Opinião|Turquia no Brics: por que o Ocidente está nervoso com essa ideia?


Possível adesão ao bloco representa não apenas o desejo de alianças diversificadas, mas também a busca por um papel mais proeminente no emergente mundo multipolar

Por José Ricardo Martins

O desejo da Turquia de se juntar ao Brics surge por diversas razões, principalmente pelas enraizadas em suas ambições geopolíticas. A Turquia está frustrada com a estagnação de seu pedido de adesão à União Europeia (UE), que pouco avançou nas últimas décadas. Além disso, o país busca diversificar suas alianças, reduzir sua dependência do Ocidente e fortalecer laços com potências emergentes como China, Rússia e Índia.

Esse pedido de afiliação está alinhado com os objetivos de uma política externa independente, especialmente após relações tensas com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e fricções contínuas com aliados ocidentais que a Turquia sofre por causa de seu envolvimento com a Rússia.

A longa espera da Turquia para entrar na União Europeia, iniciada nos anos 1960, tem sido justificada pela UE por suas preocupações políticas, econômicas e de direitos humanos, além de tensões geopolíticas, particularmente envolvendo o Chipre. A resposta da UE à tentativa da Turquia de se juntar ao Brics foi protocolar, mas apontando possíveis futuras contradições: “Esperamos que todos os países candidatos à UE apoiem firmemente e de maneira inequívoca os valores da UE, respeitem as obrigações derivadas de acordos comerciais relevantes e se alinhem com a Política Comum de Segurança e Defesa da UE”.

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A candidatura da Turquia à UE está paralisada, sendo o país colocado no fim da lista de prioridades do bloco, atrás dos candidatos dos Balcãs, além de Moldávia e Ucrânia, levando o país a buscar outras parcerias econômicas e geopolíticas. O Brics surgiu, assim, como uma escolha natural para a Turquia.

Além disso, os recentes esforços da Turquia para estreitar relações com o Ocidente, a fim de garantir apoio financeiro para seus problemas econômicos, foram recebidos com exigências ocidentais de reduzir seus laços econômicos com a Rússia.

Ao se juntar ao Brics, que representa 40% da população global e 28% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, a Turquia pode colher benefícios em diferentes esferas, como diversificação econômica, financiamento alternativo e influência geopolítica.

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A investida da Turquia para se juntar ao Brics apresenta oportunidades substanciais de diversificação econômica, uma vantagem crítica, pois o país terá acesso privilegiado a mercados globais mais dinâmicos. Os membros do Brics estão estrategicamente localizados: na América do Sul, África, Oriente Médio, Leste Europeu e Ásia.

Um dos principais benefícios da possível adesão da Turquia ao Brics está nas instituições financeiras do grupo, particularmente o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Essa instituição pode fornecer opções de financiamento alternativas para os ambiciosos projetos de infraestrutura e desenvolvimento da Turquia, como nos setores de transporte e energia, mitigando suas dificuldades econômicas atuais. Isso aliviaria parte da dependência turca dos sistemas financeiros ocidentais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que muitas vezes é visto como politicamente restritivo.

Como membro do Brics, a Turquia pode se engajar nos esforços contínuos do bloco para reduzir a dependência ao dólar americano, alinhando-se com as discussões sobre a desdolarização. Isso oferecerá à Turquia novas alternativas financeiras, mecanismos de pagamento e comércio, aumentando sua soberania econômica e, potencialmente, protegendo-a de futuras sanções ocidentais.

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No contexto de sanções, fornecedores ocidentais estão atualmente causando problemas na conclusão da usina nuclear da Turquia, construída pela russa Rosatom, já que o governo alemão está impedindo a Siemens de entregar os equipamentos necessários. Esse problema está sendo resolvido com suprimentos da China.

Finalmente, como membro do Brics, a Turquia pode exercer mais influência nas estruturas de governança global e se alinhar com nações que defendem um mundo mais multipolar, o que está de acordo com os objetivos de política externa de Recep Tayyip Erdogan.

Por sua vez, o Brics também pode colher benefícios ao ter a Turquia como membro. Menciono apenas três razões. (i) Localização estratégica: a posição geográfica da Turquia como ponte entre a Europa e a Ásia aumentaria a influência do Brics na Europa, no Norte da África e no Oriente Médio. Vale destacar que, como capital do Império Romano do Oriente e, posteriormente, do Império Otomano, Istambul foi considerada o ponto de encontro do mundo (ou seja, o centro do mundo) por mais de mil anos; (ii) impulso econômico: a economia da Turquia, uma das maiores da região, adicionará peso ao Brics tanto em termos de PIB quanto de poder regional; e (iii) cooperação sul-sul: a Turquia, com sua diplomacia soberana e ousada, fortalecerá a cooperação intra-Brics, contribuindo para uma ordem global mais equilibrada, menos dependente das potências ocidentais.

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A UE e os Estados Unidos estão inquietos com a possível mudança da Turquia em direção ao Brics. Tanto a UE quanto os EUA temem que o envolvimento da Turquia com o bloco sinalize uma guinada em relação às alianças ocidentais tradicionais, especialmente a Otan, o que poderia enfraquecer sua influência na região.

A UE está particularmente decepcionada pelo câmbio de prioridades de adesão da Turquia, pois nenhum país rejeita uma possível adesão à UE, embora Erdogan não tenha afirmado que deseja retirar a candidatura de seu país. Contudo, localmente pude perceber que os turcos de Istambul em sua maioria desejam que seu país retire sua candidatura, pois se sentem preteridos e o sentimento nacional e de sua grandeza histórica não aceita tal humilhação por parte da UE. Esta, ademais, preocupa-se com o futuro de suas parcerias com a Turquia de controle de refugiados e migrantes.

Os EUA veem o alinhamento da Turquia com o Brics como um desafio à coesão da Otan, especialmente porque a Rússia, um membro-chave do Brics, está em conflito direto com os interesses ocidentais. Os laços crescentes da Turquia com a Rússia, através de iniciativas como a compra do sistema russo antimíssil S-400, já tensionaram seu relacionamento com a Otan e geraram atritos com os EUA em termos de cooperação de defesa.

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Para a Otan, a aproximação da Turquia com o Brics pode causar divisões internas adicionais. Os membros da organização podem questionar a lealdade da Turquia à aliança, especialmente porque membros do Brics, como a Rússia e a China, são vistos como adversários dos objetivos estratégicos da Otan, e todos os esforços estão sendo redirecionados para conter a China no Indo-Pacífico e em relação a Taiwan. Isso pode potencialmente minar o papel da Turquia dentro da aliança, levando a uma cooperação reduzida ou até mesmo alienando a Turquia de iniciativas de defesa críticas.

A Turquia também pode enfrentar inconvenientes econômicos e políticos vindos do Ocidente. Os EUA e a UE poderiam impor sanções ou limitar acordos de defesa e comércio, o que teria repercussões econômicas significativas para a Turquia. Além disso, Ancara poderia se isolar diplomaticamente das potências ocidentais, perdendo influência em questões regionais importantes, como a Síria, o Mediterrâneo e as relações com o Oriente Médio em geral. O tradicional equilíbrio de Ancara entre o Oriente e o Ocidente pode, em última instância, levar a relações tensas tanto com o Ocidente quanto, potencialmente, com o Oriente.

De qualquer forma, a inclusão da Turquia no Brics refletirá uma mudança mais ampla em direção a uma ordem mundial multipolar, em que as economias emergentes buscam contrabalançar o domínio ocidental. Os EUA estão preocupados com esse alinhamento, pois o Brics tem sido crítico em relação à hegemonia financeira ocidental, particularmente o domínio do dólar americano. A adesão da Turquia fortalecerá o peso geopolítico do Brics, desafiando a ordem mundial atual dominada pelo Ocidente.

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A candidatura da Turquia para se juntar ao Brics, portanto, representa uma mudança estratégica no tabuleiro geopolítico mundial, acima de tudo porque a Turquia é membro da Otan e possui uma localização estratégica, incluindo o controle ao acesso ao Mar Negro.

A vontade de ser membro do Brics sinaliza a ambição da Turquia de desempenhar um papel mais influente em um mundo multipolar. Esse movimento pode redefinir sua posição dentro da Otan, complicar as relações com a UE e elevar seu status dentro das estruturas de governança global. Para o Brics, a adesão da Turquia solidificaria sua crescente influência, enquanto o Ocidente, especialmente a Otan e os EUA, enfrentaria ainda maiores desafios para manter a Turquia totalmente alinhada aos interesses ocidentais.

Na visão de Erdogan, ao alinhar-se com o Brics, a Turquia visa a fortalecer os laços econômicos com mercados emergentes de rápido crescimento e ganhar maior influência no cenário global. Erdogan vê o bloco como um possível contrapeso ao domínio ocidental nos assuntos internacionais, particularmente em termos de instituições financeiras e políticas. A adesão da Turquia ao Brics traria benefícios econômicos ao país, como o aumento das oportunidades de comércio e investimento com os países do bloco, além do acesso a novas estruturas financeiras, como o Novo Banco de Desenvolvimento, que poderia ajudar a aliviar alguns dos atuais desafios econômicos do país.

Essa possível adesão ao Brics representa não apenas o desejo de alianças diversificadas, mas também a busca por um papel mais proeminente no emergente mundo multipolar, ao mesmo tempo em que Erdogan testa os limites de sua capacidade de equilíbrio entre dois sistemas-mundos.

*

DOUTOR EM SOCIOLOGIA, É ESPECIALIZADO EM POLÍTICA EUROPEIA, GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O desejo da Turquia de se juntar ao Brics surge por diversas razões, principalmente pelas enraizadas em suas ambições geopolíticas. A Turquia está frustrada com a estagnação de seu pedido de adesão à União Europeia (UE), que pouco avançou nas últimas décadas. Além disso, o país busca diversificar suas alianças, reduzir sua dependência do Ocidente e fortalecer laços com potências emergentes como China, Rússia e Índia.

Esse pedido de afiliação está alinhado com os objetivos de uma política externa independente, especialmente após relações tensas com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e fricções contínuas com aliados ocidentais que a Turquia sofre por causa de seu envolvimento com a Rússia.

A longa espera da Turquia para entrar na União Europeia, iniciada nos anos 1960, tem sido justificada pela UE por suas preocupações políticas, econômicas e de direitos humanos, além de tensões geopolíticas, particularmente envolvendo o Chipre. A resposta da UE à tentativa da Turquia de se juntar ao Brics foi protocolar, mas apontando possíveis futuras contradições: “Esperamos que todos os países candidatos à UE apoiem firmemente e de maneira inequívoca os valores da UE, respeitem as obrigações derivadas de acordos comerciais relevantes e se alinhem com a Política Comum de Segurança e Defesa da UE”.

A candidatura da Turquia à UE está paralisada, sendo o país colocado no fim da lista de prioridades do bloco, atrás dos candidatos dos Balcãs, além de Moldávia e Ucrânia, levando o país a buscar outras parcerias econômicas e geopolíticas. O Brics surgiu, assim, como uma escolha natural para a Turquia.

Além disso, os recentes esforços da Turquia para estreitar relações com o Ocidente, a fim de garantir apoio financeiro para seus problemas econômicos, foram recebidos com exigências ocidentais de reduzir seus laços econômicos com a Rússia.

Ao se juntar ao Brics, que representa 40% da população global e 28% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, a Turquia pode colher benefícios em diferentes esferas, como diversificação econômica, financiamento alternativo e influência geopolítica.

A investida da Turquia para se juntar ao Brics apresenta oportunidades substanciais de diversificação econômica, uma vantagem crítica, pois o país terá acesso privilegiado a mercados globais mais dinâmicos. Os membros do Brics estão estrategicamente localizados: na América do Sul, África, Oriente Médio, Leste Europeu e Ásia.

Um dos principais benefícios da possível adesão da Turquia ao Brics está nas instituições financeiras do grupo, particularmente o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Essa instituição pode fornecer opções de financiamento alternativas para os ambiciosos projetos de infraestrutura e desenvolvimento da Turquia, como nos setores de transporte e energia, mitigando suas dificuldades econômicas atuais. Isso aliviaria parte da dependência turca dos sistemas financeiros ocidentais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que muitas vezes é visto como politicamente restritivo.

Como membro do Brics, a Turquia pode se engajar nos esforços contínuos do bloco para reduzir a dependência ao dólar americano, alinhando-se com as discussões sobre a desdolarização. Isso oferecerá à Turquia novas alternativas financeiras, mecanismos de pagamento e comércio, aumentando sua soberania econômica e, potencialmente, protegendo-a de futuras sanções ocidentais.

No contexto de sanções, fornecedores ocidentais estão atualmente causando problemas na conclusão da usina nuclear da Turquia, construída pela russa Rosatom, já que o governo alemão está impedindo a Siemens de entregar os equipamentos necessários. Esse problema está sendo resolvido com suprimentos da China.

Finalmente, como membro do Brics, a Turquia pode exercer mais influência nas estruturas de governança global e se alinhar com nações que defendem um mundo mais multipolar, o que está de acordo com os objetivos de política externa de Recep Tayyip Erdogan.

Por sua vez, o Brics também pode colher benefícios ao ter a Turquia como membro. Menciono apenas três razões. (i) Localização estratégica: a posição geográfica da Turquia como ponte entre a Europa e a Ásia aumentaria a influência do Brics na Europa, no Norte da África e no Oriente Médio. Vale destacar que, como capital do Império Romano do Oriente e, posteriormente, do Império Otomano, Istambul foi considerada o ponto de encontro do mundo (ou seja, o centro do mundo) por mais de mil anos; (ii) impulso econômico: a economia da Turquia, uma das maiores da região, adicionará peso ao Brics tanto em termos de PIB quanto de poder regional; e (iii) cooperação sul-sul: a Turquia, com sua diplomacia soberana e ousada, fortalecerá a cooperação intra-Brics, contribuindo para uma ordem global mais equilibrada, menos dependente das potências ocidentais.

A UE e os Estados Unidos estão inquietos com a possível mudança da Turquia em direção ao Brics. Tanto a UE quanto os EUA temem que o envolvimento da Turquia com o bloco sinalize uma guinada em relação às alianças ocidentais tradicionais, especialmente a Otan, o que poderia enfraquecer sua influência na região.

A UE está particularmente decepcionada pelo câmbio de prioridades de adesão da Turquia, pois nenhum país rejeita uma possível adesão à UE, embora Erdogan não tenha afirmado que deseja retirar a candidatura de seu país. Contudo, localmente pude perceber que os turcos de Istambul em sua maioria desejam que seu país retire sua candidatura, pois se sentem preteridos e o sentimento nacional e de sua grandeza histórica não aceita tal humilhação por parte da UE. Esta, ademais, preocupa-se com o futuro de suas parcerias com a Turquia de controle de refugiados e migrantes.

Os EUA veem o alinhamento da Turquia com o Brics como um desafio à coesão da Otan, especialmente porque a Rússia, um membro-chave do Brics, está em conflito direto com os interesses ocidentais. Os laços crescentes da Turquia com a Rússia, através de iniciativas como a compra do sistema russo antimíssil S-400, já tensionaram seu relacionamento com a Otan e geraram atritos com os EUA em termos de cooperação de defesa.

Para a Otan, a aproximação da Turquia com o Brics pode causar divisões internas adicionais. Os membros da organização podem questionar a lealdade da Turquia à aliança, especialmente porque membros do Brics, como a Rússia e a China, são vistos como adversários dos objetivos estratégicos da Otan, e todos os esforços estão sendo redirecionados para conter a China no Indo-Pacífico e em relação a Taiwan. Isso pode potencialmente minar o papel da Turquia dentro da aliança, levando a uma cooperação reduzida ou até mesmo alienando a Turquia de iniciativas de defesa críticas.

A Turquia também pode enfrentar inconvenientes econômicos e políticos vindos do Ocidente. Os EUA e a UE poderiam impor sanções ou limitar acordos de defesa e comércio, o que teria repercussões econômicas significativas para a Turquia. Além disso, Ancara poderia se isolar diplomaticamente das potências ocidentais, perdendo influência em questões regionais importantes, como a Síria, o Mediterrâneo e as relações com o Oriente Médio em geral. O tradicional equilíbrio de Ancara entre o Oriente e o Ocidente pode, em última instância, levar a relações tensas tanto com o Ocidente quanto, potencialmente, com o Oriente.

De qualquer forma, a inclusão da Turquia no Brics refletirá uma mudança mais ampla em direção a uma ordem mundial multipolar, em que as economias emergentes buscam contrabalançar o domínio ocidental. Os EUA estão preocupados com esse alinhamento, pois o Brics tem sido crítico em relação à hegemonia financeira ocidental, particularmente o domínio do dólar americano. A adesão da Turquia fortalecerá o peso geopolítico do Brics, desafiando a ordem mundial atual dominada pelo Ocidente.

A candidatura da Turquia para se juntar ao Brics, portanto, representa uma mudança estratégica no tabuleiro geopolítico mundial, acima de tudo porque a Turquia é membro da Otan e possui uma localização estratégica, incluindo o controle ao acesso ao Mar Negro.

A vontade de ser membro do Brics sinaliza a ambição da Turquia de desempenhar um papel mais influente em um mundo multipolar. Esse movimento pode redefinir sua posição dentro da Otan, complicar as relações com a UE e elevar seu status dentro das estruturas de governança global. Para o Brics, a adesão da Turquia solidificaria sua crescente influência, enquanto o Ocidente, especialmente a Otan e os EUA, enfrentaria ainda maiores desafios para manter a Turquia totalmente alinhada aos interesses ocidentais.

Na visão de Erdogan, ao alinhar-se com o Brics, a Turquia visa a fortalecer os laços econômicos com mercados emergentes de rápido crescimento e ganhar maior influência no cenário global. Erdogan vê o bloco como um possível contrapeso ao domínio ocidental nos assuntos internacionais, particularmente em termos de instituições financeiras e políticas. A adesão da Turquia ao Brics traria benefícios econômicos ao país, como o aumento das oportunidades de comércio e investimento com os países do bloco, além do acesso a novas estruturas financeiras, como o Novo Banco de Desenvolvimento, que poderia ajudar a aliviar alguns dos atuais desafios econômicos do país.

Essa possível adesão ao Brics representa não apenas o desejo de alianças diversificadas, mas também a busca por um papel mais proeminente no emergente mundo multipolar, ao mesmo tempo em que Erdogan testa os limites de sua capacidade de equilíbrio entre dois sistemas-mundos.

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DOUTOR EM SOCIOLOGIA, É ESPECIALIZADO EM POLÍTICA EUROPEIA, GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O desejo da Turquia de se juntar ao Brics surge por diversas razões, principalmente pelas enraizadas em suas ambições geopolíticas. A Turquia está frustrada com a estagnação de seu pedido de adesão à União Europeia (UE), que pouco avançou nas últimas décadas. Além disso, o país busca diversificar suas alianças, reduzir sua dependência do Ocidente e fortalecer laços com potências emergentes como China, Rússia e Índia.

Esse pedido de afiliação está alinhado com os objetivos de uma política externa independente, especialmente após relações tensas com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e fricções contínuas com aliados ocidentais que a Turquia sofre por causa de seu envolvimento com a Rússia.

A longa espera da Turquia para entrar na União Europeia, iniciada nos anos 1960, tem sido justificada pela UE por suas preocupações políticas, econômicas e de direitos humanos, além de tensões geopolíticas, particularmente envolvendo o Chipre. A resposta da UE à tentativa da Turquia de se juntar ao Brics foi protocolar, mas apontando possíveis futuras contradições: “Esperamos que todos os países candidatos à UE apoiem firmemente e de maneira inequívoca os valores da UE, respeitem as obrigações derivadas de acordos comerciais relevantes e se alinhem com a Política Comum de Segurança e Defesa da UE”.

A candidatura da Turquia à UE está paralisada, sendo o país colocado no fim da lista de prioridades do bloco, atrás dos candidatos dos Balcãs, além de Moldávia e Ucrânia, levando o país a buscar outras parcerias econômicas e geopolíticas. O Brics surgiu, assim, como uma escolha natural para a Turquia.

Além disso, os recentes esforços da Turquia para estreitar relações com o Ocidente, a fim de garantir apoio financeiro para seus problemas econômicos, foram recebidos com exigências ocidentais de reduzir seus laços econômicos com a Rússia.

Ao se juntar ao Brics, que representa 40% da população global e 28% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, a Turquia pode colher benefícios em diferentes esferas, como diversificação econômica, financiamento alternativo e influência geopolítica.

A investida da Turquia para se juntar ao Brics apresenta oportunidades substanciais de diversificação econômica, uma vantagem crítica, pois o país terá acesso privilegiado a mercados globais mais dinâmicos. Os membros do Brics estão estrategicamente localizados: na América do Sul, África, Oriente Médio, Leste Europeu e Ásia.

Um dos principais benefícios da possível adesão da Turquia ao Brics está nas instituições financeiras do grupo, particularmente o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Essa instituição pode fornecer opções de financiamento alternativas para os ambiciosos projetos de infraestrutura e desenvolvimento da Turquia, como nos setores de transporte e energia, mitigando suas dificuldades econômicas atuais. Isso aliviaria parte da dependência turca dos sistemas financeiros ocidentais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que muitas vezes é visto como politicamente restritivo.

Como membro do Brics, a Turquia pode se engajar nos esforços contínuos do bloco para reduzir a dependência ao dólar americano, alinhando-se com as discussões sobre a desdolarização. Isso oferecerá à Turquia novas alternativas financeiras, mecanismos de pagamento e comércio, aumentando sua soberania econômica e, potencialmente, protegendo-a de futuras sanções ocidentais.

No contexto de sanções, fornecedores ocidentais estão atualmente causando problemas na conclusão da usina nuclear da Turquia, construída pela russa Rosatom, já que o governo alemão está impedindo a Siemens de entregar os equipamentos necessários. Esse problema está sendo resolvido com suprimentos da China.

Finalmente, como membro do Brics, a Turquia pode exercer mais influência nas estruturas de governança global e se alinhar com nações que defendem um mundo mais multipolar, o que está de acordo com os objetivos de política externa de Recep Tayyip Erdogan.

Por sua vez, o Brics também pode colher benefícios ao ter a Turquia como membro. Menciono apenas três razões. (i) Localização estratégica: a posição geográfica da Turquia como ponte entre a Europa e a Ásia aumentaria a influência do Brics na Europa, no Norte da África e no Oriente Médio. Vale destacar que, como capital do Império Romano do Oriente e, posteriormente, do Império Otomano, Istambul foi considerada o ponto de encontro do mundo (ou seja, o centro do mundo) por mais de mil anos; (ii) impulso econômico: a economia da Turquia, uma das maiores da região, adicionará peso ao Brics tanto em termos de PIB quanto de poder regional; e (iii) cooperação sul-sul: a Turquia, com sua diplomacia soberana e ousada, fortalecerá a cooperação intra-Brics, contribuindo para uma ordem global mais equilibrada, menos dependente das potências ocidentais.

A UE e os Estados Unidos estão inquietos com a possível mudança da Turquia em direção ao Brics. Tanto a UE quanto os EUA temem que o envolvimento da Turquia com o bloco sinalize uma guinada em relação às alianças ocidentais tradicionais, especialmente a Otan, o que poderia enfraquecer sua influência na região.

A UE está particularmente decepcionada pelo câmbio de prioridades de adesão da Turquia, pois nenhum país rejeita uma possível adesão à UE, embora Erdogan não tenha afirmado que deseja retirar a candidatura de seu país. Contudo, localmente pude perceber que os turcos de Istambul em sua maioria desejam que seu país retire sua candidatura, pois se sentem preteridos e o sentimento nacional e de sua grandeza histórica não aceita tal humilhação por parte da UE. Esta, ademais, preocupa-se com o futuro de suas parcerias com a Turquia de controle de refugiados e migrantes.

Os EUA veem o alinhamento da Turquia com o Brics como um desafio à coesão da Otan, especialmente porque a Rússia, um membro-chave do Brics, está em conflito direto com os interesses ocidentais. Os laços crescentes da Turquia com a Rússia, através de iniciativas como a compra do sistema russo antimíssil S-400, já tensionaram seu relacionamento com a Otan e geraram atritos com os EUA em termos de cooperação de defesa.

Para a Otan, a aproximação da Turquia com o Brics pode causar divisões internas adicionais. Os membros da organização podem questionar a lealdade da Turquia à aliança, especialmente porque membros do Brics, como a Rússia e a China, são vistos como adversários dos objetivos estratégicos da Otan, e todos os esforços estão sendo redirecionados para conter a China no Indo-Pacífico e em relação a Taiwan. Isso pode potencialmente minar o papel da Turquia dentro da aliança, levando a uma cooperação reduzida ou até mesmo alienando a Turquia de iniciativas de defesa críticas.

A Turquia também pode enfrentar inconvenientes econômicos e políticos vindos do Ocidente. Os EUA e a UE poderiam impor sanções ou limitar acordos de defesa e comércio, o que teria repercussões econômicas significativas para a Turquia. Além disso, Ancara poderia se isolar diplomaticamente das potências ocidentais, perdendo influência em questões regionais importantes, como a Síria, o Mediterrâneo e as relações com o Oriente Médio em geral. O tradicional equilíbrio de Ancara entre o Oriente e o Ocidente pode, em última instância, levar a relações tensas tanto com o Ocidente quanto, potencialmente, com o Oriente.

De qualquer forma, a inclusão da Turquia no Brics refletirá uma mudança mais ampla em direção a uma ordem mundial multipolar, em que as economias emergentes buscam contrabalançar o domínio ocidental. Os EUA estão preocupados com esse alinhamento, pois o Brics tem sido crítico em relação à hegemonia financeira ocidental, particularmente o domínio do dólar americano. A adesão da Turquia fortalecerá o peso geopolítico do Brics, desafiando a ordem mundial atual dominada pelo Ocidente.

A candidatura da Turquia para se juntar ao Brics, portanto, representa uma mudança estratégica no tabuleiro geopolítico mundial, acima de tudo porque a Turquia é membro da Otan e possui uma localização estratégica, incluindo o controle ao acesso ao Mar Negro.

A vontade de ser membro do Brics sinaliza a ambição da Turquia de desempenhar um papel mais influente em um mundo multipolar. Esse movimento pode redefinir sua posição dentro da Otan, complicar as relações com a UE e elevar seu status dentro das estruturas de governança global. Para o Brics, a adesão da Turquia solidificaria sua crescente influência, enquanto o Ocidente, especialmente a Otan e os EUA, enfrentaria ainda maiores desafios para manter a Turquia totalmente alinhada aos interesses ocidentais.

Na visão de Erdogan, ao alinhar-se com o Brics, a Turquia visa a fortalecer os laços econômicos com mercados emergentes de rápido crescimento e ganhar maior influência no cenário global. Erdogan vê o bloco como um possível contrapeso ao domínio ocidental nos assuntos internacionais, particularmente em termos de instituições financeiras e políticas. A adesão da Turquia ao Brics traria benefícios econômicos ao país, como o aumento das oportunidades de comércio e investimento com os países do bloco, além do acesso a novas estruturas financeiras, como o Novo Banco de Desenvolvimento, que poderia ajudar a aliviar alguns dos atuais desafios econômicos do país.

Essa possível adesão ao Brics representa não apenas o desejo de alianças diversificadas, mas também a busca por um papel mais proeminente no emergente mundo multipolar, ao mesmo tempo em que Erdogan testa os limites de sua capacidade de equilíbrio entre dois sistemas-mundos.

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DOUTOR EM SOCIOLOGIA, É ESPECIALIZADO EM POLÍTICA EUROPEIA, GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O desejo da Turquia de se juntar ao Brics surge por diversas razões, principalmente pelas enraizadas em suas ambições geopolíticas. A Turquia está frustrada com a estagnação de seu pedido de adesão à União Europeia (UE), que pouco avançou nas últimas décadas. Além disso, o país busca diversificar suas alianças, reduzir sua dependência do Ocidente e fortalecer laços com potências emergentes como China, Rússia e Índia.

Esse pedido de afiliação está alinhado com os objetivos de uma política externa independente, especialmente após relações tensas com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e fricções contínuas com aliados ocidentais que a Turquia sofre por causa de seu envolvimento com a Rússia.

A longa espera da Turquia para entrar na União Europeia, iniciada nos anos 1960, tem sido justificada pela UE por suas preocupações políticas, econômicas e de direitos humanos, além de tensões geopolíticas, particularmente envolvendo o Chipre. A resposta da UE à tentativa da Turquia de se juntar ao Brics foi protocolar, mas apontando possíveis futuras contradições: “Esperamos que todos os países candidatos à UE apoiem firmemente e de maneira inequívoca os valores da UE, respeitem as obrigações derivadas de acordos comerciais relevantes e se alinhem com a Política Comum de Segurança e Defesa da UE”.

A candidatura da Turquia à UE está paralisada, sendo o país colocado no fim da lista de prioridades do bloco, atrás dos candidatos dos Balcãs, além de Moldávia e Ucrânia, levando o país a buscar outras parcerias econômicas e geopolíticas. O Brics surgiu, assim, como uma escolha natural para a Turquia.

Além disso, os recentes esforços da Turquia para estreitar relações com o Ocidente, a fim de garantir apoio financeiro para seus problemas econômicos, foram recebidos com exigências ocidentais de reduzir seus laços econômicos com a Rússia.

Ao se juntar ao Brics, que representa 40% da população global e 28% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, a Turquia pode colher benefícios em diferentes esferas, como diversificação econômica, financiamento alternativo e influência geopolítica.

A investida da Turquia para se juntar ao Brics apresenta oportunidades substanciais de diversificação econômica, uma vantagem crítica, pois o país terá acesso privilegiado a mercados globais mais dinâmicos. Os membros do Brics estão estrategicamente localizados: na América do Sul, África, Oriente Médio, Leste Europeu e Ásia.

Um dos principais benefícios da possível adesão da Turquia ao Brics está nas instituições financeiras do grupo, particularmente o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Essa instituição pode fornecer opções de financiamento alternativas para os ambiciosos projetos de infraestrutura e desenvolvimento da Turquia, como nos setores de transporte e energia, mitigando suas dificuldades econômicas atuais. Isso aliviaria parte da dependência turca dos sistemas financeiros ocidentais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que muitas vezes é visto como politicamente restritivo.

Como membro do Brics, a Turquia pode se engajar nos esforços contínuos do bloco para reduzir a dependência ao dólar americano, alinhando-se com as discussões sobre a desdolarização. Isso oferecerá à Turquia novas alternativas financeiras, mecanismos de pagamento e comércio, aumentando sua soberania econômica e, potencialmente, protegendo-a de futuras sanções ocidentais.

No contexto de sanções, fornecedores ocidentais estão atualmente causando problemas na conclusão da usina nuclear da Turquia, construída pela russa Rosatom, já que o governo alemão está impedindo a Siemens de entregar os equipamentos necessários. Esse problema está sendo resolvido com suprimentos da China.

Finalmente, como membro do Brics, a Turquia pode exercer mais influência nas estruturas de governança global e se alinhar com nações que defendem um mundo mais multipolar, o que está de acordo com os objetivos de política externa de Recep Tayyip Erdogan.

Por sua vez, o Brics também pode colher benefícios ao ter a Turquia como membro. Menciono apenas três razões. (i) Localização estratégica: a posição geográfica da Turquia como ponte entre a Europa e a Ásia aumentaria a influência do Brics na Europa, no Norte da África e no Oriente Médio. Vale destacar que, como capital do Império Romano do Oriente e, posteriormente, do Império Otomano, Istambul foi considerada o ponto de encontro do mundo (ou seja, o centro do mundo) por mais de mil anos; (ii) impulso econômico: a economia da Turquia, uma das maiores da região, adicionará peso ao Brics tanto em termos de PIB quanto de poder regional; e (iii) cooperação sul-sul: a Turquia, com sua diplomacia soberana e ousada, fortalecerá a cooperação intra-Brics, contribuindo para uma ordem global mais equilibrada, menos dependente das potências ocidentais.

A UE e os Estados Unidos estão inquietos com a possível mudança da Turquia em direção ao Brics. Tanto a UE quanto os EUA temem que o envolvimento da Turquia com o bloco sinalize uma guinada em relação às alianças ocidentais tradicionais, especialmente a Otan, o que poderia enfraquecer sua influência na região.

A UE está particularmente decepcionada pelo câmbio de prioridades de adesão da Turquia, pois nenhum país rejeita uma possível adesão à UE, embora Erdogan não tenha afirmado que deseja retirar a candidatura de seu país. Contudo, localmente pude perceber que os turcos de Istambul em sua maioria desejam que seu país retire sua candidatura, pois se sentem preteridos e o sentimento nacional e de sua grandeza histórica não aceita tal humilhação por parte da UE. Esta, ademais, preocupa-se com o futuro de suas parcerias com a Turquia de controle de refugiados e migrantes.

Os EUA veem o alinhamento da Turquia com o Brics como um desafio à coesão da Otan, especialmente porque a Rússia, um membro-chave do Brics, está em conflito direto com os interesses ocidentais. Os laços crescentes da Turquia com a Rússia, através de iniciativas como a compra do sistema russo antimíssil S-400, já tensionaram seu relacionamento com a Otan e geraram atritos com os EUA em termos de cooperação de defesa.

Para a Otan, a aproximação da Turquia com o Brics pode causar divisões internas adicionais. Os membros da organização podem questionar a lealdade da Turquia à aliança, especialmente porque membros do Brics, como a Rússia e a China, são vistos como adversários dos objetivos estratégicos da Otan, e todos os esforços estão sendo redirecionados para conter a China no Indo-Pacífico e em relação a Taiwan. Isso pode potencialmente minar o papel da Turquia dentro da aliança, levando a uma cooperação reduzida ou até mesmo alienando a Turquia de iniciativas de defesa críticas.

A Turquia também pode enfrentar inconvenientes econômicos e políticos vindos do Ocidente. Os EUA e a UE poderiam impor sanções ou limitar acordos de defesa e comércio, o que teria repercussões econômicas significativas para a Turquia. Além disso, Ancara poderia se isolar diplomaticamente das potências ocidentais, perdendo influência em questões regionais importantes, como a Síria, o Mediterrâneo e as relações com o Oriente Médio em geral. O tradicional equilíbrio de Ancara entre o Oriente e o Ocidente pode, em última instância, levar a relações tensas tanto com o Ocidente quanto, potencialmente, com o Oriente.

De qualquer forma, a inclusão da Turquia no Brics refletirá uma mudança mais ampla em direção a uma ordem mundial multipolar, em que as economias emergentes buscam contrabalançar o domínio ocidental. Os EUA estão preocupados com esse alinhamento, pois o Brics tem sido crítico em relação à hegemonia financeira ocidental, particularmente o domínio do dólar americano. A adesão da Turquia fortalecerá o peso geopolítico do Brics, desafiando a ordem mundial atual dominada pelo Ocidente.

A candidatura da Turquia para se juntar ao Brics, portanto, representa uma mudança estratégica no tabuleiro geopolítico mundial, acima de tudo porque a Turquia é membro da Otan e possui uma localização estratégica, incluindo o controle ao acesso ao Mar Negro.

A vontade de ser membro do Brics sinaliza a ambição da Turquia de desempenhar um papel mais influente em um mundo multipolar. Esse movimento pode redefinir sua posição dentro da Otan, complicar as relações com a UE e elevar seu status dentro das estruturas de governança global. Para o Brics, a adesão da Turquia solidificaria sua crescente influência, enquanto o Ocidente, especialmente a Otan e os EUA, enfrentaria ainda maiores desafios para manter a Turquia totalmente alinhada aos interesses ocidentais.

Na visão de Erdogan, ao alinhar-se com o Brics, a Turquia visa a fortalecer os laços econômicos com mercados emergentes de rápido crescimento e ganhar maior influência no cenário global. Erdogan vê o bloco como um possível contrapeso ao domínio ocidental nos assuntos internacionais, particularmente em termos de instituições financeiras e políticas. A adesão da Turquia ao Brics traria benefícios econômicos ao país, como o aumento das oportunidades de comércio e investimento com os países do bloco, além do acesso a novas estruturas financeiras, como o Novo Banco de Desenvolvimento, que poderia ajudar a aliviar alguns dos atuais desafios econômicos do país.

Essa possível adesão ao Brics representa não apenas o desejo de alianças diversificadas, mas também a busca por um papel mais proeminente no emergente mundo multipolar, ao mesmo tempo em que Erdogan testa os limites de sua capacidade de equilíbrio entre dois sistemas-mundos.

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DOUTOR EM SOCIOLOGIA, É ESPECIALIZADO EM POLÍTICA EUROPEIA, GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O desejo da Turquia de se juntar ao Brics surge por diversas razões, principalmente pelas enraizadas em suas ambições geopolíticas. A Turquia está frustrada com a estagnação de seu pedido de adesão à União Europeia (UE), que pouco avançou nas últimas décadas. Além disso, o país busca diversificar suas alianças, reduzir sua dependência do Ocidente e fortalecer laços com potências emergentes como China, Rússia e Índia.

Esse pedido de afiliação está alinhado com os objetivos de uma política externa independente, especialmente após relações tensas com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e fricções contínuas com aliados ocidentais que a Turquia sofre por causa de seu envolvimento com a Rússia.

A longa espera da Turquia para entrar na União Europeia, iniciada nos anos 1960, tem sido justificada pela UE por suas preocupações políticas, econômicas e de direitos humanos, além de tensões geopolíticas, particularmente envolvendo o Chipre. A resposta da UE à tentativa da Turquia de se juntar ao Brics foi protocolar, mas apontando possíveis futuras contradições: “Esperamos que todos os países candidatos à UE apoiem firmemente e de maneira inequívoca os valores da UE, respeitem as obrigações derivadas de acordos comerciais relevantes e se alinhem com a Política Comum de Segurança e Defesa da UE”.

A candidatura da Turquia à UE está paralisada, sendo o país colocado no fim da lista de prioridades do bloco, atrás dos candidatos dos Balcãs, além de Moldávia e Ucrânia, levando o país a buscar outras parcerias econômicas e geopolíticas. O Brics surgiu, assim, como uma escolha natural para a Turquia.

Além disso, os recentes esforços da Turquia para estreitar relações com o Ocidente, a fim de garantir apoio financeiro para seus problemas econômicos, foram recebidos com exigências ocidentais de reduzir seus laços econômicos com a Rússia.

Ao se juntar ao Brics, que representa 40% da população global e 28% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, a Turquia pode colher benefícios em diferentes esferas, como diversificação econômica, financiamento alternativo e influência geopolítica.

A investida da Turquia para se juntar ao Brics apresenta oportunidades substanciais de diversificação econômica, uma vantagem crítica, pois o país terá acesso privilegiado a mercados globais mais dinâmicos. Os membros do Brics estão estrategicamente localizados: na América do Sul, África, Oriente Médio, Leste Europeu e Ásia.

Um dos principais benefícios da possível adesão da Turquia ao Brics está nas instituições financeiras do grupo, particularmente o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Essa instituição pode fornecer opções de financiamento alternativas para os ambiciosos projetos de infraestrutura e desenvolvimento da Turquia, como nos setores de transporte e energia, mitigando suas dificuldades econômicas atuais. Isso aliviaria parte da dependência turca dos sistemas financeiros ocidentais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que muitas vezes é visto como politicamente restritivo.

Como membro do Brics, a Turquia pode se engajar nos esforços contínuos do bloco para reduzir a dependência ao dólar americano, alinhando-se com as discussões sobre a desdolarização. Isso oferecerá à Turquia novas alternativas financeiras, mecanismos de pagamento e comércio, aumentando sua soberania econômica e, potencialmente, protegendo-a de futuras sanções ocidentais.

No contexto de sanções, fornecedores ocidentais estão atualmente causando problemas na conclusão da usina nuclear da Turquia, construída pela russa Rosatom, já que o governo alemão está impedindo a Siemens de entregar os equipamentos necessários. Esse problema está sendo resolvido com suprimentos da China.

Finalmente, como membro do Brics, a Turquia pode exercer mais influência nas estruturas de governança global e se alinhar com nações que defendem um mundo mais multipolar, o que está de acordo com os objetivos de política externa de Recep Tayyip Erdogan.

Por sua vez, o Brics também pode colher benefícios ao ter a Turquia como membro. Menciono apenas três razões. (i) Localização estratégica: a posição geográfica da Turquia como ponte entre a Europa e a Ásia aumentaria a influência do Brics na Europa, no Norte da África e no Oriente Médio. Vale destacar que, como capital do Império Romano do Oriente e, posteriormente, do Império Otomano, Istambul foi considerada o ponto de encontro do mundo (ou seja, o centro do mundo) por mais de mil anos; (ii) impulso econômico: a economia da Turquia, uma das maiores da região, adicionará peso ao Brics tanto em termos de PIB quanto de poder regional; e (iii) cooperação sul-sul: a Turquia, com sua diplomacia soberana e ousada, fortalecerá a cooperação intra-Brics, contribuindo para uma ordem global mais equilibrada, menos dependente das potências ocidentais.

A UE e os Estados Unidos estão inquietos com a possível mudança da Turquia em direção ao Brics. Tanto a UE quanto os EUA temem que o envolvimento da Turquia com o bloco sinalize uma guinada em relação às alianças ocidentais tradicionais, especialmente a Otan, o que poderia enfraquecer sua influência na região.

A UE está particularmente decepcionada pelo câmbio de prioridades de adesão da Turquia, pois nenhum país rejeita uma possível adesão à UE, embora Erdogan não tenha afirmado que deseja retirar a candidatura de seu país. Contudo, localmente pude perceber que os turcos de Istambul em sua maioria desejam que seu país retire sua candidatura, pois se sentem preteridos e o sentimento nacional e de sua grandeza histórica não aceita tal humilhação por parte da UE. Esta, ademais, preocupa-se com o futuro de suas parcerias com a Turquia de controle de refugiados e migrantes.

Os EUA veem o alinhamento da Turquia com o Brics como um desafio à coesão da Otan, especialmente porque a Rússia, um membro-chave do Brics, está em conflito direto com os interesses ocidentais. Os laços crescentes da Turquia com a Rússia, através de iniciativas como a compra do sistema russo antimíssil S-400, já tensionaram seu relacionamento com a Otan e geraram atritos com os EUA em termos de cooperação de defesa.

Para a Otan, a aproximação da Turquia com o Brics pode causar divisões internas adicionais. Os membros da organização podem questionar a lealdade da Turquia à aliança, especialmente porque membros do Brics, como a Rússia e a China, são vistos como adversários dos objetivos estratégicos da Otan, e todos os esforços estão sendo redirecionados para conter a China no Indo-Pacífico e em relação a Taiwan. Isso pode potencialmente minar o papel da Turquia dentro da aliança, levando a uma cooperação reduzida ou até mesmo alienando a Turquia de iniciativas de defesa críticas.

A Turquia também pode enfrentar inconvenientes econômicos e políticos vindos do Ocidente. Os EUA e a UE poderiam impor sanções ou limitar acordos de defesa e comércio, o que teria repercussões econômicas significativas para a Turquia. Além disso, Ancara poderia se isolar diplomaticamente das potências ocidentais, perdendo influência em questões regionais importantes, como a Síria, o Mediterrâneo e as relações com o Oriente Médio em geral. O tradicional equilíbrio de Ancara entre o Oriente e o Ocidente pode, em última instância, levar a relações tensas tanto com o Ocidente quanto, potencialmente, com o Oriente.

De qualquer forma, a inclusão da Turquia no Brics refletirá uma mudança mais ampla em direção a uma ordem mundial multipolar, em que as economias emergentes buscam contrabalançar o domínio ocidental. Os EUA estão preocupados com esse alinhamento, pois o Brics tem sido crítico em relação à hegemonia financeira ocidental, particularmente o domínio do dólar americano. A adesão da Turquia fortalecerá o peso geopolítico do Brics, desafiando a ordem mundial atual dominada pelo Ocidente.

A candidatura da Turquia para se juntar ao Brics, portanto, representa uma mudança estratégica no tabuleiro geopolítico mundial, acima de tudo porque a Turquia é membro da Otan e possui uma localização estratégica, incluindo o controle ao acesso ao Mar Negro.

A vontade de ser membro do Brics sinaliza a ambição da Turquia de desempenhar um papel mais influente em um mundo multipolar. Esse movimento pode redefinir sua posição dentro da Otan, complicar as relações com a UE e elevar seu status dentro das estruturas de governança global. Para o Brics, a adesão da Turquia solidificaria sua crescente influência, enquanto o Ocidente, especialmente a Otan e os EUA, enfrentaria ainda maiores desafios para manter a Turquia totalmente alinhada aos interesses ocidentais.

Na visão de Erdogan, ao alinhar-se com o Brics, a Turquia visa a fortalecer os laços econômicos com mercados emergentes de rápido crescimento e ganhar maior influência no cenário global. Erdogan vê o bloco como um possível contrapeso ao domínio ocidental nos assuntos internacionais, particularmente em termos de instituições financeiras e políticas. A adesão da Turquia ao Brics traria benefícios econômicos ao país, como o aumento das oportunidades de comércio e investimento com os países do bloco, além do acesso a novas estruturas financeiras, como o Novo Banco de Desenvolvimento, que poderia ajudar a aliviar alguns dos atuais desafios econômicos do país.

Essa possível adesão ao Brics representa não apenas o desejo de alianças diversificadas, mas também a busca por um papel mais proeminente no emergente mundo multipolar, ao mesmo tempo em que Erdogan testa os limites de sua capacidade de equilíbrio entre dois sistemas-mundos.

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DOUTOR EM SOCIOLOGIA, É ESPECIALIZADO EM POLÍTICA EUROPEIA, GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Opinião por José Ricardo Martins

Doutor em Sociologia, é especializado em Política Europeia, Geopolítica e Relações Internacionais

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