Opinião|Supremo semipresidencialismo


Os tribunais supremos servem à República, não à democracia. Quem serve à democracia são os políticos eleitos pelo povo. Distinção é necessária para o funcionamento equilibrado do poder

Por Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.

As relações de poder são dinâmicas e mutáveis às circunstâncias; não há roteiro prévio e milimetricamente determinado; aquilo que pertenceu ao ontem pode apenas ser o pó do amanhã. A busca humana por certeza e previsibilidade, não raro, no teatro da vida, é brindada por eventos aleatórios, imprevisíveis e de impacto extraordinário. São os tais planos perfeitos com inúmeros resultados inesperados. Sim, o viver não é uma ciência exata. A matemática faz o cálculo, mas os acontecimentos correm caminhos sinuosos. Há variáveis ocultas, enredos desconhecidos, lógicas latentes. O olho humano bem que tenta centrar o foco sem conseguir captar a imagem; ao tentar ampliar os sentidos, certos sons são imperceptíveis à audição. O pensamento vai longe, mas compreendemos pouco. E, mesmo assim, há aqueles que ainda pensam dominar totalmente o jogo, fazendo o poder rir de tamanha ingenuidade juvenil.

Deixando o texto e indo ao contexto, é indubitável existir uma nova conformação de poder nas Repúblicas contemporâneas. Objetivamente, as cortes constitucionais – abandonando tradicional posição de clausura e retaguarda institucional – estão a assumir progressivo protagonismo republicano, invadindo aspectos de decisão coletiva até então exclusiva das forças políticas genuínas, a saber, Legislativo e Executivo. O fenômeno, frisa-se, não é exclusividade brasileira. Vejam, por exemplo, a Suprema Corte americana, que nos próximos meses decidirá se Donald Trump poderá ou não concorrer à Casa Branca, sob a alegação de suposta participação na inédita invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2021.

O caso, por sua força didática, merece luz. Em que pese juridicamente inexistirem elementos probatórios inquestionáveis sobre a eventual participação direta do ex-presidente Donald Trump, levanta-se na sociedade americana enérgica narrativa política de grupos ligados ao Partido Democrata visando a atacar politicamente Trump e, assim, enfraquecê-lo no páreo presidencial. Como se vê, estamos diante de um embate político, entre forças da política e que deveria ser politicamente resolvido. Todavia, a questão restou embrulhada em discutível tese judicial e foi levada à jurisdição da Suprema Corte. Ou seja, uma questão materialmente política foi transmutada em jurídica porque um dos lados políticos, diante do temor de perder a eleição, busca todos os caminhos (possíveis e impossíveis) para tentar fazer valer sua pretensão de poder.

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Tal tipo de expediente casuísta acaba por provocar, indevidamente, a corte constitucional a julgar matérias que refogem a sua competência natural. Ora, os tribunais supremos não podem tudo. Seus juízes não são deuses, mas homens e mulheres com limitações que lhes são próprias, além daquelas decorrentes do sistema de repartição dos poderes públicos. Aliás, traduz erro pensar que os males da política serão resolvidos por boas decisões judiciais. Isso porque – por melhor que seja a intenção do julgador – os fundos e complexos problemas da política extravasam em muito as possibilidades e limitações da via judicial. A técnica jurídica – a justa aplicação da lei – é elemento complementar, e não substitutivo à política.

Em letra jurídica fundamental, a sabedoria superior de Gustavo Zagrebelsky bem pontuou que “a justiça constitucional é uma função republicana”. Portanto, os tribunais supremos servem à República, e não à democracia. Quem serve à democracia são os políticos eleitos pelo povo.

A distinção pode soar sutil a alguns, mas absolutamente necessária para o funcionamento equilibrado do poder. Assim como deputados e senadores não podem lavrar sentenças, a corte constitucional não pode legislar nem executar políticas públicas que desbordam de sua competência. É hora, portanto, de refrear ímpetos exorbitantes. O problema é que o poder fascina e seu canto atraente faz marinheiros, inclusive experimentados, perderem o leme. Não precisamos chegar aos rochedos. Ainda há tempo para correções de rumo.

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Por tudo, o corrente supremo semipresidencialismo é uma anomalia institucional que, ao longo da curva, somente trará desgastes evitáveis, banalizando o papel de reserva da alta jurisdição constitucional. É lição antiga que boa política não se faz com improvisações nem paliativos casuístas. Se não temos lideranças democráticas modelares e capazes, temos de endereçar o problema de frente, corrigindo suas causas estruturais. Aliás, não basta apenas ficar criticando a política, os políticos e os partidos. Democracia é vida vivida. É participação diária e efetiva nas lides do poder. Mas será que realmente queremos viver numa democracia autêntica? Ou será o conforto ilusório de um desmando que ainda não nos atinge diretamente – embora prejudique muitos –, refúgio tranquilo para pueris indignações retóricas?

Entre dúvidas, o jogo está aberto. Novos players se apresentam. Novos arranjos de poder são esboçados. Ainda não há hegemonia global, pois os próprios núcleos nacionais passam por instabilidade sistêmica. Com inteligência, o Brasil, por sua estratégica posição continental, poderia ser um dos pivôs da geopolítica em gestação. Mas não. Seguimos atolados em modelos vencidos, discussões tacanhas e assuntos paroquiais. Ou será que o progresso chegará numa Ação Direta de Inconstitucionalidade?

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ADVOGADO, É CONSELHEIRO DO INSTITUTO MILLENIUM

As relações de poder são dinâmicas e mutáveis às circunstâncias; não há roteiro prévio e milimetricamente determinado; aquilo que pertenceu ao ontem pode apenas ser o pó do amanhã. A busca humana por certeza e previsibilidade, não raro, no teatro da vida, é brindada por eventos aleatórios, imprevisíveis e de impacto extraordinário. São os tais planos perfeitos com inúmeros resultados inesperados. Sim, o viver não é uma ciência exata. A matemática faz o cálculo, mas os acontecimentos correm caminhos sinuosos. Há variáveis ocultas, enredos desconhecidos, lógicas latentes. O olho humano bem que tenta centrar o foco sem conseguir captar a imagem; ao tentar ampliar os sentidos, certos sons são imperceptíveis à audição. O pensamento vai longe, mas compreendemos pouco. E, mesmo assim, há aqueles que ainda pensam dominar totalmente o jogo, fazendo o poder rir de tamanha ingenuidade juvenil.

Deixando o texto e indo ao contexto, é indubitável existir uma nova conformação de poder nas Repúblicas contemporâneas. Objetivamente, as cortes constitucionais – abandonando tradicional posição de clausura e retaguarda institucional – estão a assumir progressivo protagonismo republicano, invadindo aspectos de decisão coletiva até então exclusiva das forças políticas genuínas, a saber, Legislativo e Executivo. O fenômeno, frisa-se, não é exclusividade brasileira. Vejam, por exemplo, a Suprema Corte americana, que nos próximos meses decidirá se Donald Trump poderá ou não concorrer à Casa Branca, sob a alegação de suposta participação na inédita invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2021.

O caso, por sua força didática, merece luz. Em que pese juridicamente inexistirem elementos probatórios inquestionáveis sobre a eventual participação direta do ex-presidente Donald Trump, levanta-se na sociedade americana enérgica narrativa política de grupos ligados ao Partido Democrata visando a atacar politicamente Trump e, assim, enfraquecê-lo no páreo presidencial. Como se vê, estamos diante de um embate político, entre forças da política e que deveria ser politicamente resolvido. Todavia, a questão restou embrulhada em discutível tese judicial e foi levada à jurisdição da Suprema Corte. Ou seja, uma questão materialmente política foi transmutada em jurídica porque um dos lados políticos, diante do temor de perder a eleição, busca todos os caminhos (possíveis e impossíveis) para tentar fazer valer sua pretensão de poder.

Tal tipo de expediente casuísta acaba por provocar, indevidamente, a corte constitucional a julgar matérias que refogem a sua competência natural. Ora, os tribunais supremos não podem tudo. Seus juízes não são deuses, mas homens e mulheres com limitações que lhes são próprias, além daquelas decorrentes do sistema de repartição dos poderes públicos. Aliás, traduz erro pensar que os males da política serão resolvidos por boas decisões judiciais. Isso porque – por melhor que seja a intenção do julgador – os fundos e complexos problemas da política extravasam em muito as possibilidades e limitações da via judicial. A técnica jurídica – a justa aplicação da lei – é elemento complementar, e não substitutivo à política.

Em letra jurídica fundamental, a sabedoria superior de Gustavo Zagrebelsky bem pontuou que “a justiça constitucional é uma função republicana”. Portanto, os tribunais supremos servem à República, e não à democracia. Quem serve à democracia são os políticos eleitos pelo povo.

A distinção pode soar sutil a alguns, mas absolutamente necessária para o funcionamento equilibrado do poder. Assim como deputados e senadores não podem lavrar sentenças, a corte constitucional não pode legislar nem executar políticas públicas que desbordam de sua competência. É hora, portanto, de refrear ímpetos exorbitantes. O problema é que o poder fascina e seu canto atraente faz marinheiros, inclusive experimentados, perderem o leme. Não precisamos chegar aos rochedos. Ainda há tempo para correções de rumo.

Por tudo, o corrente supremo semipresidencialismo é uma anomalia institucional que, ao longo da curva, somente trará desgastes evitáveis, banalizando o papel de reserva da alta jurisdição constitucional. É lição antiga que boa política não se faz com improvisações nem paliativos casuístas. Se não temos lideranças democráticas modelares e capazes, temos de endereçar o problema de frente, corrigindo suas causas estruturais. Aliás, não basta apenas ficar criticando a política, os políticos e os partidos. Democracia é vida vivida. É participação diária e efetiva nas lides do poder. Mas será que realmente queremos viver numa democracia autêntica? Ou será o conforto ilusório de um desmando que ainda não nos atinge diretamente – embora prejudique muitos –, refúgio tranquilo para pueris indignações retóricas?

Entre dúvidas, o jogo está aberto. Novos players se apresentam. Novos arranjos de poder são esboçados. Ainda não há hegemonia global, pois os próprios núcleos nacionais passam por instabilidade sistêmica. Com inteligência, o Brasil, por sua estratégica posição continental, poderia ser um dos pivôs da geopolítica em gestação. Mas não. Seguimos atolados em modelos vencidos, discussões tacanhas e assuntos paroquiais. Ou será que o progresso chegará numa Ação Direta de Inconstitucionalidade?

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ADVOGADO, É CONSELHEIRO DO INSTITUTO MILLENIUM

As relações de poder são dinâmicas e mutáveis às circunstâncias; não há roteiro prévio e milimetricamente determinado; aquilo que pertenceu ao ontem pode apenas ser o pó do amanhã. A busca humana por certeza e previsibilidade, não raro, no teatro da vida, é brindada por eventos aleatórios, imprevisíveis e de impacto extraordinário. São os tais planos perfeitos com inúmeros resultados inesperados. Sim, o viver não é uma ciência exata. A matemática faz o cálculo, mas os acontecimentos correm caminhos sinuosos. Há variáveis ocultas, enredos desconhecidos, lógicas latentes. O olho humano bem que tenta centrar o foco sem conseguir captar a imagem; ao tentar ampliar os sentidos, certos sons são imperceptíveis à audição. O pensamento vai longe, mas compreendemos pouco. E, mesmo assim, há aqueles que ainda pensam dominar totalmente o jogo, fazendo o poder rir de tamanha ingenuidade juvenil.

Deixando o texto e indo ao contexto, é indubitável existir uma nova conformação de poder nas Repúblicas contemporâneas. Objetivamente, as cortes constitucionais – abandonando tradicional posição de clausura e retaguarda institucional – estão a assumir progressivo protagonismo republicano, invadindo aspectos de decisão coletiva até então exclusiva das forças políticas genuínas, a saber, Legislativo e Executivo. O fenômeno, frisa-se, não é exclusividade brasileira. Vejam, por exemplo, a Suprema Corte americana, que nos próximos meses decidirá se Donald Trump poderá ou não concorrer à Casa Branca, sob a alegação de suposta participação na inédita invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2021.

O caso, por sua força didática, merece luz. Em que pese juridicamente inexistirem elementos probatórios inquestionáveis sobre a eventual participação direta do ex-presidente Donald Trump, levanta-se na sociedade americana enérgica narrativa política de grupos ligados ao Partido Democrata visando a atacar politicamente Trump e, assim, enfraquecê-lo no páreo presidencial. Como se vê, estamos diante de um embate político, entre forças da política e que deveria ser politicamente resolvido. Todavia, a questão restou embrulhada em discutível tese judicial e foi levada à jurisdição da Suprema Corte. Ou seja, uma questão materialmente política foi transmutada em jurídica porque um dos lados políticos, diante do temor de perder a eleição, busca todos os caminhos (possíveis e impossíveis) para tentar fazer valer sua pretensão de poder.

Tal tipo de expediente casuísta acaba por provocar, indevidamente, a corte constitucional a julgar matérias que refogem a sua competência natural. Ora, os tribunais supremos não podem tudo. Seus juízes não são deuses, mas homens e mulheres com limitações que lhes são próprias, além daquelas decorrentes do sistema de repartição dos poderes públicos. Aliás, traduz erro pensar que os males da política serão resolvidos por boas decisões judiciais. Isso porque – por melhor que seja a intenção do julgador – os fundos e complexos problemas da política extravasam em muito as possibilidades e limitações da via judicial. A técnica jurídica – a justa aplicação da lei – é elemento complementar, e não substitutivo à política.

Em letra jurídica fundamental, a sabedoria superior de Gustavo Zagrebelsky bem pontuou que “a justiça constitucional é uma função republicana”. Portanto, os tribunais supremos servem à República, e não à democracia. Quem serve à democracia são os políticos eleitos pelo povo.

A distinção pode soar sutil a alguns, mas absolutamente necessária para o funcionamento equilibrado do poder. Assim como deputados e senadores não podem lavrar sentenças, a corte constitucional não pode legislar nem executar políticas públicas que desbordam de sua competência. É hora, portanto, de refrear ímpetos exorbitantes. O problema é que o poder fascina e seu canto atraente faz marinheiros, inclusive experimentados, perderem o leme. Não precisamos chegar aos rochedos. Ainda há tempo para correções de rumo.

Por tudo, o corrente supremo semipresidencialismo é uma anomalia institucional que, ao longo da curva, somente trará desgastes evitáveis, banalizando o papel de reserva da alta jurisdição constitucional. É lição antiga que boa política não se faz com improvisações nem paliativos casuístas. Se não temos lideranças democráticas modelares e capazes, temos de endereçar o problema de frente, corrigindo suas causas estruturais. Aliás, não basta apenas ficar criticando a política, os políticos e os partidos. Democracia é vida vivida. É participação diária e efetiva nas lides do poder. Mas será que realmente queremos viver numa democracia autêntica? Ou será o conforto ilusório de um desmando que ainda não nos atinge diretamente – embora prejudique muitos –, refúgio tranquilo para pueris indignações retóricas?

Entre dúvidas, o jogo está aberto. Novos players se apresentam. Novos arranjos de poder são esboçados. Ainda não há hegemonia global, pois os próprios núcleos nacionais passam por instabilidade sistêmica. Com inteligência, o Brasil, por sua estratégica posição continental, poderia ser um dos pivôs da geopolítica em gestação. Mas não. Seguimos atolados em modelos vencidos, discussões tacanhas e assuntos paroquiais. Ou será que o progresso chegará numa Ação Direta de Inconstitucionalidade?

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As relações de poder são dinâmicas e mutáveis às circunstâncias; não há roteiro prévio e milimetricamente determinado; aquilo que pertenceu ao ontem pode apenas ser o pó do amanhã. A busca humana por certeza e previsibilidade, não raro, no teatro da vida, é brindada por eventos aleatórios, imprevisíveis e de impacto extraordinário. São os tais planos perfeitos com inúmeros resultados inesperados. Sim, o viver não é uma ciência exata. A matemática faz o cálculo, mas os acontecimentos correm caminhos sinuosos. Há variáveis ocultas, enredos desconhecidos, lógicas latentes. O olho humano bem que tenta centrar o foco sem conseguir captar a imagem; ao tentar ampliar os sentidos, certos sons são imperceptíveis à audição. O pensamento vai longe, mas compreendemos pouco. E, mesmo assim, há aqueles que ainda pensam dominar totalmente o jogo, fazendo o poder rir de tamanha ingenuidade juvenil.

Deixando o texto e indo ao contexto, é indubitável existir uma nova conformação de poder nas Repúblicas contemporâneas. Objetivamente, as cortes constitucionais – abandonando tradicional posição de clausura e retaguarda institucional – estão a assumir progressivo protagonismo republicano, invadindo aspectos de decisão coletiva até então exclusiva das forças políticas genuínas, a saber, Legislativo e Executivo. O fenômeno, frisa-se, não é exclusividade brasileira. Vejam, por exemplo, a Suprema Corte americana, que nos próximos meses decidirá se Donald Trump poderá ou não concorrer à Casa Branca, sob a alegação de suposta participação na inédita invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2021.

O caso, por sua força didática, merece luz. Em que pese juridicamente inexistirem elementos probatórios inquestionáveis sobre a eventual participação direta do ex-presidente Donald Trump, levanta-se na sociedade americana enérgica narrativa política de grupos ligados ao Partido Democrata visando a atacar politicamente Trump e, assim, enfraquecê-lo no páreo presidencial. Como se vê, estamos diante de um embate político, entre forças da política e que deveria ser politicamente resolvido. Todavia, a questão restou embrulhada em discutível tese judicial e foi levada à jurisdição da Suprema Corte. Ou seja, uma questão materialmente política foi transmutada em jurídica porque um dos lados políticos, diante do temor de perder a eleição, busca todos os caminhos (possíveis e impossíveis) para tentar fazer valer sua pretensão de poder.

Tal tipo de expediente casuísta acaba por provocar, indevidamente, a corte constitucional a julgar matérias que refogem a sua competência natural. Ora, os tribunais supremos não podem tudo. Seus juízes não são deuses, mas homens e mulheres com limitações que lhes são próprias, além daquelas decorrentes do sistema de repartição dos poderes públicos. Aliás, traduz erro pensar que os males da política serão resolvidos por boas decisões judiciais. Isso porque – por melhor que seja a intenção do julgador – os fundos e complexos problemas da política extravasam em muito as possibilidades e limitações da via judicial. A técnica jurídica – a justa aplicação da lei – é elemento complementar, e não substitutivo à política.

Em letra jurídica fundamental, a sabedoria superior de Gustavo Zagrebelsky bem pontuou que “a justiça constitucional é uma função republicana”. Portanto, os tribunais supremos servem à República, e não à democracia. Quem serve à democracia são os políticos eleitos pelo povo.

A distinção pode soar sutil a alguns, mas absolutamente necessária para o funcionamento equilibrado do poder. Assim como deputados e senadores não podem lavrar sentenças, a corte constitucional não pode legislar nem executar políticas públicas que desbordam de sua competência. É hora, portanto, de refrear ímpetos exorbitantes. O problema é que o poder fascina e seu canto atraente faz marinheiros, inclusive experimentados, perderem o leme. Não precisamos chegar aos rochedos. Ainda há tempo para correções de rumo.

Por tudo, o corrente supremo semipresidencialismo é uma anomalia institucional que, ao longo da curva, somente trará desgastes evitáveis, banalizando o papel de reserva da alta jurisdição constitucional. É lição antiga que boa política não se faz com improvisações nem paliativos casuístas. Se não temos lideranças democráticas modelares e capazes, temos de endereçar o problema de frente, corrigindo suas causas estruturais. Aliás, não basta apenas ficar criticando a política, os políticos e os partidos. Democracia é vida vivida. É participação diária e efetiva nas lides do poder. Mas será que realmente queremos viver numa democracia autêntica? Ou será o conforto ilusório de um desmando que ainda não nos atinge diretamente – embora prejudique muitos –, refúgio tranquilo para pueris indignações retóricas?

Entre dúvidas, o jogo está aberto. Novos players se apresentam. Novos arranjos de poder são esboçados. Ainda não há hegemonia global, pois os próprios núcleos nacionais passam por instabilidade sistêmica. Com inteligência, o Brasil, por sua estratégica posição continental, poderia ser um dos pivôs da geopolítica em gestação. Mas não. Seguimos atolados em modelos vencidos, discussões tacanhas e assuntos paroquiais. Ou será que o progresso chegará numa Ação Direta de Inconstitucionalidade?

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