, os partidos acumulam uma série de prerrogativas exclusivas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2024, as legendas serão responsáveis por administrar R$ 4,9 bilhões de recursos públicos destinados às campanhas eleitorais. Na prática, isso significa que os dirigentes possuem o poder de definir quem são aqueles que serão verdadeiramente competitivos na corrida eleitoral e que estarão aptos a representar a população nas arenas mais importantes da nossa democracia. Mas o trabalho dos partidos não se limita ao período eleitoral. Pelo contrário, a legislação brasileira prevê que os partidos tenham uma atuação constante na vida política. Apenas em 2023, essas legendas receberam R$ 1,2 bilhão de recursos públicos do Fundo Partidário para funcionarem como espaços de fomento ao debate político e de formação de lideranças que sejam capazes de transformar demandas sociais em respostas políticas. Aprofundando os deveres dessas instituições, a nova legislação aprovada pelo Congresso Nacional obriga que 5% do fundo seja usado para incentivar a participação de grupos sub-representados na política.

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É dever dos partidos, portanto, construir programas que não só sejam capazes de atrair novos rostos mais representativos para a política, como também de formá-los, prepará-los e apoiá-los para a corrida eleitoral e para a vida pública. Mas erra também quem aponta que essa é uma realidade inerente aos partidos e que não é possível fazer diferente. Ventos mais animadores começam a surgir à esquerda e à direita. O PT, principal partido da esquerda brasileira, tem construído o programa Elas por Elas, uma iniciativa capilarizada que prevê formações, redes de apoio e troca de experiências para o desenvolvimento de lideranças femininas e feministas. O Novo, partido mais jovem da nossa democracia, também lançou em 2023 a Trilha de Engajamento de Lideranças Femininas (Telf), projeto que estrutura unidades regionais de impacto para o desenvolvimento de mulheres que possam ser as novas lideranças femininas do partido. No MDB, Baleia Rossi, presidente nacional da sigla, já se comprometeu a destinar 1% do Fundo Eleitoral para investimento em candidaturas jovens. Em contrapartida, ainda são raros os projetos intrapartidários de desenvolvimento de lideranças negras ou de outros grupos historicamente sub-representados.

O desafio é sensibilizar e apoiar os demais partidos do nosso sistema político a construírem iniciativas semelhantes e a investirem com profundidade no aumento da representatividade. Sem que essas legendas invistam no desenvolvimento de novas figuras representativas como lideranças e no enfrentamento à violência política racial e de gênero, é provável que nossa geração se vá sem testemunhar uma mudança concreta na fotografia do poder e, muito menos, se sentir verdadeiramente representada por aqueles que conduzem a nossa política. Faltam poucos meses para as eleições e a expectativa é que tenhamos mais de 550 mil candidatos e candidatas disputando as urnas. Ainda há tempo para tornar a política mais representativa e mudar essa fotografia.

*

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR-EXECUTIVO DA LEGISLA BRASIL, MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA COLUMBIA UNIVERSITY; E GESTOR DE PARCERIAS DA LEGISLA BRASIL, INTERNACIONALISTA COM FORMAÇÃO COMPLEMENTAR EM POLÍTICA INTERNACIONAL PELA STELLENBOSCH UNIVERSITY

Nos últimos anos eleitorais, uma série de importantes iniciativas têm sido arquitetadas para aumentar a representatividade na política. Vimos organizações como a Vote Nelas, o VoteLGBT e o Enegrecer a Política surgirem como plataformas da sociedade civil de apoio a candidaturas mais representativas. Paralelamente, também testemunhamos mobilizações para mudanças na legislação eleitoral e por cobranças por mais representatividade nos ministérios e nas secretarias estaduais. Em 2024, ano de eleições municipais, não está sendo diferente. Ao longo dos primeiros meses deste ano, já estamos acompanhando o florescer de novas iniciativas e a continuidade de projetos já conhecidos para promover a diversidade nas prefeituras e câmaras legislativas de todo o País.

Essa mobilização não é fruto do acaso. O Brasil convive com indicadores vergonhosos que evidenciam uma desproporcionalidade representativa. A despeito de pretos e pardos formarem a maioria da população, os números mostram que há uma exclusão sistemática desse grupo nos espaços de poder. Olhando para o Legislativo federal, por exemplo, apenas 26% dos deputados federais se autodeclaram negros. No Senado, entre os 27 eleitos em 2022, apenas seis se identificam como pretos ou pardos. Quando olhamos para a situação das mulheres negras, os dados são ainda piores. Contabilizando os últimos três ciclos eleitorais, os homens brancos foram eleitos 20 vezes mais do que as mulheres negras para compor a Câmara dos Deputados. No Senado, apenas seis mulheres negras foram eleitas desde a redemocratização. É possível que esses dados sejam ainda mais desanimadores. Após as mudanças na legislação para o incentivo de candidaturas de mulheres e pessoas negras, casos expressivos de candidaturas fraudulentas foram registrados.

Mas erra quem acredita que a falta de representatividade no Executivo e no Legislativo é fruto exclusivo da preferência dos eleitores. Contrariando o senso comum, um estudo do Instituto Update de 2020 mostra que o principal obstáculo para a eleição de mulheres e pessoas negras nas últimas eleições municipais foi a falta de apoio e incentivo dos partidos políticos antes e durante as campanhas. Quando representantes desses grupos recebem o mesmo apoio dado a homens brancos, há paridade no desempenho eleitoral.

O que essas estatísticas evidenciam é que aumentar a representatividade na política passa, necessariamente, por um trabalho profundo com os partidos políticos. Iniciativas de incentivo a candidaturas de mulheres e pessoas negras são apenas o primeiro passo. O real desafio é garantir que essas lideranças tenham paridade competitiva para transformar a promessa de potencial da representatividade em realidade política. Hoje, a corrida eleitoral é profundamente desleal. Nossa política é dominada por figuras com sobrenomes conhecidos que já nascem sendo preparadas para o universo do poder. Para ilustrar esse cenário, uma pesquisa do cientista político Robson Vasconcelos, vinculado à Universidade de Brasília (UnB), revela que, desde a redemocratização, cerca de dois a cada três senadores eleitos vieram de famílias com trajetória na política.

Lideranças mais representativas, em especial pessoas negras, precisam competir com figuras que sempre estiveram à frente das discussões políticas do País. Se realmente queremos mudar o jogo, precisamos olhar com atenção para os partidos políticos. São essas organizações que devem assegurar o caráter representativo e plural da nossa democracia e que podem gerar oportunidades sistêmicas para grupos historicamente sub-representados na política. Os partidos têm o dever de dar condições iguais para que mulheres e negros consigam realizar campanhas competitivas e viáveis.

Começando pelo óbvio, os partidos acumulam uma série de prerrogativas exclusivas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2024, as legendas serão responsáveis por administrar R$ 4,9 bilhões de recursos públicos destinados às campanhas eleitorais. Na prática, isso significa que os dirigentes possuem o poder de definir quem são aqueles que serão verdadeiramente competitivos na corrida eleitoral e que estarão aptos a representar a população nas arenas mais importantes da nossa democracia. Mas o trabalho dos partidos não se limita ao período eleitoral. Pelo contrário, a legislação brasileira prevê que os partidos tenham uma atuação constante na vida política. Apenas em 2023, essas legendas receberam R$ 1,2 bilhão de recursos públicos do Fundo Partidário para funcionarem como espaços de fomento ao debate político e de formação de lideranças que sejam capazes de transformar demandas sociais em respostas políticas. Aprofundando os deveres dessas instituições, a nova legislação aprovada pelo Congresso Nacional obriga que 5% do fundo seja usado para incentivar a participação de grupos sub-representados na política.

É dever dos partidos, portanto, construir programas que não só sejam capazes de atrair novos rostos mais representativos para a política, como também de formá-los, prepará-los e apoiá-los para a corrida eleitoral e para a vida pública. Mas erra também quem aponta que essa é uma realidade inerente aos partidos e que não é possível fazer diferente. Ventos mais animadores começam a surgir à esquerda e à direita. O PT, principal partido da esquerda brasileira, tem construído o programa Elas por Elas, uma iniciativa capilarizada que prevê formações, redes de apoio e troca de experiências para o desenvolvimento de lideranças femininas e feministas. O Novo, partido mais jovem da nossa democracia, também lançou em 2023 a Trilha de Engajamento de Lideranças Femininas (Telf), projeto que estrutura unidades regionais de impacto para o desenvolvimento de mulheres que possam ser as novas lideranças femininas do partido. No MDB, Baleia Rossi, presidente nacional da sigla, já se comprometeu a destinar 1% do Fundo Eleitoral para investimento em candidaturas jovens. Em contrapartida, ainda são raros os projetos intrapartidários de desenvolvimento de lideranças negras ou de outros grupos historicamente sub-representados.

O desafio é sensibilizar e apoiar os demais partidos do nosso sistema político a construírem iniciativas semelhantes e a investirem com profundidade no aumento da representatividade. Sem que essas legendas invistam no desenvolvimento de novas figuras representativas como lideranças e no enfrentamento à violência política racial e de gênero, é provável que nossa geração se vá sem testemunhar uma mudança concreta na fotografia do poder e, muito menos, se sentir verdadeiramente representada por aqueles que conduzem a nossa política. Faltam poucos meses para as eleições e a expectativa é que tenhamos mais de 550 mil candidatos e candidatas disputando as urnas. Ainda há tempo para tornar a política mais representativa e mudar essa fotografia.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR-EXECUTIVO DA LEGISLA BRASIL, MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA COLUMBIA UNIVERSITY; E GESTOR DE PARCERIAS DA LEGISLA BRASIL, INTERNACIONALISTA COM FORMAÇÃO COMPLEMENTAR EM POLÍTICA INTERNACIONAL PELA STELLENBOSCH UNIVERSITY

Nos últimos anos eleitorais, uma série de importantes iniciativas têm sido arquitetadas para aumentar a representatividade na política. Vimos organizações como a Vote Nelas, o VoteLGBT e o Enegrecer a Política surgirem como plataformas da sociedade civil de apoio a candidaturas mais representativas. Paralelamente, também testemunhamos mobilizações para mudanças na legislação eleitoral e por cobranças por mais representatividade nos ministérios e nas secretarias estaduais. Em 2024, ano de eleições municipais, não está sendo diferente. Ao longo dos primeiros meses deste ano, já estamos acompanhando o florescer de novas iniciativas e a continuidade de projetos já conhecidos para promover a diversidade nas prefeituras e câmaras legislativas de todo o País.

Essa mobilização não é fruto do acaso. O Brasil convive com indicadores vergonhosos que evidenciam uma desproporcionalidade representativa. A despeito de pretos e pardos formarem a maioria da população, os números mostram que há uma exclusão sistemática desse grupo nos espaços de poder. Olhando para o Legislativo federal, por exemplo, apenas 26% dos deputados federais se autodeclaram negros. No Senado, entre os 27 eleitos em 2022, apenas seis se identificam como pretos ou pardos. Quando olhamos para a situação das mulheres negras, os dados são ainda piores. Contabilizando os últimos três ciclos eleitorais, os homens brancos foram eleitos 20 vezes mais do que as mulheres negras para compor a Câmara dos Deputados. No Senado, apenas seis mulheres negras foram eleitas desde a redemocratização. É possível que esses dados sejam ainda mais desanimadores. Após as mudanças na legislação para o incentivo de candidaturas de mulheres e pessoas negras, casos expressivos de candidaturas fraudulentas foram registrados.

Mas erra quem acredita que a falta de representatividade no Executivo e no Legislativo é fruto exclusivo da preferência dos eleitores. Contrariando o senso comum, um estudo do Instituto Update de 2020 mostra que o principal obstáculo para a eleição de mulheres e pessoas negras nas últimas eleições municipais foi a falta de apoio e incentivo dos partidos políticos antes e durante as campanhas. Quando representantes desses grupos recebem o mesmo apoio dado a homens brancos, há paridade no desempenho eleitoral.

O que essas estatísticas evidenciam é que aumentar a representatividade na política passa, necessariamente, por um trabalho profundo com os partidos políticos. Iniciativas de incentivo a candidaturas de mulheres e pessoas negras são apenas o primeiro passo. O real desafio é garantir que essas lideranças tenham paridade competitiva para transformar a promessa de potencial da representatividade em realidade política. Hoje, a corrida eleitoral é profundamente desleal. Nossa política é dominada por figuras com sobrenomes conhecidos que já nascem sendo preparadas para o universo do poder. Para ilustrar esse cenário, uma pesquisa do cientista político Robson Vasconcelos, vinculado à Universidade de Brasília (UnB), revela que, desde a redemocratização, cerca de dois a cada três senadores eleitos vieram de famílias com trajetória na política.

Lideranças mais representativas, em especial pessoas negras, precisam competir com figuras que sempre estiveram à frente das discussões políticas do País. Se realmente queremos mudar o jogo, precisamos olhar com atenção para os partidos políticos. São essas organizações que devem assegurar o caráter representativo e plural da nossa democracia e que podem gerar oportunidades sistêmicas para grupos historicamente sub-representados na política. Os partidos têm o dever de dar condições iguais para que mulheres e negros consigam realizar campanhas competitivas e viáveis.

Começando pelo óbvio, os partidos acumulam uma série de prerrogativas exclusivas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2024, as legendas serão responsáveis por administrar R$ 4,9 bilhões de recursos públicos destinados às campanhas eleitorais. Na prática, isso significa que os dirigentes possuem o poder de definir quem são aqueles que serão verdadeiramente competitivos na corrida eleitoral e que estarão aptos a representar a população nas arenas mais importantes da nossa democracia. Mas o trabalho dos partidos não se limita ao período eleitoral. Pelo contrário, a legislação brasileira prevê que os partidos tenham uma atuação constante na vida política. Apenas em 2023, essas legendas receberam R$ 1,2 bilhão de recursos públicos do Fundo Partidário para funcionarem como espaços de fomento ao debate político e de formação de lideranças que sejam capazes de transformar demandas sociais em respostas políticas. Aprofundando os deveres dessas instituições, a nova legislação aprovada pelo Congresso Nacional obriga que 5% do fundo seja usado para incentivar a participação de grupos sub-representados na política.

É dever dos partidos, portanto, construir programas que não só sejam capazes de atrair novos rostos mais representativos para a política, como também de formá-los, prepará-los e apoiá-los para a corrida eleitoral e para a vida pública. Mas erra também quem aponta que essa é uma realidade inerente aos partidos e que não é possível fazer diferente. Ventos mais animadores começam a surgir à esquerda e à direita. O PT, principal partido da esquerda brasileira, tem construído o programa Elas por Elas, uma iniciativa capilarizada que prevê formações, redes de apoio e troca de experiências para o desenvolvimento de lideranças femininas e feministas. O Novo, partido mais jovem da nossa democracia, também lançou em 2023 a Trilha de Engajamento de Lideranças Femininas (Telf), projeto que estrutura unidades regionais de impacto para o desenvolvimento de mulheres que possam ser as novas lideranças femininas do partido. No MDB, Baleia Rossi, presidente nacional da sigla, já se comprometeu a destinar 1% do Fundo Eleitoral para investimento em candidaturas jovens. Em contrapartida, ainda são raros os projetos intrapartidários de desenvolvimento de lideranças negras ou de outros grupos historicamente sub-representados.

O desafio é sensibilizar e apoiar os demais partidos do nosso sistema político a construírem iniciativas semelhantes e a investirem com profundidade no aumento da representatividade. Sem que essas legendas invistam no desenvolvimento de novas figuras representativas como lideranças e no enfrentamento à violência política racial e de gênero, é provável que nossa geração se vá sem testemunhar uma mudança concreta na fotografia do poder e, muito menos, se sentir verdadeiramente representada por aqueles que conduzem a nossa política. Faltam poucos meses para as eleições e a expectativa é que tenhamos mais de 550 mil candidatos e candidatas disputando as urnas. Ainda há tempo para tornar a política mais representativa e mudar essa fotografia.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR-EXECUTIVO DA LEGISLA BRASIL, MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA COLUMBIA UNIVERSITY; E GESTOR DE PARCERIAS DA LEGISLA BRASIL, INTERNACIONALISTA COM FORMAÇÃO COMPLEMENTAR EM POLÍTICA INTERNACIONAL PELA STELLENBOSCH UNIVERSITY

Nos últimos anos eleitorais, uma série de importantes iniciativas têm sido arquitetadas para aumentar a representatividade na política. Vimos organizações como a Vote Nelas, o VoteLGBT e o Enegrecer a Política surgirem como plataformas da sociedade civil de apoio a candidaturas mais representativas. Paralelamente, também testemunhamos mobilizações para mudanças na legislação eleitoral e por cobranças por mais representatividade nos ministérios e nas secretarias estaduais. Em 2024, ano de eleições municipais, não está sendo diferente. Ao longo dos primeiros meses deste ano, já estamos acompanhando o florescer de novas iniciativas e a continuidade de projetos já conhecidos para promover a diversidade nas prefeituras e câmaras legislativas de todo o País.

Essa mobilização não é fruto do acaso. O Brasil convive com indicadores vergonhosos que evidenciam uma desproporcionalidade representativa. A despeito de pretos e pardos formarem a maioria da população, os números mostram que há uma exclusão sistemática desse grupo nos espaços de poder. Olhando para o Legislativo federal, por exemplo, apenas 26% dos deputados federais se autodeclaram negros. No Senado, entre os 27 eleitos em 2022, apenas seis se identificam como pretos ou pardos. Quando olhamos para a situação das mulheres negras, os dados são ainda piores. Contabilizando os últimos três ciclos eleitorais, os homens brancos foram eleitos 20 vezes mais do que as mulheres negras para compor a Câmara dos Deputados. No Senado, apenas seis mulheres negras foram eleitas desde a redemocratização. É possível que esses dados sejam ainda mais desanimadores. Após as mudanças na legislação para o incentivo de candidaturas de mulheres e pessoas negras, casos expressivos de candidaturas fraudulentas foram registrados.

Mas erra quem acredita que a falta de representatividade no Executivo e no Legislativo é fruto exclusivo da preferência dos eleitores. Contrariando o senso comum, um estudo do Instituto Update de 2020 mostra que o principal obstáculo para a eleição de mulheres e pessoas negras nas últimas eleições municipais foi a falta de apoio e incentivo dos partidos políticos antes e durante as campanhas. Quando representantes desses grupos recebem o mesmo apoio dado a homens brancos, há paridade no desempenho eleitoral.

O que essas estatísticas evidenciam é que aumentar a representatividade na política passa, necessariamente, por um trabalho profundo com os partidos políticos. Iniciativas de incentivo a candidaturas de mulheres e pessoas negras são apenas o primeiro passo. O real desafio é garantir que essas lideranças tenham paridade competitiva para transformar a promessa de potencial da representatividade em realidade política. Hoje, a corrida eleitoral é profundamente desleal. Nossa política é dominada por figuras com sobrenomes conhecidos que já nascem sendo preparadas para o universo do poder. Para ilustrar esse cenário, uma pesquisa do cientista político Robson Vasconcelos, vinculado à Universidade de Brasília (UnB), revela que, desde a redemocratização, cerca de dois a cada três senadores eleitos vieram de famílias com trajetória na política.

Lideranças mais representativas, em especial pessoas negras, precisam competir com figuras que sempre estiveram à frente das discussões políticas do País. Se realmente queremos mudar o jogo, precisamos olhar com atenção para os partidos políticos. São essas organizações que devem assegurar o caráter representativo e plural da nossa democracia e que podem gerar oportunidades sistêmicas para grupos historicamente sub-representados na política. Os partidos têm o dever de dar condições iguais para que mulheres e negros consigam realizar campanhas competitivas e viáveis.

Começando pelo óbvio, os partidos acumulam uma série de prerrogativas exclusivas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2024, as legendas serão responsáveis por administrar R$ 4,9 bilhões de recursos públicos destinados às campanhas eleitorais. Na prática, isso significa que os dirigentes possuem o poder de definir quem são aqueles que serão verdadeiramente competitivos na corrida eleitoral e que estarão aptos a representar a população nas arenas mais importantes da nossa democracia. Mas o trabalho dos partidos não se limita ao período eleitoral. Pelo contrário, a legislação brasileira prevê que os partidos tenham uma atuação constante na vida política. Apenas em 2023, essas legendas receberam R$ 1,2 bilhão de recursos públicos do Fundo Partidário para funcionarem como espaços de fomento ao debate político e de formação de lideranças que sejam capazes de transformar demandas sociais em respostas políticas. Aprofundando os deveres dessas instituições, a nova legislação aprovada pelo Congresso Nacional obriga que 5% do fundo seja usado para incentivar a participação de grupos sub-representados na política.

É dever dos partidos, portanto, construir programas que não só sejam capazes de atrair novos rostos mais representativos para a política, como também de formá-los, prepará-los e apoiá-los para a corrida eleitoral e para a vida pública. Mas erra também quem aponta que essa é uma realidade inerente aos partidos e que não é possível fazer diferente. Ventos mais animadores começam a surgir à esquerda e à direita. O PT, principal partido da esquerda brasileira, tem construído o programa Elas por Elas, uma iniciativa capilarizada que prevê formações, redes de apoio e troca de experiências para o desenvolvimento de lideranças femininas e feministas. O Novo, partido mais jovem da nossa democracia, também lançou em 2023 a Trilha de Engajamento de Lideranças Femininas (Telf), projeto que estrutura unidades regionais de impacto para o desenvolvimento de mulheres que possam ser as novas lideranças femininas do partido. No MDB, Baleia Rossi, presidente nacional da sigla, já se comprometeu a destinar 1% do Fundo Eleitoral para investimento em candidaturas jovens. Em contrapartida, ainda são raros os projetos intrapartidários de desenvolvimento de lideranças negras ou de outros grupos historicamente sub-representados.

O desafio é sensibilizar e apoiar os demais partidos do nosso sistema político a construírem iniciativas semelhantes e a investirem com profundidade no aumento da representatividade. Sem que essas legendas invistam no desenvolvimento de novas figuras representativas como lideranças e no enfrentamento à violência política racial e de gênero, é provável que nossa geração se vá sem testemunhar uma mudança concreta na fotografia do poder e, muito menos, se sentir verdadeiramente representada por aqueles que conduzem a nossa política. Faltam poucos meses para as eleições e a expectativa é que tenhamos mais de 550 mil candidatos e candidatas disputando as urnas. Ainda há tempo para tornar a política mais representativa e mudar essa fotografia.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR-EXECUTIVO DA LEGISLA BRASIL, MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA COLUMBIA UNIVERSITY; E GESTOR DE PARCERIAS DA LEGISLA BRASIL, INTERNACIONALISTA COM FORMAÇÃO COMPLEMENTAR EM POLÍTICA INTERNACIONAL PELA STELLENBOSCH UNIVERSITY

Nos últimos anos eleitorais, uma série de importantes iniciativas têm sido arquitetadas para aumentar a representatividade na política. Vimos organizações como a Vote Nelas, o VoteLGBT e o Enegrecer a Política surgirem como plataformas da sociedade civil de apoio a candidaturas mais representativas. Paralelamente, também testemunhamos mobilizações para mudanças na legislação eleitoral e por cobranças por mais representatividade nos ministérios e nas secretarias estaduais. Em 2024, ano de eleições municipais, não está sendo diferente. Ao longo dos primeiros meses deste ano, já estamos acompanhando o florescer de novas iniciativas e a continuidade de projetos já conhecidos para promover a diversidade nas prefeituras e câmaras legislativas de todo o País.

Essa mobilização não é fruto do acaso. O Brasil convive com indicadores vergonhosos que evidenciam uma desproporcionalidade representativa. A despeito de pretos e pardos formarem a maioria da população, os números mostram que há uma exclusão sistemática desse grupo nos espaços de poder. Olhando para o Legislativo federal, por exemplo, apenas 26% dos deputados federais se autodeclaram negros. No Senado, entre os 27 eleitos em 2022, apenas seis se identificam como pretos ou pardos. Quando olhamos para a situação das mulheres negras, os dados são ainda piores. Contabilizando os últimos três ciclos eleitorais, os homens brancos foram eleitos 20 vezes mais do que as mulheres negras para compor a Câmara dos Deputados. No Senado, apenas seis mulheres negras foram eleitas desde a redemocratização. É possível que esses dados sejam ainda mais desanimadores. Após as mudanças na legislação para o incentivo de candidaturas de mulheres e pessoas negras, casos expressivos de candidaturas fraudulentas foram registrados.

Mas erra quem acredita que a falta de representatividade no Executivo e no Legislativo é fruto exclusivo da preferência dos eleitores. Contrariando o senso comum, um estudo do Instituto Update de 2020 mostra que o principal obstáculo para a eleição de mulheres e pessoas negras nas últimas eleições municipais foi a falta de apoio e incentivo dos partidos políticos antes e durante as campanhas. Quando representantes desses grupos recebem o mesmo apoio dado a homens brancos, há paridade no desempenho eleitoral.

O que essas estatísticas evidenciam é que aumentar a representatividade na política passa, necessariamente, por um trabalho profundo com os partidos políticos. Iniciativas de incentivo a candidaturas de mulheres e pessoas negras são apenas o primeiro passo. O real desafio é garantir que essas lideranças tenham paridade competitiva para transformar a promessa de potencial da representatividade em realidade política. Hoje, a corrida eleitoral é profundamente desleal. Nossa política é dominada por figuras com sobrenomes conhecidos que já nascem sendo preparadas para o universo do poder. Para ilustrar esse cenário, uma pesquisa do cientista político Robson Vasconcelos, vinculado à Universidade de Brasília (UnB), revela que, desde a redemocratização, cerca de dois a cada três senadores eleitos vieram de famílias com trajetória na política.

Lideranças mais representativas, em especial pessoas negras, precisam competir com figuras que sempre estiveram à frente das discussões políticas do País. Se realmente queremos mudar o jogo, precisamos olhar com atenção para os partidos políticos. São essas organizações que devem assegurar o caráter representativo e plural da nossa democracia e que podem gerar oportunidades sistêmicas para grupos historicamente sub-representados na política. Os partidos têm o dever de dar condições iguais para que mulheres e negros consigam realizar campanhas competitivas e viáveis.

Começando pelo óbvio, os partidos acumulam uma série de prerrogativas exclusivas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2024, as legendas serão responsáveis por administrar R$ 4,9 bilhões de recursos públicos destinados às campanhas eleitorais. Na prática, isso significa que os dirigentes possuem o poder de definir quem são aqueles que serão verdadeiramente competitivos na corrida eleitoral e que estarão aptos a representar a população nas arenas mais importantes da nossa democracia. Mas o trabalho dos partidos não se limita ao período eleitoral. Pelo contrário, a legislação brasileira prevê que os partidos tenham uma atuação constante na vida política. Apenas em 2023, essas legendas receberam R$ 1,2 bilhão de recursos públicos do Fundo Partidário para funcionarem como espaços de fomento ao debate político e de formação de lideranças que sejam capazes de transformar demandas sociais em respostas políticas. Aprofundando os deveres dessas instituições, a nova legislação aprovada pelo Congresso Nacional obriga que 5% do fundo seja usado para incentivar a participação de grupos sub-representados na política.

É dever dos partidos, portanto, construir programas que não só sejam capazes de atrair novos rostos mais representativos para a política, como também de formá-los, prepará-los e apoiá-los para a corrida eleitoral e para a vida pública. Mas erra também quem aponta que essa é uma realidade inerente aos partidos e que não é possível fazer diferente. Ventos mais animadores começam a surgir à esquerda e à direita. O PT, principal partido da esquerda brasileira, tem construído o programa Elas por Elas, uma iniciativa capilarizada que prevê formações, redes de apoio e troca de experiências para o desenvolvimento de lideranças femininas e feministas. O Novo, partido mais jovem da nossa democracia, também lançou em 2023 a Trilha de Engajamento de Lideranças Femininas (Telf), projeto que estrutura unidades regionais de impacto para o desenvolvimento de mulheres que possam ser as novas lideranças femininas do partido. No MDB, Baleia Rossi, presidente nacional da sigla, já se comprometeu a destinar 1% do Fundo Eleitoral para investimento em candidaturas jovens. Em contrapartida, ainda são raros os projetos intrapartidários de desenvolvimento de lideranças negras ou de outros grupos historicamente sub-representados.

O desafio é sensibilizar e apoiar os demais partidos do nosso sistema político a construírem iniciativas semelhantes e a investirem com profundidade no aumento da representatividade. Sem que essas legendas invistam no desenvolvimento de novas figuras representativas como lideranças e no enfrentamento à violência política racial e de gênero, é provável que nossa geração se vá sem testemunhar uma mudança concreta na fotografia do poder e, muito menos, se sentir verdadeiramente representada por aqueles que conduzem a nossa política. Faltam poucos meses para as eleições e a expectativa é que tenhamos mais de 550 mil candidatos e candidatas disputando as urnas. Ainda há tempo para tornar a política mais representativa e mudar essa fotografia.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETOR-EXECUTIVO DA LEGISLA BRASIL, MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PELA COLUMBIA UNIVERSITY; E GESTOR DE PARCERIAS DA LEGISLA BRASIL, INTERNACIONALISTA COM FORMAÇÃO COMPLEMENTAR EM POLÍTICA INTERNACIONAL PELA STELLENBOSCH UNIVERSITY

Opinião por Fernando Haddad Moura

Diretor-executivo da Legisla Brasil, é mestre em Administração pela Columbia University

Matheus Miranda Monteiro

Gestor de Parcerias da Legisla Brasil, é internacionalista com formação complementar em Política Internacional pela Stellenbosch University

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