Opinião|Quando menos é mais


O STF e sua ‘flutuante’ competência originária em matéria criminal. País não precisa de um Supremo Tribunal Penal forte em aparência, mas disfuncional na essência

Por Renato Stanziola Vieira e Raquel Scalcon

Em jogo na delimitação da competência criminal do Supremo Tribunal Federal (STF) está uma disputa de poder. É disso que se trata ao se antever que a Corte irá, mais uma vez, alterar seu entendimento recente sobre a discussão de prerrogativa de foro em razão de cargo ou função, com reflexo direto na extensão de sua jurisdição originária. O problema não é só de prerrogativa, mas também de por quanto tempo se exerce esta competência.

Na jurisdição penal do Supremo Tribunal Federal, não há proporção direta entre maior legitimidade e maior extensão temporal na competência originária. Aliás, na difícil balança de freios e contrapesos entre Poderes, não é chamando para si mais responsabilidade de processar e de julgar deputados e senadores, além de outras figuras outrora importantes da vida política brasileira, que o Supremo acerta a mão.

Uma coisa é a disputa de espaços no sistema de freios e contrapesos. Outra, como pode ser a tônica atual, é a reação a ameaças de tolher o livre exercício de um dos Poderes, aumentando o peso das moedas de troca entre exercício de competência, de um lado, e contenção a arroubos de alterações inconstitucionais, de outro. Este tipo de disputa é danoso à democracia. O controle das atividades legislativas inconstitucionais não depende de alteração de competência jurisdicional. E a jurisdição penal a ser exercida em torno do crescente número de parlamentares com problemas penais não deve ser um convite à flutuação da extensão e da duração de tal competência originária.

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Ampliar o exercício de atividade jurisdicional originária em matéria criminal exporá ainda mais a disfuncionalidade do Supremo no particular. Basta relembrarmos as intermináveis sessões da Ação Penal 470 e, de modo mais recente, as investigações em torno das escandalosas diatribes praticadas por ex-presidente da República e seus parceiros. É bom, sim, ver reação jurídica aos descalabros cometidos nos gabinetes (paralelos ou não) palacianos por tais e quais parlamentares, mas o Supremo Tribunal Federal como Corte constitucional não tem esse papel em sua essência.

Sob o ponto de vista da prerrogativa em razão de cargo ou função, o ponto de partida é que a competência penal do Supremo Tribunal Federal é estrita, reservada pelo próprio texto constitucional (artigo 102, inciso I). Verdade que com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 333 de 2017 se pretende ao menos restringir o rol de pessoas que fariam jus a serem processadas por eventual cometimento de crime comum no Supremo Tribunal Federal, salvo o vice-presidente da República, aos presidentes de Poderes constituídos.

A restrição por certo gerará debates em torno de alegado direito adquirido (artigo 5.º, inciso XXVI, Constituição federal) de parlamentares a, com a redação da Constituição (originariamente no artigo 53, § 4.º e em 2001 realocada para o § 1.º), entender que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Não nos parece que, neste ponto, a proposta de alteração seja prima facie inconstitucional. Cuida-se de um passo, ainda lento, rumo a uma maior igualdade na aplicação da lei penal a todos os cidadãos.

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E a fixação de competência penal originária em órgão judicial hierarquicamente inferior ao Supremo Tribunal Federal propiciaria aos jurisdicionados o duplo grau de jurisdição, já que remanesce à Corte a atribuição recursal de decisões do órgão originário hierarquicamente inferior a lhes julgar. Ou seja, haveria um ganho de convencionalidade, já que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, vigente no Brasil desde 1992, prevê o direito ao recurso, com a garantia do duplo grau de jurisdição (artigo 8.º, 2, h).

Na específica discussão constitucional sobre competência originária em matéria penal, deve-se fixá-la a partir do fato ocorrido. Essa premissa é inarredável, sob pena de hoje se entender diferente do que se entendeu em 2018 e, daqui a poucos anos, voltar a se entender diferente em nova formação do Supremo. Há tempo se luta contra o que o atual presidente da Corte alcunhou de “elevador processual”, a depender do cargo ou função exercida por alguém: deputado, senador, governador, ou outra situação a tornar fluido o exercício da competência, como cassação de mandato ou renúncia. A flexibilidade na assunção de cargos públicos, antes ou depois do fato investigado, não tem como condicionar o exercício da atividade jurisdicional que se fixa no momento do crime.

Em matéria de jurisdição penal originária, como diria – ironicamente, um arquiteto – Mies van der Rohe –, menos é mais. A restrição da competência, no tempo e em função de pessoas, propicia mais funcionalidade. É de um Supremo Tribunal Federal que controle a constitucionalidade das leis e contenha os arroubos antidemocráticos vindos muitas vezes de outros Poderes que o País precisa, não de um Supremo Tribunal Penal forte em aparência, mas disfuncional na essência.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS (IBCCRIM), MESTRE EM DIREITO CONSTITUCIONAL (PUC-SP) E MESTRE E DOUTOR EM DIREITO PROCESSUAL PENAL (USP); E DIRETORA DO IBCCRIM, PROFESSORA DA FGV DIREITO-SP E DOUTORA PELA UFRGS

Em jogo na delimitação da competência criminal do Supremo Tribunal Federal (STF) está uma disputa de poder. É disso que se trata ao se antever que a Corte irá, mais uma vez, alterar seu entendimento recente sobre a discussão de prerrogativa de foro em razão de cargo ou função, com reflexo direto na extensão de sua jurisdição originária. O problema não é só de prerrogativa, mas também de por quanto tempo se exerce esta competência.

Na jurisdição penal do Supremo Tribunal Federal, não há proporção direta entre maior legitimidade e maior extensão temporal na competência originária. Aliás, na difícil balança de freios e contrapesos entre Poderes, não é chamando para si mais responsabilidade de processar e de julgar deputados e senadores, além de outras figuras outrora importantes da vida política brasileira, que o Supremo acerta a mão.

Uma coisa é a disputa de espaços no sistema de freios e contrapesos. Outra, como pode ser a tônica atual, é a reação a ameaças de tolher o livre exercício de um dos Poderes, aumentando o peso das moedas de troca entre exercício de competência, de um lado, e contenção a arroubos de alterações inconstitucionais, de outro. Este tipo de disputa é danoso à democracia. O controle das atividades legislativas inconstitucionais não depende de alteração de competência jurisdicional. E a jurisdição penal a ser exercida em torno do crescente número de parlamentares com problemas penais não deve ser um convite à flutuação da extensão e da duração de tal competência originária.

Ampliar o exercício de atividade jurisdicional originária em matéria criminal exporá ainda mais a disfuncionalidade do Supremo no particular. Basta relembrarmos as intermináveis sessões da Ação Penal 470 e, de modo mais recente, as investigações em torno das escandalosas diatribes praticadas por ex-presidente da República e seus parceiros. É bom, sim, ver reação jurídica aos descalabros cometidos nos gabinetes (paralelos ou não) palacianos por tais e quais parlamentares, mas o Supremo Tribunal Federal como Corte constitucional não tem esse papel em sua essência.

Sob o ponto de vista da prerrogativa em razão de cargo ou função, o ponto de partida é que a competência penal do Supremo Tribunal Federal é estrita, reservada pelo próprio texto constitucional (artigo 102, inciso I). Verdade que com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 333 de 2017 se pretende ao menos restringir o rol de pessoas que fariam jus a serem processadas por eventual cometimento de crime comum no Supremo Tribunal Federal, salvo o vice-presidente da República, aos presidentes de Poderes constituídos.

A restrição por certo gerará debates em torno de alegado direito adquirido (artigo 5.º, inciso XXVI, Constituição federal) de parlamentares a, com a redação da Constituição (originariamente no artigo 53, § 4.º e em 2001 realocada para o § 1.º), entender que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Não nos parece que, neste ponto, a proposta de alteração seja prima facie inconstitucional. Cuida-se de um passo, ainda lento, rumo a uma maior igualdade na aplicação da lei penal a todos os cidadãos.

E a fixação de competência penal originária em órgão judicial hierarquicamente inferior ao Supremo Tribunal Federal propiciaria aos jurisdicionados o duplo grau de jurisdição, já que remanesce à Corte a atribuição recursal de decisões do órgão originário hierarquicamente inferior a lhes julgar. Ou seja, haveria um ganho de convencionalidade, já que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, vigente no Brasil desde 1992, prevê o direito ao recurso, com a garantia do duplo grau de jurisdição (artigo 8.º, 2, h).

Na específica discussão constitucional sobre competência originária em matéria penal, deve-se fixá-la a partir do fato ocorrido. Essa premissa é inarredável, sob pena de hoje se entender diferente do que se entendeu em 2018 e, daqui a poucos anos, voltar a se entender diferente em nova formação do Supremo. Há tempo se luta contra o que o atual presidente da Corte alcunhou de “elevador processual”, a depender do cargo ou função exercida por alguém: deputado, senador, governador, ou outra situação a tornar fluido o exercício da competência, como cassação de mandato ou renúncia. A flexibilidade na assunção de cargos públicos, antes ou depois do fato investigado, não tem como condicionar o exercício da atividade jurisdicional que se fixa no momento do crime.

Em matéria de jurisdição penal originária, como diria – ironicamente, um arquiteto – Mies van der Rohe –, menos é mais. A restrição da competência, no tempo e em função de pessoas, propicia mais funcionalidade. É de um Supremo Tribunal Federal que controle a constitucionalidade das leis e contenha os arroubos antidemocráticos vindos muitas vezes de outros Poderes que o País precisa, não de um Supremo Tribunal Penal forte em aparência, mas disfuncional na essência.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS (IBCCRIM), MESTRE EM DIREITO CONSTITUCIONAL (PUC-SP) E MESTRE E DOUTOR EM DIREITO PROCESSUAL PENAL (USP); E DIRETORA DO IBCCRIM, PROFESSORA DA FGV DIREITO-SP E DOUTORA PELA UFRGS

Em jogo na delimitação da competência criminal do Supremo Tribunal Federal (STF) está uma disputa de poder. É disso que se trata ao se antever que a Corte irá, mais uma vez, alterar seu entendimento recente sobre a discussão de prerrogativa de foro em razão de cargo ou função, com reflexo direto na extensão de sua jurisdição originária. O problema não é só de prerrogativa, mas também de por quanto tempo se exerce esta competência.

Na jurisdição penal do Supremo Tribunal Federal, não há proporção direta entre maior legitimidade e maior extensão temporal na competência originária. Aliás, na difícil balança de freios e contrapesos entre Poderes, não é chamando para si mais responsabilidade de processar e de julgar deputados e senadores, além de outras figuras outrora importantes da vida política brasileira, que o Supremo acerta a mão.

Uma coisa é a disputa de espaços no sistema de freios e contrapesos. Outra, como pode ser a tônica atual, é a reação a ameaças de tolher o livre exercício de um dos Poderes, aumentando o peso das moedas de troca entre exercício de competência, de um lado, e contenção a arroubos de alterações inconstitucionais, de outro. Este tipo de disputa é danoso à democracia. O controle das atividades legislativas inconstitucionais não depende de alteração de competência jurisdicional. E a jurisdição penal a ser exercida em torno do crescente número de parlamentares com problemas penais não deve ser um convite à flutuação da extensão e da duração de tal competência originária.

Ampliar o exercício de atividade jurisdicional originária em matéria criminal exporá ainda mais a disfuncionalidade do Supremo no particular. Basta relembrarmos as intermináveis sessões da Ação Penal 470 e, de modo mais recente, as investigações em torno das escandalosas diatribes praticadas por ex-presidente da República e seus parceiros. É bom, sim, ver reação jurídica aos descalabros cometidos nos gabinetes (paralelos ou não) palacianos por tais e quais parlamentares, mas o Supremo Tribunal Federal como Corte constitucional não tem esse papel em sua essência.

Sob o ponto de vista da prerrogativa em razão de cargo ou função, o ponto de partida é que a competência penal do Supremo Tribunal Federal é estrita, reservada pelo próprio texto constitucional (artigo 102, inciso I). Verdade que com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 333 de 2017 se pretende ao menos restringir o rol de pessoas que fariam jus a serem processadas por eventual cometimento de crime comum no Supremo Tribunal Federal, salvo o vice-presidente da República, aos presidentes de Poderes constituídos.

A restrição por certo gerará debates em torno de alegado direito adquirido (artigo 5.º, inciso XXVI, Constituição federal) de parlamentares a, com a redação da Constituição (originariamente no artigo 53, § 4.º e em 2001 realocada para o § 1.º), entender que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Não nos parece que, neste ponto, a proposta de alteração seja prima facie inconstitucional. Cuida-se de um passo, ainda lento, rumo a uma maior igualdade na aplicação da lei penal a todos os cidadãos.

E a fixação de competência penal originária em órgão judicial hierarquicamente inferior ao Supremo Tribunal Federal propiciaria aos jurisdicionados o duplo grau de jurisdição, já que remanesce à Corte a atribuição recursal de decisões do órgão originário hierarquicamente inferior a lhes julgar. Ou seja, haveria um ganho de convencionalidade, já que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, vigente no Brasil desde 1992, prevê o direito ao recurso, com a garantia do duplo grau de jurisdição (artigo 8.º, 2, h).

Na específica discussão constitucional sobre competência originária em matéria penal, deve-se fixá-la a partir do fato ocorrido. Essa premissa é inarredável, sob pena de hoje se entender diferente do que se entendeu em 2018 e, daqui a poucos anos, voltar a se entender diferente em nova formação do Supremo. Há tempo se luta contra o que o atual presidente da Corte alcunhou de “elevador processual”, a depender do cargo ou função exercida por alguém: deputado, senador, governador, ou outra situação a tornar fluido o exercício da competência, como cassação de mandato ou renúncia. A flexibilidade na assunção de cargos públicos, antes ou depois do fato investigado, não tem como condicionar o exercício da atividade jurisdicional que se fixa no momento do crime.

Em matéria de jurisdição penal originária, como diria – ironicamente, um arquiteto – Mies van der Rohe –, menos é mais. A restrição da competência, no tempo e em função de pessoas, propicia mais funcionalidade. É de um Supremo Tribunal Federal que controle a constitucionalidade das leis e contenha os arroubos antidemocráticos vindos muitas vezes de outros Poderes que o País precisa, não de um Supremo Tribunal Penal forte em aparência, mas disfuncional na essência.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS (IBCCRIM), MESTRE EM DIREITO CONSTITUCIONAL (PUC-SP) E MESTRE E DOUTOR EM DIREITO PROCESSUAL PENAL (USP); E DIRETORA DO IBCCRIM, PROFESSORA DA FGV DIREITO-SP E DOUTORA PELA UFRGS

Em jogo na delimitação da competência criminal do Supremo Tribunal Federal (STF) está uma disputa de poder. É disso que se trata ao se antever que a Corte irá, mais uma vez, alterar seu entendimento recente sobre a discussão de prerrogativa de foro em razão de cargo ou função, com reflexo direto na extensão de sua jurisdição originária. O problema não é só de prerrogativa, mas também de por quanto tempo se exerce esta competência.

Na jurisdição penal do Supremo Tribunal Federal, não há proporção direta entre maior legitimidade e maior extensão temporal na competência originária. Aliás, na difícil balança de freios e contrapesos entre Poderes, não é chamando para si mais responsabilidade de processar e de julgar deputados e senadores, além de outras figuras outrora importantes da vida política brasileira, que o Supremo acerta a mão.

Uma coisa é a disputa de espaços no sistema de freios e contrapesos. Outra, como pode ser a tônica atual, é a reação a ameaças de tolher o livre exercício de um dos Poderes, aumentando o peso das moedas de troca entre exercício de competência, de um lado, e contenção a arroubos de alterações inconstitucionais, de outro. Este tipo de disputa é danoso à democracia. O controle das atividades legislativas inconstitucionais não depende de alteração de competência jurisdicional. E a jurisdição penal a ser exercida em torno do crescente número de parlamentares com problemas penais não deve ser um convite à flutuação da extensão e da duração de tal competência originária.

Ampliar o exercício de atividade jurisdicional originária em matéria criminal exporá ainda mais a disfuncionalidade do Supremo no particular. Basta relembrarmos as intermináveis sessões da Ação Penal 470 e, de modo mais recente, as investigações em torno das escandalosas diatribes praticadas por ex-presidente da República e seus parceiros. É bom, sim, ver reação jurídica aos descalabros cometidos nos gabinetes (paralelos ou não) palacianos por tais e quais parlamentares, mas o Supremo Tribunal Federal como Corte constitucional não tem esse papel em sua essência.

Sob o ponto de vista da prerrogativa em razão de cargo ou função, o ponto de partida é que a competência penal do Supremo Tribunal Federal é estrita, reservada pelo próprio texto constitucional (artigo 102, inciso I). Verdade que com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 333 de 2017 se pretende ao menos restringir o rol de pessoas que fariam jus a serem processadas por eventual cometimento de crime comum no Supremo Tribunal Federal, salvo o vice-presidente da República, aos presidentes de Poderes constituídos.

A restrição por certo gerará debates em torno de alegado direito adquirido (artigo 5.º, inciso XXVI, Constituição federal) de parlamentares a, com a redação da Constituição (originariamente no artigo 53, § 4.º e em 2001 realocada para o § 1.º), entender que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Não nos parece que, neste ponto, a proposta de alteração seja prima facie inconstitucional. Cuida-se de um passo, ainda lento, rumo a uma maior igualdade na aplicação da lei penal a todos os cidadãos.

E a fixação de competência penal originária em órgão judicial hierarquicamente inferior ao Supremo Tribunal Federal propiciaria aos jurisdicionados o duplo grau de jurisdição, já que remanesce à Corte a atribuição recursal de decisões do órgão originário hierarquicamente inferior a lhes julgar. Ou seja, haveria um ganho de convencionalidade, já que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, vigente no Brasil desde 1992, prevê o direito ao recurso, com a garantia do duplo grau de jurisdição (artigo 8.º, 2, h).

Na específica discussão constitucional sobre competência originária em matéria penal, deve-se fixá-la a partir do fato ocorrido. Essa premissa é inarredável, sob pena de hoje se entender diferente do que se entendeu em 2018 e, daqui a poucos anos, voltar a se entender diferente em nova formação do Supremo. Há tempo se luta contra o que o atual presidente da Corte alcunhou de “elevador processual”, a depender do cargo ou função exercida por alguém: deputado, senador, governador, ou outra situação a tornar fluido o exercício da competência, como cassação de mandato ou renúncia. A flexibilidade na assunção de cargos públicos, antes ou depois do fato investigado, não tem como condicionar o exercício da atividade jurisdicional que se fixa no momento do crime.

Em matéria de jurisdição penal originária, como diria – ironicamente, um arquiteto – Mies van der Rohe –, menos é mais. A restrição da competência, no tempo e em função de pessoas, propicia mais funcionalidade. É de um Supremo Tribunal Federal que controle a constitucionalidade das leis e contenha os arroubos antidemocráticos vindos muitas vezes de outros Poderes que o País precisa, não de um Supremo Tribunal Penal forte em aparência, mas disfuncional na essência.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS (IBCCRIM), MESTRE EM DIREITO CONSTITUCIONAL (PUC-SP) E MESTRE E DOUTOR EM DIREITO PROCESSUAL PENAL (USP); E DIRETORA DO IBCCRIM, PROFESSORA DA FGV DIREITO-SP E DOUTORA PELA UFRGS

Opinião por Renato Stanziola Vieira

Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), mestre em Direito Constitucional (PUC-SP) e mestre e doutor em Direito Processual Penal (USP)

Raquel Scalcon

Diretora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), professora da FGV Direito-SP e doutora pela UFRGS

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