Opinião|Por uma estratégia de segurança nacional


Contexto de insegurança global impõe necessidade de uma grande estratégia que contemple nossos interesses estratégicos, vulnerabilidades securitárias e capacidades nacionais

Por Oscar Medeiros Filho

O contexto de segurança em nosso entorno estratégico sugere um intrigante paradoxo: somos, ao mesmo tempo, uma das regiões mais pacíficas e uma das mais violentas do mundo. A condição “pacífica” advém do fato de a América do Sul possuir os menores índices de guerra clássica no último século. De fato, o último conflito armado do Brasil com um de seus vizinhos ocorreu há mais de 150 anos (Guerra do Paraguai, 1864-1870). Felizmente, nosso país não possui inimigos declarados nem disputas fronteiriças.

Se por um lado o contexto geopolítico sugere um entorno “pacífico”, por outro, o País registra taxas de violência social que estão entre as mais elevadas do mundo. A conjunção de vulnerabilidades socioeconômicas, debilidades institucionais, proliferação do crime organizado transnacional e ampliação dos ilícitos transfronteiriços está na base dessa violência, que se materializa em espaços de insurgência e governança criminal.

Uma leitura mais apressada desse quadro poderia sugerir que nossas ameaças seriam exclusivamente relacionadas à violência social, estando o País livre de ameaças geopolíticas. A realidade, entretanto, é bem mais complexa. Se considerarmos que o Brasil é uma potência ambiental, energética e alimentar, e que há interesses de potências globais em nosso entorno, concluiremos que a expressão “pacífica” se revela falaciosa, escondendo sérios riscos à nossa autonomia estratégica. Além disso, a globalização e o desenvolvimento exponencial de novas tecnologias têm tornado mais complexas e desafiadoras as respostas dos Estados. Uma das características das ameaças atuais é a sua natureza transnacional e em rede, além da possibilidade de convergência entre ameaças de natureza geopolítica e securitária.

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Resulta desse contexto um quadro complexo, em que coexistem ameaças de diferentes naturezas. A relevância do tema exige um oportuno debate nacional que repense os modelos e instrumentos de segurança do Estado e considere, a partir de uma visão sistêmica, abordagens multidimensionais e integradas que possam instrumentalizar a Nação para o enfrentamento de suas ameaças. Nesse contexto, o Brasil carece de uma estratégia de segurança nacional, que estabeleça, no nível político mais elevado, nossos interesses nacionais, orientando de forma coesa e coerente a atuação de suas várias agências, especialmente aquelas relacionadas à política externa e às estratégias militares, além das atividades de segurança e de inteligência.

Estratégias de segurança nacional têm sido adotadas pelas principais potências mundiais: EUA, Reino Unido, França, Rússia, Índia, China, Japão, etc. Tradicionalmente esses documentos tratavam de questões geopolíticas, ameaças externas e alinhamentos estratégicos. Mais recentemente, países como China, Índia e França, por exemplo, têm adotado uma abordagem integrada de segurança, incluindo questões internas e externas, estatais e não estatais, militares e civis.

Entretanto, o desenvolvimento de uma estratégia de segurança nacional no Brasil enfrenta dois desafios. O primeiro é de ordem ideológica, e diz respeito ao receio de que isso possa sugerir uma reedição da Doutrina de Segurança Nacional utilizada pelos governos militares no contexto da guerra fria. O fato é que o contexto atual exige a superação de tais desconfianças. Sob uma perspectiva democrática, não há incompatibilidade entre segurança nacional e liberdades individuais; entre segurança do Estado e segurança humana.

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O segundo desafio é de natureza política. Não obstante o apelo por essa demanda da parte de estudiosos no tema, o fato é que esse debate parece não sensibilizar a classe política. A baixa atenção dada à Política Nacional de Defesa (PND) e a sua Estratégia Nacional de Defesa (END) no âmbito do Congresso Nacional nos últimos anos é reveladora desse desafio. Aliás, é preciso dizer que, na falta de uma grande estratégia de segurança nacional, a PND e a END constituem a política mais elevada para tratar do tema. Não obstante sua relevância para a orientação das ações estratégicas das Forças Armadas, a Defesa é apenas parte do escopo da segurança nacional, com ênfase na expressão militar e ameaças externas. Entretanto, como vimos no início deste artigo, as ameaças à segurança nacional constituem um quadro complexo, composto por ameaças de diferentes naturezas, muito além das questões militares.

Além disso, a ausência de uma estratégia de segurança nacional possui outra consequência indesejável: a tendência à hipertrofia do setor de defesa, que, diante da carência de estruturas do Estado para atuar no amplo espectro de vulnerabilidades nacionais, acaba por exigir dos militares o envolvimento em missões para além daquelas que deveriam ser sua função precípua.

Por fim, retomamos o apelo constante do título deste artigo: o contexto de insegurança global nos impõe a necessidade de uma grande estratégia que contemple, de forma sistemática, nossos interesses estratégicos, vulnerabilidades securitárias e capacidades nacionais.

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DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP, É PROFESSOR DE GEOPOLÍTICA NA ESCOLA SUPERIOR DE DEFESA E DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO UNICEUB

O contexto de segurança em nosso entorno estratégico sugere um intrigante paradoxo: somos, ao mesmo tempo, uma das regiões mais pacíficas e uma das mais violentas do mundo. A condição “pacífica” advém do fato de a América do Sul possuir os menores índices de guerra clássica no último século. De fato, o último conflito armado do Brasil com um de seus vizinhos ocorreu há mais de 150 anos (Guerra do Paraguai, 1864-1870). Felizmente, nosso país não possui inimigos declarados nem disputas fronteiriças.

Se por um lado o contexto geopolítico sugere um entorno “pacífico”, por outro, o País registra taxas de violência social que estão entre as mais elevadas do mundo. A conjunção de vulnerabilidades socioeconômicas, debilidades institucionais, proliferação do crime organizado transnacional e ampliação dos ilícitos transfronteiriços está na base dessa violência, que se materializa em espaços de insurgência e governança criminal.

Uma leitura mais apressada desse quadro poderia sugerir que nossas ameaças seriam exclusivamente relacionadas à violência social, estando o País livre de ameaças geopolíticas. A realidade, entretanto, é bem mais complexa. Se considerarmos que o Brasil é uma potência ambiental, energética e alimentar, e que há interesses de potências globais em nosso entorno, concluiremos que a expressão “pacífica” se revela falaciosa, escondendo sérios riscos à nossa autonomia estratégica. Além disso, a globalização e o desenvolvimento exponencial de novas tecnologias têm tornado mais complexas e desafiadoras as respostas dos Estados. Uma das características das ameaças atuais é a sua natureza transnacional e em rede, além da possibilidade de convergência entre ameaças de natureza geopolítica e securitária.

Resulta desse contexto um quadro complexo, em que coexistem ameaças de diferentes naturezas. A relevância do tema exige um oportuno debate nacional que repense os modelos e instrumentos de segurança do Estado e considere, a partir de uma visão sistêmica, abordagens multidimensionais e integradas que possam instrumentalizar a Nação para o enfrentamento de suas ameaças. Nesse contexto, o Brasil carece de uma estratégia de segurança nacional, que estabeleça, no nível político mais elevado, nossos interesses nacionais, orientando de forma coesa e coerente a atuação de suas várias agências, especialmente aquelas relacionadas à política externa e às estratégias militares, além das atividades de segurança e de inteligência.

Estratégias de segurança nacional têm sido adotadas pelas principais potências mundiais: EUA, Reino Unido, França, Rússia, Índia, China, Japão, etc. Tradicionalmente esses documentos tratavam de questões geopolíticas, ameaças externas e alinhamentos estratégicos. Mais recentemente, países como China, Índia e França, por exemplo, têm adotado uma abordagem integrada de segurança, incluindo questões internas e externas, estatais e não estatais, militares e civis.

Entretanto, o desenvolvimento de uma estratégia de segurança nacional no Brasil enfrenta dois desafios. O primeiro é de ordem ideológica, e diz respeito ao receio de que isso possa sugerir uma reedição da Doutrina de Segurança Nacional utilizada pelos governos militares no contexto da guerra fria. O fato é que o contexto atual exige a superação de tais desconfianças. Sob uma perspectiva democrática, não há incompatibilidade entre segurança nacional e liberdades individuais; entre segurança do Estado e segurança humana.

O segundo desafio é de natureza política. Não obstante o apelo por essa demanda da parte de estudiosos no tema, o fato é que esse debate parece não sensibilizar a classe política. A baixa atenção dada à Política Nacional de Defesa (PND) e a sua Estratégia Nacional de Defesa (END) no âmbito do Congresso Nacional nos últimos anos é reveladora desse desafio. Aliás, é preciso dizer que, na falta de uma grande estratégia de segurança nacional, a PND e a END constituem a política mais elevada para tratar do tema. Não obstante sua relevância para a orientação das ações estratégicas das Forças Armadas, a Defesa é apenas parte do escopo da segurança nacional, com ênfase na expressão militar e ameaças externas. Entretanto, como vimos no início deste artigo, as ameaças à segurança nacional constituem um quadro complexo, composto por ameaças de diferentes naturezas, muito além das questões militares.

Além disso, a ausência de uma estratégia de segurança nacional possui outra consequência indesejável: a tendência à hipertrofia do setor de defesa, que, diante da carência de estruturas do Estado para atuar no amplo espectro de vulnerabilidades nacionais, acaba por exigir dos militares o envolvimento em missões para além daquelas que deveriam ser sua função precípua.

Por fim, retomamos o apelo constante do título deste artigo: o contexto de insegurança global nos impõe a necessidade de uma grande estratégia que contemple, de forma sistemática, nossos interesses estratégicos, vulnerabilidades securitárias e capacidades nacionais.

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DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP, É PROFESSOR DE GEOPOLÍTICA NA ESCOLA SUPERIOR DE DEFESA E DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO UNICEUB

O contexto de segurança em nosso entorno estratégico sugere um intrigante paradoxo: somos, ao mesmo tempo, uma das regiões mais pacíficas e uma das mais violentas do mundo. A condição “pacífica” advém do fato de a América do Sul possuir os menores índices de guerra clássica no último século. De fato, o último conflito armado do Brasil com um de seus vizinhos ocorreu há mais de 150 anos (Guerra do Paraguai, 1864-1870). Felizmente, nosso país não possui inimigos declarados nem disputas fronteiriças.

Se por um lado o contexto geopolítico sugere um entorno “pacífico”, por outro, o País registra taxas de violência social que estão entre as mais elevadas do mundo. A conjunção de vulnerabilidades socioeconômicas, debilidades institucionais, proliferação do crime organizado transnacional e ampliação dos ilícitos transfronteiriços está na base dessa violência, que se materializa em espaços de insurgência e governança criminal.

Uma leitura mais apressada desse quadro poderia sugerir que nossas ameaças seriam exclusivamente relacionadas à violência social, estando o País livre de ameaças geopolíticas. A realidade, entretanto, é bem mais complexa. Se considerarmos que o Brasil é uma potência ambiental, energética e alimentar, e que há interesses de potências globais em nosso entorno, concluiremos que a expressão “pacífica” se revela falaciosa, escondendo sérios riscos à nossa autonomia estratégica. Além disso, a globalização e o desenvolvimento exponencial de novas tecnologias têm tornado mais complexas e desafiadoras as respostas dos Estados. Uma das características das ameaças atuais é a sua natureza transnacional e em rede, além da possibilidade de convergência entre ameaças de natureza geopolítica e securitária.

Resulta desse contexto um quadro complexo, em que coexistem ameaças de diferentes naturezas. A relevância do tema exige um oportuno debate nacional que repense os modelos e instrumentos de segurança do Estado e considere, a partir de uma visão sistêmica, abordagens multidimensionais e integradas que possam instrumentalizar a Nação para o enfrentamento de suas ameaças. Nesse contexto, o Brasil carece de uma estratégia de segurança nacional, que estabeleça, no nível político mais elevado, nossos interesses nacionais, orientando de forma coesa e coerente a atuação de suas várias agências, especialmente aquelas relacionadas à política externa e às estratégias militares, além das atividades de segurança e de inteligência.

Estratégias de segurança nacional têm sido adotadas pelas principais potências mundiais: EUA, Reino Unido, França, Rússia, Índia, China, Japão, etc. Tradicionalmente esses documentos tratavam de questões geopolíticas, ameaças externas e alinhamentos estratégicos. Mais recentemente, países como China, Índia e França, por exemplo, têm adotado uma abordagem integrada de segurança, incluindo questões internas e externas, estatais e não estatais, militares e civis.

Entretanto, o desenvolvimento de uma estratégia de segurança nacional no Brasil enfrenta dois desafios. O primeiro é de ordem ideológica, e diz respeito ao receio de que isso possa sugerir uma reedição da Doutrina de Segurança Nacional utilizada pelos governos militares no contexto da guerra fria. O fato é que o contexto atual exige a superação de tais desconfianças. Sob uma perspectiva democrática, não há incompatibilidade entre segurança nacional e liberdades individuais; entre segurança do Estado e segurança humana.

O segundo desafio é de natureza política. Não obstante o apelo por essa demanda da parte de estudiosos no tema, o fato é que esse debate parece não sensibilizar a classe política. A baixa atenção dada à Política Nacional de Defesa (PND) e a sua Estratégia Nacional de Defesa (END) no âmbito do Congresso Nacional nos últimos anos é reveladora desse desafio. Aliás, é preciso dizer que, na falta de uma grande estratégia de segurança nacional, a PND e a END constituem a política mais elevada para tratar do tema. Não obstante sua relevância para a orientação das ações estratégicas das Forças Armadas, a Defesa é apenas parte do escopo da segurança nacional, com ênfase na expressão militar e ameaças externas. Entretanto, como vimos no início deste artigo, as ameaças à segurança nacional constituem um quadro complexo, composto por ameaças de diferentes naturezas, muito além das questões militares.

Além disso, a ausência de uma estratégia de segurança nacional possui outra consequência indesejável: a tendência à hipertrofia do setor de defesa, que, diante da carência de estruturas do Estado para atuar no amplo espectro de vulnerabilidades nacionais, acaba por exigir dos militares o envolvimento em missões para além daquelas que deveriam ser sua função precípua.

Por fim, retomamos o apelo constante do título deste artigo: o contexto de insegurança global nos impõe a necessidade de uma grande estratégia que contemple, de forma sistemática, nossos interesses estratégicos, vulnerabilidades securitárias e capacidades nacionais.

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DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP, É PROFESSOR DE GEOPOLÍTICA NA ESCOLA SUPERIOR DE DEFESA E DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO UNICEUB

O contexto de segurança em nosso entorno estratégico sugere um intrigante paradoxo: somos, ao mesmo tempo, uma das regiões mais pacíficas e uma das mais violentas do mundo. A condição “pacífica” advém do fato de a América do Sul possuir os menores índices de guerra clássica no último século. De fato, o último conflito armado do Brasil com um de seus vizinhos ocorreu há mais de 150 anos (Guerra do Paraguai, 1864-1870). Felizmente, nosso país não possui inimigos declarados nem disputas fronteiriças.

Se por um lado o contexto geopolítico sugere um entorno “pacífico”, por outro, o País registra taxas de violência social que estão entre as mais elevadas do mundo. A conjunção de vulnerabilidades socioeconômicas, debilidades institucionais, proliferação do crime organizado transnacional e ampliação dos ilícitos transfronteiriços está na base dessa violência, que se materializa em espaços de insurgência e governança criminal.

Uma leitura mais apressada desse quadro poderia sugerir que nossas ameaças seriam exclusivamente relacionadas à violência social, estando o País livre de ameaças geopolíticas. A realidade, entretanto, é bem mais complexa. Se considerarmos que o Brasil é uma potência ambiental, energética e alimentar, e que há interesses de potências globais em nosso entorno, concluiremos que a expressão “pacífica” se revela falaciosa, escondendo sérios riscos à nossa autonomia estratégica. Além disso, a globalização e o desenvolvimento exponencial de novas tecnologias têm tornado mais complexas e desafiadoras as respostas dos Estados. Uma das características das ameaças atuais é a sua natureza transnacional e em rede, além da possibilidade de convergência entre ameaças de natureza geopolítica e securitária.

Resulta desse contexto um quadro complexo, em que coexistem ameaças de diferentes naturezas. A relevância do tema exige um oportuno debate nacional que repense os modelos e instrumentos de segurança do Estado e considere, a partir de uma visão sistêmica, abordagens multidimensionais e integradas que possam instrumentalizar a Nação para o enfrentamento de suas ameaças. Nesse contexto, o Brasil carece de uma estratégia de segurança nacional, que estabeleça, no nível político mais elevado, nossos interesses nacionais, orientando de forma coesa e coerente a atuação de suas várias agências, especialmente aquelas relacionadas à política externa e às estratégias militares, além das atividades de segurança e de inteligência.

Estratégias de segurança nacional têm sido adotadas pelas principais potências mundiais: EUA, Reino Unido, França, Rússia, Índia, China, Japão, etc. Tradicionalmente esses documentos tratavam de questões geopolíticas, ameaças externas e alinhamentos estratégicos. Mais recentemente, países como China, Índia e França, por exemplo, têm adotado uma abordagem integrada de segurança, incluindo questões internas e externas, estatais e não estatais, militares e civis.

Entretanto, o desenvolvimento de uma estratégia de segurança nacional no Brasil enfrenta dois desafios. O primeiro é de ordem ideológica, e diz respeito ao receio de que isso possa sugerir uma reedição da Doutrina de Segurança Nacional utilizada pelos governos militares no contexto da guerra fria. O fato é que o contexto atual exige a superação de tais desconfianças. Sob uma perspectiva democrática, não há incompatibilidade entre segurança nacional e liberdades individuais; entre segurança do Estado e segurança humana.

O segundo desafio é de natureza política. Não obstante o apelo por essa demanda da parte de estudiosos no tema, o fato é que esse debate parece não sensibilizar a classe política. A baixa atenção dada à Política Nacional de Defesa (PND) e a sua Estratégia Nacional de Defesa (END) no âmbito do Congresso Nacional nos últimos anos é reveladora desse desafio. Aliás, é preciso dizer que, na falta de uma grande estratégia de segurança nacional, a PND e a END constituem a política mais elevada para tratar do tema. Não obstante sua relevância para a orientação das ações estratégicas das Forças Armadas, a Defesa é apenas parte do escopo da segurança nacional, com ênfase na expressão militar e ameaças externas. Entretanto, como vimos no início deste artigo, as ameaças à segurança nacional constituem um quadro complexo, composto por ameaças de diferentes naturezas, muito além das questões militares.

Além disso, a ausência de uma estratégia de segurança nacional possui outra consequência indesejável: a tendência à hipertrofia do setor de defesa, que, diante da carência de estruturas do Estado para atuar no amplo espectro de vulnerabilidades nacionais, acaba por exigir dos militares o envolvimento em missões para além daquelas que deveriam ser sua função precípua.

Por fim, retomamos o apelo constante do título deste artigo: o contexto de insegurança global nos impõe a necessidade de uma grande estratégia que contemple, de forma sistemática, nossos interesses estratégicos, vulnerabilidades securitárias e capacidades nacionais.

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DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP, É PROFESSOR DE GEOPOLÍTICA NA ESCOLA SUPERIOR DE DEFESA E DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO UNICEUB

O contexto de segurança em nosso entorno estratégico sugere um intrigante paradoxo: somos, ao mesmo tempo, uma das regiões mais pacíficas e uma das mais violentas do mundo. A condição “pacífica” advém do fato de a América do Sul possuir os menores índices de guerra clássica no último século. De fato, o último conflito armado do Brasil com um de seus vizinhos ocorreu há mais de 150 anos (Guerra do Paraguai, 1864-1870). Felizmente, nosso país não possui inimigos declarados nem disputas fronteiriças.

Se por um lado o contexto geopolítico sugere um entorno “pacífico”, por outro, o País registra taxas de violência social que estão entre as mais elevadas do mundo. A conjunção de vulnerabilidades socioeconômicas, debilidades institucionais, proliferação do crime organizado transnacional e ampliação dos ilícitos transfronteiriços está na base dessa violência, que se materializa em espaços de insurgência e governança criminal.

Uma leitura mais apressada desse quadro poderia sugerir que nossas ameaças seriam exclusivamente relacionadas à violência social, estando o País livre de ameaças geopolíticas. A realidade, entretanto, é bem mais complexa. Se considerarmos que o Brasil é uma potência ambiental, energética e alimentar, e que há interesses de potências globais em nosso entorno, concluiremos que a expressão “pacífica” se revela falaciosa, escondendo sérios riscos à nossa autonomia estratégica. Além disso, a globalização e o desenvolvimento exponencial de novas tecnologias têm tornado mais complexas e desafiadoras as respostas dos Estados. Uma das características das ameaças atuais é a sua natureza transnacional e em rede, além da possibilidade de convergência entre ameaças de natureza geopolítica e securitária.

Resulta desse contexto um quadro complexo, em que coexistem ameaças de diferentes naturezas. A relevância do tema exige um oportuno debate nacional que repense os modelos e instrumentos de segurança do Estado e considere, a partir de uma visão sistêmica, abordagens multidimensionais e integradas que possam instrumentalizar a Nação para o enfrentamento de suas ameaças. Nesse contexto, o Brasil carece de uma estratégia de segurança nacional, que estabeleça, no nível político mais elevado, nossos interesses nacionais, orientando de forma coesa e coerente a atuação de suas várias agências, especialmente aquelas relacionadas à política externa e às estratégias militares, além das atividades de segurança e de inteligência.

Estratégias de segurança nacional têm sido adotadas pelas principais potências mundiais: EUA, Reino Unido, França, Rússia, Índia, China, Japão, etc. Tradicionalmente esses documentos tratavam de questões geopolíticas, ameaças externas e alinhamentos estratégicos. Mais recentemente, países como China, Índia e França, por exemplo, têm adotado uma abordagem integrada de segurança, incluindo questões internas e externas, estatais e não estatais, militares e civis.

Entretanto, o desenvolvimento de uma estratégia de segurança nacional no Brasil enfrenta dois desafios. O primeiro é de ordem ideológica, e diz respeito ao receio de que isso possa sugerir uma reedição da Doutrina de Segurança Nacional utilizada pelos governos militares no contexto da guerra fria. O fato é que o contexto atual exige a superação de tais desconfianças. Sob uma perspectiva democrática, não há incompatibilidade entre segurança nacional e liberdades individuais; entre segurança do Estado e segurança humana.

O segundo desafio é de natureza política. Não obstante o apelo por essa demanda da parte de estudiosos no tema, o fato é que esse debate parece não sensibilizar a classe política. A baixa atenção dada à Política Nacional de Defesa (PND) e a sua Estratégia Nacional de Defesa (END) no âmbito do Congresso Nacional nos últimos anos é reveladora desse desafio. Aliás, é preciso dizer que, na falta de uma grande estratégia de segurança nacional, a PND e a END constituem a política mais elevada para tratar do tema. Não obstante sua relevância para a orientação das ações estratégicas das Forças Armadas, a Defesa é apenas parte do escopo da segurança nacional, com ênfase na expressão militar e ameaças externas. Entretanto, como vimos no início deste artigo, as ameaças à segurança nacional constituem um quadro complexo, composto por ameaças de diferentes naturezas, muito além das questões militares.

Além disso, a ausência de uma estratégia de segurança nacional possui outra consequência indesejável: a tendência à hipertrofia do setor de defesa, que, diante da carência de estruturas do Estado para atuar no amplo espectro de vulnerabilidades nacionais, acaba por exigir dos militares o envolvimento em missões para além daquelas que deveriam ser sua função precípua.

Por fim, retomamos o apelo constante do título deste artigo: o contexto de insegurança global nos impõe a necessidade de uma grande estratégia que contemple, de forma sistemática, nossos interesses estratégicos, vulnerabilidades securitárias e capacidades nacionais.

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DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP, É PROFESSOR DE GEOPOLÍTICA NA ESCOLA SUPERIOR DE DEFESA E DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO UNICEUB

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Doutor em Ciência Política pela USP, é professor de Geopolítica na Escola Superior de Defesa e de Relações Internacionais no UniCEUB

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