Qualidade regulatória é um tema cada vez mais presente nas agendas de competitividade e inovação das economias desenvolvidas. O diagnóstico geral é que ambientes marcados por excesso de burocracia, formalidades e insegurança jurídica são menos favoráveis à inovação.
A indústria farmacêutica, no Brasil e no mundo, está submetida a um conjunto de regulações superior ao da maioria dos demais setores econômicos. É natural que assim seja, considerando a necessidade de garantia de segurança e eficácia dos medicamentos e a necessidade de evitar que condutas anticompetitivas reduzam o acesso da população a tratamentos de saúde. Nessas condições, é imprescindível que o Estado promova a qualidade regulatória no sentido de equilibrar o controle sobre as atividades reguladas com níveis adequados de flexibilidade, sem restringir a inovação.
Mais do que apenas evitar sobrecargas regulatórias, contudo, o enorme impacto da regulação na dinâmica do setor farmacêutico faz com que esta, se bem calibrada, possa operar como um poderoso indutor da inovação e da ampliação do acesso à saúde que resulte no desenvolvimento e na produção de produtos mais eficazes, mais seguros e que ofereçam tratamento para novas doenças. Para isso, é preciso endereçar, de forma abrangente e coordenada, temas como registro e pós-registro para produtores nacionais; fluxos e processos de pesquisa clínica; aprimoramento do uso do poder de compra do Estado; precificação de medicamentos inovadores e biossimilares; e aumento da segurança jurídica e da competição ligados a instrumentos de propriedade intelectual.
Um quarto de século atrás, a superação de desafios para ampliação do acesso à saúde exigiu uma profunda reformulação do arcabouço regulatório da indústria farmacêutica. A criação da Anvisa, em 1999, foi fundamental para elevar o padrão de qualidade do setor farmacêutico brasileiro (inclusive no que tange à importação de medicamentos e insumos), que hoje está alinhado aos mais elevados padrões mundiais. Esse salto de qualidade, por sua vez, criou as condições para a promulgação da Lei dos Genéricos (Lei n.° 9.787/1999), que foi determinante para criar as condições de mercado que resultaram no crescimento e na consolidação de grandes empresas nacionais que, principalmente a partir da última década, vêm se internacionalizando e investindo de forma crescente em inovação radical e incremental. Prova disso é que, entre 2008 e 2017, o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas farmacêuticas de capital nacional e de grande porte, com mais de 500 funcionários, cresceu ao ritmo real de 10,6% ao ano. Hoje, as empresas associadas ao Grupo FarmaBrasil investem, em média, 6,1% do seu faturamento em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I).
De lá para cá houve importantes avanços, a exemplo do marco regulatório para medicamentos biológicos e da atualização da norma de registro de medicamentos sintéticos, entre outras. Mais recentemente, no contexto da pandemia de covid-19, a Anvisa tomou uma série de medidas temporárias e excepcionais com os objetivos de enfrentar o risco de desabastecimento de matéria-prima para fabricação de produtos e de viabilizar a aceleração do registro de produtos necessários para o combate à emergência sanitária. Essas experiências demonstraram que melhorias regulatórias que resultem em redução da burocracia e estímulo à inovação e à introdução de novos e melhores produtos no mercado podem ser plenamente compatíveis com a garantia da segurança.
São medidas importantes, que aproximaram a regulação brasileira da prática internacional, mas precisamos e podemos fazer mais.
Diante do desafio da neoindustrialização colocado pelo governo brasileiro, foram estabelecidas seis missões para a nova política industrial, sendo uma delas ligada à saúde e focada na construção de um complexo econômico e industrial da saúde resiliente para reduzir a vulnerabilidade do SUS e garantir o acesso universal. Tratam-se de objetivos ambiciosos que só serão alcançados se formos capazes de acelerar a inovação tecnológica e o lançamento de novos produtos no mercado, de forma competitiva.
A título de exemplo, estudo realizado pelo Grupo FarmaBrasil e validado pela Anvisa constatou que o valor potencial dos medicamentos que aguardam registro na agência (filas de análise) soma quase R$ 18 bilhões, sendo 75% desse valor referente a medicamentos novos, inovadores e biológicos. Tratam-se de inovações prontas, que evidenciam o ganho de competência tecnológica da indústria brasileira, mas que não chegam à população em razão de entraves que poderiam ser superados com avanços regulatórios que na maioria das vezes têm custos fiscais muito modestos.
Estamos novamente diante de grandes oportunidades para impulsionar o desenvolvimento tecnológico do setor farmacêutico nacional, que trará como contrapartida a ampliação do acesso à saúde da população e a contribuição para a sustentabilidade financeira do SUS e o aumento da sua resiliência.
A neoindustrialização representa a ideia de que, mais do que apenas reverter a perda de participação da indústria na economia, é preciso elevar a competitividade da indústria, torná-la mais inovadora, eficiente, sustentável e integrada ao comércio internacional. Para alcançar esses objetivos, o Estado brasileiro deve, com determinação e senso de urgência, promover uma neorregulação.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE EXECUTIVO DO GRUPO FARMABRASIL E MEMBRO DO CNDI; E DIRETOR EXECUTIVO DO OBSERVATÓRIO GRUPO FARMABRASIL: INOVAÇÃO E ACESSO EM SAÚDE