O Senado Federal aprovou e encaminhou à Câmara dos Deputados a Nova Lei do Primeiro Emprego. Esse assunto – da maior importância não somente para os jovens, mas para a economia – precisa ser aprofundado.
A nova lei estabelece normas para o primeiro emprego, modifica o contrato de aprendizagem e, na prática, abole o estágio. O contrato pode durar até dois anos. O empregador deixa de pagar parcela significativa do INSS e do FGTS e fica livre de multas relativas à rescisão contratual. O objetivo seria estimular o emprego de alunos de ensino médio profissional e de ensino superior que nunca tiveram emprego formal, especialmente em tempos de pandemia. Será?
Poupo o leitor das minúcias legais. A pobreza do debate no Senado prenuncia que é mínima a chance de um aprimoramento significativo na Câmara. Resta pôr em pauta temas centrais que a lei tangencia, mas poderiam constituir seu foco de atenção: o primeiro emprego e a formação profissional. Essa pauta deveria ser central, até mesmo no debate eleitoral.
Ao selecionar novos empregados, empregadores buscam informação para reduzir incertezas. Credenciais como diplomas, anos de escolaridade, tipo de curso e de escola, notas, dentre outras, têm seu peso. Idade, também. Mas é a experiência que, em última análise, conta mais – tem mais chance de emprego quem já trabalhou e deu certo. Resultado: jovens e recém-formados têm maior dificuldade para conseguir emprego – sem falar da legião dos menos jovens, formados e não formados, que nunca conseguiram se inserir no mercado formal de trabalho. Não se trata de perseguição ou má vontade do empregador. Trata-se apenas de reduzir incertezas.
O primeiro emprego pode ser uma oportunidade decisiva para a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Políticas para fomentá-lo precisam avaliar se os incentivos oferecidos compensam os custos. De outra forma, podem ser inócuas. Um relatório preliminar da Consultoria IDados sugere duas reflexões. Primeiro, quando mais tempo o jovem fica no primeiro emprego, maior a chance de ele estar empregado no futuro. Segundo, jovens que permanecem mais tempo no primeiro emprego têm maior probabilidade de retornar ao estudo. A nova lei vai na direção contrária à desses achados.
Na forma proposta, a lei induz à confusão ao permitir a substituição do estágio pelo emprego e exigir deste iniciativas próprias daquele, o que evidencia um desconhecimento profundo do legislador a respeito da natureza, do objetivo e da oportunidade do estágio. Nesse sentido, é pouco provável que as medidas propostas na lei provoquem qualquer arranhão no desemprego de jovens.
O que fazer? O que dizem as evidências? Como promover políticas mais adequadas de primeiro emprego? Comecemos pelo que não funciona. Educação e treinamento no lugar de emprego. Dá manchete em jornal. Dá emprego para professores e treinadores. Belas fotos de formatura. Mas não cria emprego novo – no máximo, troca um empregado não qualificado por outro que o é.
Continuemos pelo que há de mais simples. Logo após a derrubada do Muro de Berlim participei de uma missão do Banco Mundial em alguns países da antiga Cortina de Ferro. Pululavam ideias e iniciativas para orientar milhões de desempregados a conseguirem um emprego. A mais popular eram os cursos sobre o funcionamento do sistema capitalista. As mais eficazes, as iniciativas que ensinavam a redigir um currículo e fazer uma entrevista. Hoje a evidência sobre isso é abundante e aponta para o calcanhar de Aquiles que os economistas gostam de chamar de fricção informacional: como tornar claro e fácil para o empregador quem você é e o que sabe fazer.
Um substituto ainda mais robusto é a reputação das instituições onde o indivíduo conclui o seu curso. No ensino médio técnico, por exemplo, é conhecido o elevado grau de empregabilidade de ex-alunos do Sistema S, especialmente na área industrial.
Finalmente, a pandemia. Evidências de outras situações semelhantes sugerem que há dois grupos a merecerem prioridade. Primeiro, os jovens que concluem os cursos nestes momentos de depressão econômica. No caso, os concluintes em 2020, 2021 e talvez 2022 de cursos técnicos dos níveis médio e superior. Segundo, os jovens de 16 a 20 anos fora da escola que não concluíram o ensino médio.
A lei aprovada no Senado vai em outra direção ao focar em alunos, e não em quem está pronto para ingressar num primeiro emprego de verdade.
Políticas robustas de primeiro emprego e formação profissional de nível médio em moldes adequados merecem ocupar lugar de destaque nas agendas dos partidos políticos e dos candidatos a presidente da República. A nova lei do ensino médio não provocou mudanças e, se implementada dentro das definições existentes, dificilmente provocará. Cabe um debate profundo sobre o tema, e isso tem que ver com a identidade do ensino médio técnico e a responsabilidade do setor produtivo na sua implementação. Esse é o debate que precisa ser travado, para além do discurso demagógico e de leis mal costuradas.
Alguém se habilita?
PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO