Opinião|Retrocesso na segurança pública


O grave equívoco da atual gestão em SP é transformar uma opção tática repressiva em estratégia geral do aparato policial

Por José Vicente da Silva Filho

Tropas policiais especiais, com armamento de combate e ações até letais contra criminosos, são decisivas para a redução e o controle da violência? Muitos governantes têm essa ilusão de “guerra contra o crime”, pelo apelo midiático da movimentação de tropas e a certeza de que a população amedrontada aplaude ações repressivas. A Universidade Federal Fluminense levantou 289 operações policiais na favela do Jacarezinho, na cidade do Rio de Janeiro, entre 2007 e 2020, que resultaram em 186 mortes pelos agentes da lei. Se operações de forças especiais tivessem efeito preventivo, não bastariam mais que 20 delas para pacificar o local. O Ministério Público do Rio de Janeiro também constatou que as áreas com maior letalidade policial não foram as que tiveram mais redução dos crimes. Isso é evidência de que estratégias repressivas podem atender a problemas pontuais, mas não diminuem crimes em bases duradouras.

Um dos argumentos das incursões repressivas é a suposição de que seja o melhor expediente na luta contra o crime organizado. Embora haja momentos inevitáveis desses confrontos, é ingenuidade acreditar que ações de força alcancem mais resultados que trabalhos policiais orientados por inteligência.

As ações recentes na baixada santista, com um rastro de dezenas de mortos, inclusive dois policiais, certamente afetaram muito menos o crime organizado do que as cerca de 500 operações dos Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público paulista, com apoio da Polícia Militar (PM), que executaram mais de 3 mil ações de busca e apreensão, arrecadaram 70 toneladas de drogas, apreenderam R$ 210 milhões e condenaram 602 membros do PCC. Tudo isso em pouco mais de três anos, praticamente sem confronto e com muito mais impacto no crime organizado.

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A ênfase nas operações policiais esporádicas e a propagação nas mídias não escondem os reais problemas de segurança que estão longe dessas áreas conflagradas, mas atormentam o cotidiano da população. No ano de 2023 ocorreram 2.620.913 registros criminais no Estado de São Paulo, que podem ser estimados acima de 3 milhões, se projetados os crimes não notificados pelas vítimas. Esses delitos, entre os quais 131.729 veículos e cerca de meio milhão de celulares levados pelos ladrões, não serão afetados seriamente pela Rota ou por unidades táticas de polícia, por não terem o mesmo poder de prevenção e resposta imediata dos 96 batalhões territoriais que conhecem intimamente as realidades sociais e criminais de suas áreas, onde interagem no cotidiano de seus habitantes. Como as unidades especiais destinam-se a situações excepcionais, não há sentido em termos, no caso de São Paulo, as excessivas 20 unidades que subtraíram efetivos do policiamento regular, reduzindo sua potência preventiva.

O grave equívoco da atual gestão da segurança pública paulista é transformar uma opção tática repressiva em estratégia geral do aparato policial, rebaixando e enfraquecendo a relevância do policiamento territorial preventivo. O constrangedor rebaixamento do subcomandante da PM por defender a estratégia de prevenção e o desprezo dos oficiais do policiamento territorial nas últimas promoções deixam claro que eles não são prioridade na atual política de segurança. O Centro de Inteligência da PM, que estava estruturado em sofisticadas análises criminais para dar suporte prioritário às estratégias de prevenção, foi praticamente dissolvido para atuar com ênfase sobre o crime organizado, que deveria ser prioridade da Polícia Civil e do Ministério Público, apenas apoiados pela PM. Crime organizado pouco tem que ver com a imensa massa de problemas que demandam a ação dos policiais.

Desde o início dos anos 2000, a PM de São Paulo buscou atualizar o emprego das tropas repressivas criadas no governo militar, evoluindo nos sistemas de prevenção com a implantação do mapeamento digital de pontos de concentração de crime para refinar a eficácia operacional. Com o raio X dos crimes, a instituição substituiu o método reativo e repressivo por métodos de redução de oportunidades e ampliação dos riscos aos infratores, além de medidas de proteção à população. Esse vitorioso modelo do século 21, com aprofundamento do treinamento, da tecnologia e da gestão voltada para resultados, é referência internacional de redução da violência, com queda de 81% dos homicídios no Estado e de 91% na capital nos últimos 20 anos.

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A segurança pública em São Paulo ainda tem muitos desafios pela frente, inclusive na efetividade da investigação, mas os avanços ocorridos nas duas últimas décadas constituem legado inquestionável a ser preservado e desenvolvido, prestigiando os policiais das prioritárias unidades territoriais que formam 90% das estruturas de segurança. Não há sentido em reverter a bem-sucedida estratégia de prevenção, priorizando estruturas e processos repressivos do passado com rastros de inaceitável letalidade no uso da força do Estado.

*

CORONEL REFORMADO DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO, MEMBRO DO CONSELHO DA ESCOLA DE SEGURANÇA MULTIDIMENSIONAL DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, FOI SECRETÁRIO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

Tropas policiais especiais, com armamento de combate e ações até letais contra criminosos, são decisivas para a redução e o controle da violência? Muitos governantes têm essa ilusão de “guerra contra o crime”, pelo apelo midiático da movimentação de tropas e a certeza de que a população amedrontada aplaude ações repressivas. A Universidade Federal Fluminense levantou 289 operações policiais na favela do Jacarezinho, na cidade do Rio de Janeiro, entre 2007 e 2020, que resultaram em 186 mortes pelos agentes da lei. Se operações de forças especiais tivessem efeito preventivo, não bastariam mais que 20 delas para pacificar o local. O Ministério Público do Rio de Janeiro também constatou que as áreas com maior letalidade policial não foram as que tiveram mais redução dos crimes. Isso é evidência de que estratégias repressivas podem atender a problemas pontuais, mas não diminuem crimes em bases duradouras.

Um dos argumentos das incursões repressivas é a suposição de que seja o melhor expediente na luta contra o crime organizado. Embora haja momentos inevitáveis desses confrontos, é ingenuidade acreditar que ações de força alcancem mais resultados que trabalhos policiais orientados por inteligência.

As ações recentes na baixada santista, com um rastro de dezenas de mortos, inclusive dois policiais, certamente afetaram muito menos o crime organizado do que as cerca de 500 operações dos Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público paulista, com apoio da Polícia Militar (PM), que executaram mais de 3 mil ações de busca e apreensão, arrecadaram 70 toneladas de drogas, apreenderam R$ 210 milhões e condenaram 602 membros do PCC. Tudo isso em pouco mais de três anos, praticamente sem confronto e com muito mais impacto no crime organizado.

A ênfase nas operações policiais esporádicas e a propagação nas mídias não escondem os reais problemas de segurança que estão longe dessas áreas conflagradas, mas atormentam o cotidiano da população. No ano de 2023 ocorreram 2.620.913 registros criminais no Estado de São Paulo, que podem ser estimados acima de 3 milhões, se projetados os crimes não notificados pelas vítimas. Esses delitos, entre os quais 131.729 veículos e cerca de meio milhão de celulares levados pelos ladrões, não serão afetados seriamente pela Rota ou por unidades táticas de polícia, por não terem o mesmo poder de prevenção e resposta imediata dos 96 batalhões territoriais que conhecem intimamente as realidades sociais e criminais de suas áreas, onde interagem no cotidiano de seus habitantes. Como as unidades especiais destinam-se a situações excepcionais, não há sentido em termos, no caso de São Paulo, as excessivas 20 unidades que subtraíram efetivos do policiamento regular, reduzindo sua potência preventiva.

O grave equívoco da atual gestão da segurança pública paulista é transformar uma opção tática repressiva em estratégia geral do aparato policial, rebaixando e enfraquecendo a relevância do policiamento territorial preventivo. O constrangedor rebaixamento do subcomandante da PM por defender a estratégia de prevenção e o desprezo dos oficiais do policiamento territorial nas últimas promoções deixam claro que eles não são prioridade na atual política de segurança. O Centro de Inteligência da PM, que estava estruturado em sofisticadas análises criminais para dar suporte prioritário às estratégias de prevenção, foi praticamente dissolvido para atuar com ênfase sobre o crime organizado, que deveria ser prioridade da Polícia Civil e do Ministério Público, apenas apoiados pela PM. Crime organizado pouco tem que ver com a imensa massa de problemas que demandam a ação dos policiais.

Desde o início dos anos 2000, a PM de São Paulo buscou atualizar o emprego das tropas repressivas criadas no governo militar, evoluindo nos sistemas de prevenção com a implantação do mapeamento digital de pontos de concentração de crime para refinar a eficácia operacional. Com o raio X dos crimes, a instituição substituiu o método reativo e repressivo por métodos de redução de oportunidades e ampliação dos riscos aos infratores, além de medidas de proteção à população. Esse vitorioso modelo do século 21, com aprofundamento do treinamento, da tecnologia e da gestão voltada para resultados, é referência internacional de redução da violência, com queda de 81% dos homicídios no Estado e de 91% na capital nos últimos 20 anos.

A segurança pública em São Paulo ainda tem muitos desafios pela frente, inclusive na efetividade da investigação, mas os avanços ocorridos nas duas últimas décadas constituem legado inquestionável a ser preservado e desenvolvido, prestigiando os policiais das prioritárias unidades territoriais que formam 90% das estruturas de segurança. Não há sentido em reverter a bem-sucedida estratégia de prevenção, priorizando estruturas e processos repressivos do passado com rastros de inaceitável letalidade no uso da força do Estado.

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CORONEL REFORMADO DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO, MEMBRO DO CONSELHO DA ESCOLA DE SEGURANÇA MULTIDIMENSIONAL DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, FOI SECRETÁRIO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

Tropas policiais especiais, com armamento de combate e ações até letais contra criminosos, são decisivas para a redução e o controle da violência? Muitos governantes têm essa ilusão de “guerra contra o crime”, pelo apelo midiático da movimentação de tropas e a certeza de que a população amedrontada aplaude ações repressivas. A Universidade Federal Fluminense levantou 289 operações policiais na favela do Jacarezinho, na cidade do Rio de Janeiro, entre 2007 e 2020, que resultaram em 186 mortes pelos agentes da lei. Se operações de forças especiais tivessem efeito preventivo, não bastariam mais que 20 delas para pacificar o local. O Ministério Público do Rio de Janeiro também constatou que as áreas com maior letalidade policial não foram as que tiveram mais redução dos crimes. Isso é evidência de que estratégias repressivas podem atender a problemas pontuais, mas não diminuem crimes em bases duradouras.

Um dos argumentos das incursões repressivas é a suposição de que seja o melhor expediente na luta contra o crime organizado. Embora haja momentos inevitáveis desses confrontos, é ingenuidade acreditar que ações de força alcancem mais resultados que trabalhos policiais orientados por inteligência.

As ações recentes na baixada santista, com um rastro de dezenas de mortos, inclusive dois policiais, certamente afetaram muito menos o crime organizado do que as cerca de 500 operações dos Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público paulista, com apoio da Polícia Militar (PM), que executaram mais de 3 mil ações de busca e apreensão, arrecadaram 70 toneladas de drogas, apreenderam R$ 210 milhões e condenaram 602 membros do PCC. Tudo isso em pouco mais de três anos, praticamente sem confronto e com muito mais impacto no crime organizado.

A ênfase nas operações policiais esporádicas e a propagação nas mídias não escondem os reais problemas de segurança que estão longe dessas áreas conflagradas, mas atormentam o cotidiano da população. No ano de 2023 ocorreram 2.620.913 registros criminais no Estado de São Paulo, que podem ser estimados acima de 3 milhões, se projetados os crimes não notificados pelas vítimas. Esses delitos, entre os quais 131.729 veículos e cerca de meio milhão de celulares levados pelos ladrões, não serão afetados seriamente pela Rota ou por unidades táticas de polícia, por não terem o mesmo poder de prevenção e resposta imediata dos 96 batalhões territoriais que conhecem intimamente as realidades sociais e criminais de suas áreas, onde interagem no cotidiano de seus habitantes. Como as unidades especiais destinam-se a situações excepcionais, não há sentido em termos, no caso de São Paulo, as excessivas 20 unidades que subtraíram efetivos do policiamento regular, reduzindo sua potência preventiva.

O grave equívoco da atual gestão da segurança pública paulista é transformar uma opção tática repressiva em estratégia geral do aparato policial, rebaixando e enfraquecendo a relevância do policiamento territorial preventivo. O constrangedor rebaixamento do subcomandante da PM por defender a estratégia de prevenção e o desprezo dos oficiais do policiamento territorial nas últimas promoções deixam claro que eles não são prioridade na atual política de segurança. O Centro de Inteligência da PM, que estava estruturado em sofisticadas análises criminais para dar suporte prioritário às estratégias de prevenção, foi praticamente dissolvido para atuar com ênfase sobre o crime organizado, que deveria ser prioridade da Polícia Civil e do Ministério Público, apenas apoiados pela PM. Crime organizado pouco tem que ver com a imensa massa de problemas que demandam a ação dos policiais.

Desde o início dos anos 2000, a PM de São Paulo buscou atualizar o emprego das tropas repressivas criadas no governo militar, evoluindo nos sistemas de prevenção com a implantação do mapeamento digital de pontos de concentração de crime para refinar a eficácia operacional. Com o raio X dos crimes, a instituição substituiu o método reativo e repressivo por métodos de redução de oportunidades e ampliação dos riscos aos infratores, além de medidas de proteção à população. Esse vitorioso modelo do século 21, com aprofundamento do treinamento, da tecnologia e da gestão voltada para resultados, é referência internacional de redução da violência, com queda de 81% dos homicídios no Estado e de 91% na capital nos últimos 20 anos.

A segurança pública em São Paulo ainda tem muitos desafios pela frente, inclusive na efetividade da investigação, mas os avanços ocorridos nas duas últimas décadas constituem legado inquestionável a ser preservado e desenvolvido, prestigiando os policiais das prioritárias unidades territoriais que formam 90% das estruturas de segurança. Não há sentido em reverter a bem-sucedida estratégia de prevenção, priorizando estruturas e processos repressivos do passado com rastros de inaceitável letalidade no uso da força do Estado.

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CORONEL REFORMADO DA POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO, MEMBRO DO CONSELHO DA ESCOLA DE SEGURANÇA MULTIDIMENSIONAL DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, FOI SECRETÁRIO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

Opinião por José Vicente da Silva Filho

Coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, membro do Conselho da Escola de Segurança Multidimensional da Universidade de São Paulo, foi secretário nacional de Segurança Pública

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