Opinião|Pelo fim das tragédias anunciadas


Dissemos muitas vezes que ampliar o número e a potência de armas na sociedade causaria danos irreversíveis, mas não fomos ouvidos

Por Danielle Tsuchida

O recente ataque a duas escolas no Espírito Santo, cometido por um adolescente de 16 anos, que deixou uma outra adolescente de 12 anos e três professoras mortas, além de ferir mais 12 pessoas, é um dos muitos casos tristes que levaram a mortes trágicas e precoces nos últimos meses.

Em 22 de setembro, no Amapá, uma criança de apenas 3 anos pegou a arma do pai que estava sobre uma mesa e atirou acidentalmente contra o irmão gêmeo, atingindo-o na cabeça. Cinco dias depois, uma adolescente de 12 anos atirou na nuca de uma amiga da escola, em São Paulo, causando sua morte. Menos de um mês depois, no Ceará, um jovem de 15 anos matou um colega e feriu outros dois na escola. Todas essas mortes têm em comum um instrumento letal deixado ao alcance de crianças e adolescentes e, exceto no caso do Espírito Santo, essas armas eram de Colecionadores, Atiradores e Caçadores, os chamados CACs.

Também em setembro, completou um ano que os processos para restringir o acesso a essas armas por civis estavam parados no Supremo Tribunal Federal (STF). Tais processos tratam da série de normas que o presidente publicou nos últimos quatro anos para facilitar o registro de CAC a qualquer pessoa e, com ele, a permissão para ir a uma loja e comprar até 60 armas, incluindo fuzis. Ainda que, no fim do mesmo mês, o STF tenha julgado parte das ações para melhorar o controle de armas, o estrago já havia sido feito, como ilustram os casos aqui mencionados.

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Se essa facilitação do acesso às armas não tivesse sido promovida nos últimos anos, as vítimas de Macapá, Ceará e São Paulo, além de muitas outras, poderiam estar vivas. No Paraná e em São Paulo, houve outros dois casos recentes de mulheres que já haviam denunciado violências dos ex-companheiros e até mudado de Estado para protegerem a si próprias e sua família, mas foram mortas na frente dos filhos ou eles mesmos foram vitimados. Esses homens também portavam armas compradas legalmente com registro de CAC.

Essas situações trazem uma pergunta incessante: até quando deixaremos que crianças e adolescentes paguem a conta do descontrole do acesso às armas?

Nossa legislação pontua que crianças e adolescentes devem ser prioridade absoluta e estabelece inúmeros direitos para tal, como garantia à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, entre outros. Porém, com mais armas disponíveis, o que temos visto são episódios trágicos e, muitas vezes, letais. O discurso de que “a arma tem a meta de proteger meu patrimônio e minha família”, na vida real, se torna “a arma que eu comprei ajudou a destruir minha família”. A proteção tão almejada, em instantes, premeditados ou não, muda essas vidas para sempre.

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A mesma legislação que prevê prioridade absoluta às crianças e adolescentes diz que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar esses direitos. Mas, a partir dos fatos, é possível afirmar que fracassamos como Estado ao permitir que atualmente mais de 1 milhão de lares tenham novas armas hoje. Falhamos também ao não retirar armas de agressores em casos de violência doméstica, ainda que haja uma lei determinando isso.

Como comunidade e famílias, fracassamos ao não orientar e educar para haver respeito ao próximo, erramos ao continuar tolerando o bullying e, por vezes, chamar de mimimi o indispensável respeito às diferenças. O ódio vem sendo alimentado em face da compreensão e falhamos por ainda enxergar a violência como solução para muitos conflitos, nos quais a defesa do patrimônio se sobrepõe à da vida. Fracassamos ao permitir que se deixe uma arma municiada e destravada sobre a mesa, ao alcance das mãos de crianças tão pequenas, e ao considerar “normal” ou até desejável vender uma arma a um adolescente. O preço de tantos fracassos é pago por quem tinha a vida pela frente e deveria ter sido protegido em sua integridade física e emocional.

Esse era um cenário já imaginado. Dissemos muitas vezes que ampliar o número e a potência de armas na sociedade causaria danos irreversíveis, mas não fomos ouvidos. Agora nos resta, enquanto famílias, comunidade e Estado, rever valores e revogar medidas tão irresponsáveis, para minimizar o estrago nos anos que virão.

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O próximo passo é revogar decretos que permitem aos civis comprar armas de grosso calibre, como fuzis, além de diminuir o número de armas permitidas por pessoa e o de munições, que hoje é de 200 unidades para cada arma registrada na Polícia Federal. Também é essencial aprimorar o sistema de monitoramento de dados sobre armas e incentivar o programa de entrega voluntária.

Por fim, é necessário rever as regras que facilitam a prática de tiro esportivo a partir dos 14 anos e desenvolver e/ou ampliar discussões nas escolas sobre respeito, tolerância e resolução de conflitos, além de criar lei que responsabilize os donos de armas usadas em crimes cometidos por menores de idade.

Que a dor da nossa sociedade sirva de lição, pois infelizmente estas não foram e, possivelmente, não serão as últimas vítimas que demandam proteção e prioridade absoluta.

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*

PSICÓLOGA, É COORDENADORA DE PROJETOS DO INSTITUTO SOU DA PAZ

O recente ataque a duas escolas no Espírito Santo, cometido por um adolescente de 16 anos, que deixou uma outra adolescente de 12 anos e três professoras mortas, além de ferir mais 12 pessoas, é um dos muitos casos tristes que levaram a mortes trágicas e precoces nos últimos meses.

Em 22 de setembro, no Amapá, uma criança de apenas 3 anos pegou a arma do pai que estava sobre uma mesa e atirou acidentalmente contra o irmão gêmeo, atingindo-o na cabeça. Cinco dias depois, uma adolescente de 12 anos atirou na nuca de uma amiga da escola, em São Paulo, causando sua morte. Menos de um mês depois, no Ceará, um jovem de 15 anos matou um colega e feriu outros dois na escola. Todas essas mortes têm em comum um instrumento letal deixado ao alcance de crianças e adolescentes e, exceto no caso do Espírito Santo, essas armas eram de Colecionadores, Atiradores e Caçadores, os chamados CACs.

Também em setembro, completou um ano que os processos para restringir o acesso a essas armas por civis estavam parados no Supremo Tribunal Federal (STF). Tais processos tratam da série de normas que o presidente publicou nos últimos quatro anos para facilitar o registro de CAC a qualquer pessoa e, com ele, a permissão para ir a uma loja e comprar até 60 armas, incluindo fuzis. Ainda que, no fim do mesmo mês, o STF tenha julgado parte das ações para melhorar o controle de armas, o estrago já havia sido feito, como ilustram os casos aqui mencionados.

Se essa facilitação do acesso às armas não tivesse sido promovida nos últimos anos, as vítimas de Macapá, Ceará e São Paulo, além de muitas outras, poderiam estar vivas. No Paraná e em São Paulo, houve outros dois casos recentes de mulheres que já haviam denunciado violências dos ex-companheiros e até mudado de Estado para protegerem a si próprias e sua família, mas foram mortas na frente dos filhos ou eles mesmos foram vitimados. Esses homens também portavam armas compradas legalmente com registro de CAC.

Essas situações trazem uma pergunta incessante: até quando deixaremos que crianças e adolescentes paguem a conta do descontrole do acesso às armas?

Nossa legislação pontua que crianças e adolescentes devem ser prioridade absoluta e estabelece inúmeros direitos para tal, como garantia à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, entre outros. Porém, com mais armas disponíveis, o que temos visto são episódios trágicos e, muitas vezes, letais. O discurso de que “a arma tem a meta de proteger meu patrimônio e minha família”, na vida real, se torna “a arma que eu comprei ajudou a destruir minha família”. A proteção tão almejada, em instantes, premeditados ou não, muda essas vidas para sempre.

A mesma legislação que prevê prioridade absoluta às crianças e adolescentes diz que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar esses direitos. Mas, a partir dos fatos, é possível afirmar que fracassamos como Estado ao permitir que atualmente mais de 1 milhão de lares tenham novas armas hoje. Falhamos também ao não retirar armas de agressores em casos de violência doméstica, ainda que haja uma lei determinando isso.

Como comunidade e famílias, fracassamos ao não orientar e educar para haver respeito ao próximo, erramos ao continuar tolerando o bullying e, por vezes, chamar de mimimi o indispensável respeito às diferenças. O ódio vem sendo alimentado em face da compreensão e falhamos por ainda enxergar a violência como solução para muitos conflitos, nos quais a defesa do patrimônio se sobrepõe à da vida. Fracassamos ao permitir que se deixe uma arma municiada e destravada sobre a mesa, ao alcance das mãos de crianças tão pequenas, e ao considerar “normal” ou até desejável vender uma arma a um adolescente. O preço de tantos fracassos é pago por quem tinha a vida pela frente e deveria ter sido protegido em sua integridade física e emocional.

Esse era um cenário já imaginado. Dissemos muitas vezes que ampliar o número e a potência de armas na sociedade causaria danos irreversíveis, mas não fomos ouvidos. Agora nos resta, enquanto famílias, comunidade e Estado, rever valores e revogar medidas tão irresponsáveis, para minimizar o estrago nos anos que virão.

O próximo passo é revogar decretos que permitem aos civis comprar armas de grosso calibre, como fuzis, além de diminuir o número de armas permitidas por pessoa e o de munições, que hoje é de 200 unidades para cada arma registrada na Polícia Federal. Também é essencial aprimorar o sistema de monitoramento de dados sobre armas e incentivar o programa de entrega voluntária.

Por fim, é necessário rever as regras que facilitam a prática de tiro esportivo a partir dos 14 anos e desenvolver e/ou ampliar discussões nas escolas sobre respeito, tolerância e resolução de conflitos, além de criar lei que responsabilize os donos de armas usadas em crimes cometidos por menores de idade.

Que a dor da nossa sociedade sirva de lição, pois infelizmente estas não foram e, possivelmente, não serão as últimas vítimas que demandam proteção e prioridade absoluta.

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PSICÓLOGA, É COORDENADORA DE PROJETOS DO INSTITUTO SOU DA PAZ

O recente ataque a duas escolas no Espírito Santo, cometido por um adolescente de 16 anos, que deixou uma outra adolescente de 12 anos e três professoras mortas, além de ferir mais 12 pessoas, é um dos muitos casos tristes que levaram a mortes trágicas e precoces nos últimos meses.

Em 22 de setembro, no Amapá, uma criança de apenas 3 anos pegou a arma do pai que estava sobre uma mesa e atirou acidentalmente contra o irmão gêmeo, atingindo-o na cabeça. Cinco dias depois, uma adolescente de 12 anos atirou na nuca de uma amiga da escola, em São Paulo, causando sua morte. Menos de um mês depois, no Ceará, um jovem de 15 anos matou um colega e feriu outros dois na escola. Todas essas mortes têm em comum um instrumento letal deixado ao alcance de crianças e adolescentes e, exceto no caso do Espírito Santo, essas armas eram de Colecionadores, Atiradores e Caçadores, os chamados CACs.

Também em setembro, completou um ano que os processos para restringir o acesso a essas armas por civis estavam parados no Supremo Tribunal Federal (STF). Tais processos tratam da série de normas que o presidente publicou nos últimos quatro anos para facilitar o registro de CAC a qualquer pessoa e, com ele, a permissão para ir a uma loja e comprar até 60 armas, incluindo fuzis. Ainda que, no fim do mesmo mês, o STF tenha julgado parte das ações para melhorar o controle de armas, o estrago já havia sido feito, como ilustram os casos aqui mencionados.

Se essa facilitação do acesso às armas não tivesse sido promovida nos últimos anos, as vítimas de Macapá, Ceará e São Paulo, além de muitas outras, poderiam estar vivas. No Paraná e em São Paulo, houve outros dois casos recentes de mulheres que já haviam denunciado violências dos ex-companheiros e até mudado de Estado para protegerem a si próprias e sua família, mas foram mortas na frente dos filhos ou eles mesmos foram vitimados. Esses homens também portavam armas compradas legalmente com registro de CAC.

Essas situações trazem uma pergunta incessante: até quando deixaremos que crianças e adolescentes paguem a conta do descontrole do acesso às armas?

Nossa legislação pontua que crianças e adolescentes devem ser prioridade absoluta e estabelece inúmeros direitos para tal, como garantia à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, entre outros. Porém, com mais armas disponíveis, o que temos visto são episódios trágicos e, muitas vezes, letais. O discurso de que “a arma tem a meta de proteger meu patrimônio e minha família”, na vida real, se torna “a arma que eu comprei ajudou a destruir minha família”. A proteção tão almejada, em instantes, premeditados ou não, muda essas vidas para sempre.

A mesma legislação que prevê prioridade absoluta às crianças e adolescentes diz que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar esses direitos. Mas, a partir dos fatos, é possível afirmar que fracassamos como Estado ao permitir que atualmente mais de 1 milhão de lares tenham novas armas hoje. Falhamos também ao não retirar armas de agressores em casos de violência doméstica, ainda que haja uma lei determinando isso.

Como comunidade e famílias, fracassamos ao não orientar e educar para haver respeito ao próximo, erramos ao continuar tolerando o bullying e, por vezes, chamar de mimimi o indispensável respeito às diferenças. O ódio vem sendo alimentado em face da compreensão e falhamos por ainda enxergar a violência como solução para muitos conflitos, nos quais a defesa do patrimônio se sobrepõe à da vida. Fracassamos ao permitir que se deixe uma arma municiada e destravada sobre a mesa, ao alcance das mãos de crianças tão pequenas, e ao considerar “normal” ou até desejável vender uma arma a um adolescente. O preço de tantos fracassos é pago por quem tinha a vida pela frente e deveria ter sido protegido em sua integridade física e emocional.

Esse era um cenário já imaginado. Dissemos muitas vezes que ampliar o número e a potência de armas na sociedade causaria danos irreversíveis, mas não fomos ouvidos. Agora nos resta, enquanto famílias, comunidade e Estado, rever valores e revogar medidas tão irresponsáveis, para minimizar o estrago nos anos que virão.

O próximo passo é revogar decretos que permitem aos civis comprar armas de grosso calibre, como fuzis, além de diminuir o número de armas permitidas por pessoa e o de munições, que hoje é de 200 unidades para cada arma registrada na Polícia Federal. Também é essencial aprimorar o sistema de monitoramento de dados sobre armas e incentivar o programa de entrega voluntária.

Por fim, é necessário rever as regras que facilitam a prática de tiro esportivo a partir dos 14 anos e desenvolver e/ou ampliar discussões nas escolas sobre respeito, tolerância e resolução de conflitos, além de criar lei que responsabilize os donos de armas usadas em crimes cometidos por menores de idade.

Que a dor da nossa sociedade sirva de lição, pois infelizmente estas não foram e, possivelmente, não serão as últimas vítimas que demandam proteção e prioridade absoluta.

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PSICÓLOGA, É COORDENADORA DE PROJETOS DO INSTITUTO SOU DA PAZ

O recente ataque a duas escolas no Espírito Santo, cometido por um adolescente de 16 anos, que deixou uma outra adolescente de 12 anos e três professoras mortas, além de ferir mais 12 pessoas, é um dos muitos casos tristes que levaram a mortes trágicas e precoces nos últimos meses.

Em 22 de setembro, no Amapá, uma criança de apenas 3 anos pegou a arma do pai que estava sobre uma mesa e atirou acidentalmente contra o irmão gêmeo, atingindo-o na cabeça. Cinco dias depois, uma adolescente de 12 anos atirou na nuca de uma amiga da escola, em São Paulo, causando sua morte. Menos de um mês depois, no Ceará, um jovem de 15 anos matou um colega e feriu outros dois na escola. Todas essas mortes têm em comum um instrumento letal deixado ao alcance de crianças e adolescentes e, exceto no caso do Espírito Santo, essas armas eram de Colecionadores, Atiradores e Caçadores, os chamados CACs.

Também em setembro, completou um ano que os processos para restringir o acesso a essas armas por civis estavam parados no Supremo Tribunal Federal (STF). Tais processos tratam da série de normas que o presidente publicou nos últimos quatro anos para facilitar o registro de CAC a qualquer pessoa e, com ele, a permissão para ir a uma loja e comprar até 60 armas, incluindo fuzis. Ainda que, no fim do mesmo mês, o STF tenha julgado parte das ações para melhorar o controle de armas, o estrago já havia sido feito, como ilustram os casos aqui mencionados.

Se essa facilitação do acesso às armas não tivesse sido promovida nos últimos anos, as vítimas de Macapá, Ceará e São Paulo, além de muitas outras, poderiam estar vivas. No Paraná e em São Paulo, houve outros dois casos recentes de mulheres que já haviam denunciado violências dos ex-companheiros e até mudado de Estado para protegerem a si próprias e sua família, mas foram mortas na frente dos filhos ou eles mesmos foram vitimados. Esses homens também portavam armas compradas legalmente com registro de CAC.

Essas situações trazem uma pergunta incessante: até quando deixaremos que crianças e adolescentes paguem a conta do descontrole do acesso às armas?

Nossa legislação pontua que crianças e adolescentes devem ser prioridade absoluta e estabelece inúmeros direitos para tal, como garantia à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, entre outros. Porém, com mais armas disponíveis, o que temos visto são episódios trágicos e, muitas vezes, letais. O discurso de que “a arma tem a meta de proteger meu patrimônio e minha família”, na vida real, se torna “a arma que eu comprei ajudou a destruir minha família”. A proteção tão almejada, em instantes, premeditados ou não, muda essas vidas para sempre.

A mesma legislação que prevê prioridade absoluta às crianças e adolescentes diz que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar esses direitos. Mas, a partir dos fatos, é possível afirmar que fracassamos como Estado ao permitir que atualmente mais de 1 milhão de lares tenham novas armas hoje. Falhamos também ao não retirar armas de agressores em casos de violência doméstica, ainda que haja uma lei determinando isso.

Como comunidade e famílias, fracassamos ao não orientar e educar para haver respeito ao próximo, erramos ao continuar tolerando o bullying e, por vezes, chamar de mimimi o indispensável respeito às diferenças. O ódio vem sendo alimentado em face da compreensão e falhamos por ainda enxergar a violência como solução para muitos conflitos, nos quais a defesa do patrimônio se sobrepõe à da vida. Fracassamos ao permitir que se deixe uma arma municiada e destravada sobre a mesa, ao alcance das mãos de crianças tão pequenas, e ao considerar “normal” ou até desejável vender uma arma a um adolescente. O preço de tantos fracassos é pago por quem tinha a vida pela frente e deveria ter sido protegido em sua integridade física e emocional.

Esse era um cenário já imaginado. Dissemos muitas vezes que ampliar o número e a potência de armas na sociedade causaria danos irreversíveis, mas não fomos ouvidos. Agora nos resta, enquanto famílias, comunidade e Estado, rever valores e revogar medidas tão irresponsáveis, para minimizar o estrago nos anos que virão.

O próximo passo é revogar decretos que permitem aos civis comprar armas de grosso calibre, como fuzis, além de diminuir o número de armas permitidas por pessoa e o de munições, que hoje é de 200 unidades para cada arma registrada na Polícia Federal. Também é essencial aprimorar o sistema de monitoramento de dados sobre armas e incentivar o programa de entrega voluntária.

Por fim, é necessário rever as regras que facilitam a prática de tiro esportivo a partir dos 14 anos e desenvolver e/ou ampliar discussões nas escolas sobre respeito, tolerância e resolução de conflitos, além de criar lei que responsabilize os donos de armas usadas em crimes cometidos por menores de idade.

Que a dor da nossa sociedade sirva de lição, pois infelizmente estas não foram e, possivelmente, não serão as últimas vítimas que demandam proteção e prioridade absoluta.

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PSICÓLOGA, É COORDENADORA DE PROJETOS DO INSTITUTO SOU DA PAZ

O recente ataque a duas escolas no Espírito Santo, cometido por um adolescente de 16 anos, que deixou uma outra adolescente de 12 anos e três professoras mortas, além de ferir mais 12 pessoas, é um dos muitos casos tristes que levaram a mortes trágicas e precoces nos últimos meses.

Em 22 de setembro, no Amapá, uma criança de apenas 3 anos pegou a arma do pai que estava sobre uma mesa e atirou acidentalmente contra o irmão gêmeo, atingindo-o na cabeça. Cinco dias depois, uma adolescente de 12 anos atirou na nuca de uma amiga da escola, em São Paulo, causando sua morte. Menos de um mês depois, no Ceará, um jovem de 15 anos matou um colega e feriu outros dois na escola. Todas essas mortes têm em comum um instrumento letal deixado ao alcance de crianças e adolescentes e, exceto no caso do Espírito Santo, essas armas eram de Colecionadores, Atiradores e Caçadores, os chamados CACs.

Também em setembro, completou um ano que os processos para restringir o acesso a essas armas por civis estavam parados no Supremo Tribunal Federal (STF). Tais processos tratam da série de normas que o presidente publicou nos últimos quatro anos para facilitar o registro de CAC a qualquer pessoa e, com ele, a permissão para ir a uma loja e comprar até 60 armas, incluindo fuzis. Ainda que, no fim do mesmo mês, o STF tenha julgado parte das ações para melhorar o controle de armas, o estrago já havia sido feito, como ilustram os casos aqui mencionados.

Se essa facilitação do acesso às armas não tivesse sido promovida nos últimos anos, as vítimas de Macapá, Ceará e São Paulo, além de muitas outras, poderiam estar vivas. No Paraná e em São Paulo, houve outros dois casos recentes de mulheres que já haviam denunciado violências dos ex-companheiros e até mudado de Estado para protegerem a si próprias e sua família, mas foram mortas na frente dos filhos ou eles mesmos foram vitimados. Esses homens também portavam armas compradas legalmente com registro de CAC.

Essas situações trazem uma pergunta incessante: até quando deixaremos que crianças e adolescentes paguem a conta do descontrole do acesso às armas?

Nossa legislação pontua que crianças e adolescentes devem ser prioridade absoluta e estabelece inúmeros direitos para tal, como garantia à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, entre outros. Porém, com mais armas disponíveis, o que temos visto são episódios trágicos e, muitas vezes, letais. O discurso de que “a arma tem a meta de proteger meu patrimônio e minha família”, na vida real, se torna “a arma que eu comprei ajudou a destruir minha família”. A proteção tão almejada, em instantes, premeditados ou não, muda essas vidas para sempre.

A mesma legislação que prevê prioridade absoluta às crianças e adolescentes diz que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar esses direitos. Mas, a partir dos fatos, é possível afirmar que fracassamos como Estado ao permitir que atualmente mais de 1 milhão de lares tenham novas armas hoje. Falhamos também ao não retirar armas de agressores em casos de violência doméstica, ainda que haja uma lei determinando isso.

Como comunidade e famílias, fracassamos ao não orientar e educar para haver respeito ao próximo, erramos ao continuar tolerando o bullying e, por vezes, chamar de mimimi o indispensável respeito às diferenças. O ódio vem sendo alimentado em face da compreensão e falhamos por ainda enxergar a violência como solução para muitos conflitos, nos quais a defesa do patrimônio se sobrepõe à da vida. Fracassamos ao permitir que se deixe uma arma municiada e destravada sobre a mesa, ao alcance das mãos de crianças tão pequenas, e ao considerar “normal” ou até desejável vender uma arma a um adolescente. O preço de tantos fracassos é pago por quem tinha a vida pela frente e deveria ter sido protegido em sua integridade física e emocional.

Esse era um cenário já imaginado. Dissemos muitas vezes que ampliar o número e a potência de armas na sociedade causaria danos irreversíveis, mas não fomos ouvidos. Agora nos resta, enquanto famílias, comunidade e Estado, rever valores e revogar medidas tão irresponsáveis, para minimizar o estrago nos anos que virão.

O próximo passo é revogar decretos que permitem aos civis comprar armas de grosso calibre, como fuzis, além de diminuir o número de armas permitidas por pessoa e o de munições, que hoje é de 200 unidades para cada arma registrada na Polícia Federal. Também é essencial aprimorar o sistema de monitoramento de dados sobre armas e incentivar o programa de entrega voluntária.

Por fim, é necessário rever as regras que facilitam a prática de tiro esportivo a partir dos 14 anos e desenvolver e/ou ampliar discussões nas escolas sobre respeito, tolerância e resolução de conflitos, além de criar lei que responsabilize os donos de armas usadas em crimes cometidos por menores de idade.

Que a dor da nossa sociedade sirva de lição, pois infelizmente estas não foram e, possivelmente, não serão as últimas vítimas que demandam proteção e prioridade absoluta.

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