Opinião|Um gol contra a democracia


A fala de Lula, além de ofensa às vítimas do nazismo e de outros massacres ignorados pelo presidente, faz a extrema direita de Netanyahu e Bolsonaro esfregar as mãos

Por Daniel Douek e Jayme Brener

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, em 2022, à frente de um amplo arco de alianças, como um contraponto democrático à candidatura de Jair Bolsonaro, que insinuava a disposição de ruptura do Estado Democrático de Direito – ameaça que se confirmou com a tentativa de golpe de janeiro de 2023, felizmente frustrada pela ação da Justiça e a reação da sociedade civil.

Desde sempre, o presidente Lula defende uma presença mais marcante do Brasil no cenário internacional. No passado, com a tentativa de ingresso no Conselho de Segurança da ONU. E, neste mandato, apresentando-se como candidato e mediador em conflitos internacionais.

O problema é que esse papel demanda equilíbrio político, o mesmo que Lula vem demonstrando no cenário interno. Externamente, porém, o presidente aposta na polarização e não tem nenhum constrangimento de estabelecer alianças controversas, por vezes à custa da defesa dos direitos humanos, seja no caso da guerra entre Rússia e Ucrânia, seja na proximidade com ditadores sul-americanos.

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No caso do conflito entre Israel e o Hamas, Lula até demonstra equilíbrio em parte de seus posicionamentos, principalmente quando aponta para a criação de um Estado palestino ao lado do Estado de Israel, reafirmando a posição histórica do Brasil.

Entretanto, veio tarde e incompleta a condenação explícita ao ataque do Hamas que chacinou cerca de 1.200 pessoas no dia 7 de outubro, em Israel. Dirigentes de peso do PT, como a presidente Gleisi Hoffmann, apressaram-se a condenar o “sionismo”, esquecendo-se de que o termo se aplica à defesa de existência do Estado de Israel, e não especificamente ao colonialismo da extrema direita judaica. José Genoino foi mais longe e, num aparente ato falho, defendeu o boicote a negócios pertencentes a judeus.

Mas o maior tiro no pé foi a recente fala de Lula comparando o ataque de Israel ao Hamas à ação de Adolf Hitler, que exterminou 6 milhões de judeus, além de milhões de prisioneiros de guerra, pessoas com deficiência, LGBTQIAP+ e ciganos.

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A fala de Lula, além de uma ofensa às vítimas do nazismo e de tantos outros massacres ignorados pelo presidente, faz a extrema direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e de Jair Bolsonaro esfregar as mãos. Isso porque torpedeia o trabalho de centenas de milhares de israelenses (judeus e árabes) que, todos os dias, realizam manifestações pedindo o fim do governo de Benjamin Netanyahu. E iniciativas de grupos como o Omdim be Yahad (em hebraico, “Estamos Juntos”), composto por ativistas judeus e palestinos que defendem o fim imediato da destruição de Gaza, com a devolução dos mais de cem reféns israelenses sequestrados pelo Hamas e o início de negociações pela construção de um Estado palestino, o nó górdio do conflito.

“Isso é pior do que um crime, é um erro.” A frase, do estadista francês Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838), se referia a um assassinato político ordenado por Napoleão. Mas aplica-se perfeitamente à fala do presidente Lula. Trata-se de um monumental erro político.

Lula leva água ao moinho daqueles que tentam identificá-lo com regimes ditatoriais, como os de Putin, na Rússia; de Maduro, na Venezuela; ou dos aiatolás iranianos. A nota de agradecimento do Hamas funciona como VAR, legitimando o gol contra do presidente.

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Benjamin Netanyahu e seus aliados de extrema direita agradecem, porque sua permanência no poder depende de parte considerável da população israelense continuar sentindo-se cercada por inimigos, reais, como o Hamas, ou imaginários, como milhões de civis inocentes em Gaza, para negar a criação do Estado palestino.

A extrema direita brasileira também festeja o gol contra. Ele reforça a tentativa de sequestro da imagem de Israel e do judaísmo, em nome de “valores ocidentais”. Certamente, bandeiras de Israel estarão outra vez nas mãos de extremistas que prometem realizar um ato de desagravo a Bolsonaro, no próximo fim de semana.

Lamentam o gol contra centenas de milhares de brasileiros e brasileiras que apoiam a democracia contra as aventuras golpistas da extrema direita civil e militar, mas que querem uma política externa coerente, em defesa da democracia e dos direitos humanos como valores universais, não importa qual seja o regime. O autogol de Lula, portanto, pode ter até desdobramentos eleitorais no pleito municipal de outubro deste ano.

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Para recuperar a coerência, o governo Lula precisa romper com a lógica maniqueísta da guerra fria. É preciso escolher um terceiro lado, coerente com o que o governo propôs para a política interna do Brasil: o lado da paz.

Presidente Lula, é possível defender o fim do ataque a Gaza, a libertação dos reféns e a convivência entre o Estado de Israel e um Estado palestino. Para isso, basta ser solidário às vítimas inocentes: todas, não importa se muçulmanas, cristãs ou judias. Na hora da contagem dos cadáveres, não existem judeus ou muçulmanos. Existem famílias desfeitas, futuros destruídos, sonhos despedaçados, crianças, mulheres e idosos mortos. Sem cor, religião ou nacionalidade.

*

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, CIENTISTA SOCIAL, ASSESSOR ESPECIAL DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL (IBI); E JORNALISTA, ESCRITOR, AUTOR DE ‘HENRY SOBEL, O RABINO DO BRASIL’ (EX LIBRIS EDITORA)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, em 2022, à frente de um amplo arco de alianças, como um contraponto democrático à candidatura de Jair Bolsonaro, que insinuava a disposição de ruptura do Estado Democrático de Direito – ameaça que se confirmou com a tentativa de golpe de janeiro de 2023, felizmente frustrada pela ação da Justiça e a reação da sociedade civil.

Desde sempre, o presidente Lula defende uma presença mais marcante do Brasil no cenário internacional. No passado, com a tentativa de ingresso no Conselho de Segurança da ONU. E, neste mandato, apresentando-se como candidato e mediador em conflitos internacionais.

O problema é que esse papel demanda equilíbrio político, o mesmo que Lula vem demonstrando no cenário interno. Externamente, porém, o presidente aposta na polarização e não tem nenhum constrangimento de estabelecer alianças controversas, por vezes à custa da defesa dos direitos humanos, seja no caso da guerra entre Rússia e Ucrânia, seja na proximidade com ditadores sul-americanos.

No caso do conflito entre Israel e o Hamas, Lula até demonstra equilíbrio em parte de seus posicionamentos, principalmente quando aponta para a criação de um Estado palestino ao lado do Estado de Israel, reafirmando a posição histórica do Brasil.

Entretanto, veio tarde e incompleta a condenação explícita ao ataque do Hamas que chacinou cerca de 1.200 pessoas no dia 7 de outubro, em Israel. Dirigentes de peso do PT, como a presidente Gleisi Hoffmann, apressaram-se a condenar o “sionismo”, esquecendo-se de que o termo se aplica à defesa de existência do Estado de Israel, e não especificamente ao colonialismo da extrema direita judaica. José Genoino foi mais longe e, num aparente ato falho, defendeu o boicote a negócios pertencentes a judeus.

Mas o maior tiro no pé foi a recente fala de Lula comparando o ataque de Israel ao Hamas à ação de Adolf Hitler, que exterminou 6 milhões de judeus, além de milhões de prisioneiros de guerra, pessoas com deficiência, LGBTQIAP+ e ciganos.

A fala de Lula, além de uma ofensa às vítimas do nazismo e de tantos outros massacres ignorados pelo presidente, faz a extrema direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e de Jair Bolsonaro esfregar as mãos. Isso porque torpedeia o trabalho de centenas de milhares de israelenses (judeus e árabes) que, todos os dias, realizam manifestações pedindo o fim do governo de Benjamin Netanyahu. E iniciativas de grupos como o Omdim be Yahad (em hebraico, “Estamos Juntos”), composto por ativistas judeus e palestinos que defendem o fim imediato da destruição de Gaza, com a devolução dos mais de cem reféns israelenses sequestrados pelo Hamas e o início de negociações pela construção de um Estado palestino, o nó górdio do conflito.

“Isso é pior do que um crime, é um erro.” A frase, do estadista francês Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838), se referia a um assassinato político ordenado por Napoleão. Mas aplica-se perfeitamente à fala do presidente Lula. Trata-se de um monumental erro político.

Lula leva água ao moinho daqueles que tentam identificá-lo com regimes ditatoriais, como os de Putin, na Rússia; de Maduro, na Venezuela; ou dos aiatolás iranianos. A nota de agradecimento do Hamas funciona como VAR, legitimando o gol contra do presidente.

Benjamin Netanyahu e seus aliados de extrema direita agradecem, porque sua permanência no poder depende de parte considerável da população israelense continuar sentindo-se cercada por inimigos, reais, como o Hamas, ou imaginários, como milhões de civis inocentes em Gaza, para negar a criação do Estado palestino.

A extrema direita brasileira também festeja o gol contra. Ele reforça a tentativa de sequestro da imagem de Israel e do judaísmo, em nome de “valores ocidentais”. Certamente, bandeiras de Israel estarão outra vez nas mãos de extremistas que prometem realizar um ato de desagravo a Bolsonaro, no próximo fim de semana.

Lamentam o gol contra centenas de milhares de brasileiros e brasileiras que apoiam a democracia contra as aventuras golpistas da extrema direita civil e militar, mas que querem uma política externa coerente, em defesa da democracia e dos direitos humanos como valores universais, não importa qual seja o regime. O autogol de Lula, portanto, pode ter até desdobramentos eleitorais no pleito municipal de outubro deste ano.

Para recuperar a coerência, o governo Lula precisa romper com a lógica maniqueísta da guerra fria. É preciso escolher um terceiro lado, coerente com o que o governo propôs para a política interna do Brasil: o lado da paz.

Presidente Lula, é possível defender o fim do ataque a Gaza, a libertação dos reféns e a convivência entre o Estado de Israel e um Estado palestino. Para isso, basta ser solidário às vítimas inocentes: todas, não importa se muçulmanas, cristãs ou judias. Na hora da contagem dos cadáveres, não existem judeus ou muçulmanos. Existem famílias desfeitas, futuros destruídos, sonhos despedaçados, crianças, mulheres e idosos mortos. Sem cor, religião ou nacionalidade.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, CIENTISTA SOCIAL, ASSESSOR ESPECIAL DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL (IBI); E JORNALISTA, ESCRITOR, AUTOR DE ‘HENRY SOBEL, O RABINO DO BRASIL’ (EX LIBRIS EDITORA)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, em 2022, à frente de um amplo arco de alianças, como um contraponto democrático à candidatura de Jair Bolsonaro, que insinuava a disposição de ruptura do Estado Democrático de Direito – ameaça que se confirmou com a tentativa de golpe de janeiro de 2023, felizmente frustrada pela ação da Justiça e a reação da sociedade civil.

Desde sempre, o presidente Lula defende uma presença mais marcante do Brasil no cenário internacional. No passado, com a tentativa de ingresso no Conselho de Segurança da ONU. E, neste mandato, apresentando-se como candidato e mediador em conflitos internacionais.

O problema é que esse papel demanda equilíbrio político, o mesmo que Lula vem demonstrando no cenário interno. Externamente, porém, o presidente aposta na polarização e não tem nenhum constrangimento de estabelecer alianças controversas, por vezes à custa da defesa dos direitos humanos, seja no caso da guerra entre Rússia e Ucrânia, seja na proximidade com ditadores sul-americanos.

No caso do conflito entre Israel e o Hamas, Lula até demonstra equilíbrio em parte de seus posicionamentos, principalmente quando aponta para a criação de um Estado palestino ao lado do Estado de Israel, reafirmando a posição histórica do Brasil.

Entretanto, veio tarde e incompleta a condenação explícita ao ataque do Hamas que chacinou cerca de 1.200 pessoas no dia 7 de outubro, em Israel. Dirigentes de peso do PT, como a presidente Gleisi Hoffmann, apressaram-se a condenar o “sionismo”, esquecendo-se de que o termo se aplica à defesa de existência do Estado de Israel, e não especificamente ao colonialismo da extrema direita judaica. José Genoino foi mais longe e, num aparente ato falho, defendeu o boicote a negócios pertencentes a judeus.

Mas o maior tiro no pé foi a recente fala de Lula comparando o ataque de Israel ao Hamas à ação de Adolf Hitler, que exterminou 6 milhões de judeus, além de milhões de prisioneiros de guerra, pessoas com deficiência, LGBTQIAP+ e ciganos.

A fala de Lula, além de uma ofensa às vítimas do nazismo e de tantos outros massacres ignorados pelo presidente, faz a extrema direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e de Jair Bolsonaro esfregar as mãos. Isso porque torpedeia o trabalho de centenas de milhares de israelenses (judeus e árabes) que, todos os dias, realizam manifestações pedindo o fim do governo de Benjamin Netanyahu. E iniciativas de grupos como o Omdim be Yahad (em hebraico, “Estamos Juntos”), composto por ativistas judeus e palestinos que defendem o fim imediato da destruição de Gaza, com a devolução dos mais de cem reféns israelenses sequestrados pelo Hamas e o início de negociações pela construção de um Estado palestino, o nó górdio do conflito.

“Isso é pior do que um crime, é um erro.” A frase, do estadista francês Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838), se referia a um assassinato político ordenado por Napoleão. Mas aplica-se perfeitamente à fala do presidente Lula. Trata-se de um monumental erro político.

Lula leva água ao moinho daqueles que tentam identificá-lo com regimes ditatoriais, como os de Putin, na Rússia; de Maduro, na Venezuela; ou dos aiatolás iranianos. A nota de agradecimento do Hamas funciona como VAR, legitimando o gol contra do presidente.

Benjamin Netanyahu e seus aliados de extrema direita agradecem, porque sua permanência no poder depende de parte considerável da população israelense continuar sentindo-se cercada por inimigos, reais, como o Hamas, ou imaginários, como milhões de civis inocentes em Gaza, para negar a criação do Estado palestino.

A extrema direita brasileira também festeja o gol contra. Ele reforça a tentativa de sequestro da imagem de Israel e do judaísmo, em nome de “valores ocidentais”. Certamente, bandeiras de Israel estarão outra vez nas mãos de extremistas que prometem realizar um ato de desagravo a Bolsonaro, no próximo fim de semana.

Lamentam o gol contra centenas de milhares de brasileiros e brasileiras que apoiam a democracia contra as aventuras golpistas da extrema direita civil e militar, mas que querem uma política externa coerente, em defesa da democracia e dos direitos humanos como valores universais, não importa qual seja o regime. O autogol de Lula, portanto, pode ter até desdobramentos eleitorais no pleito municipal de outubro deste ano.

Para recuperar a coerência, o governo Lula precisa romper com a lógica maniqueísta da guerra fria. É preciso escolher um terceiro lado, coerente com o que o governo propôs para a política interna do Brasil: o lado da paz.

Presidente Lula, é possível defender o fim do ataque a Gaza, a libertação dos reféns e a convivência entre o Estado de Israel e um Estado palestino. Para isso, basta ser solidário às vítimas inocentes: todas, não importa se muçulmanas, cristãs ou judias. Na hora da contagem dos cadáveres, não existem judeus ou muçulmanos. Existem famílias desfeitas, futuros destruídos, sonhos despedaçados, crianças, mulheres e idosos mortos. Sem cor, religião ou nacionalidade.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, CIENTISTA SOCIAL, ASSESSOR ESPECIAL DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL (IBI); E JORNALISTA, ESCRITOR, AUTOR DE ‘HENRY SOBEL, O RABINO DO BRASIL’ (EX LIBRIS EDITORA)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, em 2022, à frente de um amplo arco de alianças, como um contraponto democrático à candidatura de Jair Bolsonaro, que insinuava a disposição de ruptura do Estado Democrático de Direito – ameaça que se confirmou com a tentativa de golpe de janeiro de 2023, felizmente frustrada pela ação da Justiça e a reação da sociedade civil.

Desde sempre, o presidente Lula defende uma presença mais marcante do Brasil no cenário internacional. No passado, com a tentativa de ingresso no Conselho de Segurança da ONU. E, neste mandato, apresentando-se como candidato e mediador em conflitos internacionais.

O problema é que esse papel demanda equilíbrio político, o mesmo que Lula vem demonstrando no cenário interno. Externamente, porém, o presidente aposta na polarização e não tem nenhum constrangimento de estabelecer alianças controversas, por vezes à custa da defesa dos direitos humanos, seja no caso da guerra entre Rússia e Ucrânia, seja na proximidade com ditadores sul-americanos.

No caso do conflito entre Israel e o Hamas, Lula até demonstra equilíbrio em parte de seus posicionamentos, principalmente quando aponta para a criação de um Estado palestino ao lado do Estado de Israel, reafirmando a posição histórica do Brasil.

Entretanto, veio tarde e incompleta a condenação explícita ao ataque do Hamas que chacinou cerca de 1.200 pessoas no dia 7 de outubro, em Israel. Dirigentes de peso do PT, como a presidente Gleisi Hoffmann, apressaram-se a condenar o “sionismo”, esquecendo-se de que o termo se aplica à defesa de existência do Estado de Israel, e não especificamente ao colonialismo da extrema direita judaica. José Genoino foi mais longe e, num aparente ato falho, defendeu o boicote a negócios pertencentes a judeus.

Mas o maior tiro no pé foi a recente fala de Lula comparando o ataque de Israel ao Hamas à ação de Adolf Hitler, que exterminou 6 milhões de judeus, além de milhões de prisioneiros de guerra, pessoas com deficiência, LGBTQIAP+ e ciganos.

A fala de Lula, além de uma ofensa às vítimas do nazismo e de tantos outros massacres ignorados pelo presidente, faz a extrema direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e de Jair Bolsonaro esfregar as mãos. Isso porque torpedeia o trabalho de centenas de milhares de israelenses (judeus e árabes) que, todos os dias, realizam manifestações pedindo o fim do governo de Benjamin Netanyahu. E iniciativas de grupos como o Omdim be Yahad (em hebraico, “Estamos Juntos”), composto por ativistas judeus e palestinos que defendem o fim imediato da destruição de Gaza, com a devolução dos mais de cem reféns israelenses sequestrados pelo Hamas e o início de negociações pela construção de um Estado palestino, o nó górdio do conflito.

“Isso é pior do que um crime, é um erro.” A frase, do estadista francês Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838), se referia a um assassinato político ordenado por Napoleão. Mas aplica-se perfeitamente à fala do presidente Lula. Trata-se de um monumental erro político.

Lula leva água ao moinho daqueles que tentam identificá-lo com regimes ditatoriais, como os de Putin, na Rússia; de Maduro, na Venezuela; ou dos aiatolás iranianos. A nota de agradecimento do Hamas funciona como VAR, legitimando o gol contra do presidente.

Benjamin Netanyahu e seus aliados de extrema direita agradecem, porque sua permanência no poder depende de parte considerável da população israelense continuar sentindo-se cercada por inimigos, reais, como o Hamas, ou imaginários, como milhões de civis inocentes em Gaza, para negar a criação do Estado palestino.

A extrema direita brasileira também festeja o gol contra. Ele reforça a tentativa de sequestro da imagem de Israel e do judaísmo, em nome de “valores ocidentais”. Certamente, bandeiras de Israel estarão outra vez nas mãos de extremistas que prometem realizar um ato de desagravo a Bolsonaro, no próximo fim de semana.

Lamentam o gol contra centenas de milhares de brasileiros e brasileiras que apoiam a democracia contra as aventuras golpistas da extrema direita civil e militar, mas que querem uma política externa coerente, em defesa da democracia e dos direitos humanos como valores universais, não importa qual seja o regime. O autogol de Lula, portanto, pode ter até desdobramentos eleitorais no pleito municipal de outubro deste ano.

Para recuperar a coerência, o governo Lula precisa romper com a lógica maniqueísta da guerra fria. É preciso escolher um terceiro lado, coerente com o que o governo propôs para a política interna do Brasil: o lado da paz.

Presidente Lula, é possível defender o fim do ataque a Gaza, a libertação dos reféns e a convivência entre o Estado de Israel e um Estado palestino. Para isso, basta ser solidário às vítimas inocentes: todas, não importa se muçulmanas, cristãs ou judias. Na hora da contagem dos cadáveres, não existem judeus ou muçulmanos. Existem famílias desfeitas, futuros destruídos, sonhos despedaçados, crianças, mulheres e idosos mortos. Sem cor, religião ou nacionalidade.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, CIENTISTA SOCIAL, ASSESSOR ESPECIAL DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL (IBI); E JORNALISTA, ESCRITOR, AUTOR DE ‘HENRY SOBEL, O RABINO DO BRASIL’ (EX LIBRIS EDITORA)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, em 2022, à frente de um amplo arco de alianças, como um contraponto democrático à candidatura de Jair Bolsonaro, que insinuava a disposição de ruptura do Estado Democrático de Direito – ameaça que se confirmou com a tentativa de golpe de janeiro de 2023, felizmente frustrada pela ação da Justiça e a reação da sociedade civil.

Desde sempre, o presidente Lula defende uma presença mais marcante do Brasil no cenário internacional. No passado, com a tentativa de ingresso no Conselho de Segurança da ONU. E, neste mandato, apresentando-se como candidato e mediador em conflitos internacionais.

O problema é que esse papel demanda equilíbrio político, o mesmo que Lula vem demonstrando no cenário interno. Externamente, porém, o presidente aposta na polarização e não tem nenhum constrangimento de estabelecer alianças controversas, por vezes à custa da defesa dos direitos humanos, seja no caso da guerra entre Rússia e Ucrânia, seja na proximidade com ditadores sul-americanos.

No caso do conflito entre Israel e o Hamas, Lula até demonstra equilíbrio em parte de seus posicionamentos, principalmente quando aponta para a criação de um Estado palestino ao lado do Estado de Israel, reafirmando a posição histórica do Brasil.

Entretanto, veio tarde e incompleta a condenação explícita ao ataque do Hamas que chacinou cerca de 1.200 pessoas no dia 7 de outubro, em Israel. Dirigentes de peso do PT, como a presidente Gleisi Hoffmann, apressaram-se a condenar o “sionismo”, esquecendo-se de que o termo se aplica à defesa de existência do Estado de Israel, e não especificamente ao colonialismo da extrema direita judaica. José Genoino foi mais longe e, num aparente ato falho, defendeu o boicote a negócios pertencentes a judeus.

Mas o maior tiro no pé foi a recente fala de Lula comparando o ataque de Israel ao Hamas à ação de Adolf Hitler, que exterminou 6 milhões de judeus, além de milhões de prisioneiros de guerra, pessoas com deficiência, LGBTQIAP+ e ciganos.

A fala de Lula, além de uma ofensa às vítimas do nazismo e de tantos outros massacres ignorados pelo presidente, faz a extrema direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e de Jair Bolsonaro esfregar as mãos. Isso porque torpedeia o trabalho de centenas de milhares de israelenses (judeus e árabes) que, todos os dias, realizam manifestações pedindo o fim do governo de Benjamin Netanyahu. E iniciativas de grupos como o Omdim be Yahad (em hebraico, “Estamos Juntos”), composto por ativistas judeus e palestinos que defendem o fim imediato da destruição de Gaza, com a devolução dos mais de cem reféns israelenses sequestrados pelo Hamas e o início de negociações pela construção de um Estado palestino, o nó górdio do conflito.

“Isso é pior do que um crime, é um erro.” A frase, do estadista francês Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838), se referia a um assassinato político ordenado por Napoleão. Mas aplica-se perfeitamente à fala do presidente Lula. Trata-se de um monumental erro político.

Lula leva água ao moinho daqueles que tentam identificá-lo com regimes ditatoriais, como os de Putin, na Rússia; de Maduro, na Venezuela; ou dos aiatolás iranianos. A nota de agradecimento do Hamas funciona como VAR, legitimando o gol contra do presidente.

Benjamin Netanyahu e seus aliados de extrema direita agradecem, porque sua permanência no poder depende de parte considerável da população israelense continuar sentindo-se cercada por inimigos, reais, como o Hamas, ou imaginários, como milhões de civis inocentes em Gaza, para negar a criação do Estado palestino.

A extrema direita brasileira também festeja o gol contra. Ele reforça a tentativa de sequestro da imagem de Israel e do judaísmo, em nome de “valores ocidentais”. Certamente, bandeiras de Israel estarão outra vez nas mãos de extremistas que prometem realizar um ato de desagravo a Bolsonaro, no próximo fim de semana.

Lamentam o gol contra centenas de milhares de brasileiros e brasileiras que apoiam a democracia contra as aventuras golpistas da extrema direita civil e militar, mas que querem uma política externa coerente, em defesa da democracia e dos direitos humanos como valores universais, não importa qual seja o regime. O autogol de Lula, portanto, pode ter até desdobramentos eleitorais no pleito municipal de outubro deste ano.

Para recuperar a coerência, o governo Lula precisa romper com a lógica maniqueísta da guerra fria. É preciso escolher um terceiro lado, coerente com o que o governo propôs para a política interna do Brasil: o lado da paz.

Presidente Lula, é possível defender o fim do ataque a Gaza, a libertação dos reféns e a convivência entre o Estado de Israel e um Estado palestino. Para isso, basta ser solidário às vítimas inocentes: todas, não importa se muçulmanas, cristãs ou judias. Na hora da contagem dos cadáveres, não existem judeus ou muçulmanos. Existem famílias desfeitas, futuros destruídos, sonhos despedaçados, crianças, mulheres e idosos mortos. Sem cor, religião ou nacionalidade.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, CIENTISTA SOCIAL, ASSESSOR ESPECIAL DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL (IBI); E JORNALISTA, ESCRITOR, AUTOR DE ‘HENRY SOBEL, O RABINO DO BRASIL’ (EX LIBRIS EDITORA)

Opinião por Daniel Douek

Cientista social, é assessor especial do Instituto Brasil-Israel (IBI)

Jayme Brener

Jornalista, escritor, é autor de 'Henry Sobel, o rabino do Brasil' (ExLibris Editora)

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