No dia 6 de novembro Donald Trump foi anunciado o próximo presidente dos Estados Unidos. Num processo eleitoral marcado pelo endurecimento do discurso do isolamento dos Estados Unidos e por tensões sociais, é necessário refletir sobre a fórmula que Trump aplicará nos próximos quatro anos e seus possíveis efeitos.
O mundo passou por grandes transformações desde 2020, quando ocorreram as últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos, e há um cenário de profundas complexidades a ser enfrentado. Quando Trump ainda era o inquilino do Salão Oval, o maior problema de segurança internacional enfrentado pelo país era a presença do Estado Islâmico e sua potencial ameaça internacional. Trump se orgulha de afirmar que não começou nenhuma guerra e, apesar de haver escalado retórica de conflitos com a China sobre o Mar do Sul, não buscou investir recursos dos Estados Unidos em aumentar o potencial militar em zonas potencialmente conflituosas.
A política de privilegiar os temas nacionais será posta à prova pela realidade do momento: a guerra na Ucrânia e os ataques militares de Israel na Palestina e no Líbano dividem a comunidade internacional e demandam posicionamento dos Estados Unidos. A ajuda militar estadunidense e mesmo o posicionamento contundente do presidente são elementos que podem contribuir para a escalada dos conflitos.
O mundo também enxerga uma tendência maior ao regionalismo e o abandono das estruturas de interdependência. Os embargos promovidos pelo Ocidente à Rússia levaram o país a negociar com mecanismos de troca alternativos ao dólar, bem como a buscar alternativas logísticas para voos e transporte marítimo.
A mais recente cúpula dos Brics, que ocorreu em Kazan, na Rússia, em outubro, teve como objeto central a criação de um mecanismo de troca entre os países membros do bloco. A política externa de Trump, que durante seu primeiro mandato privilegiou o isolamento e a não-interferência como medidas de austeridade, pode acentuar um mundo onde estruturas que criavam a necessidade de comunicação e cooperação entre Estados diminuem.
Buscar isolamento também pode aprofundar uma tendência à degradação de mecanismos internacionais que hoje fortalecem os Estados Unidos, como a estrutura de regulamentação de comércio, o direito marítimo e o uso do dólar como mecanismo de trocas. Neste cenário desafiador, é importante ressaltar que a presença de Susie Wiles como chefe de Gabinete na Casa Branca e de Elise Stefanik como embaixadora para as Nações Unidas pode ser o indicativo de que Trump apostará em agendas domésticas e internacionais mais tradicionais.
Trump terá mais desafios que em seu primeiro mandato, pois os bancos centrais de todo o mundo, inclusive o Federal Reserve (o Fed, banco central dos Estados Unidos), ainda lutam contra as pressões inflacionárias dos últimos anos e vêm praticando taxas de juros bem mais elevadas do que sete anos atrás.
Soma-se a isso o fato de que diversos países, entre eles os Estados Unidos, saíram da pandemia com déficits fiscais e dívidas maiores, o que pode impor restrições para políticas fiscais mais expansionistas e ter implicações sobre a política monetária, demandando juros mais elevados no médio e no longo prazos.
As propostas de aumento das barreiras comerciais sinalizadas por Trump em sua campanha, como o aumento das tarifas de importação em até 20% para todos os países e de 60% para a China, devem resultar em alta dos custos para as empresas e preços mais elevados para os consumidores, dificultando o processo de desinflação que está em curso na economia norte-americana.
O aumento na entrada de imigrantes nos Estados Unidos foi responsável por expandir a oferta de mão de obra e conter uma alta nos valores de salários. As medidas mais rígidas prometidas em campanha contra a imigração podem afetar o mercado de trabalho e produzir inflação no médio prazo.
Esse cenário econômico pode colocar limites ao ciclo de queda das taxas de juros pelo Fed, trazendo mais um componente de incerteza para a política monetária e os mercados globais, principalmente se houver uma pressão de Trump sobre a institucionalidade do banco central para justificar resultados econômicos aquém do esperado.
Donald Trump recebeu mais de 70% dos votos daqueles que acreditam ser necessária uma mudança na condução da economia. Ainda que haja dúvidas se ele seguirá à risca a mesma fórmula utilizada no mandato passado, suas promessas de campanha podem trazer de volta o fantasma da inflação que tanto prejudicou a popularidade de Biden/Harris e uma taxa de juros mais elevada nos próximos anos.
Portanto, os novos desafios econômicos que o republicano poderá enfrentar, aliados a uma perda de influência dos Estados Unidos e de seus mecanismos de ação externa – notoriamente o dólar –, podem gerar potenciais ameaças a uma condução estável do republicano na Casa Branca.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ECONOMISTA, BACHAREL EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS (UNESP) E MESTRE EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FEA-RP/USP); E ANALISTA POLÍTICO, DOUTORANDO NO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA USP (IRI-USP). E-MAILS: RAFAELLO_29@HOTMAIL.COM / JOAOBR@USP.BR