Opinião|Pergunte ao STF


Emendas parlamentares individuais têm papel redistributivo relevante, Mas é impossível medir eficiência, eficácia e efetividade das transferências especiais nos últimos quatro anos

Por Paulo Corrêa e João Pederiva

As emendas parlamentares orçamentárias individuais convencionais (com finalidade definida) e transferências especiais (sem finalidade definida) atendem a gastos primários. No caso da União, os recursos de ambas vêm da arrecadação de receitas federais também primárias, especialmente tributos. Cabe, então, renúncia ao poder-dever de fiscalização de repasses da União das transferências especiais?

A Emenda Constitucional (EC) n.º 105, ao final de 2019, criou as transferências especiais. O poder constituinte derivado poderia afastar competências fiscalizatórias dos órgãos de controle federais? Considerando princípios constitucionais e cláusulas pétreas, tal omissão não parece uma opção constitucional. Resta saber quem, quando e como se provocará o Supremo Tribunal Federal (STF) para tal elucidação.

Em 2010, a Corte entendeu que o dever de fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos repassados é ato que se impõe, sob pena de a União ser responsabilizada por omissão (RMS 25.943). O município de São Francisco do Conde, na Bahia, questionava a fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU) no tocante aos repasses federais recebidos.

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Contudo, a EC 105 trouxe paralisia à sistemática de supervisão e controle de repasses federais por transferências especiais. Entre outras restrições, é vedada a aplicação de recursos de emendas individuais em gastos com pessoal e encargos sociais ou dívida do ente beneficiário. Nas transferências com finalidade definida, os recursos são vinculados à programação estabelecida na emenda e aplicados em áreas de competência constitucional da União. Nas transferências especiais, os recursos são repassados diretamente ao ente federado beneficiado para aplicação em programações finalísticas do respectivo Poder Executivo, com aplicação mínima de 70% em despesas de capital. Há controvérsia sobre a aplicação dos dispositivos que afirmam pertencerem os recursos de transferências especiais ao ente federativo, no ato da efetiva transferência financeira, em conjunto com a aparente faculdade de o ente poder (não) firmar contratos de cooperação técnica para acompanhamento da aplicação dos recursos pelo ente originário.

Diferentemente das transferências constitucionais obrigatórias, os recursos transferidos não pertencem originariamente aos entes destinatários, apesar dos usos dos mesmos mecanismos operacionais. Como se mencionou no início deste texto, os recursos em questão são originalmente arrecadados para financiamento de gastos da União, inclusive transferências especiais.

Tampouco se assemelham aos tributos federais transferidos a entidades privadas do Sistema S. Neste caso, o Supremo Tribunal Federal também afastou a fiscalização federal das aplicações de recursos (ACO 1.953), posto que tais tributos também são originariamente constituídos em favor dessas entidades e nem sequer constam dos orçamentos federais.

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O fato é que interpretações constitucionais têm servido como justificativa para a opacidade das transferências especiais do radar de agências de monitoramento. Por exemplo, não há obrigatoriedade de registro contábil da identidade da emenda federal originária junto com o recebimento dos recursos. Dessa maneira, prejudica-se sua rastreabilidade por órgãos como a Controladoria-Geral da União, o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DenaSUS), a Polícia Federal e o Ministério Público, além de contribuintes, eleitores e a população em geral. Uma anomalia que tem produzido um apagão informacional no qual, segundo o Painel Parlamentar, apenas 5% dos beneficiários divulgaram alguma informação sobre como, onde e quando executaram os repasses. Sem a rastreabilidade, como aferir a observância das restrições existentes?

Neste contexto, o Tribunal de Contas da União (TCU), por decisão própria, abdicou da fiscalização dos recursos (TC 032.080/2021-2). A iniciativa de painel para monitorar esse tipo de emendamento ao Orçamento federal (Instrução Normativa n.º 93, de 2024) é louvável, mas não atinge o cerne da assimetria instalada: se a União arrecadou, órgãos federais de controle têm a obrigação de fiscalizar e a população tem o direito de saber em que, como e quando se gastou.

A interpretação federal pela falta de rastreabilidade da aplicação dos recursos também se aplica às transferências especiais realizadas pelas demais entidades federativas. A falta de identificação da emenda originária, nos registros dos entes beneficiários, aumenta as dificuldades de fiscalização da regular aplicação dos recursos e do exercício dos mandatos.

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As emendas parlamentares individuais têm relevante papel redistributivo. Os congressistas alocam recursos com o objetivo de maximizar o bem-estar local, enquanto o presidente da República prioriza ações estruturantes nacionais. No entanto, é impossível medir eficiência, eficácia e efetividade das transferências especiais nos últimos quatro anos. O único rastro que deixaram é o apagão informacional. Quem provocará o STF?

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, JORNALISTA PÓS-GRADUADO EM ORÇAMENTO PÚBLICO; E CONSULTOR DE ORÇAMENTOS E DOUTOR EM AMÉRICAS COMPARADAS

As emendas parlamentares orçamentárias individuais convencionais (com finalidade definida) e transferências especiais (sem finalidade definida) atendem a gastos primários. No caso da União, os recursos de ambas vêm da arrecadação de receitas federais também primárias, especialmente tributos. Cabe, então, renúncia ao poder-dever de fiscalização de repasses da União das transferências especiais?

A Emenda Constitucional (EC) n.º 105, ao final de 2019, criou as transferências especiais. O poder constituinte derivado poderia afastar competências fiscalizatórias dos órgãos de controle federais? Considerando princípios constitucionais e cláusulas pétreas, tal omissão não parece uma opção constitucional. Resta saber quem, quando e como se provocará o Supremo Tribunal Federal (STF) para tal elucidação.

Em 2010, a Corte entendeu que o dever de fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos repassados é ato que se impõe, sob pena de a União ser responsabilizada por omissão (RMS 25.943). O município de São Francisco do Conde, na Bahia, questionava a fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU) no tocante aos repasses federais recebidos.

Contudo, a EC 105 trouxe paralisia à sistemática de supervisão e controle de repasses federais por transferências especiais. Entre outras restrições, é vedada a aplicação de recursos de emendas individuais em gastos com pessoal e encargos sociais ou dívida do ente beneficiário. Nas transferências com finalidade definida, os recursos são vinculados à programação estabelecida na emenda e aplicados em áreas de competência constitucional da União. Nas transferências especiais, os recursos são repassados diretamente ao ente federado beneficiado para aplicação em programações finalísticas do respectivo Poder Executivo, com aplicação mínima de 70% em despesas de capital. Há controvérsia sobre a aplicação dos dispositivos que afirmam pertencerem os recursos de transferências especiais ao ente federativo, no ato da efetiva transferência financeira, em conjunto com a aparente faculdade de o ente poder (não) firmar contratos de cooperação técnica para acompanhamento da aplicação dos recursos pelo ente originário.

Diferentemente das transferências constitucionais obrigatórias, os recursos transferidos não pertencem originariamente aos entes destinatários, apesar dos usos dos mesmos mecanismos operacionais. Como se mencionou no início deste texto, os recursos em questão são originalmente arrecadados para financiamento de gastos da União, inclusive transferências especiais.

Tampouco se assemelham aos tributos federais transferidos a entidades privadas do Sistema S. Neste caso, o Supremo Tribunal Federal também afastou a fiscalização federal das aplicações de recursos (ACO 1.953), posto que tais tributos também são originariamente constituídos em favor dessas entidades e nem sequer constam dos orçamentos federais.

O fato é que interpretações constitucionais têm servido como justificativa para a opacidade das transferências especiais do radar de agências de monitoramento. Por exemplo, não há obrigatoriedade de registro contábil da identidade da emenda federal originária junto com o recebimento dos recursos. Dessa maneira, prejudica-se sua rastreabilidade por órgãos como a Controladoria-Geral da União, o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DenaSUS), a Polícia Federal e o Ministério Público, além de contribuintes, eleitores e a população em geral. Uma anomalia que tem produzido um apagão informacional no qual, segundo o Painel Parlamentar, apenas 5% dos beneficiários divulgaram alguma informação sobre como, onde e quando executaram os repasses. Sem a rastreabilidade, como aferir a observância das restrições existentes?

Neste contexto, o Tribunal de Contas da União (TCU), por decisão própria, abdicou da fiscalização dos recursos (TC 032.080/2021-2). A iniciativa de painel para monitorar esse tipo de emendamento ao Orçamento federal (Instrução Normativa n.º 93, de 2024) é louvável, mas não atinge o cerne da assimetria instalada: se a União arrecadou, órgãos federais de controle têm a obrigação de fiscalizar e a população tem o direito de saber em que, como e quando se gastou.

A interpretação federal pela falta de rastreabilidade da aplicação dos recursos também se aplica às transferências especiais realizadas pelas demais entidades federativas. A falta de identificação da emenda originária, nos registros dos entes beneficiários, aumenta as dificuldades de fiscalização da regular aplicação dos recursos e do exercício dos mandatos.

As emendas parlamentares individuais têm relevante papel redistributivo. Os congressistas alocam recursos com o objetivo de maximizar o bem-estar local, enquanto o presidente da República prioriza ações estruturantes nacionais. No entanto, é impossível medir eficiência, eficácia e efetividade das transferências especiais nos últimos quatro anos. O único rastro que deixaram é o apagão informacional. Quem provocará o STF?

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, JORNALISTA PÓS-GRADUADO EM ORÇAMENTO PÚBLICO; E CONSULTOR DE ORÇAMENTOS E DOUTOR EM AMÉRICAS COMPARADAS

As emendas parlamentares orçamentárias individuais convencionais (com finalidade definida) e transferências especiais (sem finalidade definida) atendem a gastos primários. No caso da União, os recursos de ambas vêm da arrecadação de receitas federais também primárias, especialmente tributos. Cabe, então, renúncia ao poder-dever de fiscalização de repasses da União das transferências especiais?

A Emenda Constitucional (EC) n.º 105, ao final de 2019, criou as transferências especiais. O poder constituinte derivado poderia afastar competências fiscalizatórias dos órgãos de controle federais? Considerando princípios constitucionais e cláusulas pétreas, tal omissão não parece uma opção constitucional. Resta saber quem, quando e como se provocará o Supremo Tribunal Federal (STF) para tal elucidação.

Em 2010, a Corte entendeu que o dever de fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos repassados é ato que se impõe, sob pena de a União ser responsabilizada por omissão (RMS 25.943). O município de São Francisco do Conde, na Bahia, questionava a fiscalização da Controladoria-Geral da União (CGU) no tocante aos repasses federais recebidos.

Contudo, a EC 105 trouxe paralisia à sistemática de supervisão e controle de repasses federais por transferências especiais. Entre outras restrições, é vedada a aplicação de recursos de emendas individuais em gastos com pessoal e encargos sociais ou dívida do ente beneficiário. Nas transferências com finalidade definida, os recursos são vinculados à programação estabelecida na emenda e aplicados em áreas de competência constitucional da União. Nas transferências especiais, os recursos são repassados diretamente ao ente federado beneficiado para aplicação em programações finalísticas do respectivo Poder Executivo, com aplicação mínima de 70% em despesas de capital. Há controvérsia sobre a aplicação dos dispositivos que afirmam pertencerem os recursos de transferências especiais ao ente federativo, no ato da efetiva transferência financeira, em conjunto com a aparente faculdade de o ente poder (não) firmar contratos de cooperação técnica para acompanhamento da aplicação dos recursos pelo ente originário.

Diferentemente das transferências constitucionais obrigatórias, os recursos transferidos não pertencem originariamente aos entes destinatários, apesar dos usos dos mesmos mecanismos operacionais. Como se mencionou no início deste texto, os recursos em questão são originalmente arrecadados para financiamento de gastos da União, inclusive transferências especiais.

Tampouco se assemelham aos tributos federais transferidos a entidades privadas do Sistema S. Neste caso, o Supremo Tribunal Federal também afastou a fiscalização federal das aplicações de recursos (ACO 1.953), posto que tais tributos também são originariamente constituídos em favor dessas entidades e nem sequer constam dos orçamentos federais.

O fato é que interpretações constitucionais têm servido como justificativa para a opacidade das transferências especiais do radar de agências de monitoramento. Por exemplo, não há obrigatoriedade de registro contábil da identidade da emenda federal originária junto com o recebimento dos recursos. Dessa maneira, prejudica-se sua rastreabilidade por órgãos como a Controladoria-Geral da União, o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DenaSUS), a Polícia Federal e o Ministério Público, além de contribuintes, eleitores e a população em geral. Uma anomalia que tem produzido um apagão informacional no qual, segundo o Painel Parlamentar, apenas 5% dos beneficiários divulgaram alguma informação sobre como, onde e quando executaram os repasses. Sem a rastreabilidade, como aferir a observância das restrições existentes?

Neste contexto, o Tribunal de Contas da União (TCU), por decisão própria, abdicou da fiscalização dos recursos (TC 032.080/2021-2). A iniciativa de painel para monitorar esse tipo de emendamento ao Orçamento federal (Instrução Normativa n.º 93, de 2024) é louvável, mas não atinge o cerne da assimetria instalada: se a União arrecadou, órgãos federais de controle têm a obrigação de fiscalizar e a população tem o direito de saber em que, como e quando se gastou.

A interpretação federal pela falta de rastreabilidade da aplicação dos recursos também se aplica às transferências especiais realizadas pelas demais entidades federativas. A falta de identificação da emenda originária, nos registros dos entes beneficiários, aumenta as dificuldades de fiscalização da regular aplicação dos recursos e do exercício dos mandatos.

As emendas parlamentares individuais têm relevante papel redistributivo. Os congressistas alocam recursos com o objetivo de maximizar o bem-estar local, enquanto o presidente da República prioriza ações estruturantes nacionais. No entanto, é impossível medir eficiência, eficácia e efetividade das transferências especiais nos últimos quatro anos. O único rastro que deixaram é o apagão informacional. Quem provocará o STF?

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, JORNALISTA PÓS-GRADUADO EM ORÇAMENTO PÚBLICO; E CONSULTOR DE ORÇAMENTOS E DOUTOR EM AMÉRICAS COMPARADAS

Opinião por Paulo Corrêa

Jornalista, pós-graduado em Orçamento Público

João Pederiva

Consultor de Orçamentos, doutor em Américas Comparadas

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