Opinião|Que país queremos dar a nossas crianças?


O ano de 2022 foi o mais perigoso para crianças e adolescentes brasileiras até aqui, e temo pelos dados de 2023

Por José Luiz Setúbal

Você gostaria de morar num país onde mais de 7 mil crianças com menos de 4 anos são estupradas por ano? Onde mais de 2,5 mil menores de idade perecem por morte violenta intencional? Os dados devastadores constam do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no mês de julho passado, com base nos dados de 2022. A fundação que eu presido, voltada em grande parte para o fomento de políticas públicas pelo bem-estar infantil, é uma das viabilizadoras da pesquisa, cujo resultado em nada me orgulha.

Pois esse é o retrato do País onde ninguém, em sã consciência, gostaria de morar. E cá estamos nós, vendo o tempo passar e as estatísticas jogando contra as gerações do futuro. As crianças e adolescentes continuam sendo as maiores vítimas da violência sexual no nosso país. Aproximadamente 8 em cada 10 vítimas de violência sexual são menores de idade. Em relação ao ano de 2021, a taxa de estupro e estupro de vulnerável cresceu e chegou a 37 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.

Sabemos que a subnotificação do estupro é um fato. Um estudo recente divulgado por pesquisadores do Ipea, com dados de 2019, indica que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados às polícias e 4,2% aos sistemas de informação da saúde. Assim, segundo a estimativa produzida pelos autores, o patamar de casos de estupro no Brasil deve ser da ordem de 822 mil por ano. Motivos paras denúncias não acontecerem? Falta de diálogo em casa, vergonha, medo, fragilidade e um total desalento para alguém tão pequeno, que morrerá duas vezes na vida. A primeira morte é a emocional, no dia em que seu corpo é invadido sem licença.

continua após a publicidade

Muito embora as notificações tenham mostrado aumento – graças às campanhas informativas e ao trabalho de formiguinha de ONGs e grupos de mulheres –, não fazem frente à epidemia de abusos. Na prática pediátrica, vi de tudo e posso afirmar que a violência contra os pequenos acontece em todas as classes sociais e, o pior, dentro de casa. Ou seja: somos um país que cultiva a cultura do estupro. Ainda que crianças e adolescentes estejam mais informados sobre o que a outra pessoa não pode fazer com o seu corpo, é difícil crer na hipótese do empoderamento como única explicação para o aumento das notificações. A violência está desenfreada.

Enquanto o crime sexual é cometido essencialmente contra meninas, as mortes violentas atingem principalmente adolescentes do sexo masculino. Impossível não fazer uma conexão direta com a negligência e o abandono (e aqui eu pontuo que mais de 6% das crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento). Esse tipo de violência está fortemente relacionado a diferentes formas de vulnerabilidade social, como pobreza e uso de drogas, por exemplo.

Os meninos ficam mais nas ruas das grandes cidades. Desprotegidos, são submetidos a um estresse tóxico, contínuo, que se refere a mudanças moleculares, celulares e comportamentais provocadas por adversidades significativas que ocorrem na ausência de relacionamentos seguros, estáveis e estimulantes. As mudanças induzidas pelo estresse tornam-se, então, fatores de risco para resultados ruins em saúde, educação e produtividade econômica. O estresse tóxico de adversidades na primeira infância pode se tornar biologicamente incorporado e piorar as trajetórias do curso de vida.

continua após a publicidade

Vale recordar o leitor do Estadão que os dados do Anuário começaram a ser compilados somente a partir da pandemia e, desde então, percebe-se queda nos registros em época de férias escolares – prova de que os colégios são protagonistas na percepção de casos de maus-tratos. Isso reafirma a importância dos profissionais da educação na rede protetiva das nossas crianças. E, por mais desfalcado de recursos que esteja o ensino público nacional, ele é um espaço de acolhimento e que oferece segurança.

O ano de 2022 foi o mais perigoso para crianças e adolescentes brasileiras até aqui, e temo pelos dados de 2023. Apesar de as mortes violentas terem apresentado uma sutil redução, todos os outros crimes apresentaram aumento, demonstrando o ambiente hostil do País. Da mesma forma como o novo governo federal tem mostrado empenho na implantação de políticas públicas na esfera da violência contra a mulher, também a violência contra as crianças e os adolescentes precisa ser eleita como fenômeno a ser combatido.

Não é mais justificável bater, castigar ou punir para educar. Não é mais justificável deixar o tempo passar enquanto dizimamos o futuro das novas gerações. É urgente que as estratégias de enfrentamento da violência sejam ampliadas e aprofundadas no Brasil, assim como define o artigo 227 da Constituição: as crianças devem ser prioridade absoluta. Nos próximos meses, os parlamentares terão a agenda cheia por causa da reforma tributária. Se passar, a proposta da não incidência de imposto para as transmissões e doações destinadas às organizações sem fins lucrativos com finalidade de relevância social pode ser um importante passo para fortalecer as organizações da sociedade civil que olham por nossas crianças.

continua após a publicidade

*

PEDIATRA E FILANTROPO

Você gostaria de morar num país onde mais de 7 mil crianças com menos de 4 anos são estupradas por ano? Onde mais de 2,5 mil menores de idade perecem por morte violenta intencional? Os dados devastadores constam do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no mês de julho passado, com base nos dados de 2022. A fundação que eu presido, voltada em grande parte para o fomento de políticas públicas pelo bem-estar infantil, é uma das viabilizadoras da pesquisa, cujo resultado em nada me orgulha.

Pois esse é o retrato do País onde ninguém, em sã consciência, gostaria de morar. E cá estamos nós, vendo o tempo passar e as estatísticas jogando contra as gerações do futuro. As crianças e adolescentes continuam sendo as maiores vítimas da violência sexual no nosso país. Aproximadamente 8 em cada 10 vítimas de violência sexual são menores de idade. Em relação ao ano de 2021, a taxa de estupro e estupro de vulnerável cresceu e chegou a 37 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.

Sabemos que a subnotificação do estupro é um fato. Um estudo recente divulgado por pesquisadores do Ipea, com dados de 2019, indica que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados às polícias e 4,2% aos sistemas de informação da saúde. Assim, segundo a estimativa produzida pelos autores, o patamar de casos de estupro no Brasil deve ser da ordem de 822 mil por ano. Motivos paras denúncias não acontecerem? Falta de diálogo em casa, vergonha, medo, fragilidade e um total desalento para alguém tão pequeno, que morrerá duas vezes na vida. A primeira morte é a emocional, no dia em que seu corpo é invadido sem licença.

Muito embora as notificações tenham mostrado aumento – graças às campanhas informativas e ao trabalho de formiguinha de ONGs e grupos de mulheres –, não fazem frente à epidemia de abusos. Na prática pediátrica, vi de tudo e posso afirmar que a violência contra os pequenos acontece em todas as classes sociais e, o pior, dentro de casa. Ou seja: somos um país que cultiva a cultura do estupro. Ainda que crianças e adolescentes estejam mais informados sobre o que a outra pessoa não pode fazer com o seu corpo, é difícil crer na hipótese do empoderamento como única explicação para o aumento das notificações. A violência está desenfreada.

Enquanto o crime sexual é cometido essencialmente contra meninas, as mortes violentas atingem principalmente adolescentes do sexo masculino. Impossível não fazer uma conexão direta com a negligência e o abandono (e aqui eu pontuo que mais de 6% das crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento). Esse tipo de violência está fortemente relacionado a diferentes formas de vulnerabilidade social, como pobreza e uso de drogas, por exemplo.

Os meninos ficam mais nas ruas das grandes cidades. Desprotegidos, são submetidos a um estresse tóxico, contínuo, que se refere a mudanças moleculares, celulares e comportamentais provocadas por adversidades significativas que ocorrem na ausência de relacionamentos seguros, estáveis e estimulantes. As mudanças induzidas pelo estresse tornam-se, então, fatores de risco para resultados ruins em saúde, educação e produtividade econômica. O estresse tóxico de adversidades na primeira infância pode se tornar biologicamente incorporado e piorar as trajetórias do curso de vida.

Vale recordar o leitor do Estadão que os dados do Anuário começaram a ser compilados somente a partir da pandemia e, desde então, percebe-se queda nos registros em época de férias escolares – prova de que os colégios são protagonistas na percepção de casos de maus-tratos. Isso reafirma a importância dos profissionais da educação na rede protetiva das nossas crianças. E, por mais desfalcado de recursos que esteja o ensino público nacional, ele é um espaço de acolhimento e que oferece segurança.

O ano de 2022 foi o mais perigoso para crianças e adolescentes brasileiras até aqui, e temo pelos dados de 2023. Apesar de as mortes violentas terem apresentado uma sutil redução, todos os outros crimes apresentaram aumento, demonstrando o ambiente hostil do País. Da mesma forma como o novo governo federal tem mostrado empenho na implantação de políticas públicas na esfera da violência contra a mulher, também a violência contra as crianças e os adolescentes precisa ser eleita como fenômeno a ser combatido.

Não é mais justificável bater, castigar ou punir para educar. Não é mais justificável deixar o tempo passar enquanto dizimamos o futuro das novas gerações. É urgente que as estratégias de enfrentamento da violência sejam ampliadas e aprofundadas no Brasil, assim como define o artigo 227 da Constituição: as crianças devem ser prioridade absoluta. Nos próximos meses, os parlamentares terão a agenda cheia por causa da reforma tributária. Se passar, a proposta da não incidência de imposto para as transmissões e doações destinadas às organizações sem fins lucrativos com finalidade de relevância social pode ser um importante passo para fortalecer as organizações da sociedade civil que olham por nossas crianças.

*

PEDIATRA E FILANTROPO

Você gostaria de morar num país onde mais de 7 mil crianças com menos de 4 anos são estupradas por ano? Onde mais de 2,5 mil menores de idade perecem por morte violenta intencional? Os dados devastadores constam do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no mês de julho passado, com base nos dados de 2022. A fundação que eu presido, voltada em grande parte para o fomento de políticas públicas pelo bem-estar infantil, é uma das viabilizadoras da pesquisa, cujo resultado em nada me orgulha.

Pois esse é o retrato do País onde ninguém, em sã consciência, gostaria de morar. E cá estamos nós, vendo o tempo passar e as estatísticas jogando contra as gerações do futuro. As crianças e adolescentes continuam sendo as maiores vítimas da violência sexual no nosso país. Aproximadamente 8 em cada 10 vítimas de violência sexual são menores de idade. Em relação ao ano de 2021, a taxa de estupro e estupro de vulnerável cresceu e chegou a 37 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.

Sabemos que a subnotificação do estupro é um fato. Um estudo recente divulgado por pesquisadores do Ipea, com dados de 2019, indica que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados às polícias e 4,2% aos sistemas de informação da saúde. Assim, segundo a estimativa produzida pelos autores, o patamar de casos de estupro no Brasil deve ser da ordem de 822 mil por ano. Motivos paras denúncias não acontecerem? Falta de diálogo em casa, vergonha, medo, fragilidade e um total desalento para alguém tão pequeno, que morrerá duas vezes na vida. A primeira morte é a emocional, no dia em que seu corpo é invadido sem licença.

Muito embora as notificações tenham mostrado aumento – graças às campanhas informativas e ao trabalho de formiguinha de ONGs e grupos de mulheres –, não fazem frente à epidemia de abusos. Na prática pediátrica, vi de tudo e posso afirmar que a violência contra os pequenos acontece em todas as classes sociais e, o pior, dentro de casa. Ou seja: somos um país que cultiva a cultura do estupro. Ainda que crianças e adolescentes estejam mais informados sobre o que a outra pessoa não pode fazer com o seu corpo, é difícil crer na hipótese do empoderamento como única explicação para o aumento das notificações. A violência está desenfreada.

Enquanto o crime sexual é cometido essencialmente contra meninas, as mortes violentas atingem principalmente adolescentes do sexo masculino. Impossível não fazer uma conexão direta com a negligência e o abandono (e aqui eu pontuo que mais de 6% das crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento). Esse tipo de violência está fortemente relacionado a diferentes formas de vulnerabilidade social, como pobreza e uso de drogas, por exemplo.

Os meninos ficam mais nas ruas das grandes cidades. Desprotegidos, são submetidos a um estresse tóxico, contínuo, que se refere a mudanças moleculares, celulares e comportamentais provocadas por adversidades significativas que ocorrem na ausência de relacionamentos seguros, estáveis e estimulantes. As mudanças induzidas pelo estresse tornam-se, então, fatores de risco para resultados ruins em saúde, educação e produtividade econômica. O estresse tóxico de adversidades na primeira infância pode se tornar biologicamente incorporado e piorar as trajetórias do curso de vida.

Vale recordar o leitor do Estadão que os dados do Anuário começaram a ser compilados somente a partir da pandemia e, desde então, percebe-se queda nos registros em época de férias escolares – prova de que os colégios são protagonistas na percepção de casos de maus-tratos. Isso reafirma a importância dos profissionais da educação na rede protetiva das nossas crianças. E, por mais desfalcado de recursos que esteja o ensino público nacional, ele é um espaço de acolhimento e que oferece segurança.

O ano de 2022 foi o mais perigoso para crianças e adolescentes brasileiras até aqui, e temo pelos dados de 2023. Apesar de as mortes violentas terem apresentado uma sutil redução, todos os outros crimes apresentaram aumento, demonstrando o ambiente hostil do País. Da mesma forma como o novo governo federal tem mostrado empenho na implantação de políticas públicas na esfera da violência contra a mulher, também a violência contra as crianças e os adolescentes precisa ser eleita como fenômeno a ser combatido.

Não é mais justificável bater, castigar ou punir para educar. Não é mais justificável deixar o tempo passar enquanto dizimamos o futuro das novas gerações. É urgente que as estratégias de enfrentamento da violência sejam ampliadas e aprofundadas no Brasil, assim como define o artigo 227 da Constituição: as crianças devem ser prioridade absoluta. Nos próximos meses, os parlamentares terão a agenda cheia por causa da reforma tributária. Se passar, a proposta da não incidência de imposto para as transmissões e doações destinadas às organizações sem fins lucrativos com finalidade de relevância social pode ser um importante passo para fortalecer as organizações da sociedade civil que olham por nossas crianças.

*

PEDIATRA E FILANTROPO

Você gostaria de morar num país onde mais de 7 mil crianças com menos de 4 anos são estupradas por ano? Onde mais de 2,5 mil menores de idade perecem por morte violenta intencional? Os dados devastadores constam do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no mês de julho passado, com base nos dados de 2022. A fundação que eu presido, voltada em grande parte para o fomento de políticas públicas pelo bem-estar infantil, é uma das viabilizadoras da pesquisa, cujo resultado em nada me orgulha.

Pois esse é o retrato do País onde ninguém, em sã consciência, gostaria de morar. E cá estamos nós, vendo o tempo passar e as estatísticas jogando contra as gerações do futuro. As crianças e adolescentes continuam sendo as maiores vítimas da violência sexual no nosso país. Aproximadamente 8 em cada 10 vítimas de violência sexual são menores de idade. Em relação ao ano de 2021, a taxa de estupro e estupro de vulnerável cresceu e chegou a 37 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.

Sabemos que a subnotificação do estupro é um fato. Um estudo recente divulgado por pesquisadores do Ipea, com dados de 2019, indica que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados às polícias e 4,2% aos sistemas de informação da saúde. Assim, segundo a estimativa produzida pelos autores, o patamar de casos de estupro no Brasil deve ser da ordem de 822 mil por ano. Motivos paras denúncias não acontecerem? Falta de diálogo em casa, vergonha, medo, fragilidade e um total desalento para alguém tão pequeno, que morrerá duas vezes na vida. A primeira morte é a emocional, no dia em que seu corpo é invadido sem licença.

Muito embora as notificações tenham mostrado aumento – graças às campanhas informativas e ao trabalho de formiguinha de ONGs e grupos de mulheres –, não fazem frente à epidemia de abusos. Na prática pediátrica, vi de tudo e posso afirmar que a violência contra os pequenos acontece em todas as classes sociais e, o pior, dentro de casa. Ou seja: somos um país que cultiva a cultura do estupro. Ainda que crianças e adolescentes estejam mais informados sobre o que a outra pessoa não pode fazer com o seu corpo, é difícil crer na hipótese do empoderamento como única explicação para o aumento das notificações. A violência está desenfreada.

Enquanto o crime sexual é cometido essencialmente contra meninas, as mortes violentas atingem principalmente adolescentes do sexo masculino. Impossível não fazer uma conexão direta com a negligência e o abandono (e aqui eu pontuo que mais de 6% das crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento). Esse tipo de violência está fortemente relacionado a diferentes formas de vulnerabilidade social, como pobreza e uso de drogas, por exemplo.

Os meninos ficam mais nas ruas das grandes cidades. Desprotegidos, são submetidos a um estresse tóxico, contínuo, que se refere a mudanças moleculares, celulares e comportamentais provocadas por adversidades significativas que ocorrem na ausência de relacionamentos seguros, estáveis e estimulantes. As mudanças induzidas pelo estresse tornam-se, então, fatores de risco para resultados ruins em saúde, educação e produtividade econômica. O estresse tóxico de adversidades na primeira infância pode se tornar biologicamente incorporado e piorar as trajetórias do curso de vida.

Vale recordar o leitor do Estadão que os dados do Anuário começaram a ser compilados somente a partir da pandemia e, desde então, percebe-se queda nos registros em época de férias escolares – prova de que os colégios são protagonistas na percepção de casos de maus-tratos. Isso reafirma a importância dos profissionais da educação na rede protetiva das nossas crianças. E, por mais desfalcado de recursos que esteja o ensino público nacional, ele é um espaço de acolhimento e que oferece segurança.

O ano de 2022 foi o mais perigoso para crianças e adolescentes brasileiras até aqui, e temo pelos dados de 2023. Apesar de as mortes violentas terem apresentado uma sutil redução, todos os outros crimes apresentaram aumento, demonstrando o ambiente hostil do País. Da mesma forma como o novo governo federal tem mostrado empenho na implantação de políticas públicas na esfera da violência contra a mulher, também a violência contra as crianças e os adolescentes precisa ser eleita como fenômeno a ser combatido.

Não é mais justificável bater, castigar ou punir para educar. Não é mais justificável deixar o tempo passar enquanto dizimamos o futuro das novas gerações. É urgente que as estratégias de enfrentamento da violência sejam ampliadas e aprofundadas no Brasil, assim como define o artigo 227 da Constituição: as crianças devem ser prioridade absoluta. Nos próximos meses, os parlamentares terão a agenda cheia por causa da reforma tributária. Se passar, a proposta da não incidência de imposto para as transmissões e doações destinadas às organizações sem fins lucrativos com finalidade de relevância social pode ser um importante passo para fortalecer as organizações da sociedade civil que olham por nossas crianças.

*

PEDIATRA E FILANTROPO

Você gostaria de morar num país onde mais de 7 mil crianças com menos de 4 anos são estupradas por ano? Onde mais de 2,5 mil menores de idade perecem por morte violenta intencional? Os dados devastadores constam do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no mês de julho passado, com base nos dados de 2022. A fundação que eu presido, voltada em grande parte para o fomento de políticas públicas pelo bem-estar infantil, é uma das viabilizadoras da pesquisa, cujo resultado em nada me orgulha.

Pois esse é o retrato do País onde ninguém, em sã consciência, gostaria de morar. E cá estamos nós, vendo o tempo passar e as estatísticas jogando contra as gerações do futuro. As crianças e adolescentes continuam sendo as maiores vítimas da violência sexual no nosso país. Aproximadamente 8 em cada 10 vítimas de violência sexual são menores de idade. Em relação ao ano de 2021, a taxa de estupro e estupro de vulnerável cresceu e chegou a 37 casos para cada grupo de 100 mil habitantes.

Sabemos que a subnotificação do estupro é um fato. Um estudo recente divulgado por pesquisadores do Ipea, com dados de 2019, indica que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados às polícias e 4,2% aos sistemas de informação da saúde. Assim, segundo a estimativa produzida pelos autores, o patamar de casos de estupro no Brasil deve ser da ordem de 822 mil por ano. Motivos paras denúncias não acontecerem? Falta de diálogo em casa, vergonha, medo, fragilidade e um total desalento para alguém tão pequeno, que morrerá duas vezes na vida. A primeira morte é a emocional, no dia em que seu corpo é invadido sem licença.

Muito embora as notificações tenham mostrado aumento – graças às campanhas informativas e ao trabalho de formiguinha de ONGs e grupos de mulheres –, não fazem frente à epidemia de abusos. Na prática pediátrica, vi de tudo e posso afirmar que a violência contra os pequenos acontece em todas as classes sociais e, o pior, dentro de casa. Ou seja: somos um país que cultiva a cultura do estupro. Ainda que crianças e adolescentes estejam mais informados sobre o que a outra pessoa não pode fazer com o seu corpo, é difícil crer na hipótese do empoderamento como única explicação para o aumento das notificações. A violência está desenfreada.

Enquanto o crime sexual é cometido essencialmente contra meninas, as mortes violentas atingem principalmente adolescentes do sexo masculino. Impossível não fazer uma conexão direta com a negligência e o abandono (e aqui eu pontuo que mais de 6% das crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento). Esse tipo de violência está fortemente relacionado a diferentes formas de vulnerabilidade social, como pobreza e uso de drogas, por exemplo.

Os meninos ficam mais nas ruas das grandes cidades. Desprotegidos, são submetidos a um estresse tóxico, contínuo, que se refere a mudanças moleculares, celulares e comportamentais provocadas por adversidades significativas que ocorrem na ausência de relacionamentos seguros, estáveis e estimulantes. As mudanças induzidas pelo estresse tornam-se, então, fatores de risco para resultados ruins em saúde, educação e produtividade econômica. O estresse tóxico de adversidades na primeira infância pode se tornar biologicamente incorporado e piorar as trajetórias do curso de vida.

Vale recordar o leitor do Estadão que os dados do Anuário começaram a ser compilados somente a partir da pandemia e, desde então, percebe-se queda nos registros em época de férias escolares – prova de que os colégios são protagonistas na percepção de casos de maus-tratos. Isso reafirma a importância dos profissionais da educação na rede protetiva das nossas crianças. E, por mais desfalcado de recursos que esteja o ensino público nacional, ele é um espaço de acolhimento e que oferece segurança.

O ano de 2022 foi o mais perigoso para crianças e adolescentes brasileiras até aqui, e temo pelos dados de 2023. Apesar de as mortes violentas terem apresentado uma sutil redução, todos os outros crimes apresentaram aumento, demonstrando o ambiente hostil do País. Da mesma forma como o novo governo federal tem mostrado empenho na implantação de políticas públicas na esfera da violência contra a mulher, também a violência contra as crianças e os adolescentes precisa ser eleita como fenômeno a ser combatido.

Não é mais justificável bater, castigar ou punir para educar. Não é mais justificável deixar o tempo passar enquanto dizimamos o futuro das novas gerações. É urgente que as estratégias de enfrentamento da violência sejam ampliadas e aprofundadas no Brasil, assim como define o artigo 227 da Constituição: as crianças devem ser prioridade absoluta. Nos próximos meses, os parlamentares terão a agenda cheia por causa da reforma tributária. Se passar, a proposta da não incidência de imposto para as transmissões e doações destinadas às organizações sem fins lucrativos com finalidade de relevância social pode ser um importante passo para fortalecer as organizações da sociedade civil que olham por nossas crianças.

*

PEDIATRA E FILANTROPO

Opinião por José Luiz Setúbal

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.