Opinião|Sair do óbvio para avançar a habitação no Brasil


É preciso avançar com novas agendas para os antigos problemas que até hoje não foram vencidos

Por Duda Alcantara, Fabiana Tock, Mariana Chiesa, Renato Cymbalista e Simone Gatti

Agendas pouco exploradas podem fazer avançar como nunca a pauta da habitação no País. O relançamento do Minha Casa Minha Vida como um programa plural abre espaços para efetivarmos soluções que aproveitam a cidade já construída, como locação social e melhorias habitacionais, o que também pode enfrentar a expulsão das populações pobres pelo intenso interesse imobiliário, como nas regiões litorâneas afetadas pelos recentes eventos climáticos extremos.

No Brasil existem hoje quase 25 milhões de lares inadequados, dos quais mais de 5,8 milhões no déficit quantitativo, que compreendem o tamanho da necessidade de oferta de moradia para renda baixa (Fundação João Pinheiro, 2019). São mais de 4 em cada 10 famílias sem moradia considerada adequada. O número aumenta para 40 milhões, se considerarmos famílias de rendas C, D e E que entendem precisar de reforma – Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), IBGE (2018). São residências sem banheiros, com pisos de terra, coberturas e vedações inadequadas ou inexistentes, ambientes tomados por mofo, muitas delas em áreas de risco – situações que criam e agravam problemas de saúde, segurança, impactam na capacidade de aprendizado de crianças e prejudicam o trabalho e a renda da família.

Quase 52% de quem precisa de moradia tem como razão o valor excessivo dos aluguéis, que ultrapassa a renda familiar. No Brasil, um elemento novo no cenário da moradia são os “proprietários sociais”, provedores de moradia sem fins lucrativos. São organizações que se propõem a deter e gerir propriedade para locação, como o Fica, o Haja, o projeto +Lapena Habitar, promovido pela Fundação Tide Setubal, e o Soma. Existem muitos desenhos possíveis, que passam por reconhecer os pequenos locadores, regularizar cortiços, criar incentivos urbanísticos e tributários, tudo em busca da estruturação de alternativas para atender a diversidade e a complexidade da demanda, como um parque de aluguel que garanta o acesso para quem mais precisa.

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A nova medida provisória sinaliza a busca por solucionar gargalos em imóveis públicos, prevendo a possibilidade de destinação a entidades sem fins lucrativos de imóveis da União, sem necessidade de autorização legislativa. É um importante avanço, porque já busca envolver a experiência dos movimentos sociais de moradia, que fazem na prática e há muito tempo a gestão de imóveis para população de baixa renda no País.

Essa equação não depende somente da construção de mais unidades. Ao contrário, passa principalmente por dar uso aos milhares de prédios abandonados, especialmente nos centros urbanos, e facilitar o investimento em melhorias habitacionais. Reformar pode emitir até quatro vezes menos carbono do que construir – é também uma questão ambiental.

Os instrumentos urbanísticos presentes no Estatuto da Cidade e nos Planos Diretores Municipais garantem parte daquilo que é necessário para reverter a subutilização de imóveis e garantir sua função social. O caminho a seguir, portanto, é claro, apesar de necessitar de um novo olhar e de novas estratégias.

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Na última década, centenas de iniciativas de melhorias habitacionais vêm se estruturando, muitas delas criadas por profissionais vindos das comunidades, mas ainda com pouca relação direta com políticas públicas. A Vivenda, por exemplo, foi uma das primeiras, começou fazendo reformas e atua hoje como uma gerenciadora, focada também em estimular prefeituras a incluírem essa agenda.

O programa Morar Melhor, em Salvador, é o grande exemplo que temos no País hoje, com mais de 30 mil reformas. O Estado de São Paulo vem em segundo lugar, mas ainda só com metade disso. Regulamentar e pôr em prática a Lei n.º 11.888/08, de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social (Athis), é um passo que faria os projetos de melhorias habitacionais expandir muito.

Locação social e melhorias habitacionais podem funcionar junto ou separadamente, focam no déficit, podem aumentar o controle do poder público sobre a produção imobiliária, ao mesmo tempo que movimentam a economia. Mobilizam uma cadeia que vai da produção e venda de materiais de construção a cooperativas para a destinação dos resíduos, passando por diferentes tipos de mão de obra e profissionais técnicos, pequenos negócios, criação de gestoras sociais e toda uma nova gama de profissionais para darem suporte a este parque de imóveis. Essas agendas também deixam mais recursos na comunidade do que a construção de mais unidades por empreiteiras.

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A missão é gigantesca e uma das mais importantes do País. Precisará, necessariamente, da união de muitos esforços e, inevitavelmente, de novas agendas para os antigos problemas que até hoje não foram vencidos. Sem outras formas de acesso à habitação, áreas bem localizadas continuaram destinadas a quem pode pagar por elas, e os mais pobres sendo obrigados a ocupar áreas de risco e sem condições de habitabilidade, pagando, muitas vezes, com a própria vida.

*

DUDA ALCANTARA, arquiteta urbanista, é diretora executiva do Instituto Vivenda;

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FABIANA TOCK é coordenadora do Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano da Fundação Tide Setubal;

MARIANA CHIESA, advogada, é professora da FGV;

RENATO CYMBALISTA, arquiteto e urbanista, professor livre docente da FAU-USP, conselheiro da Casa do Povo, do Instituto Pólis, da Pinacoteca e do Fica, é diretor de Direitos Humanos da Prip-USP; e

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SIMONE GATTI, arquiteta e urbanista, é coordenadora de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil, presidente do Fundo Fica e do Fundo Fua e professora da Escola da Cidade.

Agendas pouco exploradas podem fazer avançar como nunca a pauta da habitação no País. O relançamento do Minha Casa Minha Vida como um programa plural abre espaços para efetivarmos soluções que aproveitam a cidade já construída, como locação social e melhorias habitacionais, o que também pode enfrentar a expulsão das populações pobres pelo intenso interesse imobiliário, como nas regiões litorâneas afetadas pelos recentes eventos climáticos extremos.

No Brasil existem hoje quase 25 milhões de lares inadequados, dos quais mais de 5,8 milhões no déficit quantitativo, que compreendem o tamanho da necessidade de oferta de moradia para renda baixa (Fundação João Pinheiro, 2019). São mais de 4 em cada 10 famílias sem moradia considerada adequada. O número aumenta para 40 milhões, se considerarmos famílias de rendas C, D e E que entendem precisar de reforma – Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), IBGE (2018). São residências sem banheiros, com pisos de terra, coberturas e vedações inadequadas ou inexistentes, ambientes tomados por mofo, muitas delas em áreas de risco – situações que criam e agravam problemas de saúde, segurança, impactam na capacidade de aprendizado de crianças e prejudicam o trabalho e a renda da família.

Quase 52% de quem precisa de moradia tem como razão o valor excessivo dos aluguéis, que ultrapassa a renda familiar. No Brasil, um elemento novo no cenário da moradia são os “proprietários sociais”, provedores de moradia sem fins lucrativos. São organizações que se propõem a deter e gerir propriedade para locação, como o Fica, o Haja, o projeto +Lapena Habitar, promovido pela Fundação Tide Setubal, e o Soma. Existem muitos desenhos possíveis, que passam por reconhecer os pequenos locadores, regularizar cortiços, criar incentivos urbanísticos e tributários, tudo em busca da estruturação de alternativas para atender a diversidade e a complexidade da demanda, como um parque de aluguel que garanta o acesso para quem mais precisa.

A nova medida provisória sinaliza a busca por solucionar gargalos em imóveis públicos, prevendo a possibilidade de destinação a entidades sem fins lucrativos de imóveis da União, sem necessidade de autorização legislativa. É um importante avanço, porque já busca envolver a experiência dos movimentos sociais de moradia, que fazem na prática e há muito tempo a gestão de imóveis para população de baixa renda no País.

Essa equação não depende somente da construção de mais unidades. Ao contrário, passa principalmente por dar uso aos milhares de prédios abandonados, especialmente nos centros urbanos, e facilitar o investimento em melhorias habitacionais. Reformar pode emitir até quatro vezes menos carbono do que construir – é também uma questão ambiental.

Os instrumentos urbanísticos presentes no Estatuto da Cidade e nos Planos Diretores Municipais garantem parte daquilo que é necessário para reverter a subutilização de imóveis e garantir sua função social. O caminho a seguir, portanto, é claro, apesar de necessitar de um novo olhar e de novas estratégias.

Na última década, centenas de iniciativas de melhorias habitacionais vêm se estruturando, muitas delas criadas por profissionais vindos das comunidades, mas ainda com pouca relação direta com políticas públicas. A Vivenda, por exemplo, foi uma das primeiras, começou fazendo reformas e atua hoje como uma gerenciadora, focada também em estimular prefeituras a incluírem essa agenda.

O programa Morar Melhor, em Salvador, é o grande exemplo que temos no País hoje, com mais de 30 mil reformas. O Estado de São Paulo vem em segundo lugar, mas ainda só com metade disso. Regulamentar e pôr em prática a Lei n.º 11.888/08, de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social (Athis), é um passo que faria os projetos de melhorias habitacionais expandir muito.

Locação social e melhorias habitacionais podem funcionar junto ou separadamente, focam no déficit, podem aumentar o controle do poder público sobre a produção imobiliária, ao mesmo tempo que movimentam a economia. Mobilizam uma cadeia que vai da produção e venda de materiais de construção a cooperativas para a destinação dos resíduos, passando por diferentes tipos de mão de obra e profissionais técnicos, pequenos negócios, criação de gestoras sociais e toda uma nova gama de profissionais para darem suporte a este parque de imóveis. Essas agendas também deixam mais recursos na comunidade do que a construção de mais unidades por empreiteiras.

A missão é gigantesca e uma das mais importantes do País. Precisará, necessariamente, da união de muitos esforços e, inevitavelmente, de novas agendas para os antigos problemas que até hoje não foram vencidos. Sem outras formas de acesso à habitação, áreas bem localizadas continuaram destinadas a quem pode pagar por elas, e os mais pobres sendo obrigados a ocupar áreas de risco e sem condições de habitabilidade, pagando, muitas vezes, com a própria vida.

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DUDA ALCANTARA, arquiteta urbanista, é diretora executiva do Instituto Vivenda;

FABIANA TOCK é coordenadora do Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano da Fundação Tide Setubal;

MARIANA CHIESA, advogada, é professora da FGV;

RENATO CYMBALISTA, arquiteto e urbanista, professor livre docente da FAU-USP, conselheiro da Casa do Povo, do Instituto Pólis, da Pinacoteca e do Fica, é diretor de Direitos Humanos da Prip-USP; e

SIMONE GATTI, arquiteta e urbanista, é coordenadora de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil, presidente do Fundo Fica e do Fundo Fua e professora da Escola da Cidade.

Agendas pouco exploradas podem fazer avançar como nunca a pauta da habitação no País. O relançamento do Minha Casa Minha Vida como um programa plural abre espaços para efetivarmos soluções que aproveitam a cidade já construída, como locação social e melhorias habitacionais, o que também pode enfrentar a expulsão das populações pobres pelo intenso interesse imobiliário, como nas regiões litorâneas afetadas pelos recentes eventos climáticos extremos.

No Brasil existem hoje quase 25 milhões de lares inadequados, dos quais mais de 5,8 milhões no déficit quantitativo, que compreendem o tamanho da necessidade de oferta de moradia para renda baixa (Fundação João Pinheiro, 2019). São mais de 4 em cada 10 famílias sem moradia considerada adequada. O número aumenta para 40 milhões, se considerarmos famílias de rendas C, D e E que entendem precisar de reforma – Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), IBGE (2018). São residências sem banheiros, com pisos de terra, coberturas e vedações inadequadas ou inexistentes, ambientes tomados por mofo, muitas delas em áreas de risco – situações que criam e agravam problemas de saúde, segurança, impactam na capacidade de aprendizado de crianças e prejudicam o trabalho e a renda da família.

Quase 52% de quem precisa de moradia tem como razão o valor excessivo dos aluguéis, que ultrapassa a renda familiar. No Brasil, um elemento novo no cenário da moradia são os “proprietários sociais”, provedores de moradia sem fins lucrativos. São organizações que se propõem a deter e gerir propriedade para locação, como o Fica, o Haja, o projeto +Lapena Habitar, promovido pela Fundação Tide Setubal, e o Soma. Existem muitos desenhos possíveis, que passam por reconhecer os pequenos locadores, regularizar cortiços, criar incentivos urbanísticos e tributários, tudo em busca da estruturação de alternativas para atender a diversidade e a complexidade da demanda, como um parque de aluguel que garanta o acesso para quem mais precisa.

A nova medida provisória sinaliza a busca por solucionar gargalos em imóveis públicos, prevendo a possibilidade de destinação a entidades sem fins lucrativos de imóveis da União, sem necessidade de autorização legislativa. É um importante avanço, porque já busca envolver a experiência dos movimentos sociais de moradia, que fazem na prática e há muito tempo a gestão de imóveis para população de baixa renda no País.

Essa equação não depende somente da construção de mais unidades. Ao contrário, passa principalmente por dar uso aos milhares de prédios abandonados, especialmente nos centros urbanos, e facilitar o investimento em melhorias habitacionais. Reformar pode emitir até quatro vezes menos carbono do que construir – é também uma questão ambiental.

Os instrumentos urbanísticos presentes no Estatuto da Cidade e nos Planos Diretores Municipais garantem parte daquilo que é necessário para reverter a subutilização de imóveis e garantir sua função social. O caminho a seguir, portanto, é claro, apesar de necessitar de um novo olhar e de novas estratégias.

Na última década, centenas de iniciativas de melhorias habitacionais vêm se estruturando, muitas delas criadas por profissionais vindos das comunidades, mas ainda com pouca relação direta com políticas públicas. A Vivenda, por exemplo, foi uma das primeiras, começou fazendo reformas e atua hoje como uma gerenciadora, focada também em estimular prefeituras a incluírem essa agenda.

O programa Morar Melhor, em Salvador, é o grande exemplo que temos no País hoje, com mais de 30 mil reformas. O Estado de São Paulo vem em segundo lugar, mas ainda só com metade disso. Regulamentar e pôr em prática a Lei n.º 11.888/08, de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social (Athis), é um passo que faria os projetos de melhorias habitacionais expandir muito.

Locação social e melhorias habitacionais podem funcionar junto ou separadamente, focam no déficit, podem aumentar o controle do poder público sobre a produção imobiliária, ao mesmo tempo que movimentam a economia. Mobilizam uma cadeia que vai da produção e venda de materiais de construção a cooperativas para a destinação dos resíduos, passando por diferentes tipos de mão de obra e profissionais técnicos, pequenos negócios, criação de gestoras sociais e toda uma nova gama de profissionais para darem suporte a este parque de imóveis. Essas agendas também deixam mais recursos na comunidade do que a construção de mais unidades por empreiteiras.

A missão é gigantesca e uma das mais importantes do País. Precisará, necessariamente, da união de muitos esforços e, inevitavelmente, de novas agendas para os antigos problemas que até hoje não foram vencidos. Sem outras formas de acesso à habitação, áreas bem localizadas continuaram destinadas a quem pode pagar por elas, e os mais pobres sendo obrigados a ocupar áreas de risco e sem condições de habitabilidade, pagando, muitas vezes, com a própria vida.

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DUDA ALCANTARA, arquiteta urbanista, é diretora executiva do Instituto Vivenda;

FABIANA TOCK é coordenadora do Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano da Fundação Tide Setubal;

MARIANA CHIESA, advogada, é professora da FGV;

RENATO CYMBALISTA, arquiteto e urbanista, professor livre docente da FAU-USP, conselheiro da Casa do Povo, do Instituto Pólis, da Pinacoteca e do Fica, é diretor de Direitos Humanos da Prip-USP; e

SIMONE GATTI, arquiteta e urbanista, é coordenadora de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil, presidente do Fundo Fica e do Fundo Fua e professora da Escola da Cidade.

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