Opinião|Potência agroambiental, do discurso à prática


Cabe ao próprio agronegócio brasileiro assumir as rédeas do seu destino e transformar o Brasil

Por Raoni Rajão e Dawisson Belém Lopes

Durante os anos do governo Bolsonaro, parte do setor produtivo se beneficiou de uma série de tragédias externas, que empurraram o preço das commodities para cima. Ainda em 2018, a febre suína obrigou o governo chinês a eliminar mais da metade do seu rebanho, gerando uma explosão na exportação de carne. A pandemia de covid-19, juntamente com a necessidade de refazer as matrizes do rebanho suíno, manteve a procura por soja aquecida. Finalmente, a guerra na Ucrânia, que interditou as exportações de dois dos maiores produtores de grãos do mundo, fez subir os preços agrícolas.

Esses aparentes ganhos no curto prazo escondem derrotas do agronegócio brasileiro no âmbito diplomático.

Desde o início dos anos 2000, a União Europeia tem se preocupado com a compra de produtos brasileiros que estejam ligados ao desmatamento. Depois de um relatório do Greenpeace, em 2006, mostrando a relação entre desmatamento e produção de soja para ração animal, a União Europeia ameaçou fechar as portas para o Brasil. Na época, porém, os resultados da política de combate ao desmatamento e o estabelecimento da moratória da soja tiraram a questão de foco. O capital diplomático do Brasil também permitiu rejeitar, sem grandes consequências, a assinatura da Declaração de Nova York sobre Florestas, de 2014, que implicaria um compromisso de zerar o desmatamento – inclusive o legal – até 2030.

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A situação após 2018 não poderia ser mais diferente. Além da explosão nas taxas de desmatamento na Amazônia, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, questionou a moratória da soja, defendendo abertamente o direito de desmatar dentro dos limites da lei brasileira. Como consequência, o Brasil sofreu uma avalanche de derrotas.

A primeira foi a paralisação da implementação do acordo de livre comércio da União Europeia com o Mercosul. Na sequência, o País se viu forçado a assinar, em Glasgow, na Escócia, um acordo para reduzir a emissão de metano em 30% e zerar o seu desmatamento até 2030, inclusive o legal. O Brasil também viu, de forma passiva, Estados Unidos e China prometerem eliminar do comércio global todo o desmatamento ilegal. O golpe de graça veio durante a Conferência da Biodiversidade da ONU (COP-15), em 2022, quando a União Europeia anunciou a aprovação de nova legislação que pune severamente empresas importadoras de produtos ligados ao desmatamento. Grandes empresas, agora, têm somente 18 meses para se adequarem à nova lei e rastrear toda a produção – desde o bezerro até o abate.

Lula da Silva assumirá a Presidência da República com o Brasil na lona. Se tudo continuar como está, o País perderá acesso a crédito e a mercados, além de se consolidar como pária ambiental. A equipe do novo governo sabe disso. Em vez de rechaçar pressões internacionais pela preservação da Amazônia, Lula abraçou a ideia como uma das prioridades de seu governo. Se o discurso de Lula no Egito, em novembro, dá esperança, cabe reconhecer que existem desafios pela frente.

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A retomada da fiscalização é ponto de partida, mas dificilmente será suficiente. Desde 2012, quando o desmatamento chegou a valores mínimos históricos na Amazônia, os infratores aprenderam a burlar embargos e sistemas de verificações de empresas compradoras. Hoje, a prática de “lavar gado” – passando os animais vindos de áreas bloqueadas por fazendas de fachada que cumprem a legislação – tornou-se prática comum. É essencial que sistemas como o Selo Verde, de Pará e de Minas Gerais, capazes de monitorar fornecedores diretos e indiretos, sejam difundidos pelo País. Para tanto, a integração dos sistemas de rastreabilidade sanitária, fiscal e ambiental será essencial. Sistemas privados e certificações privadas, que dependem da declaração dos produtores, dificilmente vão atender sozinhos às exigências de compradores internacionais e impedir a contaminação da cadeia com produtos ligados ao desmatamento.

Finalmente, o agro precisa desconstruir uma leitura equivocada sobre sua posição no mundo. Uma parte significativa do setor acredita que, sem a exportação de carne e de soja do Brasil, o mundo morreria de fome. Isso é infundado. As exportações brasileiras permitiram a entrada da carne na dieta dos chineses, enquanto, no resto do mundo, o consumo manteve-se relativamente estável. Todavia, a própria China já sinalizou que está buscando reduzir suas importações, a partir de uma política de soberania alimentar, com meta de redução do consumo de carne pela metade até 2030.

Ora, se nosso maior parceiro comercial adotar critérios ambientais similares aos europeus, o agro brasileiro terá dificuldade em manter sua liderança. Cabe ao próprio setor, portanto, assumir as rédeas do seu destino e transformar o Brasil em potência agroambiental – não apenas no discurso, mas também na prática.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR DE GESTÃO AMBIENTAL DA UFMG E PESQUISADOR VISITANTE NO WILSON CENTER EM WASHINGTON (EUA); E PROFESSOR DE POLÍTICA INTERNACIONAL DA UFMG E PESQUISADOR VISITANTE NA UNIVERSIDADE DE OXFORD (INGLATERRA)

Durante os anos do governo Bolsonaro, parte do setor produtivo se beneficiou de uma série de tragédias externas, que empurraram o preço das commodities para cima. Ainda em 2018, a febre suína obrigou o governo chinês a eliminar mais da metade do seu rebanho, gerando uma explosão na exportação de carne. A pandemia de covid-19, juntamente com a necessidade de refazer as matrizes do rebanho suíno, manteve a procura por soja aquecida. Finalmente, a guerra na Ucrânia, que interditou as exportações de dois dos maiores produtores de grãos do mundo, fez subir os preços agrícolas.

Esses aparentes ganhos no curto prazo escondem derrotas do agronegócio brasileiro no âmbito diplomático.

Desde o início dos anos 2000, a União Europeia tem se preocupado com a compra de produtos brasileiros que estejam ligados ao desmatamento. Depois de um relatório do Greenpeace, em 2006, mostrando a relação entre desmatamento e produção de soja para ração animal, a União Europeia ameaçou fechar as portas para o Brasil. Na época, porém, os resultados da política de combate ao desmatamento e o estabelecimento da moratória da soja tiraram a questão de foco. O capital diplomático do Brasil também permitiu rejeitar, sem grandes consequências, a assinatura da Declaração de Nova York sobre Florestas, de 2014, que implicaria um compromisso de zerar o desmatamento – inclusive o legal – até 2030.

A situação após 2018 não poderia ser mais diferente. Além da explosão nas taxas de desmatamento na Amazônia, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, questionou a moratória da soja, defendendo abertamente o direito de desmatar dentro dos limites da lei brasileira. Como consequência, o Brasil sofreu uma avalanche de derrotas.

A primeira foi a paralisação da implementação do acordo de livre comércio da União Europeia com o Mercosul. Na sequência, o País se viu forçado a assinar, em Glasgow, na Escócia, um acordo para reduzir a emissão de metano em 30% e zerar o seu desmatamento até 2030, inclusive o legal. O Brasil também viu, de forma passiva, Estados Unidos e China prometerem eliminar do comércio global todo o desmatamento ilegal. O golpe de graça veio durante a Conferência da Biodiversidade da ONU (COP-15), em 2022, quando a União Europeia anunciou a aprovação de nova legislação que pune severamente empresas importadoras de produtos ligados ao desmatamento. Grandes empresas, agora, têm somente 18 meses para se adequarem à nova lei e rastrear toda a produção – desde o bezerro até o abate.

Lula da Silva assumirá a Presidência da República com o Brasil na lona. Se tudo continuar como está, o País perderá acesso a crédito e a mercados, além de se consolidar como pária ambiental. A equipe do novo governo sabe disso. Em vez de rechaçar pressões internacionais pela preservação da Amazônia, Lula abraçou a ideia como uma das prioridades de seu governo. Se o discurso de Lula no Egito, em novembro, dá esperança, cabe reconhecer que existem desafios pela frente.

A retomada da fiscalização é ponto de partida, mas dificilmente será suficiente. Desde 2012, quando o desmatamento chegou a valores mínimos históricos na Amazônia, os infratores aprenderam a burlar embargos e sistemas de verificações de empresas compradoras. Hoje, a prática de “lavar gado” – passando os animais vindos de áreas bloqueadas por fazendas de fachada que cumprem a legislação – tornou-se prática comum. É essencial que sistemas como o Selo Verde, de Pará e de Minas Gerais, capazes de monitorar fornecedores diretos e indiretos, sejam difundidos pelo País. Para tanto, a integração dos sistemas de rastreabilidade sanitária, fiscal e ambiental será essencial. Sistemas privados e certificações privadas, que dependem da declaração dos produtores, dificilmente vão atender sozinhos às exigências de compradores internacionais e impedir a contaminação da cadeia com produtos ligados ao desmatamento.

Finalmente, o agro precisa desconstruir uma leitura equivocada sobre sua posição no mundo. Uma parte significativa do setor acredita que, sem a exportação de carne e de soja do Brasil, o mundo morreria de fome. Isso é infundado. As exportações brasileiras permitiram a entrada da carne na dieta dos chineses, enquanto, no resto do mundo, o consumo manteve-se relativamente estável. Todavia, a própria China já sinalizou que está buscando reduzir suas importações, a partir de uma política de soberania alimentar, com meta de redução do consumo de carne pela metade até 2030.

Ora, se nosso maior parceiro comercial adotar critérios ambientais similares aos europeus, o agro brasileiro terá dificuldade em manter sua liderança. Cabe ao próprio setor, portanto, assumir as rédeas do seu destino e transformar o Brasil em potência agroambiental – não apenas no discurso, mas também na prática.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR DE GESTÃO AMBIENTAL DA UFMG E PESQUISADOR VISITANTE NO WILSON CENTER EM WASHINGTON (EUA); E PROFESSOR DE POLÍTICA INTERNACIONAL DA UFMG E PESQUISADOR VISITANTE NA UNIVERSIDADE DE OXFORD (INGLATERRA)

Durante os anos do governo Bolsonaro, parte do setor produtivo se beneficiou de uma série de tragédias externas, que empurraram o preço das commodities para cima. Ainda em 2018, a febre suína obrigou o governo chinês a eliminar mais da metade do seu rebanho, gerando uma explosão na exportação de carne. A pandemia de covid-19, juntamente com a necessidade de refazer as matrizes do rebanho suíno, manteve a procura por soja aquecida. Finalmente, a guerra na Ucrânia, que interditou as exportações de dois dos maiores produtores de grãos do mundo, fez subir os preços agrícolas.

Esses aparentes ganhos no curto prazo escondem derrotas do agronegócio brasileiro no âmbito diplomático.

Desde o início dos anos 2000, a União Europeia tem se preocupado com a compra de produtos brasileiros que estejam ligados ao desmatamento. Depois de um relatório do Greenpeace, em 2006, mostrando a relação entre desmatamento e produção de soja para ração animal, a União Europeia ameaçou fechar as portas para o Brasil. Na época, porém, os resultados da política de combate ao desmatamento e o estabelecimento da moratória da soja tiraram a questão de foco. O capital diplomático do Brasil também permitiu rejeitar, sem grandes consequências, a assinatura da Declaração de Nova York sobre Florestas, de 2014, que implicaria um compromisso de zerar o desmatamento – inclusive o legal – até 2030.

A situação após 2018 não poderia ser mais diferente. Além da explosão nas taxas de desmatamento na Amazônia, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, questionou a moratória da soja, defendendo abertamente o direito de desmatar dentro dos limites da lei brasileira. Como consequência, o Brasil sofreu uma avalanche de derrotas.

A primeira foi a paralisação da implementação do acordo de livre comércio da União Europeia com o Mercosul. Na sequência, o País se viu forçado a assinar, em Glasgow, na Escócia, um acordo para reduzir a emissão de metano em 30% e zerar o seu desmatamento até 2030, inclusive o legal. O Brasil também viu, de forma passiva, Estados Unidos e China prometerem eliminar do comércio global todo o desmatamento ilegal. O golpe de graça veio durante a Conferência da Biodiversidade da ONU (COP-15), em 2022, quando a União Europeia anunciou a aprovação de nova legislação que pune severamente empresas importadoras de produtos ligados ao desmatamento. Grandes empresas, agora, têm somente 18 meses para se adequarem à nova lei e rastrear toda a produção – desde o bezerro até o abate.

Lula da Silva assumirá a Presidência da República com o Brasil na lona. Se tudo continuar como está, o País perderá acesso a crédito e a mercados, além de se consolidar como pária ambiental. A equipe do novo governo sabe disso. Em vez de rechaçar pressões internacionais pela preservação da Amazônia, Lula abraçou a ideia como uma das prioridades de seu governo. Se o discurso de Lula no Egito, em novembro, dá esperança, cabe reconhecer que existem desafios pela frente.

A retomada da fiscalização é ponto de partida, mas dificilmente será suficiente. Desde 2012, quando o desmatamento chegou a valores mínimos históricos na Amazônia, os infratores aprenderam a burlar embargos e sistemas de verificações de empresas compradoras. Hoje, a prática de “lavar gado” – passando os animais vindos de áreas bloqueadas por fazendas de fachada que cumprem a legislação – tornou-se prática comum. É essencial que sistemas como o Selo Verde, de Pará e de Minas Gerais, capazes de monitorar fornecedores diretos e indiretos, sejam difundidos pelo País. Para tanto, a integração dos sistemas de rastreabilidade sanitária, fiscal e ambiental será essencial. Sistemas privados e certificações privadas, que dependem da declaração dos produtores, dificilmente vão atender sozinhos às exigências de compradores internacionais e impedir a contaminação da cadeia com produtos ligados ao desmatamento.

Finalmente, o agro precisa desconstruir uma leitura equivocada sobre sua posição no mundo. Uma parte significativa do setor acredita que, sem a exportação de carne e de soja do Brasil, o mundo morreria de fome. Isso é infundado. As exportações brasileiras permitiram a entrada da carne na dieta dos chineses, enquanto, no resto do mundo, o consumo manteve-se relativamente estável. Todavia, a própria China já sinalizou que está buscando reduzir suas importações, a partir de uma política de soberania alimentar, com meta de redução do consumo de carne pela metade até 2030.

Ora, se nosso maior parceiro comercial adotar critérios ambientais similares aos europeus, o agro brasileiro terá dificuldade em manter sua liderança. Cabe ao próprio setor, portanto, assumir as rédeas do seu destino e transformar o Brasil em potência agroambiental – não apenas no discurso, mas também na prática.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR DE GESTÃO AMBIENTAL DA UFMG E PESQUISADOR VISITANTE NO WILSON CENTER EM WASHINGTON (EUA); E PROFESSOR DE POLÍTICA INTERNACIONAL DA UFMG E PESQUISADOR VISITANTE NA UNIVERSIDADE DE OXFORD (INGLATERRA)

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