Opinião|Regulação digital no Brasil


Da fragmentação à inclusão – é preciso caminhar rumo a um debate não apenas cuidadoso, mas verdadeiramente inclusivo

Por Pedro de Perdigão Lana

A exemplo de administrações recentes, o atual governo, em companhia dos Poderes Legislativo e Judiciário, tem se dedicado a uma ambiciosa agenda de regulação da internet. A atenção ao tema não está apenas nos discursos, é evidente também em ações concretas (e positivas), como as que visam à inclusão digital, abarcando conectividade e educação. A condução desta agenda, contudo, é por vezes questionável – ainda que bem-intencionada.

Isso porque parte das propostas em discussão carrega consigo riscos consideráveis à arquitetura e à integridade da internet. Tomemos como exemplo a Portaria n.º 351 do Ministério da Justiça, editada em abril de 2023, que atribuiu à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) poderes de moderação de conteúdo, na esteira dos gravíssimos ataques a escolas no País. Como esta, outras tentativas súbitas e aparentemente superficiais de regulação surgiram em diversos momentos críticos dos últimos anos.

A regulação da internet, tecnologia não alinhada às fronteiras nacionais, é uma tarefa complexa. Exige extensa deliberação e a participação das diferentes partes afetadas, além da avaliação de seus impactos, inclusive no cenário externo. O Brasil alcançou notoriedade internacional em razão de legislações amplamente debatidas, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

continua após a publicidade

Nossa história, porém, registra também episódios menos notáveis, fruto da insuficiência das discussões envolvendo o tema – ou da completa ausência delas. A imprecisão legislativa sobre crimes cibernéticos e a defasagem na atual legislação de direitos autorais são dois casos emblemáticos.

Essa dualidade pode ser observada no debate em torno do amplo Projeto de Lei (PL) 2.630/2020 – popularmente conhecido como o PL das Fake News. A abertura dos legisladores ao diálogo gerou perceptíveis avanços na qualidade do texto. Por outro lado, quando se cria um clima de urgência, com a inserção de temas sem discussão prévia, vemos surgir propostas que, se não agravam problemas já existentes, criam um cenário de insegurança jurídica com efeitos adversos sobre a internet.

Há, ainda, um risco mais amplo: o da fragmentação de uma rede que deve ser aberta, segura, confiável e globalmente conectada. Regulamentações pouco debatidas podem resultar num funcionamento específico da internet em cada país, eliminando os padrões globais da rede. E, ainda que o prejuízo de tal processo seja manifesto, o que vemos são iniciativas cada vez mais frequentes nesta direção.

continua após a publicidade

Não tratamos, aqui, da adaptação de produtos e serviços às particularidades regionais, comumente positiva, mas de alterações que afetem o funcionamento técnico ou o acesso ao ciberespaço – impostas sem prévio debate multissetorial.

Exemplos não faltam. Estão no Judiciário, sob a forma de julgamentos pendentes no Supremo Tribunal Federal (STF) que podem responsabilizar excessivamente os provedores por conteúdos de terceiros ou autorizar o bloqueio de plataformas no Brasil. E no Legislativo, vide a pressa com que foram tratadas propostas de remuneração do jornalismo e de direitos autorais no ambiente digital, previstas inicialmente no PL 2.630 e fatiadas para dois outros desde então.

Tal agenda regulatória, também ela fragmentada, eleva substancialmente os riscos para a internet. É preciso, portanto, caminhar rumo a um debate não apenas cuidadoso, mas verdadeiramente inclusivo. A liderança brasileira do G20 e o processo do fórum Netmundial+10 se apresentam como boas oportunidades para tal em 2024.

continua após a publicidade

Neste cenário, o modelo do Marco Civil, caracterizado por discussão ampla, busca de consensos mínimos e rito legislativo apropriado, deve nortear as iniciativas. É essencial agregar os diferentes atores (e Poderes) em torno de um projeto único, que enfrente os desafios atuais sem pressões, mesmo diante das urgências circunstanciais.

E, ao garantir o envolvimento dos mais diversos agentes, é necessário reforçar de maneira inequívoca o papel da juventude. Nascido num ambiente já digitalizado, este grupo é, a rigor, o mais afetado por novas regulações da internet. Não à toa, jovens lideram alguns dos principais movimentos em defesa dos direitos digitais, em níveis nacional e global.

Assim, é imperativo que a atual agenda regulatória esteja em sintonia com as aspirações e preocupações deste grupo, discutidas nessas organizações e em fóruns como o YouthLACIGF – iniciativa que reúne jovens de países da América Latina para integrar o debate que ocorre em diferentes partes do continente.

continua após a publicidade

Incluir a participação da juventude como critério de diversidade em espaços importantes, como os do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), aprofundando iniciativas já existentes – a exemplo do programa Youth Brasil –, parece um caminho positivo e factível.

Por fim, é importante ressaltar que, embora o ímpeto de regular seja válido, é essencial que seja pautado por uma compreensão profunda, matizada e transnacional da internet. Não apenas como uma ferramenta técnica, mas como um ecossistema social, econômico e cultural em expansão – e essencial para o desenvolvimento global.

*

continua após a publicidade

É DIRETOR DE PROJETOS DO CAPÍTULO BRASILEIRO DA INTERNET SOCIETY

A exemplo de administrações recentes, o atual governo, em companhia dos Poderes Legislativo e Judiciário, tem se dedicado a uma ambiciosa agenda de regulação da internet. A atenção ao tema não está apenas nos discursos, é evidente também em ações concretas (e positivas), como as que visam à inclusão digital, abarcando conectividade e educação. A condução desta agenda, contudo, é por vezes questionável – ainda que bem-intencionada.

Isso porque parte das propostas em discussão carrega consigo riscos consideráveis à arquitetura e à integridade da internet. Tomemos como exemplo a Portaria n.º 351 do Ministério da Justiça, editada em abril de 2023, que atribuiu à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) poderes de moderação de conteúdo, na esteira dos gravíssimos ataques a escolas no País. Como esta, outras tentativas súbitas e aparentemente superficiais de regulação surgiram em diversos momentos críticos dos últimos anos.

A regulação da internet, tecnologia não alinhada às fronteiras nacionais, é uma tarefa complexa. Exige extensa deliberação e a participação das diferentes partes afetadas, além da avaliação de seus impactos, inclusive no cenário externo. O Brasil alcançou notoriedade internacional em razão de legislações amplamente debatidas, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Nossa história, porém, registra também episódios menos notáveis, fruto da insuficiência das discussões envolvendo o tema – ou da completa ausência delas. A imprecisão legislativa sobre crimes cibernéticos e a defasagem na atual legislação de direitos autorais são dois casos emblemáticos.

Essa dualidade pode ser observada no debate em torno do amplo Projeto de Lei (PL) 2.630/2020 – popularmente conhecido como o PL das Fake News. A abertura dos legisladores ao diálogo gerou perceptíveis avanços na qualidade do texto. Por outro lado, quando se cria um clima de urgência, com a inserção de temas sem discussão prévia, vemos surgir propostas que, se não agravam problemas já existentes, criam um cenário de insegurança jurídica com efeitos adversos sobre a internet.

Há, ainda, um risco mais amplo: o da fragmentação de uma rede que deve ser aberta, segura, confiável e globalmente conectada. Regulamentações pouco debatidas podem resultar num funcionamento específico da internet em cada país, eliminando os padrões globais da rede. E, ainda que o prejuízo de tal processo seja manifesto, o que vemos são iniciativas cada vez mais frequentes nesta direção.

Não tratamos, aqui, da adaptação de produtos e serviços às particularidades regionais, comumente positiva, mas de alterações que afetem o funcionamento técnico ou o acesso ao ciberespaço – impostas sem prévio debate multissetorial.

Exemplos não faltam. Estão no Judiciário, sob a forma de julgamentos pendentes no Supremo Tribunal Federal (STF) que podem responsabilizar excessivamente os provedores por conteúdos de terceiros ou autorizar o bloqueio de plataformas no Brasil. E no Legislativo, vide a pressa com que foram tratadas propostas de remuneração do jornalismo e de direitos autorais no ambiente digital, previstas inicialmente no PL 2.630 e fatiadas para dois outros desde então.

Tal agenda regulatória, também ela fragmentada, eleva substancialmente os riscos para a internet. É preciso, portanto, caminhar rumo a um debate não apenas cuidadoso, mas verdadeiramente inclusivo. A liderança brasileira do G20 e o processo do fórum Netmundial+10 se apresentam como boas oportunidades para tal em 2024.

Neste cenário, o modelo do Marco Civil, caracterizado por discussão ampla, busca de consensos mínimos e rito legislativo apropriado, deve nortear as iniciativas. É essencial agregar os diferentes atores (e Poderes) em torno de um projeto único, que enfrente os desafios atuais sem pressões, mesmo diante das urgências circunstanciais.

E, ao garantir o envolvimento dos mais diversos agentes, é necessário reforçar de maneira inequívoca o papel da juventude. Nascido num ambiente já digitalizado, este grupo é, a rigor, o mais afetado por novas regulações da internet. Não à toa, jovens lideram alguns dos principais movimentos em defesa dos direitos digitais, em níveis nacional e global.

Assim, é imperativo que a atual agenda regulatória esteja em sintonia com as aspirações e preocupações deste grupo, discutidas nessas organizações e em fóruns como o YouthLACIGF – iniciativa que reúne jovens de países da América Latina para integrar o debate que ocorre em diferentes partes do continente.

Incluir a participação da juventude como critério de diversidade em espaços importantes, como os do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), aprofundando iniciativas já existentes – a exemplo do programa Youth Brasil –, parece um caminho positivo e factível.

Por fim, é importante ressaltar que, embora o ímpeto de regular seja válido, é essencial que seja pautado por uma compreensão profunda, matizada e transnacional da internet. Não apenas como uma ferramenta técnica, mas como um ecossistema social, econômico e cultural em expansão – e essencial para o desenvolvimento global.

*

É DIRETOR DE PROJETOS DO CAPÍTULO BRASILEIRO DA INTERNET SOCIETY

A exemplo de administrações recentes, o atual governo, em companhia dos Poderes Legislativo e Judiciário, tem se dedicado a uma ambiciosa agenda de regulação da internet. A atenção ao tema não está apenas nos discursos, é evidente também em ações concretas (e positivas), como as que visam à inclusão digital, abarcando conectividade e educação. A condução desta agenda, contudo, é por vezes questionável – ainda que bem-intencionada.

Isso porque parte das propostas em discussão carrega consigo riscos consideráveis à arquitetura e à integridade da internet. Tomemos como exemplo a Portaria n.º 351 do Ministério da Justiça, editada em abril de 2023, que atribuiu à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) poderes de moderação de conteúdo, na esteira dos gravíssimos ataques a escolas no País. Como esta, outras tentativas súbitas e aparentemente superficiais de regulação surgiram em diversos momentos críticos dos últimos anos.

A regulação da internet, tecnologia não alinhada às fronteiras nacionais, é uma tarefa complexa. Exige extensa deliberação e a participação das diferentes partes afetadas, além da avaliação de seus impactos, inclusive no cenário externo. O Brasil alcançou notoriedade internacional em razão de legislações amplamente debatidas, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Nossa história, porém, registra também episódios menos notáveis, fruto da insuficiência das discussões envolvendo o tema – ou da completa ausência delas. A imprecisão legislativa sobre crimes cibernéticos e a defasagem na atual legislação de direitos autorais são dois casos emblemáticos.

Essa dualidade pode ser observada no debate em torno do amplo Projeto de Lei (PL) 2.630/2020 – popularmente conhecido como o PL das Fake News. A abertura dos legisladores ao diálogo gerou perceptíveis avanços na qualidade do texto. Por outro lado, quando se cria um clima de urgência, com a inserção de temas sem discussão prévia, vemos surgir propostas que, se não agravam problemas já existentes, criam um cenário de insegurança jurídica com efeitos adversos sobre a internet.

Há, ainda, um risco mais amplo: o da fragmentação de uma rede que deve ser aberta, segura, confiável e globalmente conectada. Regulamentações pouco debatidas podem resultar num funcionamento específico da internet em cada país, eliminando os padrões globais da rede. E, ainda que o prejuízo de tal processo seja manifesto, o que vemos são iniciativas cada vez mais frequentes nesta direção.

Não tratamos, aqui, da adaptação de produtos e serviços às particularidades regionais, comumente positiva, mas de alterações que afetem o funcionamento técnico ou o acesso ao ciberespaço – impostas sem prévio debate multissetorial.

Exemplos não faltam. Estão no Judiciário, sob a forma de julgamentos pendentes no Supremo Tribunal Federal (STF) que podem responsabilizar excessivamente os provedores por conteúdos de terceiros ou autorizar o bloqueio de plataformas no Brasil. E no Legislativo, vide a pressa com que foram tratadas propostas de remuneração do jornalismo e de direitos autorais no ambiente digital, previstas inicialmente no PL 2.630 e fatiadas para dois outros desde então.

Tal agenda regulatória, também ela fragmentada, eleva substancialmente os riscos para a internet. É preciso, portanto, caminhar rumo a um debate não apenas cuidadoso, mas verdadeiramente inclusivo. A liderança brasileira do G20 e o processo do fórum Netmundial+10 se apresentam como boas oportunidades para tal em 2024.

Neste cenário, o modelo do Marco Civil, caracterizado por discussão ampla, busca de consensos mínimos e rito legislativo apropriado, deve nortear as iniciativas. É essencial agregar os diferentes atores (e Poderes) em torno de um projeto único, que enfrente os desafios atuais sem pressões, mesmo diante das urgências circunstanciais.

E, ao garantir o envolvimento dos mais diversos agentes, é necessário reforçar de maneira inequívoca o papel da juventude. Nascido num ambiente já digitalizado, este grupo é, a rigor, o mais afetado por novas regulações da internet. Não à toa, jovens lideram alguns dos principais movimentos em defesa dos direitos digitais, em níveis nacional e global.

Assim, é imperativo que a atual agenda regulatória esteja em sintonia com as aspirações e preocupações deste grupo, discutidas nessas organizações e em fóruns como o YouthLACIGF – iniciativa que reúne jovens de países da América Latina para integrar o debate que ocorre em diferentes partes do continente.

Incluir a participação da juventude como critério de diversidade em espaços importantes, como os do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), aprofundando iniciativas já existentes – a exemplo do programa Youth Brasil –, parece um caminho positivo e factível.

Por fim, é importante ressaltar que, embora o ímpeto de regular seja válido, é essencial que seja pautado por uma compreensão profunda, matizada e transnacional da internet. Não apenas como uma ferramenta técnica, mas como um ecossistema social, econômico e cultural em expansão – e essencial para o desenvolvimento global.

*

É DIRETOR DE PROJETOS DO CAPÍTULO BRASILEIRO DA INTERNET SOCIETY

A exemplo de administrações recentes, o atual governo, em companhia dos Poderes Legislativo e Judiciário, tem se dedicado a uma ambiciosa agenda de regulação da internet. A atenção ao tema não está apenas nos discursos, é evidente também em ações concretas (e positivas), como as que visam à inclusão digital, abarcando conectividade e educação. A condução desta agenda, contudo, é por vezes questionável – ainda que bem-intencionada.

Isso porque parte das propostas em discussão carrega consigo riscos consideráveis à arquitetura e à integridade da internet. Tomemos como exemplo a Portaria n.º 351 do Ministério da Justiça, editada em abril de 2023, que atribuiu à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) poderes de moderação de conteúdo, na esteira dos gravíssimos ataques a escolas no País. Como esta, outras tentativas súbitas e aparentemente superficiais de regulação surgiram em diversos momentos críticos dos últimos anos.

A regulação da internet, tecnologia não alinhada às fronteiras nacionais, é uma tarefa complexa. Exige extensa deliberação e a participação das diferentes partes afetadas, além da avaliação de seus impactos, inclusive no cenário externo. O Brasil alcançou notoriedade internacional em razão de legislações amplamente debatidas, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Nossa história, porém, registra também episódios menos notáveis, fruto da insuficiência das discussões envolvendo o tema – ou da completa ausência delas. A imprecisão legislativa sobre crimes cibernéticos e a defasagem na atual legislação de direitos autorais são dois casos emblemáticos.

Essa dualidade pode ser observada no debate em torno do amplo Projeto de Lei (PL) 2.630/2020 – popularmente conhecido como o PL das Fake News. A abertura dos legisladores ao diálogo gerou perceptíveis avanços na qualidade do texto. Por outro lado, quando se cria um clima de urgência, com a inserção de temas sem discussão prévia, vemos surgir propostas que, se não agravam problemas já existentes, criam um cenário de insegurança jurídica com efeitos adversos sobre a internet.

Há, ainda, um risco mais amplo: o da fragmentação de uma rede que deve ser aberta, segura, confiável e globalmente conectada. Regulamentações pouco debatidas podem resultar num funcionamento específico da internet em cada país, eliminando os padrões globais da rede. E, ainda que o prejuízo de tal processo seja manifesto, o que vemos são iniciativas cada vez mais frequentes nesta direção.

Não tratamos, aqui, da adaptação de produtos e serviços às particularidades regionais, comumente positiva, mas de alterações que afetem o funcionamento técnico ou o acesso ao ciberespaço – impostas sem prévio debate multissetorial.

Exemplos não faltam. Estão no Judiciário, sob a forma de julgamentos pendentes no Supremo Tribunal Federal (STF) que podem responsabilizar excessivamente os provedores por conteúdos de terceiros ou autorizar o bloqueio de plataformas no Brasil. E no Legislativo, vide a pressa com que foram tratadas propostas de remuneração do jornalismo e de direitos autorais no ambiente digital, previstas inicialmente no PL 2.630 e fatiadas para dois outros desde então.

Tal agenda regulatória, também ela fragmentada, eleva substancialmente os riscos para a internet. É preciso, portanto, caminhar rumo a um debate não apenas cuidadoso, mas verdadeiramente inclusivo. A liderança brasileira do G20 e o processo do fórum Netmundial+10 se apresentam como boas oportunidades para tal em 2024.

Neste cenário, o modelo do Marco Civil, caracterizado por discussão ampla, busca de consensos mínimos e rito legislativo apropriado, deve nortear as iniciativas. É essencial agregar os diferentes atores (e Poderes) em torno de um projeto único, que enfrente os desafios atuais sem pressões, mesmo diante das urgências circunstanciais.

E, ao garantir o envolvimento dos mais diversos agentes, é necessário reforçar de maneira inequívoca o papel da juventude. Nascido num ambiente já digitalizado, este grupo é, a rigor, o mais afetado por novas regulações da internet. Não à toa, jovens lideram alguns dos principais movimentos em defesa dos direitos digitais, em níveis nacional e global.

Assim, é imperativo que a atual agenda regulatória esteja em sintonia com as aspirações e preocupações deste grupo, discutidas nessas organizações e em fóruns como o YouthLACIGF – iniciativa que reúne jovens de países da América Latina para integrar o debate que ocorre em diferentes partes do continente.

Incluir a participação da juventude como critério de diversidade em espaços importantes, como os do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), aprofundando iniciativas já existentes – a exemplo do programa Youth Brasil –, parece um caminho positivo e factível.

Por fim, é importante ressaltar que, embora o ímpeto de regular seja válido, é essencial que seja pautado por uma compreensão profunda, matizada e transnacional da internet. Não apenas como uma ferramenta técnica, mas como um ecossistema social, econômico e cultural em expansão – e essencial para o desenvolvimento global.

*

É DIRETOR DE PROJETOS DO CAPÍTULO BRASILEIRO DA INTERNET SOCIETY

A exemplo de administrações recentes, o atual governo, em companhia dos Poderes Legislativo e Judiciário, tem se dedicado a uma ambiciosa agenda de regulação da internet. A atenção ao tema não está apenas nos discursos, é evidente também em ações concretas (e positivas), como as que visam à inclusão digital, abarcando conectividade e educação. A condução desta agenda, contudo, é por vezes questionável – ainda que bem-intencionada.

Isso porque parte das propostas em discussão carrega consigo riscos consideráveis à arquitetura e à integridade da internet. Tomemos como exemplo a Portaria n.º 351 do Ministério da Justiça, editada em abril de 2023, que atribuiu à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) poderes de moderação de conteúdo, na esteira dos gravíssimos ataques a escolas no País. Como esta, outras tentativas súbitas e aparentemente superficiais de regulação surgiram em diversos momentos críticos dos últimos anos.

A regulação da internet, tecnologia não alinhada às fronteiras nacionais, é uma tarefa complexa. Exige extensa deliberação e a participação das diferentes partes afetadas, além da avaliação de seus impactos, inclusive no cenário externo. O Brasil alcançou notoriedade internacional em razão de legislações amplamente debatidas, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Nossa história, porém, registra também episódios menos notáveis, fruto da insuficiência das discussões envolvendo o tema – ou da completa ausência delas. A imprecisão legislativa sobre crimes cibernéticos e a defasagem na atual legislação de direitos autorais são dois casos emblemáticos.

Essa dualidade pode ser observada no debate em torno do amplo Projeto de Lei (PL) 2.630/2020 – popularmente conhecido como o PL das Fake News. A abertura dos legisladores ao diálogo gerou perceptíveis avanços na qualidade do texto. Por outro lado, quando se cria um clima de urgência, com a inserção de temas sem discussão prévia, vemos surgir propostas que, se não agravam problemas já existentes, criam um cenário de insegurança jurídica com efeitos adversos sobre a internet.

Há, ainda, um risco mais amplo: o da fragmentação de uma rede que deve ser aberta, segura, confiável e globalmente conectada. Regulamentações pouco debatidas podem resultar num funcionamento específico da internet em cada país, eliminando os padrões globais da rede. E, ainda que o prejuízo de tal processo seja manifesto, o que vemos são iniciativas cada vez mais frequentes nesta direção.

Não tratamos, aqui, da adaptação de produtos e serviços às particularidades regionais, comumente positiva, mas de alterações que afetem o funcionamento técnico ou o acesso ao ciberespaço – impostas sem prévio debate multissetorial.

Exemplos não faltam. Estão no Judiciário, sob a forma de julgamentos pendentes no Supremo Tribunal Federal (STF) que podem responsabilizar excessivamente os provedores por conteúdos de terceiros ou autorizar o bloqueio de plataformas no Brasil. E no Legislativo, vide a pressa com que foram tratadas propostas de remuneração do jornalismo e de direitos autorais no ambiente digital, previstas inicialmente no PL 2.630 e fatiadas para dois outros desde então.

Tal agenda regulatória, também ela fragmentada, eleva substancialmente os riscos para a internet. É preciso, portanto, caminhar rumo a um debate não apenas cuidadoso, mas verdadeiramente inclusivo. A liderança brasileira do G20 e o processo do fórum Netmundial+10 se apresentam como boas oportunidades para tal em 2024.

Neste cenário, o modelo do Marco Civil, caracterizado por discussão ampla, busca de consensos mínimos e rito legislativo apropriado, deve nortear as iniciativas. É essencial agregar os diferentes atores (e Poderes) em torno de um projeto único, que enfrente os desafios atuais sem pressões, mesmo diante das urgências circunstanciais.

E, ao garantir o envolvimento dos mais diversos agentes, é necessário reforçar de maneira inequívoca o papel da juventude. Nascido num ambiente já digitalizado, este grupo é, a rigor, o mais afetado por novas regulações da internet. Não à toa, jovens lideram alguns dos principais movimentos em defesa dos direitos digitais, em níveis nacional e global.

Assim, é imperativo que a atual agenda regulatória esteja em sintonia com as aspirações e preocupações deste grupo, discutidas nessas organizações e em fóruns como o YouthLACIGF – iniciativa que reúne jovens de países da América Latina para integrar o debate que ocorre em diferentes partes do continente.

Incluir a participação da juventude como critério de diversidade em espaços importantes, como os do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), aprofundando iniciativas já existentes – a exemplo do programa Youth Brasil –, parece um caminho positivo e factível.

Por fim, é importante ressaltar que, embora o ímpeto de regular seja válido, é essencial que seja pautado por uma compreensão profunda, matizada e transnacional da internet. Não apenas como uma ferramenta técnica, mas como um ecossistema social, econômico e cultural em expansão – e essencial para o desenvolvimento global.

*

É DIRETOR DE PROJETOS DO CAPÍTULO BRASILEIRO DA INTERNET SOCIETY

Opinião por Pedro de Perdigão Lana

Diretor de Projetos do capítulo brasileiro da Internet Society

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.