Opinião|Por que legitimamos a violência política?


É hora de acalmar os ânimos, fortalecer instituições e perceber que o outro merece o mesmo tratamento humano que desejamos para nós e para os que pensam como nós

Por João V. Guedes-Neto

A polarização política tem se intensificado em diversas democracias ao redor do mundo. A hostilidade crescente entre grupos políticos opostos não apenas ameaça a coesão social, mas também aumenta a aceitação da violência como ferramenta política. Essa hostilidade, conhecida como polarização afetiva, é caracterizada pelo ódio e desconfiança intensa entre partidários de diferentes campos ideológicos. A ciência política e, em especial, a psicologia política nos ajudam a entender como essa polarização motiva a desumanização dos oponentes e legitima a violência política.

Ainda que sejam radicalmente diferentes em sua escala, alvo e origem, o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e a tentativa de assassinato de Donald Trump em 13 de julho de 2024 têm a polarização afetiva como objeto comum. São atos radicais que ocorrem em um cenário de tudo ou nada, onde acredita-se que tudo vale e tudo deve ser feito para derrotar o oponente político e o que ele representa para a sociedade. Nesses cenários, torna-se comum falar que o rival precisa ser derrotado “a qualquer custo”.

Conceito amplamente estudado por psicólogos e cientistas políticos, a desumanização é um dos fenômenos presentes em contextos altamente polarizados. Se trata de casos nos quais nosso distanciamento ao outro é tão grande que passamos a negar sua humanidade. Os professores Nick Haslam e Steve Loughnan (Universidade de Melbourne) destacam que a negação da humanidade do outro facilita comportamentos agressivos e antissociais. Na política, quando os adversários são vistos como menos humanos, tornam-se alvos legítimos de ataques verbais e físicos. Isso é evidenciado nas interações online e offline, em que discursos de ódio e agressões são justificados pela percepção de que o outro é menos digno de respeito e direitos. Tratar o outro como um animal é um passo para a violência.

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Cabe notar que a literatura científica evoluiu de maneira significativa no seu entendimento sobre atos de violência. Benjamin Valentino (Universidade Dartmouth) argumentou recentemente que estudos sobre o tema costumavam apontar atos como terrorismo e genocídio como irracionais, quase aleatórios. O consenso atual é diferente – a violência política é vista como algo orquestrado, muitas vezes de maneira instrumental para atingir objetivos claros.

Note que isso não significa que os eventos supracitados foram orquestrados de maneira intencional. Ainda que haja uma clara relação entre a polarização afetiva, a desumanização do rival e a violência política, é difícil dizer com certeza que um discurso específico levou a um ato como a tentativa de assassinato. No entanto, não há dúvidas de que o ato e sua legitimação são frutos do clima polarizado no qual vivemos.

De fato, esta polarização não é necessariamente ideológica. Ainda que haja elementos de preferências por políticas públicas nas divergências políticas, pesquisadores como Shanto Iyengar (Universidade Stanford) demonstram que a identidade com um partido e seus partidários passou a importar mais do que a ideologia de seus líderes. Ver o partido como identidade social alimenta discursos radicalizados como o “nós contra eles” e o “tudo ou nada”. Indo além, fortalece percepções falsas em relação aos rivais e seus apoiadores, permite sua desumanização e legitima atos de violência. É também por isso que vemos radicais espalhando teorias da conspiração para justificar o injustificável – um fenômeno que Adam Enders (Universidade de Louisville) e colegas identificaram tanto na esquerda como na direita.

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Vemos na sociedade discursos que motivam a exacerbação da polarização, promovem teorias da conspiração, desumanizam oponentes e legitimam a violência política. É hora de acalmar os ânimos, fortalecer instituições e perceber que o outro, por mais diferente que seja, merece o mesmo tratamento humano que desejamos para nós e para os que pensam como nós.

Líderes políticos e intelectuais têm grande responsabilidade nesse processo. Mas o papel de acalmar os ânimos não é só deles – todos os cidadãos precisam fazer sua parte em humanizar a política. Diferenças e disputas ideológicas são saudáveis e precisam existir, mas carecem de um ambiente de respeito e entendimento mútuo. Apenas assim poderemos garantir a sobrevivência de nossas democracias e a integridade de nossas sociedades.

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DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSITY OF PITTSBURGH, É PROFESSOR DA FGV EBAPE

A polarização política tem se intensificado em diversas democracias ao redor do mundo. A hostilidade crescente entre grupos políticos opostos não apenas ameaça a coesão social, mas também aumenta a aceitação da violência como ferramenta política. Essa hostilidade, conhecida como polarização afetiva, é caracterizada pelo ódio e desconfiança intensa entre partidários de diferentes campos ideológicos. A ciência política e, em especial, a psicologia política nos ajudam a entender como essa polarização motiva a desumanização dos oponentes e legitima a violência política.

Ainda que sejam radicalmente diferentes em sua escala, alvo e origem, o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e a tentativa de assassinato de Donald Trump em 13 de julho de 2024 têm a polarização afetiva como objeto comum. São atos radicais que ocorrem em um cenário de tudo ou nada, onde acredita-se que tudo vale e tudo deve ser feito para derrotar o oponente político e o que ele representa para a sociedade. Nesses cenários, torna-se comum falar que o rival precisa ser derrotado “a qualquer custo”.

Conceito amplamente estudado por psicólogos e cientistas políticos, a desumanização é um dos fenômenos presentes em contextos altamente polarizados. Se trata de casos nos quais nosso distanciamento ao outro é tão grande que passamos a negar sua humanidade. Os professores Nick Haslam e Steve Loughnan (Universidade de Melbourne) destacam que a negação da humanidade do outro facilita comportamentos agressivos e antissociais. Na política, quando os adversários são vistos como menos humanos, tornam-se alvos legítimos de ataques verbais e físicos. Isso é evidenciado nas interações online e offline, em que discursos de ódio e agressões são justificados pela percepção de que o outro é menos digno de respeito e direitos. Tratar o outro como um animal é um passo para a violência.

Cabe notar que a literatura científica evoluiu de maneira significativa no seu entendimento sobre atos de violência. Benjamin Valentino (Universidade Dartmouth) argumentou recentemente que estudos sobre o tema costumavam apontar atos como terrorismo e genocídio como irracionais, quase aleatórios. O consenso atual é diferente – a violência política é vista como algo orquestrado, muitas vezes de maneira instrumental para atingir objetivos claros.

Note que isso não significa que os eventos supracitados foram orquestrados de maneira intencional. Ainda que haja uma clara relação entre a polarização afetiva, a desumanização do rival e a violência política, é difícil dizer com certeza que um discurso específico levou a um ato como a tentativa de assassinato. No entanto, não há dúvidas de que o ato e sua legitimação são frutos do clima polarizado no qual vivemos.

De fato, esta polarização não é necessariamente ideológica. Ainda que haja elementos de preferências por políticas públicas nas divergências políticas, pesquisadores como Shanto Iyengar (Universidade Stanford) demonstram que a identidade com um partido e seus partidários passou a importar mais do que a ideologia de seus líderes. Ver o partido como identidade social alimenta discursos radicalizados como o “nós contra eles” e o “tudo ou nada”. Indo além, fortalece percepções falsas em relação aos rivais e seus apoiadores, permite sua desumanização e legitima atos de violência. É também por isso que vemos radicais espalhando teorias da conspiração para justificar o injustificável – um fenômeno que Adam Enders (Universidade de Louisville) e colegas identificaram tanto na esquerda como na direita.

Vemos na sociedade discursos que motivam a exacerbação da polarização, promovem teorias da conspiração, desumanizam oponentes e legitimam a violência política. É hora de acalmar os ânimos, fortalecer instituições e perceber que o outro, por mais diferente que seja, merece o mesmo tratamento humano que desejamos para nós e para os que pensam como nós.

Líderes políticos e intelectuais têm grande responsabilidade nesse processo. Mas o papel de acalmar os ânimos não é só deles – todos os cidadãos precisam fazer sua parte em humanizar a política. Diferenças e disputas ideológicas são saudáveis e precisam existir, mas carecem de um ambiente de respeito e entendimento mútuo. Apenas assim poderemos garantir a sobrevivência de nossas democracias e a integridade de nossas sociedades.

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DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSITY OF PITTSBURGH, É PROFESSOR DA FGV EBAPE

A polarização política tem se intensificado em diversas democracias ao redor do mundo. A hostilidade crescente entre grupos políticos opostos não apenas ameaça a coesão social, mas também aumenta a aceitação da violência como ferramenta política. Essa hostilidade, conhecida como polarização afetiva, é caracterizada pelo ódio e desconfiança intensa entre partidários de diferentes campos ideológicos. A ciência política e, em especial, a psicologia política nos ajudam a entender como essa polarização motiva a desumanização dos oponentes e legitima a violência política.

Ainda que sejam radicalmente diferentes em sua escala, alvo e origem, o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e a tentativa de assassinato de Donald Trump em 13 de julho de 2024 têm a polarização afetiva como objeto comum. São atos radicais que ocorrem em um cenário de tudo ou nada, onde acredita-se que tudo vale e tudo deve ser feito para derrotar o oponente político e o que ele representa para a sociedade. Nesses cenários, torna-se comum falar que o rival precisa ser derrotado “a qualquer custo”.

Conceito amplamente estudado por psicólogos e cientistas políticos, a desumanização é um dos fenômenos presentes em contextos altamente polarizados. Se trata de casos nos quais nosso distanciamento ao outro é tão grande que passamos a negar sua humanidade. Os professores Nick Haslam e Steve Loughnan (Universidade de Melbourne) destacam que a negação da humanidade do outro facilita comportamentos agressivos e antissociais. Na política, quando os adversários são vistos como menos humanos, tornam-se alvos legítimos de ataques verbais e físicos. Isso é evidenciado nas interações online e offline, em que discursos de ódio e agressões são justificados pela percepção de que o outro é menos digno de respeito e direitos. Tratar o outro como um animal é um passo para a violência.

Cabe notar que a literatura científica evoluiu de maneira significativa no seu entendimento sobre atos de violência. Benjamin Valentino (Universidade Dartmouth) argumentou recentemente que estudos sobre o tema costumavam apontar atos como terrorismo e genocídio como irracionais, quase aleatórios. O consenso atual é diferente – a violência política é vista como algo orquestrado, muitas vezes de maneira instrumental para atingir objetivos claros.

Note que isso não significa que os eventos supracitados foram orquestrados de maneira intencional. Ainda que haja uma clara relação entre a polarização afetiva, a desumanização do rival e a violência política, é difícil dizer com certeza que um discurso específico levou a um ato como a tentativa de assassinato. No entanto, não há dúvidas de que o ato e sua legitimação são frutos do clima polarizado no qual vivemos.

De fato, esta polarização não é necessariamente ideológica. Ainda que haja elementos de preferências por políticas públicas nas divergências políticas, pesquisadores como Shanto Iyengar (Universidade Stanford) demonstram que a identidade com um partido e seus partidários passou a importar mais do que a ideologia de seus líderes. Ver o partido como identidade social alimenta discursos radicalizados como o “nós contra eles” e o “tudo ou nada”. Indo além, fortalece percepções falsas em relação aos rivais e seus apoiadores, permite sua desumanização e legitima atos de violência. É também por isso que vemos radicais espalhando teorias da conspiração para justificar o injustificável – um fenômeno que Adam Enders (Universidade de Louisville) e colegas identificaram tanto na esquerda como na direita.

Vemos na sociedade discursos que motivam a exacerbação da polarização, promovem teorias da conspiração, desumanizam oponentes e legitimam a violência política. É hora de acalmar os ânimos, fortalecer instituições e perceber que o outro, por mais diferente que seja, merece o mesmo tratamento humano que desejamos para nós e para os que pensam como nós.

Líderes políticos e intelectuais têm grande responsabilidade nesse processo. Mas o papel de acalmar os ânimos não é só deles – todos os cidadãos precisam fazer sua parte em humanizar a política. Diferenças e disputas ideológicas são saudáveis e precisam existir, mas carecem de um ambiente de respeito e entendimento mútuo. Apenas assim poderemos garantir a sobrevivência de nossas democracias e a integridade de nossas sociedades.

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DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSITY OF PITTSBURGH, É PROFESSOR DA FGV EBAPE

A polarização política tem se intensificado em diversas democracias ao redor do mundo. A hostilidade crescente entre grupos políticos opostos não apenas ameaça a coesão social, mas também aumenta a aceitação da violência como ferramenta política. Essa hostilidade, conhecida como polarização afetiva, é caracterizada pelo ódio e desconfiança intensa entre partidários de diferentes campos ideológicos. A ciência política e, em especial, a psicologia política nos ajudam a entender como essa polarização motiva a desumanização dos oponentes e legitima a violência política.

Ainda que sejam radicalmente diferentes em sua escala, alvo e origem, o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e a tentativa de assassinato de Donald Trump em 13 de julho de 2024 têm a polarização afetiva como objeto comum. São atos radicais que ocorrem em um cenário de tudo ou nada, onde acredita-se que tudo vale e tudo deve ser feito para derrotar o oponente político e o que ele representa para a sociedade. Nesses cenários, torna-se comum falar que o rival precisa ser derrotado “a qualquer custo”.

Conceito amplamente estudado por psicólogos e cientistas políticos, a desumanização é um dos fenômenos presentes em contextos altamente polarizados. Se trata de casos nos quais nosso distanciamento ao outro é tão grande que passamos a negar sua humanidade. Os professores Nick Haslam e Steve Loughnan (Universidade de Melbourne) destacam que a negação da humanidade do outro facilita comportamentos agressivos e antissociais. Na política, quando os adversários são vistos como menos humanos, tornam-se alvos legítimos de ataques verbais e físicos. Isso é evidenciado nas interações online e offline, em que discursos de ódio e agressões são justificados pela percepção de que o outro é menos digno de respeito e direitos. Tratar o outro como um animal é um passo para a violência.

Cabe notar que a literatura científica evoluiu de maneira significativa no seu entendimento sobre atos de violência. Benjamin Valentino (Universidade Dartmouth) argumentou recentemente que estudos sobre o tema costumavam apontar atos como terrorismo e genocídio como irracionais, quase aleatórios. O consenso atual é diferente – a violência política é vista como algo orquestrado, muitas vezes de maneira instrumental para atingir objetivos claros.

Note que isso não significa que os eventos supracitados foram orquestrados de maneira intencional. Ainda que haja uma clara relação entre a polarização afetiva, a desumanização do rival e a violência política, é difícil dizer com certeza que um discurso específico levou a um ato como a tentativa de assassinato. No entanto, não há dúvidas de que o ato e sua legitimação são frutos do clima polarizado no qual vivemos.

De fato, esta polarização não é necessariamente ideológica. Ainda que haja elementos de preferências por políticas públicas nas divergências políticas, pesquisadores como Shanto Iyengar (Universidade Stanford) demonstram que a identidade com um partido e seus partidários passou a importar mais do que a ideologia de seus líderes. Ver o partido como identidade social alimenta discursos radicalizados como o “nós contra eles” e o “tudo ou nada”. Indo além, fortalece percepções falsas em relação aos rivais e seus apoiadores, permite sua desumanização e legitima atos de violência. É também por isso que vemos radicais espalhando teorias da conspiração para justificar o injustificável – um fenômeno que Adam Enders (Universidade de Louisville) e colegas identificaram tanto na esquerda como na direita.

Vemos na sociedade discursos que motivam a exacerbação da polarização, promovem teorias da conspiração, desumanizam oponentes e legitimam a violência política. É hora de acalmar os ânimos, fortalecer instituições e perceber que o outro, por mais diferente que seja, merece o mesmo tratamento humano que desejamos para nós e para os que pensam como nós.

Líderes políticos e intelectuais têm grande responsabilidade nesse processo. Mas o papel de acalmar os ânimos não é só deles – todos os cidadãos precisam fazer sua parte em humanizar a política. Diferenças e disputas ideológicas são saudáveis e precisam existir, mas carecem de um ambiente de respeito e entendimento mútuo. Apenas assim poderemos garantir a sobrevivência de nossas democracias e a integridade de nossas sociedades.

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