Opinião|Segurança pública baseada em dados


Dezenas de estudos mostram que o crime é altamente concentrado no espaço, e as políticas de segurança devem levar isso em conta

Por Joana Monteiro e Rodrigo Serrano-Berthet

Cerca de 1,8 milhão de pessoas foram vítimas de algum tipo de roubo em 2021, o que representa 1,1% da população brasileira com 15 anos ou mais (Pnad 2021). Esse crime, entretanto, não incide em todos os locais e tampouco afeta todas as pessoas da mesma forma. Dezenas de estudos feitos em inúmeras cidades do mundo mostram que o crime é altamente concentrado no território, a ponto de ter sido cunhada a Lei de Concentração de Crime no espaço, que estabelece que metade dos crimes ocorre em cerca de 4% a 6% dos segmentos de rua. No Brasil, observamos padrões ainda mais acentuados: metade dos roubos a pedestres ocorreu em 2,0% dos segmentos de rua em Curitiba (PR); 2,5% em Fortaleza (CE); 3,0% em Belo Horizonte (MG); e 1,1% em Niterói (RJ).

Esses locais de alta incidência são bastante estáveis no tempo porque são tipicamente locais de alta circulação de pessoas, como as estações de transporte público ou locais de lazer como parques ou centros comerciais. O que essa evidência implica na prática? Que esses locais precisam ser o foco da atenção pública para receber policiamento preventivo e receber intervenções urbanísticas como iluminação e ordenamento do espaço público para ajudar a dissuadir a ocorrência de crimes.

Isso é feito no Brasil? Muito pouco. As três esferas de governo podem atuar nessa agenda. O primeiro passo é georreferenciar os crimes e facilitar o consumo dos dados por meio de softwares de visualização de dados. São Paulo e Minas Gerais foram pioneiros nessa iniciativa, o Ceará desenvolveu nos últimos anos excelentes plataformas para consumo de dados e muitos Estados têm hoje ferramentas como o ISPGeo, do Rio de Janeiro.

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Entretanto, vários desafios ainda se impõem para que o uso de dados e evidências oriente as ações de segurança pública. Em especial, esta agenda requer um impulso do governo federal para promover o compartilhamento de microdados georreferenciados, organizá-los e colocá-los a disposição. Enquanto as áreas de saúde e educação têm sistemas de informação robustos que condicionam transferências de recursos ao compartilhamento de dados, a área de segurança pública segue engatinhando.

Do ponto de vista policial, ainda valorizamos mais o policiamento com visibilidade e respostas rápidas ao 190. O maior desafio é que as polícias decidam alocar o policiamento para prevenir o problema. Nesse ponto, o desafio não é apenas a baixa cultura de uso de dados, mas também o baixo número de policiais alocados para fazer ações preventivas. Mudar isso exige uma valorização dos batalhões de área em detrimento dos batalhões especiais, como é feito em São Paulo, e uma revisão dos objetivos estratégicos das polícias. É por isso que programas de gestão por resultados como o Igesp (MG), o Pacto pela Vida (PE), o RS Seguro (RS), que já foram implementados em 11 Estados, são cruciais. Eles definem e reorganizam a gestão da polícia em torno da prevenção do crime, e não da apreensão de armas e drogas.

Outro esforço para promover esta agenda é um projeto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para incentivar o patrulhamento em pontos quentes no Brasil. Essa é uma abordagem de alocação de patrulhamento com ampla evidência internacional de eficácia. Mas, no contexto brasileiro, ela pode reduzir o crime ou tende a só deslocá-lo?

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Para gerar essa evidência, o BID ofereceu assistência técnica e oito Polícias Militares e Guardas Municipais expressaram interesse em receber apoio. O primeiro teste começou a ser implementado este ano pela Polícia Militar do Paraná em Curitiba, que constitui o primeiro experimento aleatorizado controlado para testar patrulhamento ordinário no Brasil. Foram identificados segmentos de rua de alta concentração de crimes e sorteado um subgrupo para receber um patrulhamento mais intensivo durante três meses.

Por fim, do ponto de vista do poder municipal, é possível guiar-se pelos microdados de crime para identificar os pontos prioritários para receber iluminação pública, câmeras de vigilância, ordenamento das ruas e atenção da Guarda Municipal com o objetivo de tornar os espaços mais seguros. Essa é a lógica do Conjunto de Estratégias de Prevenção, projeto executado pela Secretaria de Ordem Pública do município do Rio de Janeiro. Mas o avanço deste tipo de iniciativa municipal é limitado pelo acesso aos dados georreferenciados, que é restrito às polícias, deixando os municípios incapazes de ver o crime no território e poder desenhar políticas para preveni-los.

Os exemplos citados são casos pioneiros no Brasil de parcerias entre academia e o poder público para aplicar os princípios de segurança pública baseada em evidências. Esse princípio defende que devemos nos inspirar em programas que já foram avaliados como efetivos, adaptá-los ao contexto institucional local e testá-los com protocolo de avaliação de impacto para saber se de fato conseguem reduzir o problema que buscam atacar. A intenção é sair de um modelo reativo, repressivo e baseado em opiniões para um modelo proativo, preventivo e baseado em dados e evidências.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSORA DA EBAPE, COORDENADORA DO CENTRO DE CIÊNCIA APLICADA À SEGURANÇA DA FGV (FGV/CCAS); E ESPECIALISTA PRINCIPAL EM SEGURANÇA CIDADÃ E JUSTIÇA NO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID)

Cerca de 1,8 milhão de pessoas foram vítimas de algum tipo de roubo em 2021, o que representa 1,1% da população brasileira com 15 anos ou mais (Pnad 2021). Esse crime, entretanto, não incide em todos os locais e tampouco afeta todas as pessoas da mesma forma. Dezenas de estudos feitos em inúmeras cidades do mundo mostram que o crime é altamente concentrado no território, a ponto de ter sido cunhada a Lei de Concentração de Crime no espaço, que estabelece que metade dos crimes ocorre em cerca de 4% a 6% dos segmentos de rua. No Brasil, observamos padrões ainda mais acentuados: metade dos roubos a pedestres ocorreu em 2,0% dos segmentos de rua em Curitiba (PR); 2,5% em Fortaleza (CE); 3,0% em Belo Horizonte (MG); e 1,1% em Niterói (RJ).

Esses locais de alta incidência são bastante estáveis no tempo porque são tipicamente locais de alta circulação de pessoas, como as estações de transporte público ou locais de lazer como parques ou centros comerciais. O que essa evidência implica na prática? Que esses locais precisam ser o foco da atenção pública para receber policiamento preventivo e receber intervenções urbanísticas como iluminação e ordenamento do espaço público para ajudar a dissuadir a ocorrência de crimes.

Isso é feito no Brasil? Muito pouco. As três esferas de governo podem atuar nessa agenda. O primeiro passo é georreferenciar os crimes e facilitar o consumo dos dados por meio de softwares de visualização de dados. São Paulo e Minas Gerais foram pioneiros nessa iniciativa, o Ceará desenvolveu nos últimos anos excelentes plataformas para consumo de dados e muitos Estados têm hoje ferramentas como o ISPGeo, do Rio de Janeiro.

Entretanto, vários desafios ainda se impõem para que o uso de dados e evidências oriente as ações de segurança pública. Em especial, esta agenda requer um impulso do governo federal para promover o compartilhamento de microdados georreferenciados, organizá-los e colocá-los a disposição. Enquanto as áreas de saúde e educação têm sistemas de informação robustos que condicionam transferências de recursos ao compartilhamento de dados, a área de segurança pública segue engatinhando.

Do ponto de vista policial, ainda valorizamos mais o policiamento com visibilidade e respostas rápidas ao 190. O maior desafio é que as polícias decidam alocar o policiamento para prevenir o problema. Nesse ponto, o desafio não é apenas a baixa cultura de uso de dados, mas também o baixo número de policiais alocados para fazer ações preventivas. Mudar isso exige uma valorização dos batalhões de área em detrimento dos batalhões especiais, como é feito em São Paulo, e uma revisão dos objetivos estratégicos das polícias. É por isso que programas de gestão por resultados como o Igesp (MG), o Pacto pela Vida (PE), o RS Seguro (RS), que já foram implementados em 11 Estados, são cruciais. Eles definem e reorganizam a gestão da polícia em torno da prevenção do crime, e não da apreensão de armas e drogas.

Outro esforço para promover esta agenda é um projeto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para incentivar o patrulhamento em pontos quentes no Brasil. Essa é uma abordagem de alocação de patrulhamento com ampla evidência internacional de eficácia. Mas, no contexto brasileiro, ela pode reduzir o crime ou tende a só deslocá-lo?

Para gerar essa evidência, o BID ofereceu assistência técnica e oito Polícias Militares e Guardas Municipais expressaram interesse em receber apoio. O primeiro teste começou a ser implementado este ano pela Polícia Militar do Paraná em Curitiba, que constitui o primeiro experimento aleatorizado controlado para testar patrulhamento ordinário no Brasil. Foram identificados segmentos de rua de alta concentração de crimes e sorteado um subgrupo para receber um patrulhamento mais intensivo durante três meses.

Por fim, do ponto de vista do poder municipal, é possível guiar-se pelos microdados de crime para identificar os pontos prioritários para receber iluminação pública, câmeras de vigilância, ordenamento das ruas e atenção da Guarda Municipal com o objetivo de tornar os espaços mais seguros. Essa é a lógica do Conjunto de Estratégias de Prevenção, projeto executado pela Secretaria de Ordem Pública do município do Rio de Janeiro. Mas o avanço deste tipo de iniciativa municipal é limitado pelo acesso aos dados georreferenciados, que é restrito às polícias, deixando os municípios incapazes de ver o crime no território e poder desenhar políticas para preveni-los.

Os exemplos citados são casos pioneiros no Brasil de parcerias entre academia e o poder público para aplicar os princípios de segurança pública baseada em evidências. Esse princípio defende que devemos nos inspirar em programas que já foram avaliados como efetivos, adaptá-los ao contexto institucional local e testá-los com protocolo de avaliação de impacto para saber se de fato conseguem reduzir o problema que buscam atacar. A intenção é sair de um modelo reativo, repressivo e baseado em opiniões para um modelo proativo, preventivo e baseado em dados e evidências.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSORA DA EBAPE, COORDENADORA DO CENTRO DE CIÊNCIA APLICADA À SEGURANÇA DA FGV (FGV/CCAS); E ESPECIALISTA PRINCIPAL EM SEGURANÇA CIDADÃ E JUSTIÇA NO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID)

Cerca de 1,8 milhão de pessoas foram vítimas de algum tipo de roubo em 2021, o que representa 1,1% da população brasileira com 15 anos ou mais (Pnad 2021). Esse crime, entretanto, não incide em todos os locais e tampouco afeta todas as pessoas da mesma forma. Dezenas de estudos feitos em inúmeras cidades do mundo mostram que o crime é altamente concentrado no território, a ponto de ter sido cunhada a Lei de Concentração de Crime no espaço, que estabelece que metade dos crimes ocorre em cerca de 4% a 6% dos segmentos de rua. No Brasil, observamos padrões ainda mais acentuados: metade dos roubos a pedestres ocorreu em 2,0% dos segmentos de rua em Curitiba (PR); 2,5% em Fortaleza (CE); 3,0% em Belo Horizonte (MG); e 1,1% em Niterói (RJ).

Esses locais de alta incidência são bastante estáveis no tempo porque são tipicamente locais de alta circulação de pessoas, como as estações de transporte público ou locais de lazer como parques ou centros comerciais. O que essa evidência implica na prática? Que esses locais precisam ser o foco da atenção pública para receber policiamento preventivo e receber intervenções urbanísticas como iluminação e ordenamento do espaço público para ajudar a dissuadir a ocorrência de crimes.

Isso é feito no Brasil? Muito pouco. As três esferas de governo podem atuar nessa agenda. O primeiro passo é georreferenciar os crimes e facilitar o consumo dos dados por meio de softwares de visualização de dados. São Paulo e Minas Gerais foram pioneiros nessa iniciativa, o Ceará desenvolveu nos últimos anos excelentes plataformas para consumo de dados e muitos Estados têm hoje ferramentas como o ISPGeo, do Rio de Janeiro.

Entretanto, vários desafios ainda se impõem para que o uso de dados e evidências oriente as ações de segurança pública. Em especial, esta agenda requer um impulso do governo federal para promover o compartilhamento de microdados georreferenciados, organizá-los e colocá-los a disposição. Enquanto as áreas de saúde e educação têm sistemas de informação robustos que condicionam transferências de recursos ao compartilhamento de dados, a área de segurança pública segue engatinhando.

Do ponto de vista policial, ainda valorizamos mais o policiamento com visibilidade e respostas rápidas ao 190. O maior desafio é que as polícias decidam alocar o policiamento para prevenir o problema. Nesse ponto, o desafio não é apenas a baixa cultura de uso de dados, mas também o baixo número de policiais alocados para fazer ações preventivas. Mudar isso exige uma valorização dos batalhões de área em detrimento dos batalhões especiais, como é feito em São Paulo, e uma revisão dos objetivos estratégicos das polícias. É por isso que programas de gestão por resultados como o Igesp (MG), o Pacto pela Vida (PE), o RS Seguro (RS), que já foram implementados em 11 Estados, são cruciais. Eles definem e reorganizam a gestão da polícia em torno da prevenção do crime, e não da apreensão de armas e drogas.

Outro esforço para promover esta agenda é um projeto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para incentivar o patrulhamento em pontos quentes no Brasil. Essa é uma abordagem de alocação de patrulhamento com ampla evidência internacional de eficácia. Mas, no contexto brasileiro, ela pode reduzir o crime ou tende a só deslocá-lo?

Para gerar essa evidência, o BID ofereceu assistência técnica e oito Polícias Militares e Guardas Municipais expressaram interesse em receber apoio. O primeiro teste começou a ser implementado este ano pela Polícia Militar do Paraná em Curitiba, que constitui o primeiro experimento aleatorizado controlado para testar patrulhamento ordinário no Brasil. Foram identificados segmentos de rua de alta concentração de crimes e sorteado um subgrupo para receber um patrulhamento mais intensivo durante três meses.

Por fim, do ponto de vista do poder municipal, é possível guiar-se pelos microdados de crime para identificar os pontos prioritários para receber iluminação pública, câmeras de vigilância, ordenamento das ruas e atenção da Guarda Municipal com o objetivo de tornar os espaços mais seguros. Essa é a lógica do Conjunto de Estratégias de Prevenção, projeto executado pela Secretaria de Ordem Pública do município do Rio de Janeiro. Mas o avanço deste tipo de iniciativa municipal é limitado pelo acesso aos dados georreferenciados, que é restrito às polícias, deixando os municípios incapazes de ver o crime no território e poder desenhar políticas para preveni-los.

Os exemplos citados são casos pioneiros no Brasil de parcerias entre academia e o poder público para aplicar os princípios de segurança pública baseada em evidências. Esse princípio defende que devemos nos inspirar em programas que já foram avaliados como efetivos, adaptá-los ao contexto institucional local e testá-los com protocolo de avaliação de impacto para saber se de fato conseguem reduzir o problema que buscam atacar. A intenção é sair de um modelo reativo, repressivo e baseado em opiniões para um modelo proativo, preventivo e baseado em dados e evidências.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSORA DA EBAPE, COORDENADORA DO CENTRO DE CIÊNCIA APLICADA À SEGURANÇA DA FGV (FGV/CCAS); E ESPECIALISTA PRINCIPAL EM SEGURANÇA CIDADÃ E JUSTIÇA NO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID)

Cerca de 1,8 milhão de pessoas foram vítimas de algum tipo de roubo em 2021, o que representa 1,1% da população brasileira com 15 anos ou mais (Pnad 2021). Esse crime, entretanto, não incide em todos os locais e tampouco afeta todas as pessoas da mesma forma. Dezenas de estudos feitos em inúmeras cidades do mundo mostram que o crime é altamente concentrado no território, a ponto de ter sido cunhada a Lei de Concentração de Crime no espaço, que estabelece que metade dos crimes ocorre em cerca de 4% a 6% dos segmentos de rua. No Brasil, observamos padrões ainda mais acentuados: metade dos roubos a pedestres ocorreu em 2,0% dos segmentos de rua em Curitiba (PR); 2,5% em Fortaleza (CE); 3,0% em Belo Horizonte (MG); e 1,1% em Niterói (RJ).

Esses locais de alta incidência são bastante estáveis no tempo porque são tipicamente locais de alta circulação de pessoas, como as estações de transporte público ou locais de lazer como parques ou centros comerciais. O que essa evidência implica na prática? Que esses locais precisam ser o foco da atenção pública para receber policiamento preventivo e receber intervenções urbanísticas como iluminação e ordenamento do espaço público para ajudar a dissuadir a ocorrência de crimes.

Isso é feito no Brasil? Muito pouco. As três esferas de governo podem atuar nessa agenda. O primeiro passo é georreferenciar os crimes e facilitar o consumo dos dados por meio de softwares de visualização de dados. São Paulo e Minas Gerais foram pioneiros nessa iniciativa, o Ceará desenvolveu nos últimos anos excelentes plataformas para consumo de dados e muitos Estados têm hoje ferramentas como o ISPGeo, do Rio de Janeiro.

Entretanto, vários desafios ainda se impõem para que o uso de dados e evidências oriente as ações de segurança pública. Em especial, esta agenda requer um impulso do governo federal para promover o compartilhamento de microdados georreferenciados, organizá-los e colocá-los a disposição. Enquanto as áreas de saúde e educação têm sistemas de informação robustos que condicionam transferências de recursos ao compartilhamento de dados, a área de segurança pública segue engatinhando.

Do ponto de vista policial, ainda valorizamos mais o policiamento com visibilidade e respostas rápidas ao 190. O maior desafio é que as polícias decidam alocar o policiamento para prevenir o problema. Nesse ponto, o desafio não é apenas a baixa cultura de uso de dados, mas também o baixo número de policiais alocados para fazer ações preventivas. Mudar isso exige uma valorização dos batalhões de área em detrimento dos batalhões especiais, como é feito em São Paulo, e uma revisão dos objetivos estratégicos das polícias. É por isso que programas de gestão por resultados como o Igesp (MG), o Pacto pela Vida (PE), o RS Seguro (RS), que já foram implementados em 11 Estados, são cruciais. Eles definem e reorganizam a gestão da polícia em torno da prevenção do crime, e não da apreensão de armas e drogas.

Outro esforço para promover esta agenda é um projeto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para incentivar o patrulhamento em pontos quentes no Brasil. Essa é uma abordagem de alocação de patrulhamento com ampla evidência internacional de eficácia. Mas, no contexto brasileiro, ela pode reduzir o crime ou tende a só deslocá-lo?

Para gerar essa evidência, o BID ofereceu assistência técnica e oito Polícias Militares e Guardas Municipais expressaram interesse em receber apoio. O primeiro teste começou a ser implementado este ano pela Polícia Militar do Paraná em Curitiba, que constitui o primeiro experimento aleatorizado controlado para testar patrulhamento ordinário no Brasil. Foram identificados segmentos de rua de alta concentração de crimes e sorteado um subgrupo para receber um patrulhamento mais intensivo durante três meses.

Por fim, do ponto de vista do poder municipal, é possível guiar-se pelos microdados de crime para identificar os pontos prioritários para receber iluminação pública, câmeras de vigilância, ordenamento das ruas e atenção da Guarda Municipal com o objetivo de tornar os espaços mais seguros. Essa é a lógica do Conjunto de Estratégias de Prevenção, projeto executado pela Secretaria de Ordem Pública do município do Rio de Janeiro. Mas o avanço deste tipo de iniciativa municipal é limitado pelo acesso aos dados georreferenciados, que é restrito às polícias, deixando os municípios incapazes de ver o crime no território e poder desenhar políticas para preveni-los.

Os exemplos citados são casos pioneiros no Brasil de parcerias entre academia e o poder público para aplicar os princípios de segurança pública baseada em evidências. Esse princípio defende que devemos nos inspirar em programas que já foram avaliados como efetivos, adaptá-los ao contexto institucional local e testá-los com protocolo de avaliação de impacto para saber se de fato conseguem reduzir o problema que buscam atacar. A intenção é sair de um modelo reativo, repressivo e baseado em opiniões para um modelo proativo, preventivo e baseado em dados e evidências.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSORA DA EBAPE, COORDENADORA DO CENTRO DE CIÊNCIA APLICADA À SEGURANÇA DA FGV (FGV/CCAS); E ESPECIALISTA PRINCIPAL EM SEGURANÇA CIDADÃ E JUSTIÇA NO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID)

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