Opinião|Por que não florestas urbanas?


É preciso ter coragem para devolver a São Paulo o que a cupidez gananciosa dela roubou

Por José Renato Nalini

A urbanização permite a multiplicação das vantagens, mas prolifera desvantagens. Dentre elas, o sacrifício imposto à natureza. Solo coberto por vegetação nativa é completamente impermeabilizado após a destruição do verde. A cidade, polo atrativo para milhões de artífices do êxodo rural, torna-se hostil quando se vê espoliada de seus genuínos recursos ambientais.

O remédio é desfazer o excesso. O exagerado aproveitamento de cada centímetro quadrado de terreno. A avareza com que é tratada a terra, fonte de vida. Está demorando para se tornar regra a edificação de acordo com a natureza. Respeitar ao máximo a morfologia, a geologia, a geografia dos espaços destinados à habitação e ao convívio.

A volúpia com que o capitalismo selvagem se apodera do solo, com olhos exclusivamente mirados no lucro imediato, edifica monumentos arquitetônicos valiosos, mas inservíveis a garantir qualidade existencial para seus moradores.

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São Paulo, nesse aspecto, pode servir de modelo de insensatez. Tudo se constrói como se árvore fosse inimiga do homem, quando é exatamente o inverso. Sem árvore não há chuva. Sem chuva não há água. Sem água não existe a menor possibilidade de vida.

Imensa maioria da lucidez abomina o desmatamento nos biomas tupiniquins, a começar pela Amazônia. Persiste, entretanto, a eliminação arbórea no mais sacrificado dentre os ecossistemas brasileiros, a Mata Atlântica, da qual subsistem frágeis remanescentes.

Se isso é o novo normal em 17 dos Estados brasileiros, a situação paulistana chega a ser trágica. Existe, é verdade, consciência ecológica de parte de um pugilo de obstinados que identifica resíduos verdes na massa gris da pauliceia e propõe sua expropriação para que não sejam vítimas da especulação imobiliária. Mas a distribuição do verde é desigual, de forma a consolidar a desigualdade estrutural da população. A emergência climática é, fundamentalmente, uma questão de saúde pública. As ilhas de calor paulistanas apressam a morte dos humanos paradoxalmente beneficiados com o avanço da ciência, que lhes garantiu longevidade. A internação de idosos, de hipertensos, de diabéticos e de portadores de outras comorbidades, quando da insólita elevação da temperatura em São Paulo, é fato incontroverso. Merece urgente atenção de parte de todos os que ainda se preocupam com o amanhã que já chegou.

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É preciso ter coragem para devolver a São Paulo o que a cupidez gananciosa dela roubou. Sim, foi uma subtração violenta de toda a vegetação que cobria o recanto privilegiado do planalto de Piratininga, servido de caudalosos rios e milhares de afluentes e generosos cursos d’água. Para tornar a situação ainda mais aflitiva, serviu-se mais ao automóvel, movido a pestífera combustão, do que à vida humana. São Paulo é o inferno de trânsito com 8 milhões de veículos e 2,2 milhões de motos – estas ainda mais nocivas quanto à emissão de gases causadores do efeito estufa do que os automóveis.

O cenário de grande parte da megalópole é de sufocante sequência de construções que praticamente se tangenciam, sem deixar o mínimo espaço para o verde. Massa cinzenta compacta, só recortada por vias asfaltadas. A impermeabilização que não permite drenagem e que é causa de enchentes, correntezas fortes, inundações e deslizamentos, a cada precipitação pluviométrica mais intensa.

Os paulistanos merecem audácia e destemor, para destinar áreas vulneráveis à ocupação de florestas urbanas. Isso é perfeitamente possível e foi feito em Paris, na Place de Catalogne, em Montparnasse. Era um lugar inóspito, alvo da desafeição dos parisienses. Nunca esteve no coração dos moradores do 14.º arrondissement. Foi então que a Mairie, a Prefeitura local, empreendeu grande transformação da praça, a partir de 2020. Hoje, ali está um acolhedor e imponente cenário verde, frequentado por vizinhos e visitantes, que se deleitam inclusive com a periódica aspersão de água gelada, para mitigar a temperatura do verão parisiense.

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A maior cidade do Brasil precisa de florestas em seu território, assim como da continuidade do projeto dos “jardins de chuva”, para permitir que a água escoe e realimente os lençóis freáticos. São Paulo está a clamar por “vagas verdes”, que são a redução do local reservado ao vilão-automóvel e sua substituição por jardins, hortas e pomares.

A par disso, intensificar o ABC ecológico, pois – por incrível que possa parecer – ainda há pessoas inimigas das árvores. Estas “quebram calçadas”, “deixam cair folhas”, são “esconderijo de bandido” e até – pasmem! – “usinas de estupro”.

Índice confiável de grau civilizatório de qualquer sociedade são o seu respeito à natureza, o seu amor ao verde, a sua consciência de que o efeito do aquecimento global, que nos precipitou a todos no maior perigo que a humanidade já enfrentou no decorrer de sua história, é a não remota possibilidade de eliminação de qualquer espécie de vida, tamanha a insanidade do bicho-homem no seu relacionamento com o seu único habitat.

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Quem atuou de maneira tão antagonista a seus próprios interesses ainda tem essa oportunidade de tentar reverter práticas danosas à sua própria sobrevivência. Que saiba aproveitá-la, para que exista futuro.

*

REITOR DA UNIREGISTRAL, DOCENTE DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UNINOVE, É SECRETÁRIO-EXECUTIVO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS DE SÃO PAULO

A urbanização permite a multiplicação das vantagens, mas prolifera desvantagens. Dentre elas, o sacrifício imposto à natureza. Solo coberto por vegetação nativa é completamente impermeabilizado após a destruição do verde. A cidade, polo atrativo para milhões de artífices do êxodo rural, torna-se hostil quando se vê espoliada de seus genuínos recursos ambientais.

O remédio é desfazer o excesso. O exagerado aproveitamento de cada centímetro quadrado de terreno. A avareza com que é tratada a terra, fonte de vida. Está demorando para se tornar regra a edificação de acordo com a natureza. Respeitar ao máximo a morfologia, a geologia, a geografia dos espaços destinados à habitação e ao convívio.

A volúpia com que o capitalismo selvagem se apodera do solo, com olhos exclusivamente mirados no lucro imediato, edifica monumentos arquitetônicos valiosos, mas inservíveis a garantir qualidade existencial para seus moradores.

São Paulo, nesse aspecto, pode servir de modelo de insensatez. Tudo se constrói como se árvore fosse inimiga do homem, quando é exatamente o inverso. Sem árvore não há chuva. Sem chuva não há água. Sem água não existe a menor possibilidade de vida.

Imensa maioria da lucidez abomina o desmatamento nos biomas tupiniquins, a começar pela Amazônia. Persiste, entretanto, a eliminação arbórea no mais sacrificado dentre os ecossistemas brasileiros, a Mata Atlântica, da qual subsistem frágeis remanescentes.

Se isso é o novo normal em 17 dos Estados brasileiros, a situação paulistana chega a ser trágica. Existe, é verdade, consciência ecológica de parte de um pugilo de obstinados que identifica resíduos verdes na massa gris da pauliceia e propõe sua expropriação para que não sejam vítimas da especulação imobiliária. Mas a distribuição do verde é desigual, de forma a consolidar a desigualdade estrutural da população. A emergência climática é, fundamentalmente, uma questão de saúde pública. As ilhas de calor paulistanas apressam a morte dos humanos paradoxalmente beneficiados com o avanço da ciência, que lhes garantiu longevidade. A internação de idosos, de hipertensos, de diabéticos e de portadores de outras comorbidades, quando da insólita elevação da temperatura em São Paulo, é fato incontroverso. Merece urgente atenção de parte de todos os que ainda se preocupam com o amanhã que já chegou.

É preciso ter coragem para devolver a São Paulo o que a cupidez gananciosa dela roubou. Sim, foi uma subtração violenta de toda a vegetação que cobria o recanto privilegiado do planalto de Piratininga, servido de caudalosos rios e milhares de afluentes e generosos cursos d’água. Para tornar a situação ainda mais aflitiva, serviu-se mais ao automóvel, movido a pestífera combustão, do que à vida humana. São Paulo é o inferno de trânsito com 8 milhões de veículos e 2,2 milhões de motos – estas ainda mais nocivas quanto à emissão de gases causadores do efeito estufa do que os automóveis.

O cenário de grande parte da megalópole é de sufocante sequência de construções que praticamente se tangenciam, sem deixar o mínimo espaço para o verde. Massa cinzenta compacta, só recortada por vias asfaltadas. A impermeabilização que não permite drenagem e que é causa de enchentes, correntezas fortes, inundações e deslizamentos, a cada precipitação pluviométrica mais intensa.

Os paulistanos merecem audácia e destemor, para destinar áreas vulneráveis à ocupação de florestas urbanas. Isso é perfeitamente possível e foi feito em Paris, na Place de Catalogne, em Montparnasse. Era um lugar inóspito, alvo da desafeição dos parisienses. Nunca esteve no coração dos moradores do 14.º arrondissement. Foi então que a Mairie, a Prefeitura local, empreendeu grande transformação da praça, a partir de 2020. Hoje, ali está um acolhedor e imponente cenário verde, frequentado por vizinhos e visitantes, que se deleitam inclusive com a periódica aspersão de água gelada, para mitigar a temperatura do verão parisiense.

A maior cidade do Brasil precisa de florestas em seu território, assim como da continuidade do projeto dos “jardins de chuva”, para permitir que a água escoe e realimente os lençóis freáticos. São Paulo está a clamar por “vagas verdes”, que são a redução do local reservado ao vilão-automóvel e sua substituição por jardins, hortas e pomares.

A par disso, intensificar o ABC ecológico, pois – por incrível que possa parecer – ainda há pessoas inimigas das árvores. Estas “quebram calçadas”, “deixam cair folhas”, são “esconderijo de bandido” e até – pasmem! – “usinas de estupro”.

Índice confiável de grau civilizatório de qualquer sociedade são o seu respeito à natureza, o seu amor ao verde, a sua consciência de que o efeito do aquecimento global, que nos precipitou a todos no maior perigo que a humanidade já enfrentou no decorrer de sua história, é a não remota possibilidade de eliminação de qualquer espécie de vida, tamanha a insanidade do bicho-homem no seu relacionamento com o seu único habitat.

Quem atuou de maneira tão antagonista a seus próprios interesses ainda tem essa oportunidade de tentar reverter práticas danosas à sua própria sobrevivência. Que saiba aproveitá-la, para que exista futuro.

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REITOR DA UNIREGISTRAL, DOCENTE DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UNINOVE, É SECRETÁRIO-EXECUTIVO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS DE SÃO PAULO

A urbanização permite a multiplicação das vantagens, mas prolifera desvantagens. Dentre elas, o sacrifício imposto à natureza. Solo coberto por vegetação nativa é completamente impermeabilizado após a destruição do verde. A cidade, polo atrativo para milhões de artífices do êxodo rural, torna-se hostil quando se vê espoliada de seus genuínos recursos ambientais.

O remédio é desfazer o excesso. O exagerado aproveitamento de cada centímetro quadrado de terreno. A avareza com que é tratada a terra, fonte de vida. Está demorando para se tornar regra a edificação de acordo com a natureza. Respeitar ao máximo a morfologia, a geologia, a geografia dos espaços destinados à habitação e ao convívio.

A volúpia com que o capitalismo selvagem se apodera do solo, com olhos exclusivamente mirados no lucro imediato, edifica monumentos arquitetônicos valiosos, mas inservíveis a garantir qualidade existencial para seus moradores.

São Paulo, nesse aspecto, pode servir de modelo de insensatez. Tudo se constrói como se árvore fosse inimiga do homem, quando é exatamente o inverso. Sem árvore não há chuva. Sem chuva não há água. Sem água não existe a menor possibilidade de vida.

Imensa maioria da lucidez abomina o desmatamento nos biomas tupiniquins, a começar pela Amazônia. Persiste, entretanto, a eliminação arbórea no mais sacrificado dentre os ecossistemas brasileiros, a Mata Atlântica, da qual subsistem frágeis remanescentes.

Se isso é o novo normal em 17 dos Estados brasileiros, a situação paulistana chega a ser trágica. Existe, é verdade, consciência ecológica de parte de um pugilo de obstinados que identifica resíduos verdes na massa gris da pauliceia e propõe sua expropriação para que não sejam vítimas da especulação imobiliária. Mas a distribuição do verde é desigual, de forma a consolidar a desigualdade estrutural da população. A emergência climática é, fundamentalmente, uma questão de saúde pública. As ilhas de calor paulistanas apressam a morte dos humanos paradoxalmente beneficiados com o avanço da ciência, que lhes garantiu longevidade. A internação de idosos, de hipertensos, de diabéticos e de portadores de outras comorbidades, quando da insólita elevação da temperatura em São Paulo, é fato incontroverso. Merece urgente atenção de parte de todos os que ainda se preocupam com o amanhã que já chegou.

É preciso ter coragem para devolver a São Paulo o que a cupidez gananciosa dela roubou. Sim, foi uma subtração violenta de toda a vegetação que cobria o recanto privilegiado do planalto de Piratininga, servido de caudalosos rios e milhares de afluentes e generosos cursos d’água. Para tornar a situação ainda mais aflitiva, serviu-se mais ao automóvel, movido a pestífera combustão, do que à vida humana. São Paulo é o inferno de trânsito com 8 milhões de veículos e 2,2 milhões de motos – estas ainda mais nocivas quanto à emissão de gases causadores do efeito estufa do que os automóveis.

O cenário de grande parte da megalópole é de sufocante sequência de construções que praticamente se tangenciam, sem deixar o mínimo espaço para o verde. Massa cinzenta compacta, só recortada por vias asfaltadas. A impermeabilização que não permite drenagem e que é causa de enchentes, correntezas fortes, inundações e deslizamentos, a cada precipitação pluviométrica mais intensa.

Os paulistanos merecem audácia e destemor, para destinar áreas vulneráveis à ocupação de florestas urbanas. Isso é perfeitamente possível e foi feito em Paris, na Place de Catalogne, em Montparnasse. Era um lugar inóspito, alvo da desafeição dos parisienses. Nunca esteve no coração dos moradores do 14.º arrondissement. Foi então que a Mairie, a Prefeitura local, empreendeu grande transformação da praça, a partir de 2020. Hoje, ali está um acolhedor e imponente cenário verde, frequentado por vizinhos e visitantes, que se deleitam inclusive com a periódica aspersão de água gelada, para mitigar a temperatura do verão parisiense.

A maior cidade do Brasil precisa de florestas em seu território, assim como da continuidade do projeto dos “jardins de chuva”, para permitir que a água escoe e realimente os lençóis freáticos. São Paulo está a clamar por “vagas verdes”, que são a redução do local reservado ao vilão-automóvel e sua substituição por jardins, hortas e pomares.

A par disso, intensificar o ABC ecológico, pois – por incrível que possa parecer – ainda há pessoas inimigas das árvores. Estas “quebram calçadas”, “deixam cair folhas”, são “esconderijo de bandido” e até – pasmem! – “usinas de estupro”.

Índice confiável de grau civilizatório de qualquer sociedade são o seu respeito à natureza, o seu amor ao verde, a sua consciência de que o efeito do aquecimento global, que nos precipitou a todos no maior perigo que a humanidade já enfrentou no decorrer de sua história, é a não remota possibilidade de eliminação de qualquer espécie de vida, tamanha a insanidade do bicho-homem no seu relacionamento com o seu único habitat.

Quem atuou de maneira tão antagonista a seus próprios interesses ainda tem essa oportunidade de tentar reverter práticas danosas à sua própria sobrevivência. Que saiba aproveitá-la, para que exista futuro.

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REITOR DA UNIREGISTRAL, DOCENTE DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UNINOVE, É SECRETÁRIO-EXECUTIVO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS DE SÃO PAULO

A urbanização permite a multiplicação das vantagens, mas prolifera desvantagens. Dentre elas, o sacrifício imposto à natureza. Solo coberto por vegetação nativa é completamente impermeabilizado após a destruição do verde. A cidade, polo atrativo para milhões de artífices do êxodo rural, torna-se hostil quando se vê espoliada de seus genuínos recursos ambientais.

O remédio é desfazer o excesso. O exagerado aproveitamento de cada centímetro quadrado de terreno. A avareza com que é tratada a terra, fonte de vida. Está demorando para se tornar regra a edificação de acordo com a natureza. Respeitar ao máximo a morfologia, a geologia, a geografia dos espaços destinados à habitação e ao convívio.

A volúpia com que o capitalismo selvagem se apodera do solo, com olhos exclusivamente mirados no lucro imediato, edifica monumentos arquitetônicos valiosos, mas inservíveis a garantir qualidade existencial para seus moradores.

São Paulo, nesse aspecto, pode servir de modelo de insensatez. Tudo se constrói como se árvore fosse inimiga do homem, quando é exatamente o inverso. Sem árvore não há chuva. Sem chuva não há água. Sem água não existe a menor possibilidade de vida.

Imensa maioria da lucidez abomina o desmatamento nos biomas tupiniquins, a começar pela Amazônia. Persiste, entretanto, a eliminação arbórea no mais sacrificado dentre os ecossistemas brasileiros, a Mata Atlântica, da qual subsistem frágeis remanescentes.

Se isso é o novo normal em 17 dos Estados brasileiros, a situação paulistana chega a ser trágica. Existe, é verdade, consciência ecológica de parte de um pugilo de obstinados que identifica resíduos verdes na massa gris da pauliceia e propõe sua expropriação para que não sejam vítimas da especulação imobiliária. Mas a distribuição do verde é desigual, de forma a consolidar a desigualdade estrutural da população. A emergência climática é, fundamentalmente, uma questão de saúde pública. As ilhas de calor paulistanas apressam a morte dos humanos paradoxalmente beneficiados com o avanço da ciência, que lhes garantiu longevidade. A internação de idosos, de hipertensos, de diabéticos e de portadores de outras comorbidades, quando da insólita elevação da temperatura em São Paulo, é fato incontroverso. Merece urgente atenção de parte de todos os que ainda se preocupam com o amanhã que já chegou.

É preciso ter coragem para devolver a São Paulo o que a cupidez gananciosa dela roubou. Sim, foi uma subtração violenta de toda a vegetação que cobria o recanto privilegiado do planalto de Piratininga, servido de caudalosos rios e milhares de afluentes e generosos cursos d’água. Para tornar a situação ainda mais aflitiva, serviu-se mais ao automóvel, movido a pestífera combustão, do que à vida humana. São Paulo é o inferno de trânsito com 8 milhões de veículos e 2,2 milhões de motos – estas ainda mais nocivas quanto à emissão de gases causadores do efeito estufa do que os automóveis.

O cenário de grande parte da megalópole é de sufocante sequência de construções que praticamente se tangenciam, sem deixar o mínimo espaço para o verde. Massa cinzenta compacta, só recortada por vias asfaltadas. A impermeabilização que não permite drenagem e que é causa de enchentes, correntezas fortes, inundações e deslizamentos, a cada precipitação pluviométrica mais intensa.

Os paulistanos merecem audácia e destemor, para destinar áreas vulneráveis à ocupação de florestas urbanas. Isso é perfeitamente possível e foi feito em Paris, na Place de Catalogne, em Montparnasse. Era um lugar inóspito, alvo da desafeição dos parisienses. Nunca esteve no coração dos moradores do 14.º arrondissement. Foi então que a Mairie, a Prefeitura local, empreendeu grande transformação da praça, a partir de 2020. Hoje, ali está um acolhedor e imponente cenário verde, frequentado por vizinhos e visitantes, que se deleitam inclusive com a periódica aspersão de água gelada, para mitigar a temperatura do verão parisiense.

A maior cidade do Brasil precisa de florestas em seu território, assim como da continuidade do projeto dos “jardins de chuva”, para permitir que a água escoe e realimente os lençóis freáticos. São Paulo está a clamar por “vagas verdes”, que são a redução do local reservado ao vilão-automóvel e sua substituição por jardins, hortas e pomares.

A par disso, intensificar o ABC ecológico, pois – por incrível que possa parecer – ainda há pessoas inimigas das árvores. Estas “quebram calçadas”, “deixam cair folhas”, são “esconderijo de bandido” e até – pasmem! – “usinas de estupro”.

Índice confiável de grau civilizatório de qualquer sociedade são o seu respeito à natureza, o seu amor ao verde, a sua consciência de que o efeito do aquecimento global, que nos precipitou a todos no maior perigo que a humanidade já enfrentou no decorrer de sua história, é a não remota possibilidade de eliminação de qualquer espécie de vida, tamanha a insanidade do bicho-homem no seu relacionamento com o seu único habitat.

Quem atuou de maneira tão antagonista a seus próprios interesses ainda tem essa oportunidade de tentar reverter práticas danosas à sua própria sobrevivência. Que saiba aproveitá-la, para que exista futuro.

*

REITOR DA UNIREGISTRAL, DOCENTE DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UNINOVE, É SECRETÁRIO-EXECUTIVO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS DE SÃO PAULO

Opinião por José Renato Nalini

Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove, é secretário-executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo.

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