Há alguns anos, ganha força no Brasil um debate sobre um suposto excesso de feriados, e sobre como esse inverídico número exagerado de folgas contribuiria para a baixa produtividade brasileira. De um modo geral, temos por aqui o mesmo número de feriados que a média global, 11. Além disso, como no Brasil os feriados são móveis, atravessamos quase todo o segundo semestre de 2024 sem a ocorrência de nenhuma data comemorativa em dia útil, a exceção sendo o mês de novembro, com as celebrações da Proclamação da República (que caiu em uma sexta-feira) e do Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quarta, que só neste ano passou a ser nacional.
Nos Estados Unidos, onde, com exceção do Dia da Independência e do Dia de Ação de Graças, datas festivas são sempre observadas às segundas-feiras, houve neste segundo semestre bem mais feriados que no Brasil. Como se sabe, os Estados Unidos seguem sendo a principal economia do mundo, com elevados índices de produtividade, muito mais relacionada à qualidade da educação e a treinamento adequado da força de trabalho que a número de folgas.
Culpar a observância de feriados no Brasil pela baixa produtividade do País, portanto, não faz nenhum sentido; é até provável que a ausência de feriados entre julho e outubro no País tenha diminuído a produtividade de alguma forma, já que sem descanso ou ócio, essenciais para restaurar as forças físicas e mentais, os trabalhadores perdem energia produtiva.
Mas se há, chamemos assim, “implicância” com feriados em geral, a antipatia com o 20 de Novembro, que até este ano era observado apenas em alguns Estados e finalmente passa a ser nacional, é maior. Para justificar a “insatisfação”, há desde o argumento “temos feriados demais” até questionamentos a Zumbi dos Palmares, fundador de um dos maiores quilombos da era colonial que morreu em um 20 de novembro como hoje. Zumbi não seria um anjo, logo um feriado em homenagem a ele não se justificaria. Bem, se o critério para a celebração de feriados for a ficha impecável dos homenageados, seria o caso de se cancelar quase todas as datas festivas, e não apenas no Brasil.
É curioso que o feriado americano equivalente ao Dia da Consciência Negra no Brasil, o Dia de Martin Luther King Jr., também tenha enfrentado forte resistência até ser adotado, primeiro local, e só muito mais tarde nacionalmente. As credenciais de King Jr., líder que ao contrário de seu contemporâneo Malcolm X sonhava com a convivência harmoniosa entre todos os homens, parecem justificar plenamente a adoção de um dia em celebração a ele.
Ainda assim, apesar de forte apoio popular, levou-se muito tempo para que a terceira segunda-feira do mês de janeiro viesse a se tornar o Martin Luther King Jr. Day. Embora o presidente Ronald Reagan tenha sancionado a lei que criou o feriado em homenagem a King Jr. em 1983, apenas nos anos 2000 a data foi adotada nacionalmente nos Estados Unidos. Como se vê, credenciais admiradas universalmente às vezes não são suficientes para justificar alguns feriados.
Mundo afora, celebram-se guerras sangrentas, eventos que efetivamente não ocorreram nas datas assinaladas nos calendários, heróis que são salvadores para alguns e vilões para outros e personagens históricos que foram pioneiros em alguma esfera, mas cujas vidas são marcadas por transgressões como a da maioria dos mortais.
Cancelar todas essas datas não traria nenhum efeito positivo ao mundo; ao contrário, tornaria a vida de todos mais cansativa e menos produtiva. Talvez, a quem desejar, seja o caso de refletir sobre o porquê de um determinado mártir ser honrado com um feriado, o motivo pelo qual guerras há muito encerradas justificam dias de festejos, qual a razão por trás de eventos históricos ocorridos em um determinado mês serem celebrados em outro totalmente diferente.
Não que isso seja necessário; se a maioria das pessoas seguir desfrutando de feriados sem atentar para a razão por trás da existência deles, a criação dessas datas de celebração seguirá mais que justificada. Que se descanse, festeje, passeie, celebre, reflita ou trabalhe, se assim se desejar, em dias de ócio pré-estabelecidos.
São plenamente justificáveis, e necessários também, os feriados regionais, tais quais o 2 de Julho na Bahia, o 9 de Julho em São Paulo e o 20 de Setembro no Rio Grande do Sul, entre tantos outros, pois essas datas são simbólicas e representativas da história desses Estados e de seus povos. Por todas essas razões, o estranho não é que agora se celebre o 20 de Novembro nacionalmente, mas que tenha se levado tanto tempo para que uma data que representa a maioria da população do País, seus valores e suas idiossincrasias tenha sido viabilizada.
Só pelo fato de ser contestado, o 20 de Novembro já se justifica plenamente. Tal qual outros feriados, o dia de hoje permite a quem quer descansar que descanse, a quem deseja se aprofundar na História a fazê-lo. Mas se alguma reflexão é mandatória, ela certamente cairia bem a quem “implica” em particular com o feriado de hoje.
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JORNALISTA