Opinião|Sequestro e libertação da beleza atlética


A narrativa da abertura dos Jogos Olímpicos submergiu a presença epifânica dos movimentos corporais numa nova cartilha de educação moral e cívica

Por Marcos Lopes

Em suas Confissões, Santo Agostinho criticava o teatro por despertar as paixões na alma do espectador. A compaixão do público pelo sofrimento da personagem produziria efeitos semelhantes ao de alguns fármacos que causam dependência. Narrando seu processo de conversão, ele indicava que a vida religiosa e a arte do espetáculo (circos, teatros e anfiteatros) seriam conflitantes. O prazer dramático, além de excitar as emoções, poderia se tornar compulsivo ou um vício, distanciando a pessoa da verdade espiritual.

A crítica de Agostinho permitiria, por contraste, entender a crença atual nos benefícios sociais do espetáculo. Na visão cristã, o pecado, ruptura da criatura com o criador, explicaria sua consequência: o sofrimento e a maldade. Recuperar aquela unidade primordial exigiria da humanidade um longo périplo pelo vale de lágrimas. Sofrimento e compaixão eram vivenciados na alma de cada fiel e não apenas na contemplação do padecimento alheio. Mas todas essas metáforas tornaram-se vazias. São fósseis linguísticos que sobrevivem como fantasmas em nossa imaginação. Pelo menos é o que nos fez crer o espetáculo de abertura da Olimpíada de Paris. Em um mundo que reduziu a religião a um fenômeno da “cultura”, tornando-a uma “mercadoria” à disposição das preferências pessoais, as noções de pecado, alma e salvação são anacrônicas. Substituímos a história da salvação pela da exibição, e a ascese pela encenação.

A ética das sociedades ocidentais contemporâneas teve sua síntese na abertura dos Jogos Olímpicos. A beleza atlética foi sequestrada pelos imperativos da diversidade cultural. O princípio de emulação esportiva deu lugar à emancipação política. A narrativa dos organizadores do espetáculo e a cobertura dos comentaristas submergiram a presença epifânica dos movimentos corporais numa nova cartilha de educação moral e cívica. O esporte tornou-se um detalhe.

continua após a publicidade

De todo modo, após a cerimônia e seu rosário de boas intenções, iniciaram-se as competições, como sempre marcadas por risos, lágrimas, quebras de recordes, bons e maus perdedores, momentos de glória e de excelência atlética. A comemoração do surfista Gabriel Medina, após realizar uma manobra quase perfeita, seu “voo” com o braço apontado para cima e a prancha simétrica ao corpo captam com mais energia nossa atenção do que o esforço da cerimônia em sua pregação cívica. Os jabs, cruzados e a dança da boxeadora Bia Ferreira, ao ser proclamada vencedora em sua primeira luta, são a celebração de uma disciplina corporal, mais do que a subversão das relações do poder patriarcal.

A excelência coreográfica de Medina e os golpes implacáveis de Ferreira são resíduos de uma possível transcendência, em oposição a uma horizontalidade mundana, marcada por niilismo e pela crença no poder performático da linguagem. Tal crença estimula o comentário excessivo, que suplanta o próprio acontecimento esportivo e sequestra a graça do movimento corporal em proveito da comunicação hiperinflacionada. Pouco valor semântico é agregado às práticas esportivas quando isso ocorre. Diante da grandeza e da beleza dos gestos, todo discurso se torna excessivo.

A foto de Medina, capturada pelo francês Jerome Brouillet, nos faz olhar para a substância do evento esportivo: a graça do corpo em movimento. O instante imóvel da imagem detém, por alguns momentos, o excesso de palavras. Cultiva a esperança e o silêncio ao invés da euforia e do ruído. O instantâneo fotográfico liberta a beleza atlética do cativeiro dos discursos bem-intencionados. A tensão entre instante (a imagem fotográfica) e duração (o discurso sobre o evento) pode ser pensada a partir de uma célebre passagem do livro IV das Confissões de Agostinho.

continua após a publicidade

Segundo ele, as coisas, “no exato momento em que nascem e começam a existir, quanto mais rapidamente crescem para o ser, tanto mais correm para o não ser”. Tal condição lhes foi imposta por Deus, por serem elas partes daquilo que não existe simultaneamente. “São coisas que, desaparecendo e sucedendo-se umas às outras, compõem o universo.” Um exemplo disso seria a fala, através de sinais sonoros. “E o discurso não seria completo, se cada palavra, depois de pronunciada, não morresse para deixar lugar a outra.”

A sucessão de instantes compõe a duração de uma vida. Mas todos os instantes se equivalem? Para Agostinho, a vida que escoa inexoravelmente só pode ser detida e transformada pelo instante da graça. Haveria algum paralelo entre esse instante e o da beleza atlética? A dimensão da fé, como aposta na transcendência, seria vivência da presença divina no aqui e agora da existência, assim como o atleta, em seu jogo, faz do movimento corporal a encarnação de sua crença na vitória. Em ambas as apostas (religião e esporte), a transcendência é presença real e não mais a repetição interminável de um ciclo biológico. Perder ou ganhar seria apenas parábola dessa curta e contingente vida terrena.

*

continua após a publicidade

PROFESSOR DE LITERATURA GERAL E COMPARADA NA UNICAMP

Em suas Confissões, Santo Agostinho criticava o teatro por despertar as paixões na alma do espectador. A compaixão do público pelo sofrimento da personagem produziria efeitos semelhantes ao de alguns fármacos que causam dependência. Narrando seu processo de conversão, ele indicava que a vida religiosa e a arte do espetáculo (circos, teatros e anfiteatros) seriam conflitantes. O prazer dramático, além de excitar as emoções, poderia se tornar compulsivo ou um vício, distanciando a pessoa da verdade espiritual.

A crítica de Agostinho permitiria, por contraste, entender a crença atual nos benefícios sociais do espetáculo. Na visão cristã, o pecado, ruptura da criatura com o criador, explicaria sua consequência: o sofrimento e a maldade. Recuperar aquela unidade primordial exigiria da humanidade um longo périplo pelo vale de lágrimas. Sofrimento e compaixão eram vivenciados na alma de cada fiel e não apenas na contemplação do padecimento alheio. Mas todas essas metáforas tornaram-se vazias. São fósseis linguísticos que sobrevivem como fantasmas em nossa imaginação. Pelo menos é o que nos fez crer o espetáculo de abertura da Olimpíada de Paris. Em um mundo que reduziu a religião a um fenômeno da “cultura”, tornando-a uma “mercadoria” à disposição das preferências pessoais, as noções de pecado, alma e salvação são anacrônicas. Substituímos a história da salvação pela da exibição, e a ascese pela encenação.

A ética das sociedades ocidentais contemporâneas teve sua síntese na abertura dos Jogos Olímpicos. A beleza atlética foi sequestrada pelos imperativos da diversidade cultural. O princípio de emulação esportiva deu lugar à emancipação política. A narrativa dos organizadores do espetáculo e a cobertura dos comentaristas submergiram a presença epifânica dos movimentos corporais numa nova cartilha de educação moral e cívica. O esporte tornou-se um detalhe.

De todo modo, após a cerimônia e seu rosário de boas intenções, iniciaram-se as competições, como sempre marcadas por risos, lágrimas, quebras de recordes, bons e maus perdedores, momentos de glória e de excelência atlética. A comemoração do surfista Gabriel Medina, após realizar uma manobra quase perfeita, seu “voo” com o braço apontado para cima e a prancha simétrica ao corpo captam com mais energia nossa atenção do que o esforço da cerimônia em sua pregação cívica. Os jabs, cruzados e a dança da boxeadora Bia Ferreira, ao ser proclamada vencedora em sua primeira luta, são a celebração de uma disciplina corporal, mais do que a subversão das relações do poder patriarcal.

A excelência coreográfica de Medina e os golpes implacáveis de Ferreira são resíduos de uma possível transcendência, em oposição a uma horizontalidade mundana, marcada por niilismo e pela crença no poder performático da linguagem. Tal crença estimula o comentário excessivo, que suplanta o próprio acontecimento esportivo e sequestra a graça do movimento corporal em proveito da comunicação hiperinflacionada. Pouco valor semântico é agregado às práticas esportivas quando isso ocorre. Diante da grandeza e da beleza dos gestos, todo discurso se torna excessivo.

A foto de Medina, capturada pelo francês Jerome Brouillet, nos faz olhar para a substância do evento esportivo: a graça do corpo em movimento. O instante imóvel da imagem detém, por alguns momentos, o excesso de palavras. Cultiva a esperança e o silêncio ao invés da euforia e do ruído. O instantâneo fotográfico liberta a beleza atlética do cativeiro dos discursos bem-intencionados. A tensão entre instante (a imagem fotográfica) e duração (o discurso sobre o evento) pode ser pensada a partir de uma célebre passagem do livro IV das Confissões de Agostinho.

Segundo ele, as coisas, “no exato momento em que nascem e começam a existir, quanto mais rapidamente crescem para o ser, tanto mais correm para o não ser”. Tal condição lhes foi imposta por Deus, por serem elas partes daquilo que não existe simultaneamente. “São coisas que, desaparecendo e sucedendo-se umas às outras, compõem o universo.” Um exemplo disso seria a fala, através de sinais sonoros. “E o discurso não seria completo, se cada palavra, depois de pronunciada, não morresse para deixar lugar a outra.”

A sucessão de instantes compõe a duração de uma vida. Mas todos os instantes se equivalem? Para Agostinho, a vida que escoa inexoravelmente só pode ser detida e transformada pelo instante da graça. Haveria algum paralelo entre esse instante e o da beleza atlética? A dimensão da fé, como aposta na transcendência, seria vivência da presença divina no aqui e agora da existência, assim como o atleta, em seu jogo, faz do movimento corporal a encarnação de sua crença na vitória. Em ambas as apostas (religião e esporte), a transcendência é presença real e não mais a repetição interminável de um ciclo biológico. Perder ou ganhar seria apenas parábola dessa curta e contingente vida terrena.

*

PROFESSOR DE LITERATURA GERAL E COMPARADA NA UNICAMP

Em suas Confissões, Santo Agostinho criticava o teatro por despertar as paixões na alma do espectador. A compaixão do público pelo sofrimento da personagem produziria efeitos semelhantes ao de alguns fármacos que causam dependência. Narrando seu processo de conversão, ele indicava que a vida religiosa e a arte do espetáculo (circos, teatros e anfiteatros) seriam conflitantes. O prazer dramático, além de excitar as emoções, poderia se tornar compulsivo ou um vício, distanciando a pessoa da verdade espiritual.

A crítica de Agostinho permitiria, por contraste, entender a crença atual nos benefícios sociais do espetáculo. Na visão cristã, o pecado, ruptura da criatura com o criador, explicaria sua consequência: o sofrimento e a maldade. Recuperar aquela unidade primordial exigiria da humanidade um longo périplo pelo vale de lágrimas. Sofrimento e compaixão eram vivenciados na alma de cada fiel e não apenas na contemplação do padecimento alheio. Mas todas essas metáforas tornaram-se vazias. São fósseis linguísticos que sobrevivem como fantasmas em nossa imaginação. Pelo menos é o que nos fez crer o espetáculo de abertura da Olimpíada de Paris. Em um mundo que reduziu a religião a um fenômeno da “cultura”, tornando-a uma “mercadoria” à disposição das preferências pessoais, as noções de pecado, alma e salvação são anacrônicas. Substituímos a história da salvação pela da exibição, e a ascese pela encenação.

A ética das sociedades ocidentais contemporâneas teve sua síntese na abertura dos Jogos Olímpicos. A beleza atlética foi sequestrada pelos imperativos da diversidade cultural. O princípio de emulação esportiva deu lugar à emancipação política. A narrativa dos organizadores do espetáculo e a cobertura dos comentaristas submergiram a presença epifânica dos movimentos corporais numa nova cartilha de educação moral e cívica. O esporte tornou-se um detalhe.

De todo modo, após a cerimônia e seu rosário de boas intenções, iniciaram-se as competições, como sempre marcadas por risos, lágrimas, quebras de recordes, bons e maus perdedores, momentos de glória e de excelência atlética. A comemoração do surfista Gabriel Medina, após realizar uma manobra quase perfeita, seu “voo” com o braço apontado para cima e a prancha simétrica ao corpo captam com mais energia nossa atenção do que o esforço da cerimônia em sua pregação cívica. Os jabs, cruzados e a dança da boxeadora Bia Ferreira, ao ser proclamada vencedora em sua primeira luta, são a celebração de uma disciplina corporal, mais do que a subversão das relações do poder patriarcal.

A excelência coreográfica de Medina e os golpes implacáveis de Ferreira são resíduos de uma possível transcendência, em oposição a uma horizontalidade mundana, marcada por niilismo e pela crença no poder performático da linguagem. Tal crença estimula o comentário excessivo, que suplanta o próprio acontecimento esportivo e sequestra a graça do movimento corporal em proveito da comunicação hiperinflacionada. Pouco valor semântico é agregado às práticas esportivas quando isso ocorre. Diante da grandeza e da beleza dos gestos, todo discurso se torna excessivo.

A foto de Medina, capturada pelo francês Jerome Brouillet, nos faz olhar para a substância do evento esportivo: a graça do corpo em movimento. O instante imóvel da imagem detém, por alguns momentos, o excesso de palavras. Cultiva a esperança e o silêncio ao invés da euforia e do ruído. O instantâneo fotográfico liberta a beleza atlética do cativeiro dos discursos bem-intencionados. A tensão entre instante (a imagem fotográfica) e duração (o discurso sobre o evento) pode ser pensada a partir de uma célebre passagem do livro IV das Confissões de Agostinho.

Segundo ele, as coisas, “no exato momento em que nascem e começam a existir, quanto mais rapidamente crescem para o ser, tanto mais correm para o não ser”. Tal condição lhes foi imposta por Deus, por serem elas partes daquilo que não existe simultaneamente. “São coisas que, desaparecendo e sucedendo-se umas às outras, compõem o universo.” Um exemplo disso seria a fala, através de sinais sonoros. “E o discurso não seria completo, se cada palavra, depois de pronunciada, não morresse para deixar lugar a outra.”

A sucessão de instantes compõe a duração de uma vida. Mas todos os instantes se equivalem? Para Agostinho, a vida que escoa inexoravelmente só pode ser detida e transformada pelo instante da graça. Haveria algum paralelo entre esse instante e o da beleza atlética? A dimensão da fé, como aposta na transcendência, seria vivência da presença divina no aqui e agora da existência, assim como o atleta, em seu jogo, faz do movimento corporal a encarnação de sua crença na vitória. Em ambas as apostas (religião e esporte), a transcendência é presença real e não mais a repetição interminável de um ciclo biológico. Perder ou ganhar seria apenas parábola dessa curta e contingente vida terrena.

*

PROFESSOR DE LITERATURA GERAL E COMPARADA NA UNICAMP

Em suas Confissões, Santo Agostinho criticava o teatro por despertar as paixões na alma do espectador. A compaixão do público pelo sofrimento da personagem produziria efeitos semelhantes ao de alguns fármacos que causam dependência. Narrando seu processo de conversão, ele indicava que a vida religiosa e a arte do espetáculo (circos, teatros e anfiteatros) seriam conflitantes. O prazer dramático, além de excitar as emoções, poderia se tornar compulsivo ou um vício, distanciando a pessoa da verdade espiritual.

A crítica de Agostinho permitiria, por contraste, entender a crença atual nos benefícios sociais do espetáculo. Na visão cristã, o pecado, ruptura da criatura com o criador, explicaria sua consequência: o sofrimento e a maldade. Recuperar aquela unidade primordial exigiria da humanidade um longo périplo pelo vale de lágrimas. Sofrimento e compaixão eram vivenciados na alma de cada fiel e não apenas na contemplação do padecimento alheio. Mas todas essas metáforas tornaram-se vazias. São fósseis linguísticos que sobrevivem como fantasmas em nossa imaginação. Pelo menos é o que nos fez crer o espetáculo de abertura da Olimpíada de Paris. Em um mundo que reduziu a religião a um fenômeno da “cultura”, tornando-a uma “mercadoria” à disposição das preferências pessoais, as noções de pecado, alma e salvação são anacrônicas. Substituímos a história da salvação pela da exibição, e a ascese pela encenação.

A ética das sociedades ocidentais contemporâneas teve sua síntese na abertura dos Jogos Olímpicos. A beleza atlética foi sequestrada pelos imperativos da diversidade cultural. O princípio de emulação esportiva deu lugar à emancipação política. A narrativa dos organizadores do espetáculo e a cobertura dos comentaristas submergiram a presença epifânica dos movimentos corporais numa nova cartilha de educação moral e cívica. O esporte tornou-se um detalhe.

De todo modo, após a cerimônia e seu rosário de boas intenções, iniciaram-se as competições, como sempre marcadas por risos, lágrimas, quebras de recordes, bons e maus perdedores, momentos de glória e de excelência atlética. A comemoração do surfista Gabriel Medina, após realizar uma manobra quase perfeita, seu “voo” com o braço apontado para cima e a prancha simétrica ao corpo captam com mais energia nossa atenção do que o esforço da cerimônia em sua pregação cívica. Os jabs, cruzados e a dança da boxeadora Bia Ferreira, ao ser proclamada vencedora em sua primeira luta, são a celebração de uma disciplina corporal, mais do que a subversão das relações do poder patriarcal.

A excelência coreográfica de Medina e os golpes implacáveis de Ferreira são resíduos de uma possível transcendência, em oposição a uma horizontalidade mundana, marcada por niilismo e pela crença no poder performático da linguagem. Tal crença estimula o comentário excessivo, que suplanta o próprio acontecimento esportivo e sequestra a graça do movimento corporal em proveito da comunicação hiperinflacionada. Pouco valor semântico é agregado às práticas esportivas quando isso ocorre. Diante da grandeza e da beleza dos gestos, todo discurso se torna excessivo.

A foto de Medina, capturada pelo francês Jerome Brouillet, nos faz olhar para a substância do evento esportivo: a graça do corpo em movimento. O instante imóvel da imagem detém, por alguns momentos, o excesso de palavras. Cultiva a esperança e o silêncio ao invés da euforia e do ruído. O instantâneo fotográfico liberta a beleza atlética do cativeiro dos discursos bem-intencionados. A tensão entre instante (a imagem fotográfica) e duração (o discurso sobre o evento) pode ser pensada a partir de uma célebre passagem do livro IV das Confissões de Agostinho.

Segundo ele, as coisas, “no exato momento em que nascem e começam a existir, quanto mais rapidamente crescem para o ser, tanto mais correm para o não ser”. Tal condição lhes foi imposta por Deus, por serem elas partes daquilo que não existe simultaneamente. “São coisas que, desaparecendo e sucedendo-se umas às outras, compõem o universo.” Um exemplo disso seria a fala, através de sinais sonoros. “E o discurso não seria completo, se cada palavra, depois de pronunciada, não morresse para deixar lugar a outra.”

A sucessão de instantes compõe a duração de uma vida. Mas todos os instantes se equivalem? Para Agostinho, a vida que escoa inexoravelmente só pode ser detida e transformada pelo instante da graça. Haveria algum paralelo entre esse instante e o da beleza atlética? A dimensão da fé, como aposta na transcendência, seria vivência da presença divina no aqui e agora da existência, assim como o atleta, em seu jogo, faz do movimento corporal a encarnação de sua crença na vitória. Em ambas as apostas (religião e esporte), a transcendência é presença real e não mais a repetição interminável de um ciclo biológico. Perder ou ganhar seria apenas parábola dessa curta e contingente vida terrena.

*

PROFESSOR DE LITERATURA GERAL E COMPARADA NA UNICAMP

Opinião por Marcos Lopes

Professor de Literatura Geral e Comparada na Unicamp

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.