A transição no governo federal é a pauta do momento. Há decisões importantes sobre o que priorizar e o que resgatar depois de anos de forte restrição fiscal (que se manterá), escolhas no mínimo duvidosas e cortes dramáticos em ações essenciais. A agenda social é vista como a prioridade máxima, seja pela recuperação dos orçamentos da saúde e da educação, seja pelos programas de transferência de renda. Isso foi a definição do eleitor e cabe respeitá-la.
Não há dúvida de que a questão-chave neste momento é o aumento de recursos para estes setores e para outros, como a política cultural, a política ambiental, a segurança pública, a habitação, o saneamento, ciência e tecnologia. Mas é pouco, muito pouco.
Em ciência, tecnologia e inovação (CT&I), a discussão se concentra em proibir o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e reforçar os orçamentos das agências de fomento. Sempre é possível gastar rapidamente valores adicionais, reajustando salários, bolsas e lançando editais universais. Mas isso sinaliza um rumo para o País?
Sobre como aplicar bem estes recursos, o que leva tempo, se argumenta pouco. Além de investir em questões básicas, é preciso fazer algumas escolhas. Se bem feitas, podem mobilizar investimentos muitos maiores do que a própria liberação integral do FNDCT.
Um exemplo: um programa público-privado de economia de baixo carbono é central para a sobrevivência das empresas, e elas terão de aportar recursos em novas tecnologias e processos. As que não aderirem a essa agenda serão relegadas pelos consumidores e pelos investidores, especialmente no plano internacional. Cabe ao governo mobilizar universidades, institutos de pesquisa e empresas, pactuar metas de emissões e investir, com significativas contrapartidas privadas, em novas tecnologias e no conhecimento para isso.
Outro exemplo é mais claro: a agenda da Amazônia. Há, no Brasil e no mundo, bilhões de dólares que podem ser mobilizados para uma estratégia de desenvolvimento sustentável da região, sejam eles de natureza filantrópica, associados a projetos de exploração da sociobiodiversidade ou resultantes de créditos de carbono, algo que será cada vez mais importante.
A Amazônia é heterogênea, gigantesca e o que fazer não é tão simples. São necessários conhecimento técnico, ciência e tecnologias de boa qualidade e recursos humanos qualificados. Isso requer uma ação coordenada: o fortalecimento da infraestrutura de CT&I da Região Norte e de uma competência gerencial ainda embrionária, além de recursos governamentais para projetos de interesse público.
Não é um terreno desconhecido, como mostra a gestão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no Fundo Amazônia. Há, também, um protagonismo relevante dos atores locais, como o consórcio dos governadores da Amazônia Legal, o extraordinário interesse privado e um campo enorme para criar mais parcerias.
Mas há anos lamentamos o baixo investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) pelo setor privado, e devíamos perguntar: por que as políticas públicas não conseguem induzir as empresas a investir mais em tecnologia e inovação? Por que, após anos falando em prioridade na inovação, nossas políticas têm sido ineficazes? Por que, diferentemente de muitas outras nações, os gastos privados do País não chegam a 50% do dispêndio total em P&D?
Sabemos uma parte da resposta: o desempenho da economia colapsa o investimento e o esforço tecnológico. Ninguém investe num país que não cresce ou que retrocede. Mas essa é apenas a parte fácil da resposta, porque mesmo os instrumentos criados quando o Brasil crescia – como os fundos setoriais, as subvenções econômicas, os incentivos da Lei de Informática e da Lei do Bem, o regime de compras públicas, o Rota 2030 e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) – foram incapazes de mudar este quadro. Há algo que não funciona, e é hora de entender o que é e como resolver.
Um bom rumo seria perguntar, primeiro, o que precisamos fazer e como podemos mobilizar instituições públicas e privadas. Cabe-nos fazer escolhas que enderecem nossos maiores desafios e que estão alinhadas com as opções feitas pela população, como a equidade, a melhoria das políticas públicas, a sustentabilidade, a difusão de tecnologias e as fronteiras da ciência. São questões que mobilizarão recursos substanciais do setor privado, para navegar num contexto que ainda será de forte restrição fiscal, mas que será também um guia mesmo para momentos de maior folga orçamentária.
Será preciso repensar o quadro institucional do setor de CT&I, com modelos bem mais ágeis de gestão, e apontar os rumos de para onde vamos. Será preciso mobilizar atores públicos e privados e estabelecer um novo padrão de financiamento do esforço nacional de inovação e desenvolvimento científico e tecnológico. Neste cenário, as empresas deverão assumir um papel mais relevante, alavancado por políticas que sejam, de fato, indutoras do desembolso privado.
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RESPECTIVAMENTE, DIRETOR-PRESIDENTE DO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO DA FAPESP E PESQUISADORA DO INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA)