O governo esmera-se, cada vez mais, em maquiar tudo o que faz, como se todo o desastre produzido por ele mesmo não tivesse existido. Afinal, tudo se deve, evidentemente, a causas externas, à seca e a alguma outra desculpa inepta que encontre pelo caminho. Reconhecer seus erros, jogar no lixo a tal da “nova matriz econômica”, que pôs o Brasil neste buraco, não consta de suas prioridades. Ao contrário, pretende repetir mais do mesmo, em nome de supostos “direitos sociais”, que, na verdade, são simplesmente o seu próprio desejo de se manter no poder.
A encenação tem um único propósito: aumentar impostos. Seu pacote não fez nenhum esforço real de corte dos próprios gastos, estabelecendo prioridades, formulando reformas estruturais, como a previdenciária e a trabalhista. Nada disso, só estabeleceu supostas preliminares para reintroduzir a CPMF.
É sobejamente conhecido tratar-se de um mau tributo, que impregna toda a cadeia produtiva, além de incidir sobre impostos já pagos. É um imposto em cima de impostos, um despropósito, ademais, já rejeitado por parlamentares e pelo vice-presidente semanas atrás. É a crônica de uma derrota anunciada. O argumento de que se trata de uma contribuição “pequenininha”, apresentado pelo ministro da Fazenda, é uma afronta à inteligência dos brasileiros. Melhor teria sido o silêncio e a preservação de sua própria reputação.
A proposta da CPMF apresenta ainda uma artimanha política de monta. Embora o nome inclua o caráter de provisória, os ministros não estabeleceram o tempo de sua duração. Instados por uma jornalista a esclarecer esse ponto, a resposta foi uma pérola: quatro anos. Ou seja, querem com essa contribuição garantir o governo Dilma em sua própria política econômica até o fim, dando-lhe condições financeiras de perseverar em seus erros.
Trata-se de um cheque em branco dado à sua incompetência. Na verdade, seria uma espécie de garantia para a presidente terminar o seu mandato, sem nada alterar de seus fundamentos. Para cobrir tal (des)propósito, tivemos direito a outra pérola, a de que o próximo governo teria um ano da contribuição, podendo, então, renová-la ou não. Fomos tratados como tolos.
Aliás, os dois ministros em suas apresentações aparentaram cansaço e atenderam àquela obrigação com fastio. No caso de Joaquim Levy, que ficou com o maior ônus, era evidente a sua falta de convencimento, como se pressionado pelas circunstâncias. Se não seguisse o ritual, provavelmente teria de deixar o cargo. Já Nelson Barbosa concordava com o que estava fazendo, pois é um dos responsáveis pela tal “nova matriz econômica”, que praticamente quebrou o Brasil.
Ora, o fastio é dos brasileiros, obrigados a seguir essas “orientações” como se fossem naturais, quando, de fato, são fruto de escolhas do atual governo. Os contribuintes estão cansados de tanto engodo.
Outra pérola da apresentação foi a justificativa do ministro Barbosa de que há estudos para uma reforma da Previdência, com grupos de trabalho já constituídos - bem conhecido subterfúgio dos governantes para nada fazerem e nada decidirem, simplesmente transferindo responsabilidades. O rombo da Previdência é conhecido de longa data e está se tornando explosivo. Os 13 anos de governo petista não teriam sido suficientes para tomar uma decisão! No governo Dilma, a bomba foi acionada. O que fez? Nada, ou melhor, criou “comissões para discussão”.
Nesse meio tempo, óbvio, a nova CPMF seria usada para cobrir o rombo da Previdência, que tem como único responsável o governo, que nada fez. Terá o ministro Barbosa descoberto o problema agora? Nada fizeram e agora chamam os contribuintes a arcar com mais esse ônus, causado por sua irresponsabilidade? Os brasileiros estão sendo tratados como idiotas.
O corte dos recursos do Sistema S é mais uma amostra de irresponsabilidade. Trata-se de uma contribuição empresarial que financia seus sindicatos, voltados para o aprimoramento funcional, profissional e técnico de agricultores, trabalhadores e empresários. Seus instrumentos são o Senar, o Sesc e o Senai, além do Sebrae. Essas instituições cumprem muito bem o seu papel e se lhes sobram recursos é porque são bem administradas, ao contrário das governamentais, sempre deficitárias.
E o que faz o governo? Quer transferir esses recursos para si, com o arbítrio que o caracteriza. Em nome de uma suposta “reforma”, o governo procura se apropriar do que não lhe pertence. Tira de quem emprega responsavelmente para tapar seus próprios buracos. Uma irresponsabilidade.
Nesse festival de pérolas, o governo propõe postergar o reajuste do funcionalismo público de janeiro para agosto, além de não realizar concursos no próximo ano. Isso significa que o governo está “cortando” recursos futuros, ou seja, inexistentes. Não se trata de um corte feito na sua atual utilização de recursos, para ele intocável, tal como seguem intocáveis todos os seus “programas”. Um governo que não tem mais recursos não tem como oferecer reajustes nem aumentar seus quadros, por mais justas que possam ser as demandas de recuperação de perdas causadas pela inflação, pela qual, aliás, ele é o único responsável.
Como se não fosse suficiente, a proposta ainda mexe com as emendas parlamentares, produzindo mais conflitos. É como se tivesse uma compulsão incontrolável a criar problemas. Note-se que essas emendas seriam canalizadas para o PAC, isto é, para seus próprios projetos, que ficariam ao abrigo de cortes. Deveriam, portanto, os parlamentares apoiar obrigatoriamente o governo, que procuraria safar-se de suas enrascadas.
Sinceramente, os brasileiros não merecem essas pérolas e esse descaso.
*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR