Opinião|Qual humanismo para qual economia


Como admitir que o equilíbrio supostamente eficiente do sistema não garante a sobrevivência de parte da população?

Por Mario Girasole

O que é a economia? Duas definições do século passado ainda prevalecem: a de Lionel Robbins em 1932, “a ciência que estuda a relação entre objetivos e meios escassos aplicáveis a usos alternativos”; e a de Joan Robinson em 1948, “uma caixa de ferramentas para análise”. Ambas são incompletas e perdem o humano.

Estudos econômicos partem de hipóteses frequentemente construídas sobre terreno arenoso, pela própria natureza incerta do procedimento indutivo. Por um lado (John Stuart Mill), não há regularidades empíricas que possam ostentar o estatuto de “leis”; por outro (David Hume), mesmo com uma relação estável entre variáveis, não temos certeza de que ela continuará a existir no futuro.

Diante dos limites do “realismo” econômico, a disciplina progrediu na linha do “instrumentalismo”, e a matemática e a econometria conferiram-lhe roupagem de imanência e pressuposto de ordem natural, que porém parece não ter aderência à natureza humana, e nem mesmo à vida.

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Alguns desenvolvimentos sobre a teoria do equilíbrio econômico geral mostram que a pobreza extrema não decorre do mau funcionamento dos mercados, mas é compatível com seu perfeito desempenho. Como admitir que o equilíbrio supostamente eficiente do sistema não garante a sobrevivência de parte da população?

Precisamos voltar às origens por um momento, pensando fora da “caixa de ferramentas para análise”.

Na Grécia antiga, a felicidade aristotélica é sempre um fim, e nunca um meio. A reciprocidade justa sustenta a vida em comum. A felicidade é pública ou não é e, por isso, o homem é um “animal político” antes de ser um indivíduo.

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A Idade Média incuba a economia de mercado, desenvolvida como uma rede de relações pessoais mediadas (por hierarquia, direito, Igreja), que possibilitam a primeira revolução comercial e urbana e o humanismo mercantil.

A Reforma Luterana dissolve essa premissa de otimismo antropológico e afirma a natureza corrupta e antissocial do homem. Com Thomas Hobbes, é necessário um contrato para marcar a fronteira entre sociedade civil e a comunidade incivilizada, aquele bellum omnium contra omnes materializado nas guerras religiosas dos séculos 16 e 17.

“O indivíduo-em-relação ainda estava em gestação e antes de nascer foi eliminado” (Luigino Bruni), e a sociedade europeia passou da comunidade sem indivíduos para os indivíduos sem comunidade. Esse “aborto teórico” do indivíduo-em-relação pode ser considerado a base sobre a qual surge a economia moderna. A sociedade civil de Adam Smith pode existir sem cooperação ou reconhecimento mútuo. Dependendo de muitos, não se depende de ninguém. A mão que harmoniza a economia é necessariamente invisível.

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Em contraste, a escola napolitana da economia civil de Antonio Genovesi, contemporâneo de Smith, enfatiza a reciprocidade e a fé pública como tecido de uma economia de mútua confiança. Mas não foi a linha prevalente no século 19.

O pensamento econômico evoluiu também a partir de outra palavra-chave: crise. A crise de superprodução dos anos 70 e 80 do século 19 muda a ênfase clássica do valor objetivo (produção, trabalho) para o paradigma neoclássico subjetivo (utilidade, consumo, escolha racional). A crise de 1929, com o enorme desemprego, põe em causa o ideal de equilíbrio e se abre à abordagem keynesiana dos investimentos do Estado que compensam a insuficiência da demanda. A crise petrolífera dos anos 70 do século 20 coloca os economistas diante da “estagflação” e o monetarismo redesenha direções de intervenção estatal mínima e contração da despesa pública.

O estouro da bolha imobiliária no início do milênio nos EUA transforma o mercado de confiança na solvência num mercado de apostas na insolvência, uma roleta-russa que estoura na crise “entrópica” de 2008. Essa “implosão por perda de direção” (Stefano Zamagni) projeta no século 21 a necessidade de reestruturar a governança dos comportamentos econômicos. Outras duas frentes inadiáveis estão enxertadas nessa dimensão: a ambiental e a social.

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A humanidade levou 200 mil anos para seu primeiro bilhão de habitantes e somente mais 200 anos para chegar a 8 bilhões: isso eleva exponencialmente as complexidades na gestão dos recursos. O ar, a água, o solo e, hoje, a energia e a internet estão incluídos entre os ativos cuja exploração sem coordenação os condena ao subinvestimento e à deterioração, concretizando a tragédia dos comuns de Garrett Hardin. Os valores compartilhados mal se traduzem nos sistemas de demanda, oferta e preços típicos da modelagem econômica tradicional e impõem a redefinição do Homo economicus dos últimos dois séculos.

Nós, economistas, falamos de liberdade e eficiência, mas tentamos evitar discursos filosóficos ou políticos. E erramos, pois os dilemas econômicos contemporâneos residem numa nova concepção do indivíduo-em-relação e das crises que o trouxeram até aqui. Como John Maynard Keynes sintetizou no final da sua brilhante carreira, “a economia e os economistas são os depositários não da civilização, mas apenas da possibilidade da civilização”.

*

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PH.D. EM ECONOMIA, É VICE-PRESIDENTE DA TIM BRASIL E PRESIDENTE DO INSTITUTO TIM

O que é a economia? Duas definições do século passado ainda prevalecem: a de Lionel Robbins em 1932, “a ciência que estuda a relação entre objetivos e meios escassos aplicáveis a usos alternativos”; e a de Joan Robinson em 1948, “uma caixa de ferramentas para análise”. Ambas são incompletas e perdem o humano.

Estudos econômicos partem de hipóteses frequentemente construídas sobre terreno arenoso, pela própria natureza incerta do procedimento indutivo. Por um lado (John Stuart Mill), não há regularidades empíricas que possam ostentar o estatuto de “leis”; por outro (David Hume), mesmo com uma relação estável entre variáveis, não temos certeza de que ela continuará a existir no futuro.

Diante dos limites do “realismo” econômico, a disciplina progrediu na linha do “instrumentalismo”, e a matemática e a econometria conferiram-lhe roupagem de imanência e pressuposto de ordem natural, que porém parece não ter aderência à natureza humana, e nem mesmo à vida.

Alguns desenvolvimentos sobre a teoria do equilíbrio econômico geral mostram que a pobreza extrema não decorre do mau funcionamento dos mercados, mas é compatível com seu perfeito desempenho. Como admitir que o equilíbrio supostamente eficiente do sistema não garante a sobrevivência de parte da população?

Precisamos voltar às origens por um momento, pensando fora da “caixa de ferramentas para análise”.

Na Grécia antiga, a felicidade aristotélica é sempre um fim, e nunca um meio. A reciprocidade justa sustenta a vida em comum. A felicidade é pública ou não é e, por isso, o homem é um “animal político” antes de ser um indivíduo.

A Idade Média incuba a economia de mercado, desenvolvida como uma rede de relações pessoais mediadas (por hierarquia, direito, Igreja), que possibilitam a primeira revolução comercial e urbana e o humanismo mercantil.

A Reforma Luterana dissolve essa premissa de otimismo antropológico e afirma a natureza corrupta e antissocial do homem. Com Thomas Hobbes, é necessário um contrato para marcar a fronteira entre sociedade civil e a comunidade incivilizada, aquele bellum omnium contra omnes materializado nas guerras religiosas dos séculos 16 e 17.

“O indivíduo-em-relação ainda estava em gestação e antes de nascer foi eliminado” (Luigino Bruni), e a sociedade europeia passou da comunidade sem indivíduos para os indivíduos sem comunidade. Esse “aborto teórico” do indivíduo-em-relação pode ser considerado a base sobre a qual surge a economia moderna. A sociedade civil de Adam Smith pode existir sem cooperação ou reconhecimento mútuo. Dependendo de muitos, não se depende de ninguém. A mão que harmoniza a economia é necessariamente invisível.

Em contraste, a escola napolitana da economia civil de Antonio Genovesi, contemporâneo de Smith, enfatiza a reciprocidade e a fé pública como tecido de uma economia de mútua confiança. Mas não foi a linha prevalente no século 19.

O pensamento econômico evoluiu também a partir de outra palavra-chave: crise. A crise de superprodução dos anos 70 e 80 do século 19 muda a ênfase clássica do valor objetivo (produção, trabalho) para o paradigma neoclássico subjetivo (utilidade, consumo, escolha racional). A crise de 1929, com o enorme desemprego, põe em causa o ideal de equilíbrio e se abre à abordagem keynesiana dos investimentos do Estado que compensam a insuficiência da demanda. A crise petrolífera dos anos 70 do século 20 coloca os economistas diante da “estagflação” e o monetarismo redesenha direções de intervenção estatal mínima e contração da despesa pública.

O estouro da bolha imobiliária no início do milênio nos EUA transforma o mercado de confiança na solvência num mercado de apostas na insolvência, uma roleta-russa que estoura na crise “entrópica” de 2008. Essa “implosão por perda de direção” (Stefano Zamagni) projeta no século 21 a necessidade de reestruturar a governança dos comportamentos econômicos. Outras duas frentes inadiáveis estão enxertadas nessa dimensão: a ambiental e a social.

A humanidade levou 200 mil anos para seu primeiro bilhão de habitantes e somente mais 200 anos para chegar a 8 bilhões: isso eleva exponencialmente as complexidades na gestão dos recursos. O ar, a água, o solo e, hoje, a energia e a internet estão incluídos entre os ativos cuja exploração sem coordenação os condena ao subinvestimento e à deterioração, concretizando a tragédia dos comuns de Garrett Hardin. Os valores compartilhados mal se traduzem nos sistemas de demanda, oferta e preços típicos da modelagem econômica tradicional e impõem a redefinição do Homo economicus dos últimos dois séculos.

Nós, economistas, falamos de liberdade e eficiência, mas tentamos evitar discursos filosóficos ou políticos. E erramos, pois os dilemas econômicos contemporâneos residem numa nova concepção do indivíduo-em-relação e das crises que o trouxeram até aqui. Como John Maynard Keynes sintetizou no final da sua brilhante carreira, “a economia e os economistas são os depositários não da civilização, mas apenas da possibilidade da civilização”.

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PH.D. EM ECONOMIA, É VICE-PRESIDENTE DA TIM BRASIL E PRESIDENTE DO INSTITUTO TIM

O que é a economia? Duas definições do século passado ainda prevalecem: a de Lionel Robbins em 1932, “a ciência que estuda a relação entre objetivos e meios escassos aplicáveis a usos alternativos”; e a de Joan Robinson em 1948, “uma caixa de ferramentas para análise”. Ambas são incompletas e perdem o humano.

Estudos econômicos partem de hipóteses frequentemente construídas sobre terreno arenoso, pela própria natureza incerta do procedimento indutivo. Por um lado (John Stuart Mill), não há regularidades empíricas que possam ostentar o estatuto de “leis”; por outro (David Hume), mesmo com uma relação estável entre variáveis, não temos certeza de que ela continuará a existir no futuro.

Diante dos limites do “realismo” econômico, a disciplina progrediu na linha do “instrumentalismo”, e a matemática e a econometria conferiram-lhe roupagem de imanência e pressuposto de ordem natural, que porém parece não ter aderência à natureza humana, e nem mesmo à vida.

Alguns desenvolvimentos sobre a teoria do equilíbrio econômico geral mostram que a pobreza extrema não decorre do mau funcionamento dos mercados, mas é compatível com seu perfeito desempenho. Como admitir que o equilíbrio supostamente eficiente do sistema não garante a sobrevivência de parte da população?

Precisamos voltar às origens por um momento, pensando fora da “caixa de ferramentas para análise”.

Na Grécia antiga, a felicidade aristotélica é sempre um fim, e nunca um meio. A reciprocidade justa sustenta a vida em comum. A felicidade é pública ou não é e, por isso, o homem é um “animal político” antes de ser um indivíduo.

A Idade Média incuba a economia de mercado, desenvolvida como uma rede de relações pessoais mediadas (por hierarquia, direito, Igreja), que possibilitam a primeira revolução comercial e urbana e o humanismo mercantil.

A Reforma Luterana dissolve essa premissa de otimismo antropológico e afirma a natureza corrupta e antissocial do homem. Com Thomas Hobbes, é necessário um contrato para marcar a fronteira entre sociedade civil e a comunidade incivilizada, aquele bellum omnium contra omnes materializado nas guerras religiosas dos séculos 16 e 17.

“O indivíduo-em-relação ainda estava em gestação e antes de nascer foi eliminado” (Luigino Bruni), e a sociedade europeia passou da comunidade sem indivíduos para os indivíduos sem comunidade. Esse “aborto teórico” do indivíduo-em-relação pode ser considerado a base sobre a qual surge a economia moderna. A sociedade civil de Adam Smith pode existir sem cooperação ou reconhecimento mútuo. Dependendo de muitos, não se depende de ninguém. A mão que harmoniza a economia é necessariamente invisível.

Em contraste, a escola napolitana da economia civil de Antonio Genovesi, contemporâneo de Smith, enfatiza a reciprocidade e a fé pública como tecido de uma economia de mútua confiança. Mas não foi a linha prevalente no século 19.

O pensamento econômico evoluiu também a partir de outra palavra-chave: crise. A crise de superprodução dos anos 70 e 80 do século 19 muda a ênfase clássica do valor objetivo (produção, trabalho) para o paradigma neoclássico subjetivo (utilidade, consumo, escolha racional). A crise de 1929, com o enorme desemprego, põe em causa o ideal de equilíbrio e se abre à abordagem keynesiana dos investimentos do Estado que compensam a insuficiência da demanda. A crise petrolífera dos anos 70 do século 20 coloca os economistas diante da “estagflação” e o monetarismo redesenha direções de intervenção estatal mínima e contração da despesa pública.

O estouro da bolha imobiliária no início do milênio nos EUA transforma o mercado de confiança na solvência num mercado de apostas na insolvência, uma roleta-russa que estoura na crise “entrópica” de 2008. Essa “implosão por perda de direção” (Stefano Zamagni) projeta no século 21 a necessidade de reestruturar a governança dos comportamentos econômicos. Outras duas frentes inadiáveis estão enxertadas nessa dimensão: a ambiental e a social.

A humanidade levou 200 mil anos para seu primeiro bilhão de habitantes e somente mais 200 anos para chegar a 8 bilhões: isso eleva exponencialmente as complexidades na gestão dos recursos. O ar, a água, o solo e, hoje, a energia e a internet estão incluídos entre os ativos cuja exploração sem coordenação os condena ao subinvestimento e à deterioração, concretizando a tragédia dos comuns de Garrett Hardin. Os valores compartilhados mal se traduzem nos sistemas de demanda, oferta e preços típicos da modelagem econômica tradicional e impõem a redefinição do Homo economicus dos últimos dois séculos.

Nós, economistas, falamos de liberdade e eficiência, mas tentamos evitar discursos filosóficos ou políticos. E erramos, pois os dilemas econômicos contemporâneos residem numa nova concepção do indivíduo-em-relação e das crises que o trouxeram até aqui. Como John Maynard Keynes sintetizou no final da sua brilhante carreira, “a economia e os economistas são os depositários não da civilização, mas apenas da possibilidade da civilização”.

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O que é a economia? Duas definições do século passado ainda prevalecem: a de Lionel Robbins em 1932, “a ciência que estuda a relação entre objetivos e meios escassos aplicáveis a usos alternativos”; e a de Joan Robinson em 1948, “uma caixa de ferramentas para análise”. Ambas são incompletas e perdem o humano.

Estudos econômicos partem de hipóteses frequentemente construídas sobre terreno arenoso, pela própria natureza incerta do procedimento indutivo. Por um lado (John Stuart Mill), não há regularidades empíricas que possam ostentar o estatuto de “leis”; por outro (David Hume), mesmo com uma relação estável entre variáveis, não temos certeza de que ela continuará a existir no futuro.

Diante dos limites do “realismo” econômico, a disciplina progrediu na linha do “instrumentalismo”, e a matemática e a econometria conferiram-lhe roupagem de imanência e pressuposto de ordem natural, que porém parece não ter aderência à natureza humana, e nem mesmo à vida.

Alguns desenvolvimentos sobre a teoria do equilíbrio econômico geral mostram que a pobreza extrema não decorre do mau funcionamento dos mercados, mas é compatível com seu perfeito desempenho. Como admitir que o equilíbrio supostamente eficiente do sistema não garante a sobrevivência de parte da população?

Precisamos voltar às origens por um momento, pensando fora da “caixa de ferramentas para análise”.

Na Grécia antiga, a felicidade aristotélica é sempre um fim, e nunca um meio. A reciprocidade justa sustenta a vida em comum. A felicidade é pública ou não é e, por isso, o homem é um “animal político” antes de ser um indivíduo.

A Idade Média incuba a economia de mercado, desenvolvida como uma rede de relações pessoais mediadas (por hierarquia, direito, Igreja), que possibilitam a primeira revolução comercial e urbana e o humanismo mercantil.

A Reforma Luterana dissolve essa premissa de otimismo antropológico e afirma a natureza corrupta e antissocial do homem. Com Thomas Hobbes, é necessário um contrato para marcar a fronteira entre sociedade civil e a comunidade incivilizada, aquele bellum omnium contra omnes materializado nas guerras religiosas dos séculos 16 e 17.

“O indivíduo-em-relação ainda estava em gestação e antes de nascer foi eliminado” (Luigino Bruni), e a sociedade europeia passou da comunidade sem indivíduos para os indivíduos sem comunidade. Esse “aborto teórico” do indivíduo-em-relação pode ser considerado a base sobre a qual surge a economia moderna. A sociedade civil de Adam Smith pode existir sem cooperação ou reconhecimento mútuo. Dependendo de muitos, não se depende de ninguém. A mão que harmoniza a economia é necessariamente invisível.

Em contraste, a escola napolitana da economia civil de Antonio Genovesi, contemporâneo de Smith, enfatiza a reciprocidade e a fé pública como tecido de uma economia de mútua confiança. Mas não foi a linha prevalente no século 19.

O pensamento econômico evoluiu também a partir de outra palavra-chave: crise. A crise de superprodução dos anos 70 e 80 do século 19 muda a ênfase clássica do valor objetivo (produção, trabalho) para o paradigma neoclássico subjetivo (utilidade, consumo, escolha racional). A crise de 1929, com o enorme desemprego, põe em causa o ideal de equilíbrio e se abre à abordagem keynesiana dos investimentos do Estado que compensam a insuficiência da demanda. A crise petrolífera dos anos 70 do século 20 coloca os economistas diante da “estagflação” e o monetarismo redesenha direções de intervenção estatal mínima e contração da despesa pública.

O estouro da bolha imobiliária no início do milênio nos EUA transforma o mercado de confiança na solvência num mercado de apostas na insolvência, uma roleta-russa que estoura na crise “entrópica” de 2008. Essa “implosão por perda de direção” (Stefano Zamagni) projeta no século 21 a necessidade de reestruturar a governança dos comportamentos econômicos. Outras duas frentes inadiáveis estão enxertadas nessa dimensão: a ambiental e a social.

A humanidade levou 200 mil anos para seu primeiro bilhão de habitantes e somente mais 200 anos para chegar a 8 bilhões: isso eleva exponencialmente as complexidades na gestão dos recursos. O ar, a água, o solo e, hoje, a energia e a internet estão incluídos entre os ativos cuja exploração sem coordenação os condena ao subinvestimento e à deterioração, concretizando a tragédia dos comuns de Garrett Hardin. Os valores compartilhados mal se traduzem nos sistemas de demanda, oferta e preços típicos da modelagem econômica tradicional e impõem a redefinição do Homo economicus dos últimos dois séculos.

Nós, economistas, falamos de liberdade e eficiência, mas tentamos evitar discursos filosóficos ou políticos. E erramos, pois os dilemas econômicos contemporâneos residem numa nova concepção do indivíduo-em-relação e das crises que o trouxeram até aqui. Como John Maynard Keynes sintetizou no final da sua brilhante carreira, “a economia e os economistas são os depositários não da civilização, mas apenas da possibilidade da civilização”.

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PH.D. EM ECONOMIA, É VICE-PRESIDENTE DA TIM BRASIL E PRESIDENTE DO INSTITUTO TIM

O que é a economia? Duas definições do século passado ainda prevalecem: a de Lionel Robbins em 1932, “a ciência que estuda a relação entre objetivos e meios escassos aplicáveis a usos alternativos”; e a de Joan Robinson em 1948, “uma caixa de ferramentas para análise”. Ambas são incompletas e perdem o humano.

Estudos econômicos partem de hipóteses frequentemente construídas sobre terreno arenoso, pela própria natureza incerta do procedimento indutivo. Por um lado (John Stuart Mill), não há regularidades empíricas que possam ostentar o estatuto de “leis”; por outro (David Hume), mesmo com uma relação estável entre variáveis, não temos certeza de que ela continuará a existir no futuro.

Diante dos limites do “realismo” econômico, a disciplina progrediu na linha do “instrumentalismo”, e a matemática e a econometria conferiram-lhe roupagem de imanência e pressuposto de ordem natural, que porém parece não ter aderência à natureza humana, e nem mesmo à vida.

Alguns desenvolvimentos sobre a teoria do equilíbrio econômico geral mostram que a pobreza extrema não decorre do mau funcionamento dos mercados, mas é compatível com seu perfeito desempenho. Como admitir que o equilíbrio supostamente eficiente do sistema não garante a sobrevivência de parte da população?

Precisamos voltar às origens por um momento, pensando fora da “caixa de ferramentas para análise”.

Na Grécia antiga, a felicidade aristotélica é sempre um fim, e nunca um meio. A reciprocidade justa sustenta a vida em comum. A felicidade é pública ou não é e, por isso, o homem é um “animal político” antes de ser um indivíduo.

A Idade Média incuba a economia de mercado, desenvolvida como uma rede de relações pessoais mediadas (por hierarquia, direito, Igreja), que possibilitam a primeira revolução comercial e urbana e o humanismo mercantil.

A Reforma Luterana dissolve essa premissa de otimismo antropológico e afirma a natureza corrupta e antissocial do homem. Com Thomas Hobbes, é necessário um contrato para marcar a fronteira entre sociedade civil e a comunidade incivilizada, aquele bellum omnium contra omnes materializado nas guerras religiosas dos séculos 16 e 17.

“O indivíduo-em-relação ainda estava em gestação e antes de nascer foi eliminado” (Luigino Bruni), e a sociedade europeia passou da comunidade sem indivíduos para os indivíduos sem comunidade. Esse “aborto teórico” do indivíduo-em-relação pode ser considerado a base sobre a qual surge a economia moderna. A sociedade civil de Adam Smith pode existir sem cooperação ou reconhecimento mútuo. Dependendo de muitos, não se depende de ninguém. A mão que harmoniza a economia é necessariamente invisível.

Em contraste, a escola napolitana da economia civil de Antonio Genovesi, contemporâneo de Smith, enfatiza a reciprocidade e a fé pública como tecido de uma economia de mútua confiança. Mas não foi a linha prevalente no século 19.

O pensamento econômico evoluiu também a partir de outra palavra-chave: crise. A crise de superprodução dos anos 70 e 80 do século 19 muda a ênfase clássica do valor objetivo (produção, trabalho) para o paradigma neoclássico subjetivo (utilidade, consumo, escolha racional). A crise de 1929, com o enorme desemprego, põe em causa o ideal de equilíbrio e se abre à abordagem keynesiana dos investimentos do Estado que compensam a insuficiência da demanda. A crise petrolífera dos anos 70 do século 20 coloca os economistas diante da “estagflação” e o monetarismo redesenha direções de intervenção estatal mínima e contração da despesa pública.

O estouro da bolha imobiliária no início do milênio nos EUA transforma o mercado de confiança na solvência num mercado de apostas na insolvência, uma roleta-russa que estoura na crise “entrópica” de 2008. Essa “implosão por perda de direção” (Stefano Zamagni) projeta no século 21 a necessidade de reestruturar a governança dos comportamentos econômicos. Outras duas frentes inadiáveis estão enxertadas nessa dimensão: a ambiental e a social.

A humanidade levou 200 mil anos para seu primeiro bilhão de habitantes e somente mais 200 anos para chegar a 8 bilhões: isso eleva exponencialmente as complexidades na gestão dos recursos. O ar, a água, o solo e, hoje, a energia e a internet estão incluídos entre os ativos cuja exploração sem coordenação os condena ao subinvestimento e à deterioração, concretizando a tragédia dos comuns de Garrett Hardin. Os valores compartilhados mal se traduzem nos sistemas de demanda, oferta e preços típicos da modelagem econômica tradicional e impõem a redefinição do Homo economicus dos últimos dois séculos.

Nós, economistas, falamos de liberdade e eficiência, mas tentamos evitar discursos filosóficos ou políticos. E erramos, pois os dilemas econômicos contemporâneos residem numa nova concepção do indivíduo-em-relação e das crises que o trouxeram até aqui. Como John Maynard Keynes sintetizou no final da sua brilhante carreira, “a economia e os economistas são os depositários não da civilização, mas apenas da possibilidade da civilização”.

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