Opinião|Reparação internacional pelo colonialismo?


Estamos assistindo ao início de um longo debate que, esperamos, conduza a uma efetiva reparação pelas violações cometidas no passado

Por Lucas Carlos Lima

A declaração do presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, reconhecendo a responsabilidade de Portugal pela escravidão e pelos crimes ocorridos durante o período colonial soleva uma série de questões jurídicas internacionais de resolução intrincada – a começar pela própria capacidade do Direito Internacional de oferecer instrumentos satisfatórios de reparação às ex-colônias.

É um princípio consagrado no Direito Internacional que aquele que cometeu um ato ilícito deve realizar reparação. Uma análise estritamente jurídica das atuais regras internacionais conduz à conclusão de que é quase impossível responsabilizar juridicamente potências coloniais pelos atos e crimes cometidos em suas ex-colônias. As regras de responsabilidade internacional argumentarão que, à época, tais atos não eram previstos como violações ao Direito Internacional (ainda que atualmente sejam) e, além disso, o tempo já teria exercido sua influência preclusiva sobre possíveis pretensões de reparação segundo as regras de direito intertemporal.

O Direito Internacional parece se inclinar, por um lado, à manutenção do status quo e, por outro, à impossibilidade de reparação pelos longínquos atos cometidos numa época em que o colonialismo era a regra do dia. Isso sem desconsiderar toda a literatura que demonstra como, em muitos casos, o Direito Internacional à época serviu como legitimador de pretensões coloniais.

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Essa conclusão parece corroborar a ideia de que o Direito Internacional é incapaz de socorrer aos que foram colonizados e escravizados. De que serve a declaração do presidente português, se os povos de suas ex-colônias, na prática, não se beneficiarão de nenhuma consequência desta declaração (como, inclusive, intentam alguns grupos políticos no interior do Parlamento lusitano)?

Em primeiro lugar, a própria declaração é, por si só, um importante passo num processo político-jurídico maior. A prática internacional demonstra que o reconhecimento das consequências da colonização é o primeiro passo para a satisfação e para futuras negociações entre metrópoles e ex-colônias – e por isso a declaração deve ser bem recebida. Mas ela não é suficiente. É bem verdade que o colonialismo e a escravidão são irreparáveis em muitos sentidos. Isso não significa, contudo, que reparações sejam inimagináveis. Já começam a surgir, no Direito Internacional, algumas tendências que devem pautar o futuro diálogo nesse campo – a começar pela identificação precisa dos atos aos quais se deseja a reparação e a reconciliação.

Em tempos recentes, três tratados bilaterais foram assinados para oferecer remédios a atos relacionados à dominação colonial. Em 2008, entre Itália e Líbia; em 2015, entre Japão e Coreia do Sul; e uma declaração conjunta entre Alemanha e Namíbia.

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Embora esses documentos sejam imperfeitos (um problema notável é a pouca participação dos povos originários em sua confecção, por exemplo), são iniciativas que demonstram a potencialidade do Direito Internacional em lidar com problemas relativos ao passado colonial.

No campo dos bens culturais, é possível também identificar a tendência à repatriação ou à construção de acordos entre museus para que itens produzidos por uma determinada cultura e removidos à antiga metrópole durante o período colonial sejam definitivamente retornados ou partilhados com a ex-colônia. Em 2023, o Museu Nacional da Dinamarca anunciou a devolução de um raro manto tupinambá ao Brasil.

Igualmente notável é a opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça de 2019, que reconheceu que o Reino Unido estaria sob a obrigação de retornar um inteiro arquipélago (as Ilhas Chagos) à República de Maurício para pôr fim à violação do princípio da autodeterminação dos povos.

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As iniciativas elencadas aqui demonstram que existe uma possibilidade no Direito Internacional para lidar com a questão – bem como uma tendência ao reconhecimento dos muitos males causados pelo colonialismo. Talvez as regras atuais não sejam suficientes, mas novas regras estão em processo de desenvolvimento por intermédio exatamente de declarações como a do presidente português: houve uma violação, há um reconhecimento e é necessária uma reparação que precisa ser amplamente discutida.

Este certamente não é um assunto para se varrer para debaixo de um puído tapete. São muitos os instrumentos jurídicos internacionais para oferecer um remédio aos povos das ex-colônias, sejam eles povos escravizados, originários, seja a população que no território se estabeleceu.

Será cedo para falar num direito humano coletivo à reparação histórica? Talvez. Mas certamente estamos assistindo ao início de um longo debate que, esperamos, conduza a uma efetiva reparação pelas graves violações cometidas no passado.

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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, É COORDENADOR DO GRUPO DE PESQUISA EM CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CNPQ/UFMG

A declaração do presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, reconhecendo a responsabilidade de Portugal pela escravidão e pelos crimes ocorridos durante o período colonial soleva uma série de questões jurídicas internacionais de resolução intrincada – a começar pela própria capacidade do Direito Internacional de oferecer instrumentos satisfatórios de reparação às ex-colônias.

É um princípio consagrado no Direito Internacional que aquele que cometeu um ato ilícito deve realizar reparação. Uma análise estritamente jurídica das atuais regras internacionais conduz à conclusão de que é quase impossível responsabilizar juridicamente potências coloniais pelos atos e crimes cometidos em suas ex-colônias. As regras de responsabilidade internacional argumentarão que, à época, tais atos não eram previstos como violações ao Direito Internacional (ainda que atualmente sejam) e, além disso, o tempo já teria exercido sua influência preclusiva sobre possíveis pretensões de reparação segundo as regras de direito intertemporal.

O Direito Internacional parece se inclinar, por um lado, à manutenção do status quo e, por outro, à impossibilidade de reparação pelos longínquos atos cometidos numa época em que o colonialismo era a regra do dia. Isso sem desconsiderar toda a literatura que demonstra como, em muitos casos, o Direito Internacional à época serviu como legitimador de pretensões coloniais.

Essa conclusão parece corroborar a ideia de que o Direito Internacional é incapaz de socorrer aos que foram colonizados e escravizados. De que serve a declaração do presidente português, se os povos de suas ex-colônias, na prática, não se beneficiarão de nenhuma consequência desta declaração (como, inclusive, intentam alguns grupos políticos no interior do Parlamento lusitano)?

Em primeiro lugar, a própria declaração é, por si só, um importante passo num processo político-jurídico maior. A prática internacional demonstra que o reconhecimento das consequências da colonização é o primeiro passo para a satisfação e para futuras negociações entre metrópoles e ex-colônias – e por isso a declaração deve ser bem recebida. Mas ela não é suficiente. É bem verdade que o colonialismo e a escravidão são irreparáveis em muitos sentidos. Isso não significa, contudo, que reparações sejam inimagináveis. Já começam a surgir, no Direito Internacional, algumas tendências que devem pautar o futuro diálogo nesse campo – a começar pela identificação precisa dos atos aos quais se deseja a reparação e a reconciliação.

Em tempos recentes, três tratados bilaterais foram assinados para oferecer remédios a atos relacionados à dominação colonial. Em 2008, entre Itália e Líbia; em 2015, entre Japão e Coreia do Sul; e uma declaração conjunta entre Alemanha e Namíbia.

Embora esses documentos sejam imperfeitos (um problema notável é a pouca participação dos povos originários em sua confecção, por exemplo), são iniciativas que demonstram a potencialidade do Direito Internacional em lidar com problemas relativos ao passado colonial.

No campo dos bens culturais, é possível também identificar a tendência à repatriação ou à construção de acordos entre museus para que itens produzidos por uma determinada cultura e removidos à antiga metrópole durante o período colonial sejam definitivamente retornados ou partilhados com a ex-colônia. Em 2023, o Museu Nacional da Dinamarca anunciou a devolução de um raro manto tupinambá ao Brasil.

Igualmente notável é a opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça de 2019, que reconheceu que o Reino Unido estaria sob a obrigação de retornar um inteiro arquipélago (as Ilhas Chagos) à República de Maurício para pôr fim à violação do princípio da autodeterminação dos povos.

As iniciativas elencadas aqui demonstram que existe uma possibilidade no Direito Internacional para lidar com a questão – bem como uma tendência ao reconhecimento dos muitos males causados pelo colonialismo. Talvez as regras atuais não sejam suficientes, mas novas regras estão em processo de desenvolvimento por intermédio exatamente de declarações como a do presidente português: houve uma violação, há um reconhecimento e é necessária uma reparação que precisa ser amplamente discutida.

Este certamente não é um assunto para se varrer para debaixo de um puído tapete. São muitos os instrumentos jurídicos internacionais para oferecer um remédio aos povos das ex-colônias, sejam eles povos escravizados, originários, seja a população que no território se estabeleceu.

Será cedo para falar num direito humano coletivo à reparação histórica? Talvez. Mas certamente estamos assistindo ao início de um longo debate que, esperamos, conduza a uma efetiva reparação pelas graves violações cometidas no passado.

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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, É COORDENADOR DO GRUPO DE PESQUISA EM CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CNPQ/UFMG

A declaração do presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, reconhecendo a responsabilidade de Portugal pela escravidão e pelos crimes ocorridos durante o período colonial soleva uma série de questões jurídicas internacionais de resolução intrincada – a começar pela própria capacidade do Direito Internacional de oferecer instrumentos satisfatórios de reparação às ex-colônias.

É um princípio consagrado no Direito Internacional que aquele que cometeu um ato ilícito deve realizar reparação. Uma análise estritamente jurídica das atuais regras internacionais conduz à conclusão de que é quase impossível responsabilizar juridicamente potências coloniais pelos atos e crimes cometidos em suas ex-colônias. As regras de responsabilidade internacional argumentarão que, à época, tais atos não eram previstos como violações ao Direito Internacional (ainda que atualmente sejam) e, além disso, o tempo já teria exercido sua influência preclusiva sobre possíveis pretensões de reparação segundo as regras de direito intertemporal.

O Direito Internacional parece se inclinar, por um lado, à manutenção do status quo e, por outro, à impossibilidade de reparação pelos longínquos atos cometidos numa época em que o colonialismo era a regra do dia. Isso sem desconsiderar toda a literatura que demonstra como, em muitos casos, o Direito Internacional à época serviu como legitimador de pretensões coloniais.

Essa conclusão parece corroborar a ideia de que o Direito Internacional é incapaz de socorrer aos que foram colonizados e escravizados. De que serve a declaração do presidente português, se os povos de suas ex-colônias, na prática, não se beneficiarão de nenhuma consequência desta declaração (como, inclusive, intentam alguns grupos políticos no interior do Parlamento lusitano)?

Em primeiro lugar, a própria declaração é, por si só, um importante passo num processo político-jurídico maior. A prática internacional demonstra que o reconhecimento das consequências da colonização é o primeiro passo para a satisfação e para futuras negociações entre metrópoles e ex-colônias – e por isso a declaração deve ser bem recebida. Mas ela não é suficiente. É bem verdade que o colonialismo e a escravidão são irreparáveis em muitos sentidos. Isso não significa, contudo, que reparações sejam inimagináveis. Já começam a surgir, no Direito Internacional, algumas tendências que devem pautar o futuro diálogo nesse campo – a começar pela identificação precisa dos atos aos quais se deseja a reparação e a reconciliação.

Em tempos recentes, três tratados bilaterais foram assinados para oferecer remédios a atos relacionados à dominação colonial. Em 2008, entre Itália e Líbia; em 2015, entre Japão e Coreia do Sul; e uma declaração conjunta entre Alemanha e Namíbia.

Embora esses documentos sejam imperfeitos (um problema notável é a pouca participação dos povos originários em sua confecção, por exemplo), são iniciativas que demonstram a potencialidade do Direito Internacional em lidar com problemas relativos ao passado colonial.

No campo dos bens culturais, é possível também identificar a tendência à repatriação ou à construção de acordos entre museus para que itens produzidos por uma determinada cultura e removidos à antiga metrópole durante o período colonial sejam definitivamente retornados ou partilhados com a ex-colônia. Em 2023, o Museu Nacional da Dinamarca anunciou a devolução de um raro manto tupinambá ao Brasil.

Igualmente notável é a opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça de 2019, que reconheceu que o Reino Unido estaria sob a obrigação de retornar um inteiro arquipélago (as Ilhas Chagos) à República de Maurício para pôr fim à violação do princípio da autodeterminação dos povos.

As iniciativas elencadas aqui demonstram que existe uma possibilidade no Direito Internacional para lidar com a questão – bem como uma tendência ao reconhecimento dos muitos males causados pelo colonialismo. Talvez as regras atuais não sejam suficientes, mas novas regras estão em processo de desenvolvimento por intermédio exatamente de declarações como a do presidente português: houve uma violação, há um reconhecimento e é necessária uma reparação que precisa ser amplamente discutida.

Este certamente não é um assunto para se varrer para debaixo de um puído tapete. São muitos os instrumentos jurídicos internacionais para oferecer um remédio aos povos das ex-colônias, sejam eles povos escravizados, originários, seja a população que no território se estabeleceu.

Será cedo para falar num direito humano coletivo à reparação histórica? Talvez. Mas certamente estamos assistindo ao início de um longo debate que, esperamos, conduza a uma efetiva reparação pelas graves violações cometidas no passado.

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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, É COORDENADOR DO GRUPO DE PESQUISA EM CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS CNPQ/UFMG

Opinião por Lucas Carlos Lima

Professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, é coordenador do Grupo de Pesquisa em Cortes e Tribunais Internacionais CNPq/UFMG

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