Opinião|Questões controversas em investigações corporativas


Diante do avanço irreversível do ‘compliance’ nas empresas, é uma questão de tempo até que as investigações internas caiam no radar do Judiciário brasileiro

Por Filipe Magliarelli

O compliance, palavra de origem inglesa que significa conformidade em português, é um fenômeno que impactou de forma irreversível as organizações. Cada vez mais incentivadas por leis e pressionadas pelo mercado, empresas têm desenvolvido programas que visam a prevenir, identificar e reprimir violações de ordem comportamental, ética e legal. Ame-o ou odeio-o, o compliance é hoje um dos maiores propulsores de novos negócios, de valorização da marca, de atração de talentos e de prevenção e mitigação a riscos corporativos. Como bem sintetiza a célebre frase do ex-procurador-geral de Justiça dos Estados Unidos Paul McNulty: “Se você pensa que o compliance é caro, tente não o atender!”.

A estruturação de programas de integridade nas empresas teve sua origem nos Estados Unidos da década de 1970, a partir de incentivos legais à autorregulação das companhias por meio da implementação de políticas e códigos de ética, treinamentos periódicos, monitoramentos e investigações internas (ou corporativas) de fatos relatados em seus canais de denúncias. As investigações internas, ao lado dos canais de denúncia, são, pois, um importante pilar dos programas de integridade, pois permitem que a empresa seja informada sobre práticas que violem suas políticas e que a empresa, ciente desses fatos, possa investigá-los internamente e aplicar as medidas disciplinares adequadas.

Portanto, investigações corporativas refletem o incentivo dado às empresas para que se autorregulem e aceitem a incumbência de assumir de alguma forma, na esfera privada, a obrigação originalmente estatal na apuração de delitos.

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Investigações públicas, quer criminais, quer administrativas, são realizadas em cumprimento a regras que garantem, ao investigado, o exercício de direitos fundamentais, como a ampla defesa, o acesso integral ao procedimento e a representação por advogado. O descumprimento de quaisquer dessas regras pode invalidar os elementos colhidos nas investigações públicas. Contudo, diante do fenômeno de privatização das apurações de infrações praticadas no seio empresarial, surge o questionamento se esses mesmos direitos fundamentais deveriam ser respeitados pelas empresas nas investigações internas.

Nos Estados Unidos, de onde importamos o modelo das investigações internas, entende-se que somente ao Estado é exigido o respeito às garantias fundamentais previstas na Constituição federal, e não aos particulares. Ou seja, cabe somente ao Estado e seus agentes, nas atividades de persecução, o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, ao passo que, na esfera privada, as partes são livres para pactuar o que lhes for conveniente e oportuno. Tal entendimento reflete, por exemplo, o fato de não existir Justiça Trabalhista nos Estados Unidos nem as mesmas leis que, no Brasil, tutelam os interesses dos trabalhadores, por considerá-los partes hipossuficientes na relação com seus empregadores.

Ocorre que, no Brasil, investigações internas são realizadas de forma privada e unilateral, em uma relação trabalhista (empregador investigando seu empregado), por investigadores que não têm fé pública e, mais grave, sem qualquer regulamentação. Advogados e membros do departamento de compliance das empresas não detêm poder de intimar pessoas, que são entrevistadas sem o compromisso da verdade. Logo, os elementos coletados nas investigações corporativas precisam ser corroborados em juízo ou creditados por autoridades para que tenham o devido valor probatório.

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Por outro lado, há investigações corporativas que podem gerar efeitos para além da relação trabalhista entre empregador e empregado. São os casos, por exemplo, das apurações de corrupção, fraudes à licitação, infrações concorrenciais e desvio de bens da empresa. Cuida-se de condutas que podem colocar a empresa na mira de autoridades, com possível instauração de procedimentos investigativos ou punitivos por atos de seus colaboradores e representantes. Há, portanto, nesses casos, evidente e acentuado conflito de interesses entre, de um lado, o poder diretivo da empresa, seu incentivo em apurar os fatos e de relatá-los às autoridades, e, de outro, o direito constitucional do colaborador em não se autoincriminar.

A jurisprudência brasileira inclina-se a reconhecer que os direitos fundamentais incidem também nas relações entre entes privados, no que se convencionou chamar de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para evitar abuso no exercício de um direito ou abuso econômico, entende-se que, quanto maior for a desigualdade entre os particulares, maior deve ser o respeito aos direitos fundamentais da parte mais frágil, sob pena de nulidade dos atos praticados.

Assim, havendo a possibilidade de os elementos da investigação corporativa serem compartilhados com autoridades e por elas usados em desfavor do colaborador investigado, é fundamental que esse colaborador seja cientificado do escopo da apuração e, logo, possa exercer o direito ao silêncio. Ainda, eventual pedido de assistência por advogado também deve ter igual atenção, assim como o acesso aos elementos que o incriminem, com exceção de informações que possam expor o denunciante e as testemunhas, pois a violação à confidencialidade do canal de denúncias e dos relatos registrados pode gerar o descrédito do canal de denúncias.

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Na eventualidade de os elementos produzidos na investigação interna serem discutidos em juízo, é imprescindível que a empresa assegure, também, a chamada cadeia de custódia. Todos os elementos obtidos na investigação, para que sejam submetidos ao crivo judicial, precisam ser produzidos de forma a dar-lhes credibilidade e a oportunidade à parte contrária de questionar a forma como foram produzidos. E esse contraponto aos elementos da investigação garantirá que sirvam de fundamento para eventual decisão judicial, a favor ou contra a empresa.

Enfim, há poucos precedentes na Justiça Trabalhista que se debruçam sobre a validade de pontuais condutas em investigações corporativas. Entretanto, diante do avanço irreversível do compliance nas empresas, é uma questão de tempo até que as investigações internas caiam no radar de todo o Judiciário brasileiro. Portanto, que tenhamos a responsabilidade na condução das investigações para que não sejam demonizadas nem virem alvo de reiterados questionamentos e invalidações, pois seria um desfavor aos programas de integridade.

*

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ADVOGADO

O compliance, palavra de origem inglesa que significa conformidade em português, é um fenômeno que impactou de forma irreversível as organizações. Cada vez mais incentivadas por leis e pressionadas pelo mercado, empresas têm desenvolvido programas que visam a prevenir, identificar e reprimir violações de ordem comportamental, ética e legal. Ame-o ou odeio-o, o compliance é hoje um dos maiores propulsores de novos negócios, de valorização da marca, de atração de talentos e de prevenção e mitigação a riscos corporativos. Como bem sintetiza a célebre frase do ex-procurador-geral de Justiça dos Estados Unidos Paul McNulty: “Se você pensa que o compliance é caro, tente não o atender!”.

A estruturação de programas de integridade nas empresas teve sua origem nos Estados Unidos da década de 1970, a partir de incentivos legais à autorregulação das companhias por meio da implementação de políticas e códigos de ética, treinamentos periódicos, monitoramentos e investigações internas (ou corporativas) de fatos relatados em seus canais de denúncias. As investigações internas, ao lado dos canais de denúncia, são, pois, um importante pilar dos programas de integridade, pois permitem que a empresa seja informada sobre práticas que violem suas políticas e que a empresa, ciente desses fatos, possa investigá-los internamente e aplicar as medidas disciplinares adequadas.

Portanto, investigações corporativas refletem o incentivo dado às empresas para que se autorregulem e aceitem a incumbência de assumir de alguma forma, na esfera privada, a obrigação originalmente estatal na apuração de delitos.

Investigações públicas, quer criminais, quer administrativas, são realizadas em cumprimento a regras que garantem, ao investigado, o exercício de direitos fundamentais, como a ampla defesa, o acesso integral ao procedimento e a representação por advogado. O descumprimento de quaisquer dessas regras pode invalidar os elementos colhidos nas investigações públicas. Contudo, diante do fenômeno de privatização das apurações de infrações praticadas no seio empresarial, surge o questionamento se esses mesmos direitos fundamentais deveriam ser respeitados pelas empresas nas investigações internas.

Nos Estados Unidos, de onde importamos o modelo das investigações internas, entende-se que somente ao Estado é exigido o respeito às garantias fundamentais previstas na Constituição federal, e não aos particulares. Ou seja, cabe somente ao Estado e seus agentes, nas atividades de persecução, o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, ao passo que, na esfera privada, as partes são livres para pactuar o que lhes for conveniente e oportuno. Tal entendimento reflete, por exemplo, o fato de não existir Justiça Trabalhista nos Estados Unidos nem as mesmas leis que, no Brasil, tutelam os interesses dos trabalhadores, por considerá-los partes hipossuficientes na relação com seus empregadores.

Ocorre que, no Brasil, investigações internas são realizadas de forma privada e unilateral, em uma relação trabalhista (empregador investigando seu empregado), por investigadores que não têm fé pública e, mais grave, sem qualquer regulamentação. Advogados e membros do departamento de compliance das empresas não detêm poder de intimar pessoas, que são entrevistadas sem o compromisso da verdade. Logo, os elementos coletados nas investigações corporativas precisam ser corroborados em juízo ou creditados por autoridades para que tenham o devido valor probatório.

Por outro lado, há investigações corporativas que podem gerar efeitos para além da relação trabalhista entre empregador e empregado. São os casos, por exemplo, das apurações de corrupção, fraudes à licitação, infrações concorrenciais e desvio de bens da empresa. Cuida-se de condutas que podem colocar a empresa na mira de autoridades, com possível instauração de procedimentos investigativos ou punitivos por atos de seus colaboradores e representantes. Há, portanto, nesses casos, evidente e acentuado conflito de interesses entre, de um lado, o poder diretivo da empresa, seu incentivo em apurar os fatos e de relatá-los às autoridades, e, de outro, o direito constitucional do colaborador em não se autoincriminar.

A jurisprudência brasileira inclina-se a reconhecer que os direitos fundamentais incidem também nas relações entre entes privados, no que se convencionou chamar de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para evitar abuso no exercício de um direito ou abuso econômico, entende-se que, quanto maior for a desigualdade entre os particulares, maior deve ser o respeito aos direitos fundamentais da parte mais frágil, sob pena de nulidade dos atos praticados.

Assim, havendo a possibilidade de os elementos da investigação corporativa serem compartilhados com autoridades e por elas usados em desfavor do colaborador investigado, é fundamental que esse colaborador seja cientificado do escopo da apuração e, logo, possa exercer o direito ao silêncio. Ainda, eventual pedido de assistência por advogado também deve ter igual atenção, assim como o acesso aos elementos que o incriminem, com exceção de informações que possam expor o denunciante e as testemunhas, pois a violação à confidencialidade do canal de denúncias e dos relatos registrados pode gerar o descrédito do canal de denúncias.

Na eventualidade de os elementos produzidos na investigação interna serem discutidos em juízo, é imprescindível que a empresa assegure, também, a chamada cadeia de custódia. Todos os elementos obtidos na investigação, para que sejam submetidos ao crivo judicial, precisam ser produzidos de forma a dar-lhes credibilidade e a oportunidade à parte contrária de questionar a forma como foram produzidos. E esse contraponto aos elementos da investigação garantirá que sirvam de fundamento para eventual decisão judicial, a favor ou contra a empresa.

Enfim, há poucos precedentes na Justiça Trabalhista que se debruçam sobre a validade de pontuais condutas em investigações corporativas. Entretanto, diante do avanço irreversível do compliance nas empresas, é uma questão de tempo até que as investigações internas caiam no radar de todo o Judiciário brasileiro. Portanto, que tenhamos a responsabilidade na condução das investigações para que não sejam demonizadas nem virem alvo de reiterados questionamentos e invalidações, pois seria um desfavor aos programas de integridade.

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O compliance, palavra de origem inglesa que significa conformidade em português, é um fenômeno que impactou de forma irreversível as organizações. Cada vez mais incentivadas por leis e pressionadas pelo mercado, empresas têm desenvolvido programas que visam a prevenir, identificar e reprimir violações de ordem comportamental, ética e legal. Ame-o ou odeio-o, o compliance é hoje um dos maiores propulsores de novos negócios, de valorização da marca, de atração de talentos e de prevenção e mitigação a riscos corporativos. Como bem sintetiza a célebre frase do ex-procurador-geral de Justiça dos Estados Unidos Paul McNulty: “Se você pensa que o compliance é caro, tente não o atender!”.

A estruturação de programas de integridade nas empresas teve sua origem nos Estados Unidos da década de 1970, a partir de incentivos legais à autorregulação das companhias por meio da implementação de políticas e códigos de ética, treinamentos periódicos, monitoramentos e investigações internas (ou corporativas) de fatos relatados em seus canais de denúncias. As investigações internas, ao lado dos canais de denúncia, são, pois, um importante pilar dos programas de integridade, pois permitem que a empresa seja informada sobre práticas que violem suas políticas e que a empresa, ciente desses fatos, possa investigá-los internamente e aplicar as medidas disciplinares adequadas.

Portanto, investigações corporativas refletem o incentivo dado às empresas para que se autorregulem e aceitem a incumbência de assumir de alguma forma, na esfera privada, a obrigação originalmente estatal na apuração de delitos.

Investigações públicas, quer criminais, quer administrativas, são realizadas em cumprimento a regras que garantem, ao investigado, o exercício de direitos fundamentais, como a ampla defesa, o acesso integral ao procedimento e a representação por advogado. O descumprimento de quaisquer dessas regras pode invalidar os elementos colhidos nas investigações públicas. Contudo, diante do fenômeno de privatização das apurações de infrações praticadas no seio empresarial, surge o questionamento se esses mesmos direitos fundamentais deveriam ser respeitados pelas empresas nas investigações internas.

Nos Estados Unidos, de onde importamos o modelo das investigações internas, entende-se que somente ao Estado é exigido o respeito às garantias fundamentais previstas na Constituição federal, e não aos particulares. Ou seja, cabe somente ao Estado e seus agentes, nas atividades de persecução, o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, ao passo que, na esfera privada, as partes são livres para pactuar o que lhes for conveniente e oportuno. Tal entendimento reflete, por exemplo, o fato de não existir Justiça Trabalhista nos Estados Unidos nem as mesmas leis que, no Brasil, tutelam os interesses dos trabalhadores, por considerá-los partes hipossuficientes na relação com seus empregadores.

Ocorre que, no Brasil, investigações internas são realizadas de forma privada e unilateral, em uma relação trabalhista (empregador investigando seu empregado), por investigadores que não têm fé pública e, mais grave, sem qualquer regulamentação. Advogados e membros do departamento de compliance das empresas não detêm poder de intimar pessoas, que são entrevistadas sem o compromisso da verdade. Logo, os elementos coletados nas investigações corporativas precisam ser corroborados em juízo ou creditados por autoridades para que tenham o devido valor probatório.

Por outro lado, há investigações corporativas que podem gerar efeitos para além da relação trabalhista entre empregador e empregado. São os casos, por exemplo, das apurações de corrupção, fraudes à licitação, infrações concorrenciais e desvio de bens da empresa. Cuida-se de condutas que podem colocar a empresa na mira de autoridades, com possível instauração de procedimentos investigativos ou punitivos por atos de seus colaboradores e representantes. Há, portanto, nesses casos, evidente e acentuado conflito de interesses entre, de um lado, o poder diretivo da empresa, seu incentivo em apurar os fatos e de relatá-los às autoridades, e, de outro, o direito constitucional do colaborador em não se autoincriminar.

A jurisprudência brasileira inclina-se a reconhecer que os direitos fundamentais incidem também nas relações entre entes privados, no que se convencionou chamar de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para evitar abuso no exercício de um direito ou abuso econômico, entende-se que, quanto maior for a desigualdade entre os particulares, maior deve ser o respeito aos direitos fundamentais da parte mais frágil, sob pena de nulidade dos atos praticados.

Assim, havendo a possibilidade de os elementos da investigação corporativa serem compartilhados com autoridades e por elas usados em desfavor do colaborador investigado, é fundamental que esse colaborador seja cientificado do escopo da apuração e, logo, possa exercer o direito ao silêncio. Ainda, eventual pedido de assistência por advogado também deve ter igual atenção, assim como o acesso aos elementos que o incriminem, com exceção de informações que possam expor o denunciante e as testemunhas, pois a violação à confidencialidade do canal de denúncias e dos relatos registrados pode gerar o descrédito do canal de denúncias.

Na eventualidade de os elementos produzidos na investigação interna serem discutidos em juízo, é imprescindível que a empresa assegure, também, a chamada cadeia de custódia. Todos os elementos obtidos na investigação, para que sejam submetidos ao crivo judicial, precisam ser produzidos de forma a dar-lhes credibilidade e a oportunidade à parte contrária de questionar a forma como foram produzidos. E esse contraponto aos elementos da investigação garantirá que sirvam de fundamento para eventual decisão judicial, a favor ou contra a empresa.

Enfim, há poucos precedentes na Justiça Trabalhista que se debruçam sobre a validade de pontuais condutas em investigações corporativas. Entretanto, diante do avanço irreversível do compliance nas empresas, é uma questão de tempo até que as investigações internas caiam no radar de todo o Judiciário brasileiro. Portanto, que tenhamos a responsabilidade na condução das investigações para que não sejam demonizadas nem virem alvo de reiterados questionamentos e invalidações, pois seria um desfavor aos programas de integridade.

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O compliance, palavra de origem inglesa que significa conformidade em português, é um fenômeno que impactou de forma irreversível as organizações. Cada vez mais incentivadas por leis e pressionadas pelo mercado, empresas têm desenvolvido programas que visam a prevenir, identificar e reprimir violações de ordem comportamental, ética e legal. Ame-o ou odeio-o, o compliance é hoje um dos maiores propulsores de novos negócios, de valorização da marca, de atração de talentos e de prevenção e mitigação a riscos corporativos. Como bem sintetiza a célebre frase do ex-procurador-geral de Justiça dos Estados Unidos Paul McNulty: “Se você pensa que o compliance é caro, tente não o atender!”.

A estruturação de programas de integridade nas empresas teve sua origem nos Estados Unidos da década de 1970, a partir de incentivos legais à autorregulação das companhias por meio da implementação de políticas e códigos de ética, treinamentos periódicos, monitoramentos e investigações internas (ou corporativas) de fatos relatados em seus canais de denúncias. As investigações internas, ao lado dos canais de denúncia, são, pois, um importante pilar dos programas de integridade, pois permitem que a empresa seja informada sobre práticas que violem suas políticas e que a empresa, ciente desses fatos, possa investigá-los internamente e aplicar as medidas disciplinares adequadas.

Portanto, investigações corporativas refletem o incentivo dado às empresas para que se autorregulem e aceitem a incumbência de assumir de alguma forma, na esfera privada, a obrigação originalmente estatal na apuração de delitos.

Investigações públicas, quer criminais, quer administrativas, são realizadas em cumprimento a regras que garantem, ao investigado, o exercício de direitos fundamentais, como a ampla defesa, o acesso integral ao procedimento e a representação por advogado. O descumprimento de quaisquer dessas regras pode invalidar os elementos colhidos nas investigações públicas. Contudo, diante do fenômeno de privatização das apurações de infrações praticadas no seio empresarial, surge o questionamento se esses mesmos direitos fundamentais deveriam ser respeitados pelas empresas nas investigações internas.

Nos Estados Unidos, de onde importamos o modelo das investigações internas, entende-se que somente ao Estado é exigido o respeito às garantias fundamentais previstas na Constituição federal, e não aos particulares. Ou seja, cabe somente ao Estado e seus agentes, nas atividades de persecução, o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, ao passo que, na esfera privada, as partes são livres para pactuar o que lhes for conveniente e oportuno. Tal entendimento reflete, por exemplo, o fato de não existir Justiça Trabalhista nos Estados Unidos nem as mesmas leis que, no Brasil, tutelam os interesses dos trabalhadores, por considerá-los partes hipossuficientes na relação com seus empregadores.

Ocorre que, no Brasil, investigações internas são realizadas de forma privada e unilateral, em uma relação trabalhista (empregador investigando seu empregado), por investigadores que não têm fé pública e, mais grave, sem qualquer regulamentação. Advogados e membros do departamento de compliance das empresas não detêm poder de intimar pessoas, que são entrevistadas sem o compromisso da verdade. Logo, os elementos coletados nas investigações corporativas precisam ser corroborados em juízo ou creditados por autoridades para que tenham o devido valor probatório.

Por outro lado, há investigações corporativas que podem gerar efeitos para além da relação trabalhista entre empregador e empregado. São os casos, por exemplo, das apurações de corrupção, fraudes à licitação, infrações concorrenciais e desvio de bens da empresa. Cuida-se de condutas que podem colocar a empresa na mira de autoridades, com possível instauração de procedimentos investigativos ou punitivos por atos de seus colaboradores e representantes. Há, portanto, nesses casos, evidente e acentuado conflito de interesses entre, de um lado, o poder diretivo da empresa, seu incentivo em apurar os fatos e de relatá-los às autoridades, e, de outro, o direito constitucional do colaborador em não se autoincriminar.

A jurisprudência brasileira inclina-se a reconhecer que os direitos fundamentais incidem também nas relações entre entes privados, no que se convencionou chamar de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para evitar abuso no exercício de um direito ou abuso econômico, entende-se que, quanto maior for a desigualdade entre os particulares, maior deve ser o respeito aos direitos fundamentais da parte mais frágil, sob pena de nulidade dos atos praticados.

Assim, havendo a possibilidade de os elementos da investigação corporativa serem compartilhados com autoridades e por elas usados em desfavor do colaborador investigado, é fundamental que esse colaborador seja cientificado do escopo da apuração e, logo, possa exercer o direito ao silêncio. Ainda, eventual pedido de assistência por advogado também deve ter igual atenção, assim como o acesso aos elementos que o incriminem, com exceção de informações que possam expor o denunciante e as testemunhas, pois a violação à confidencialidade do canal de denúncias e dos relatos registrados pode gerar o descrédito do canal de denúncias.

Na eventualidade de os elementos produzidos na investigação interna serem discutidos em juízo, é imprescindível que a empresa assegure, também, a chamada cadeia de custódia. Todos os elementos obtidos na investigação, para que sejam submetidos ao crivo judicial, precisam ser produzidos de forma a dar-lhes credibilidade e a oportunidade à parte contrária de questionar a forma como foram produzidos. E esse contraponto aos elementos da investigação garantirá que sirvam de fundamento para eventual decisão judicial, a favor ou contra a empresa.

Enfim, há poucos precedentes na Justiça Trabalhista que se debruçam sobre a validade de pontuais condutas em investigações corporativas. Entretanto, diante do avanço irreversível do compliance nas empresas, é uma questão de tempo até que as investigações internas caiam no radar de todo o Judiciário brasileiro. Portanto, que tenhamos a responsabilidade na condução das investigações para que não sejam demonizadas nem virem alvo de reiterados questionamentos e invalidações, pois seria um desfavor aos programas de integridade.

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ADVOGADO

O compliance, palavra de origem inglesa que significa conformidade em português, é um fenômeno que impactou de forma irreversível as organizações. Cada vez mais incentivadas por leis e pressionadas pelo mercado, empresas têm desenvolvido programas que visam a prevenir, identificar e reprimir violações de ordem comportamental, ética e legal. Ame-o ou odeio-o, o compliance é hoje um dos maiores propulsores de novos negócios, de valorização da marca, de atração de talentos e de prevenção e mitigação a riscos corporativos. Como bem sintetiza a célebre frase do ex-procurador-geral de Justiça dos Estados Unidos Paul McNulty: “Se você pensa que o compliance é caro, tente não o atender!”.

A estruturação de programas de integridade nas empresas teve sua origem nos Estados Unidos da década de 1970, a partir de incentivos legais à autorregulação das companhias por meio da implementação de políticas e códigos de ética, treinamentos periódicos, monitoramentos e investigações internas (ou corporativas) de fatos relatados em seus canais de denúncias. As investigações internas, ao lado dos canais de denúncia, são, pois, um importante pilar dos programas de integridade, pois permitem que a empresa seja informada sobre práticas que violem suas políticas e que a empresa, ciente desses fatos, possa investigá-los internamente e aplicar as medidas disciplinares adequadas.

Portanto, investigações corporativas refletem o incentivo dado às empresas para que se autorregulem e aceitem a incumbência de assumir de alguma forma, na esfera privada, a obrigação originalmente estatal na apuração de delitos.

Investigações públicas, quer criminais, quer administrativas, são realizadas em cumprimento a regras que garantem, ao investigado, o exercício de direitos fundamentais, como a ampla defesa, o acesso integral ao procedimento e a representação por advogado. O descumprimento de quaisquer dessas regras pode invalidar os elementos colhidos nas investigações públicas. Contudo, diante do fenômeno de privatização das apurações de infrações praticadas no seio empresarial, surge o questionamento se esses mesmos direitos fundamentais deveriam ser respeitados pelas empresas nas investigações internas.

Nos Estados Unidos, de onde importamos o modelo das investigações internas, entende-se que somente ao Estado é exigido o respeito às garantias fundamentais previstas na Constituição federal, e não aos particulares. Ou seja, cabe somente ao Estado e seus agentes, nas atividades de persecução, o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, ao passo que, na esfera privada, as partes são livres para pactuar o que lhes for conveniente e oportuno. Tal entendimento reflete, por exemplo, o fato de não existir Justiça Trabalhista nos Estados Unidos nem as mesmas leis que, no Brasil, tutelam os interesses dos trabalhadores, por considerá-los partes hipossuficientes na relação com seus empregadores.

Ocorre que, no Brasil, investigações internas são realizadas de forma privada e unilateral, em uma relação trabalhista (empregador investigando seu empregado), por investigadores que não têm fé pública e, mais grave, sem qualquer regulamentação. Advogados e membros do departamento de compliance das empresas não detêm poder de intimar pessoas, que são entrevistadas sem o compromisso da verdade. Logo, os elementos coletados nas investigações corporativas precisam ser corroborados em juízo ou creditados por autoridades para que tenham o devido valor probatório.

Por outro lado, há investigações corporativas que podem gerar efeitos para além da relação trabalhista entre empregador e empregado. São os casos, por exemplo, das apurações de corrupção, fraudes à licitação, infrações concorrenciais e desvio de bens da empresa. Cuida-se de condutas que podem colocar a empresa na mira de autoridades, com possível instauração de procedimentos investigativos ou punitivos por atos de seus colaboradores e representantes. Há, portanto, nesses casos, evidente e acentuado conflito de interesses entre, de um lado, o poder diretivo da empresa, seu incentivo em apurar os fatos e de relatá-los às autoridades, e, de outro, o direito constitucional do colaborador em não se autoincriminar.

A jurisprudência brasileira inclina-se a reconhecer que os direitos fundamentais incidem também nas relações entre entes privados, no que se convencionou chamar de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para evitar abuso no exercício de um direito ou abuso econômico, entende-se que, quanto maior for a desigualdade entre os particulares, maior deve ser o respeito aos direitos fundamentais da parte mais frágil, sob pena de nulidade dos atos praticados.

Assim, havendo a possibilidade de os elementos da investigação corporativa serem compartilhados com autoridades e por elas usados em desfavor do colaborador investigado, é fundamental que esse colaborador seja cientificado do escopo da apuração e, logo, possa exercer o direito ao silêncio. Ainda, eventual pedido de assistência por advogado também deve ter igual atenção, assim como o acesso aos elementos que o incriminem, com exceção de informações que possam expor o denunciante e as testemunhas, pois a violação à confidencialidade do canal de denúncias e dos relatos registrados pode gerar o descrédito do canal de denúncias.

Na eventualidade de os elementos produzidos na investigação interna serem discutidos em juízo, é imprescindível que a empresa assegure, também, a chamada cadeia de custódia. Todos os elementos obtidos na investigação, para que sejam submetidos ao crivo judicial, precisam ser produzidos de forma a dar-lhes credibilidade e a oportunidade à parte contrária de questionar a forma como foram produzidos. E esse contraponto aos elementos da investigação garantirá que sirvam de fundamento para eventual decisão judicial, a favor ou contra a empresa.

Enfim, há poucos precedentes na Justiça Trabalhista que se debruçam sobre a validade de pontuais condutas em investigações corporativas. Entretanto, diante do avanço irreversível do compliance nas empresas, é uma questão de tempo até que as investigações internas caiam no radar de todo o Judiciário brasileiro. Portanto, que tenhamos a responsabilidade na condução das investigações para que não sejam demonizadas nem virem alvo de reiterados questionamentos e invalidações, pois seria um desfavor aos programas de integridade.

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